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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

John Dominic Crossan e Adolf Von Harnack: O Cristianismo e as Religiões de Mistério

Este texto objetiva reverberar a discussão histórica e atual sobre a relação entre o cristianismo e as religiões de mistério pagãs. Estudiosos afirmam que o cristianismo tomou emprestado, das religiões de mistérios, elementos relacionados às suas crenças, cultos e histórias. Eles dizem que se os cristãos acreditam na historicidade das narrativas dos evangelhos sobre Jesus, seus milagres, sua morte, ressurreição e ascensão ao céu, devem também acreditar nas histórias pagãs sobre Herácles e Dionísio, por exemplo, que são deuses-salvadores do mundo greco-romano no primeiro século.

A teoria dos empréstimos[1] encontra forte e competente resistência no mundo acadêmico. No entanto, não são poucos os estudiosos que vêem muito mais uma dependência das religiões de mistérios pagãs em relação ao cristianismo do que o contrário. Eles também insistem que, é muito mais correto, do ponto de vista histórico, enxergar uma dependência do cristianismo em relação ao judaísmo. Um exemplo disso seria a Ceia Cristã que tem como pano de fundo histórico a Páscoa Judaica e não as refeições das religiões de mistério.

O mundo no qual o cristianismo avançou triunfalmente, muitas vezes em meio a sofrimentos, era marcado por uma sede religiosa. Havia uma necessidade social por certezas em relação à redenção do mal, purificação espiritual, vitória sobre a morte e o destino e a união com o divino. Dizem os estudiosos que as antigas religiões clássicas não davam conta de corresponder a esses anseios e que as divindades gregas e romanas tinham sucumbido quanto à transmissão da inspiração do passado. Neste contexto as seitas orientais começaram a ganhar a preferência no mundo greco-romano a partir do 1º século antes de Cristo e o sincretismo se tornou um elemento de presença marcante. Com isso as religiões misteriosas tornam-se populares.

J. N. D.Kelly disse que religiões misteriosas “é o nome que se dá àqueles grupos ou comunidades religiosas bem consolidadas nas quais os novos adeptos tinham de ser iniciados em cerimônias secretas (“mistérios”) não comunicáveis aos de fora” (1994, p. 9). A palavra “mistério”, do grego mustérion que significa também “rito secreto” e “doutrina secreta”, caracteriza as religiões que incorporam doutrinas esotéricas, ritos e cerimônias de iniciação.

A popularidade dessas religiões no mundo greco-romano se deu exatamente porque elas respondiam aos anseios das classes sociais quanto à redenção, a libertação dos problemas do mal e das condições terrenais com suas limitações. No entanto, as pessoas daquele tempo poderiam também optar por outros cultos que eram bem menos místicos. Um exemplo é a religião olímpica grega.

As religiões de mistérios de Ísis-Osíris, de Cíbeli-Átis; de Afrodite-Adônis, dos eleusianos e de Mitras eram bastante populares, porém, Ísis e Cíbele ganhavam das demais em popularidade, atraindo multidões, e Mitras era o preferido entre os soldados romanos. A razão dessa popularidade descansava no fato do mitraísmo admitir em sua membresia apenas pessoas do sexo masculino. De acordo com Champlin (2008), o mitraísmo, nos segundo e terceiro séculos, tornara-se o principal rival do cristianismo nas fronteiras do império devido a grande presença numérica dos soldados romanos.

O Dr. Ronald Nash, ex-chefe de Filosofia e Religião da Universidade de Western Kentucky, autor do livro Chistianity and the Hellenistic World, nos diz que na metade do século XX, vários teólogos liberais e diversos estudiosos concluíram que o Novo Testamento não passa de um mero produto das religiões misteriosas. Como eu disse no início desse texto, essa teoria ainda é defendida nesse século XXI.

Assim, passo a apresentar algumas considerações sobre esse debate. Dividirei a exposição em três partes: 1ª) Os cultos misteriosos; 2ª) A ressurreição dos deuses salvadores pagãos e a ressurreição de Jesus Cristo e, 3ª) Rituais pagãos e ordenanças cristãs.

Os Cultos Misteriosos

1. Culto de Ísis-Osíris[2]
Os ritos deste culto tinham, a princípio, o alvo da obtenção de boas colheitas, depois se desenvolveu em um culto onde seus adeptos buscavam a salvação pessoal por meio de purificações. Kelly (p. 10) diz que “os ritos de Ísis convenciam a pessoa de que ela havia atravessado os portais da própria morte e voltara reivivificada, protegida pela deusa a quem tinha visto face a face.”

O erudito francês Andre Boulanger (1886-1958) diz que “a noção de que o deus morre e é ressuscitado, a fim de levar os seus fiéis para a vida eterna, é preservada na religião helenista misteriosa” (apud NASH 1984, p. 172-173). O egiptólogo E. A. Wallis Budge (1857-1934) afirmou que os egípcios encontraram em Osíris o protótipo de Jesus Cristo exatamente porque aquele ressuscitou dos mortos, conquistou a morte e com isso ensinou que os justos também poderiam conquistá-la. Assim ele estabeleceu conexões entre essa religião misteriosa e o cristianismo.

Os defensores da teoria dos empréstimos diriam que do mito de Osíris pode-se destacar três analogias em relação a Jesus Cristo:
Um deus salvador morre;
Ressuscita dentre os mortos;
Acompanhado por um batismo na água.

Já os estudiosos que são contrários a tal teoria apresentam os seguintes argumentos:
Jesus era um personagem real da história;
Ele apareceu em carne várias vezes;
A narrativa foi feita por testemunhas oculares;
Nem toda versão do mito de Osíris narra seu retorno a vida;
Em algumas versões ele simplesmente se torna o rei morto do mundo invisível;
No caso do batismo, dizem ser um exagero querer ver no mito egípcio uma analogia com o batismo cristão. Argumentam que o destino do caixão de Osíris no Nilo é tão relevante para o batismo como é a submersão de Atlântida.
Não há evidências antes do segundo século a.C. para a suposta ressurreição de Osíris.

2. Culto mitraico
Este culto ao que tudo indica era de origem persa. Ele girava em torno do sacrifício de um touro ao deus Mitra. Para se tornar membro desse culto era necessário observar um processo de iniciação bastante elaborado. O candidato deveria passar por sete graus. Em cada um desses graus ele praticava abluções, participava de refeições sagradas e de muitos ritos sacramentais. Esse tipo de culto era marcadamente rígido do ponto de vista disciplinar e, por isso, conforme dito anteriormente, era o preferido dos soldados romanos. Na luta contra as forças demoníacas, os homens podiam contar com a ajuda de Mitra que era considerado o mediador mais poderoso.

O autor muçulmano contemporâneo Yousuf Saleem Chishti diz:
Quem estudar os ensinamentos do mitraísmo juntamente com os do cristianismo, certamente se surpreenderá com a afinidade que é visível entre eles, tanto que muitos críticos são obrigados a concluir que o cristianismo é o fac-símile ou a segunda edição do mitraísmo. (apud GEISLER, 2001, p.87)

Ao falar de afinidade, Chisthi está se referindo às seguintes questões:
Estando na terra, Mitra dedicou-se a servir à humanidade;
Celebrou uma última ceia;
Esforçou-se para remir o homem;
Subiu para o céu;
No céu continua a ministrar aos homens;
Tem agentes terrenos;
Ajuda-os a vencerem os poderes demoníacos.

Chisthi diz ainda que “Mitra foi considerado o filho de Deus, foi um salvador e nasceu de uma virgem, teve doze discípulos, foi crucificado, ressuscitou dos mortos no terceiro dia, expiou os pecados da humanidade e voltou para o seu pai no céu” (idem,87-88).
Porém, estudiosos como o historiador Edwin Yamauchi e o especialista em mitraísmo M.J. Vermaseren afirmam que a religião de Mitra não penetrou no ocidente até o fim do século 1º d.C. Respectivamente, eles disseram:
Além da visita do armênio, que era adorador de Mitra, a Nero, não há evidência da penetração de Mitra para o ocidente até o final do século 1º a.D. (1983, p.112 apud MCDOWELL; WILSON, 1998, p. 213)

Nenhum monumento mitraico pode ser datado de antes do fim do século 1º a.D., e nem mesmo investigações extensas na cidade de Pompéia, sepultada sob as cinzas do Vesúvio em 79 a.D., produziram até agora uma imagem sequer do deus. (1963, p. 29, idem)

O que estes estudiosos estão afirmando é que o culto a Mitra não se firmou no império romano até depois do ano 100 E.C. A questão cronológica, segundo eles, é anacrônica. Ronald Nash diz a mesma coisa e ainda afirma que os escritos neotestamentários não podem ser datados acima do período de 90-100 d.C. Disso conclui-se que se alguém foi influenciado por alguém, foi o mitraísmo quem experimentou isso e não o cristianismo e, esse fato, desloca a afirmação de Chisthi. Este autor ainda tem contra o seu argumento o testemunho de Justino Mártir (100-165) que diz sobre o mitraísmo e a Ceia do Senhor, em sua Primeira Apologia, o seguinte:
"Foi isso que os Apóstolos nas Memórias por eles escritas, que se chamam Evangelhos, nos transmitiram que assim foi mandado a eles, quando Jesus, tomando o pão e dando graças, disse: “Fazei isto em memória de mim, este é o meu corpo”. E igualmente, tomando o cálice e dando graças, disse: “Este é o meu sangue”, e só participou isso a eles. É certo que isso também, por arremedo (o grifo meu), foi ensinado pelos demônios perversos para ser feito nos mistérios de Mitra."

McDowell e Wilson afirmam que “em vista da data recente para o culto de Mitra no império romano, podemos eliminá-lo com segurança como uma possível influência sobre as origens cristãs.” (1998, p. 213).

3. Culto Cibele-Átis
O culto a Cibele é encontrado entre os frígios. Essa deusa era considerada como a Magna Mater e era a deusa da fertilidade. Átis, deus da vegetação e amante de Cibele, emasculou-se para que a sua virilidade fosse dada a sua amante. Nos cultos dessa deusa a adoração era marcada por orgias cerimoniais e os muitos homens que participavam desse culto castravam-se com o propósito de serem seus sacerdotes. Sobre o culto à Grande Mãe Nash diz:
Ia além das orgias sexuais, que faziam parte do culto primitivo a Dionísio, à medida que os adoradores do sexo masculino frenéticos eram levados a castrar-se. Depois desse ato de automutilação, os seguidores de Cibele se tornavam “Galli”, ou sacerdotes-eunucos do culto. (1984, p. 139)

Um emocionalismo marcante é que dava o tom ao culto cibeleno.

Neste culto, havia um ritual muito importante que era o taurobolium. De acordo com Kelly:
"Nos ritos de Cibele e Átis, por exemplo, ele (o iniciado) se submetia a um tipo de batismo no sangue de um touro (taurobolium) ou de um carneiro (criobolium), que era abatido sobre; como conseqüência, a pessoa sentia-se “renascida para sempre." (1994, p. 10)

A dinâmica do ritual era a seguinte: os iniciados ficavam deitados ou em pé em uma cova e, acima dela, o touro, enfeitado de flores, era abatido e o seu sangue gotejava da plataforma sobre eles que tomavam um banho quente enquanto o animal agonizava. Alguns estudiosos dizem que Apocalipse 7:14 que diz “são estes os que… lavaram suas vestiduras,e as alvejaram no sangue do Cordeiro”, teve como fonte inspiradora o ritual do taurobolium.

O erudito alemão Gunter Wagner põe a idéia de renascimento por meio do tauróbolo no culto a Átis em fins do século 4º d.C. Portanto, vão dizer os opositores que se houve alguma inspiração não foi desse ritual pagão sobre o cristianismo, mas o contrário. O fato é que o pano de fundo do ensino do Novo Testamento é o Antigo Testamento com a Páscoa Judaica e os sacrifícios templários.

A ressurreição dos deuses salvadores pagãos e a ressurreição de Jesus Cristo
1. A Ressurreição de Osíris
Champlin fala que “segundo a crença, Osíris teria sido morto e desmembrado por Sete, o deus maligno. Ísis pôs-se a procurar até encontrar os membros do marido, e, depois de ajuntá-los, fez seu marido voltar à vida” (2008, vol. 5, p. 654).

Estudiosos como Gerald Massey, Joseph Campbell, Tom Harpur e John G. Jackson põem em dúvida a veracidade histórica do Jesus da fé. Eles defendem que a morte e ressurreição de Jesus Cristo derivam do mito de Osíris. S. Brandon conclui que “em termos de fenomenologia das religiões, Osíris é uma prefiguração de Cristo como deus morto e ressuscitado, e como salvador, embora sua morte não fosse interpretada em sentido soteriológico” (1975, p. 1118).

Uma narrativa a respeito da ressurreição de Osíris dá conta de que seu corpo foi restaurado por uma ação conjunto Ísis, Hórus e Anúbis que atuaram sob a liderança do deus Tot. Com a sua ressurreição, Osíris tornou-se conhecido como a causa primeira da ressurreição humana dotado de totais condições para conferir vida após a morte.

Devido a essas breves, mais incisivas informações, é que as narrativas dos Evangelhos sobre Jesus Cristo precisam ser entendidas como um resgate posterior do mito egípcio, afirmam os estudiosos que defendem a teoria dos empréstimos.

Uma observação mais minuciosa não poderá negar que semelhanças existem. Os elementos, estágio de vida humana, morte violenta e ressurreição que caracterizam história da vida de Jesus Cristo são essas semelhanças.

Porém, alguns contra-pontos importantes são levantados por aqueles que não admitem a dependência do cristianismo em relação ao mito de Osíris.
Osíris não morreu por outra pessoa, mas a morte de Jesus é soteriológica;
A morte de Osíris não foi um evento real, a de Jesus sim;
Osíris não morreu violentamente, Jesus sim;
A morte de Osíris foi uma derrota, ao passo que a de Jesus não.

Nash comenta: É neste ponto (quando Ísis recolhe as partes do corpo de Osíris) que a linguagem usada para descrever o que se segue é crucial. Algumas vezes, os contadores da história ficam satisfeitos em dizer que Osíris voltou à vida… Mas alguns escritores ultrapassam os limites da “ressurreição” de Osíris. (1984, p. 137)

2. A Ressurreição de Átis

Átis, segundo o mito, teria sido infiel a Cibele e acabou sendo amaldiçoado por ela com a demência. Ele cai em um profundo luto, introduz a morte no mundo natural, depois traz Átis à vida e restabelece a vida no mundo natural. Uma outra narrativa dá conta de que Átis é instituído por Cibele como aquele que iria cuidar do seu culto. Para tanto, ele deveria manter a castidade. Porém, ele acaba quebrando o voto com a ninfa Sangarida. Por conta disso, Cibele acaba punindo-o matando a ninfa. Átis magoa-se profundamente, emascula-se e tenta se enforcar, mas Cibele o impede e o transforma em um pinheiro.

Nos chamados festivais de primavera, que são celebrações romanas posteriores ao 1º século d.C., encontra-se celebrações que indicam uma ressurreição. Os adeptos do culto pagão cortavam um pinheiro, enterravam-no e, depois, entravam em êxtase cultual onde se mutilavam. Depois, eles desenterravam a árvore e celebravam a ressurreição de Átis.

Alguns estudiosos vêem o retorno à vida desse deus como uma “ressurreição”.

Para alguns intérpretes a história de Cibele e Átis é algumas vezes citada como um paralelo e como uma fonte inspiradora da narrativa sobre a morte e a ressurreição de Jesus. Contudo, três pontos são levantados para se contrapor a esse raciocínio: 1) No mito de Cibele-Átis não existe nenhum destaque que assemelhe a ressurreição; 2) Nem tampouco, existe qualquer menção que o corpo de Átis tenha sido preservado por Cibele como ele era na esfera humana; 3) Apenas em literatura do 4º século é que se encontra essa ressurreição de Átis.

3. A Ressurreição de Adônis

“O cristianismo não destruiu o paganismo; ele o adotou… A ressurreição veio da estória síria de Adônis…” (DURANT, 1944, p. 595).

O mito de Afrodite-Adônis é oriundo da Síria. Afrodite era considerada a deusa que personificava a vida-mãe do mundo natural, ao passo que Adônis representava a morte e o renascimento da vegetação. No culto a Adônis, sua morte era configurada por um intenso drama místico. Quando era celebrada a sua morte havia bastante lamentação acompanhada de um júbilo frenético e da sua imaginária ressurreição. Toda essa comoção cúltica simbolizava as expectativas dos iniciados quanto à vitória sobre a morte e a restauração à vida eterna.

A resposta básica para a afirmação de que a “ressurreição de Adônis” [e dos demais deuses misteriosos citados] influenciou o ensino sobre a morte e ressurreição de Jesus Cristo, é a que envolve a questão da datação. Para muitos estudiosos não existe nenhuma prova da influência das religiões misteriosas na Palestina nas primeiras décadas do século 1º. Norman Anderson diz: “não há evidência alguma, que eu saiba, de as religiões misteriosas terem tido qualquer influência na Palestina nas primeiras décadas do século 1°” (1984, p. 53-54 apud MCDOWELL; WILSON, 1998, p. 206).

Norman Geisler e Frank Turek fazem a seguinte afirmação:
O primeiro paralelo real de um deus morrendo e ressurgindo não aparece até 150 d.C., mais de cem anos após a origem do cristianismo. Portanto, se houve alguma influência de uns sobre os outros, foi a influência dos eventos históricos do Novo Testamento [ressurreição] na mitologia, não o inverso. O único relato conhecido da sobrevivência de um deus à morte que antecede o cristianismo é o culto do deus egípcio Osíris. Neste mito, Osíris é cortado em quatorze pedaços, espalhados por todo o Egito, em seguida, reagrupado e trazido de volta à vida pela deusa Isis. Contudo, Osíris não volta realmente à vida física, mas torna-se membro de um submundo sombrio. Isso é muito diferente do relato da ressurreição de Jesus, que foi gloriosamente ressuscitado como Príncipe da vida, que foi visto por outras pessoas na terra antes de sua ascensão ao céu [...] mesmo que hajam mitos sobre a morte e ressurreição de deuses anteriores ao cristianismo, isso não significa que os escritores do Novo Testamento copiaram esses mitos. (2004, p. 312)

Em síntese, na opinião dos eruditos que são contra a teoria dos empréstimos, os estudiosos só podem falar sobre uma “ressurreição” de Osíris, Átis ou Adônis no sentido mais amplo e subjetivo.

Rituais pagãos, o batismo e a ceia cristãos
1. Batismo

No mundo gentílico, nos dias de Jesus, o batismo não era uma novidade. Purificações religiosas eram praticadas pelos hindus, persas e egípcios. Porém, elas tinham mais destaque nas religiões romanas e gregas. “Às vezes elas [as purificações religiosas] tomavam a forma de banhos no mar, e às vezes eram efetuadas por aspersão” (BERKHOF, 2007, p. 575).

Diante disso, alguns estudiosos afirmam que o rito batismal cristão fora instituído a partir da influência das religiões de mistérios pagãs. Para o falecido teólogo existencialista Paul Tillich, essa associação é real. O taurobolium é o rito mais notavelmente análogo. Ele deixava as pessoas com o sentimento de ter renascido para sempre.

O batismo cristão, fundamentalmente na teologia paulina, está associado à identificação do crente com Jesus Cristo em sua morte, sepultamento e ressurreição. Alguns acadêmicos negam que exista algum elemento indicativo de que esse simbolismo esteja presente tanto no taurobolium bem como nos banhos ritualísticos das religiões de mistérios.

2. Ceia

No culto mitraico é que se encontra o único ritual que se pode comparar com a Ceia do Senhor (Jesus Cristo) no Novo Testamento. O sacerdote desse culto colocava diante do adepto um pedaço de pão e um copo com água e dizia algumas palavras cerimoniais. Esse momento relembrava o ato de Mitra que celebrou uma ceia antes de ascender ao céu. Já informamos que o erudito muçulmano Yousuf Saleem Chishti diz que o cristianismo é o fac-simile do mitraísmo. Essa refeição cúltica é mais um sinal disso. No entanto, Ronald Nash defende que a Ceia do Senhor deve ficar perto da base judaica do que tomar uma direção rumo às práticas cúlticas das religiões de mistérios. É durante a festa da Páscoa Judaica que Jesus Cristo institui a Ceia. Assim, ele defende que o paralelismo com o mitraísmo é débil e fruto de um reducionismo acadêmico exagerado.

Considerações Finais

Talvez, o “calcanhar de Áquiles” dos defensores da teoria dos empréstimos seja o problema da datação. É impossível que as religiões de mistérios tenham influenciados o cristianismo do primeiro século [período de escrita dos textos neotestamentários] visto terem elas surgido na Palestina em um tempo bem posterior. Agora, se se deseja falar de “falta de originalidade”, o fato é que não se pode desprezar a clara e inequívoca dependência do cristianismo em relação ao judaísmo. Questões como sacrifícios, derramamento de sangue, refeições religiosas, etc., estão presentes no contexto religioso judaico. Jesus era judeu e foi um observador do judaísmo de seu tempo assim como seus primeiros apóstolos, segundo nos informa o Novo Testamento. Se há alguma matriz religiosa da qual dependeu o cristianismo, essa matriz é judaica e não pagã.

A seguir, apresento dois fragmentos de estudiosos – John Dominic Crossan e Adolf Von Harnack, respectivamente – que não são conservadores, com vistas a instigar mais ainda a reflexão e a pesquisa sobre essa tentativa de alguns em valorizarem a teoria dos empréstimos que, segundo me parece, é frágil e improcedente.

· Sua mãe (mãe de César Augusto) estava no templo de Apolo, deitou lá e dormiu. Durante a noite ela foi inseminada por Apolo na forma de uma serpente e, portanto, o menino que nasceu era divino, Augusto, e é claro que milhões de pessoas devem ter dito no primeiro século: vejam o que ele fez. Ele trouxe paz ao império que estava em guerra. Ele acabou com as guerras civis. Ele é o nosso homem. Isso tudo (histórias de nascimentos virginais que circulavam no mundo greco-romano do I século E.C) diz respeito à mitologia grega e à romana, e o que eu posso fazer? Devo acreditar em todas essas histórias, ou devo dizer que todas elas são mentiras, exceto a nossa história cristã?[3]
· Devemos rejeitar a mitologia comparativa que encontra uma ligação causal entre tudo e tudo o mais, a qual derruba barreiras sólidas, constrói pontes sobre os abismos como se fosse uma brincadeira de criança, e tece combinações de semelhanças superficiais [...] Mediante tais métodos, podemos transformar Cristo num deus-sol num piscar de olhos, ou podemos inventar lendas para o nascimento de qualquer deus concebível, ou podemos apanhar toda a sorte de pombas mitológicas para fazer companhia à pomba batismal; e descobrir qualquer número de asnos celebrados para seguir o asno montado por Jesus até Jerusalém; e assim, com a varinha mágica da “religião comparativa”, eliminar triunfalmente todo traço espontâneo de qualquer religião. (apud MCDOWELL; WILSON, 1998, p. 218)

Frente ao que foi dito acima, afirmo que a importância do debate não deve ser exagerada, no entanto, ele é necessário, empolgante e precisa continuar.
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AGRADECIMENTO: Texto acima faz parte do Trabalho de TCC de Zwinglio no curso de Ciências da Religião.
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Referências 
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.
BRANDON, S. Diccionario de Religiones Comparadas. Madri: Ediciones Cristandad, 1975.
CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Hagnos, 9º ed., vol. 5 2008.
DURAND, Gilbert. A Fé do Sapateiro. Brasília: Editora Universidade de Brasília, DF, 1995.
EVANS, Craig. O Jesus Fabricado. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
GEISLER, Norman. Enciclopédia de Apologética. São Paulo: Vida, 2001.
________ Eu Não Tenho Fé Suficiente Para Ser Ateu. São Paulo: Vida, 2004.
HANEGRAAF, Hank. Jesus, Ele Nasceu para Morrer Por Nós, ICP – Instituto Cristão de Pesquisa. Acesso em: 04 set. 2010.
JUSTINO, de Roma. I Apologia de Justino de Roma. Monergismo. Acesso em: 04 set. 2010.
MCDOWELL, Josh; WILSON, Bill. Ele Andou entre Nós: evidências do Jesus Histórico. São Paulo: Candeia, 1998.
NASH, Ronald. Christianity And The Hellenistic World. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1984.
KELLY, J. N. D. Patrística. São Paulo: Vida Nova, 1994.