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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Para além do Gnosticismo


Alguns autores fazem uma distinção entre “gnosis” e “gnosticismo”. A gnose seria uma experiência baseada não em conceitos e preceitos, mas na sensibilidade do coração e o gnosticismo, por outro lado, é uma visão de mundo baseada na experiência de Gnose, que tem por origem etimológica o termo grego gnosis, que significa “conhecimento”, mas não um conhecimento racional, científico, filosófico, teórico e empírico a “episteme” dos gregos, mas de caráter intuitivo e transcendental; sabedoria. Sendo usado para designar um conhecimento profundo e superior do mundo e do homem, que dá sentido à vida humana, que a torna plena de significado porque permite o encontro do homem com sua essência eterna, a centelha divina.

O movimento originou-se provavelmente na Ásia Menor, difundindo-se da região do Irã à Gália, exercendo a sua maior influência sobre o cristianismo entre os anos de 135 e 200. Tem como base elementos das filosofias pagãs que floresciam na Babilônia, Antigo Egipto, Síria e Grécia Antiga, combinando elementos da astrologia e mistérios das religiões gregas como os do elêusis, do zoroastrismo, do hermetismo, do sufismo, do judaísmo e do cristianismo.

Num texto hermético lê-se que a gnosis da Mente é a “visão das coisas divinas“. G.R.S.Mead acrescenta que “Gnosis não é conhecimento sobre alguma coisa, mas comunhão, conhecimento de Deus“. Este é o grande objetivo, conhecer “Deus”, a Reali­dade em nós. Não é a crença, a fé ou o simples conhecimento o que importa. O fundamental é a comunhão interior, o religar da Mente individual com a Mente universal, a capacidade do homem “transcender os limites da dualidade que faz dele homem e tornar-se uma consciência divina“.

A posse da Gnosis significa a habilidade para receber e compreender a revelação e o verdadeiro Gnóstico seria aquele que conhece a revelação interior ou oculta desvelada e que também compreende a revelação exterior ou pública velada. Não é alguém que descobriu a verdade a seu respeito por meio de sua própria desamparada reflexão, mas alguém para quem as manifestações do mundo interior são mostradas e tornaram-se inteligíveis.

“Gnosis sobre quem éramos e no que nos tornamos; onde estávamos e onde viemos parar; para onde nos dirigimos e onde somos redimidos; o que é a geração, e o que é a regeneração”. Extratos de Theodotus

Doutrina Gnóstica

O pré-requisito essencial da filosofia gnóstica é o postulado da existência de uma “entidade imortal”, que não é parte deste mundo, que pode ser chamado de Deus interno, Centelha divina, Crístico, divina essência etc, que existe em todos os homens e é a sua única parte imortal. Os gnósticos consideram que o estado do homem neste mundo é “anti-natural”, pois ele está submetido a todo tipo de sofrimentos. Para eles, é necessário que o homem se liberte deste sofrimento, e isto só pode ocorrer pelo conhecimento.

Os gnósticos, de um modo geral, acreditavam que o Universo manifestado principia com emanações do Absoluto, seres finitos chamados de Æons que se reúnem no Pleroma. No princípio tudo era Uno com o Absoluto, então em um determinado momento, emanaram do Absoluto estes éons, formando o pleroma. O pleroma dos gnósticos é um plano arquetípico, abaixo do qual está o plano material, manifestado. Assim, o que antes era Uno, vivia no pleroma, se despedaça em partes, e este gera um estado de infelicidade, pela descida no pleroma (e separação do Todo Uno), é o que ocasiona o sofrimento do homem neste mundo.

Um dos éons, Sophia deu à luz o Demiurgo (artesão em grego), que criou o mundo material “mau”, juntamente com todos os elementos orgânicos e inorgânicos que o constituem. Os gnósticos ensinavam que a salvação vem por meio de um desses éons, geralmente apresentado como o décimo terceiro éon, distinto dos doze éons que regem o mundo decaído. Segundo a doutrina, Cristo se esgueirou através dos poderes das trevas para transmitir o conhecimento secreto (gnosis) e libertar os espíritos da luz, cativos no mundo material terreno, para conduzi-los ao mundo espiritual mais elevado.


Segundo algumas linhas gnósticas, Cristo não veio em carne e nunca assumiu um corpo físico, nem foi sujeito à fraqueza e às emoções humanas, embora parecesse ser um homem, enquanto a principal linha de gnosticismo cristão, a Valentiniana defende a tese próxima do nestorianismo doutrina cristã, nascida no Século V, segundo a qual há em Jesus Cristo duas pessoas distintas, uma humana e outra divina, sendo Cristos (o ungido) o éon celestial que a um tempo se une a Jesus.

Alguns historiadores afirmam que o apóstolo João se refere a esse assunto quando enfatiza que “o Verbo se fez carne” (Jo l .14) e em sua primeira epístola que “todo o espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus…” (l Jo 4.3). Os escritos joaninos são do final do primeiro século, quando nasceu o gnosticismo. No entanto, muitas comunidades gnósticas tinham o Evangelho de João em alta conta.

Dualismo e Monismo

Normalmente, os sistemas gnósticos são vagamente descritos como sendo “dualistas” em natureza, o que significa que tem a visão do mundo constituído ou explicável como duas entidades fundamentais. Hans Jonas escreve: “A característica central do pensamento gnóstico é o radical dualismo que rege a relação de Deus e o mundo e, correspondentemente, do homem e o mundo. “ Dentro desta definição, que funcionam a gama do dualismo radical dos sistemas de maniqueísmo, do dualismo mitigado de alguns movimentos gnósticos; a evolução Valentiniana indiscutivelmente aborda uma forma de monismo, expresso em termos anteriormente utilizados de forma dualista.

O dualismo radical – ou dualismo absoluto que postula duas forças divinas co-iguais. O Maniqueísmo concebe dois reinos anteriormente coexistente da luz e da escuridão que se envolveu em conflito, devido à caótica ações deste último. Posteriormente, alguns elementos da luz tornaram-se aprisionados dentro da escuridão, o propósito da criação material é para decretar o lento processo de extração destes elementos individuais, a fim de que o reino de luz prevalece sobre as trevas.

Esta mitologia dualista do zoroastrismo , no qual o espírito eterno Ahura Mazda é a oposição de sua antítese, Angra Mainyu , os dois estão envolvidos em uma luta cósmica, a conclusão de que será ver Ahura Mazda triunfante. A criação no mito Mandeano, emanações progressivas do Supremo Ser de Luz, com cada emanação provocando uma corrupção progressiva que resulta no aparecimento eventual de Ptahil, o deus das trevas, que teve uma mão na criação de regras e passam a constituir o reino material.

Além disso, o pensamento gnóstico geral, comumente incluíam a crença de que o mundo material corresponde a algum tipo de intoxicação provocada pelo mal os poderes das trevas para manter elementos da luz aprisionada dentro dele, ou, literalmente, para mantê-los no escuro “, ou ignorantes, em um estado de distração bêbado.

Dualismo mitigado – quando um dos dois princípios é, de alguma forma inferiores aos outros. Tais movimentos gnósticos clássicos como o Sethiniano concebeu o mundo material como sendo criado por uma divindade menor do que o verdadeiro Deus, que era o objeto de sua devoção.

O mundo espiritual é concebido como sendo radicalmente diferente do mundo material, co-extensivo com o Deus verdadeiro, é a verdadeira casa de alguns membros iluminados da humanidade, portanto, estes sistemas foram expressivos de um sentimento agudo de alienação do mundo, e seu objetivo era permitir um resultado da alma, para escapar das limitações apresentadas pelo reino físico.

Nesses mitos, a malevolência do demiurgo é mitigada; sua criação de uma materialidade falha não é devido a qualquer falha moral da sua parte, mas devido a sua imperfeição em contraste com as entidades superiores de que ele desconhece.

Para que o homem possa se libertar dos sofrimentos deste mundo, segundo os gnósticos, ele deve retornar ao Todo Uno, por ascensão ao pleroma, e isto só pode ser alcançado pelo Conhecimento Verdadeiro (representado pela Gnose). Este despertar só pode ocorrer se o homem se descobre, “conhecendo-se a si próprio”. Para o Gnosticismo existem três níveis de realização. No nível mais elevado estão aqueles que eram chamados eleitos, ainda que sem um sentido elitista de exclusão. Entre os gnósticos, eles eram conhecidos como pneumáticos, que significa espirituais.O grupo seguinte, os intermediários, são os psíquicos ou religiosos.

E, finalmente, os homens comuns, os muitos, na linguagem de Jesus, eram chamados pelos gnósticos, de ílicos ou materiais, pois aqueles que só estão voltados para os prazeres da vida material imediata, sem nenhum interesse pelo objetivo último da vida. Os textos gnósticos também tratam estes níveis como descendentes de Seth, Abel e Caim.

Assim, o ensinamento do Mestre Jesus, o Cristo – Aeon da Salvação, foi estruturado para atender as necessidades desses três grupos de pessoas. Para o povo em geral, para aqueles que estão voltados exclusivamente para a vida neste mundo, a ênfase eram os ensinamentos sobre a ética e a vida diária. Para os homens intermediários, que os gnósticos chamavam de religiosos, eram ensinamentos mais abrangentes sobre a vida e a prática espiritual, sendo esses ensinamentos encontrados nas escrituras cristãs.

E é interessante lembrar que esse grupo intermediário, eram aqueles que nesta vida, em função de suas decisões, determinações e postura de vida poderiam cair no grupo dos muitos, os materialistas, ou então, elevarem-se e entrar no grupo dos eleitos, daqueles que poderiam vir a ser salvos ou libertos. E, finalmente, para o grupo dos assim chamados espirituais, os poucos, a tradição oferece ensinamentos sobre o caminho acelerado. O caminho acelerado, com suas naturais exigências de purificação e dedicação, só está aberto a poucos.

Assim, os primeiros cristãos sabiam que dois tipos de pessoas se achegariam ao cristianismo, um tipo sem o toque pneumático, e, portanto, incapaz de aproximar-se da salvação pelo conhecimento e pela sabedoria dos Mistérios, mas possuindo apenas capacidade de assimilar pela fé o lado superficial da Lei; o outro tipo, tocado pelo dom pneumático, pela centelha-espírito, que possuiria plena capacidade de assimilar os conhecimentos e a sabedoria dos Mistérios divinos e descer ao nível profundo e espiritual da Lei, podendo gozar de completa iluminação e redenção.” Orígenes ” De Principiis”

Grandes escolas gnósticas e seus textos

As escolas do Gnosticismo podem ser definidas de acordo com um dos sistemas de classificação como membros de duas grandes categorias. São elas as escolas “Orientais/Persas” e as escolas “Siríacas/Egípcias”. As escolas da primeira categoria possuem tendências dualistas mais pronunciadas, refletindo a forte influência das crenças do Zorastrismo Zurvanista persa. Já as escolas síriaco-egípcias e os movimentos que elas deram origem têm tipicamente uma visão mais Monista.

Notáveis exceções existem, incluindo movimentos relativamente modernos, que parecem ter incluído elementos de ambas as categorias, como os cátaros, os bogomilos e os carpocracianos.

Gnosticismo persa

As escolas persas, que apareceram na província da Babilônia e cujos escritos foram produzidos originalmente em dialetos aramaicos falados na região na época, representam o que se acredita serem as formas mais antigas do pensamento gnóstico.

Estes movimentos são considerados pela maioria como religiões por si sós e não seitas emanadas do Cristianismo ou do Judaísmo.

Mandeísmo é ainda praticado por pequenos grupos no sul do Iraque e na província iraniana do Khuzistão. O nome do grupo deriva do termo Mandā d-Heyyi, que significa “Conhecimento da Vida”.

Embora a origem exacta deste movimento não seja conhecida, João Batista eventualmente se tornaria uma figura chave nesta religião, assim como ênfase no batismo se tornou parte do cerne de suas crenças. Assim como no Maniqueísmo, apesar de certos laços com o Cristianismo, os mandeanos não acreditam em Moisés, Jesus ou Maomé. Suas crenças e práticas também tem poucas sobreposições com as religiões fundadas por eles.

Uma quantidade significativa das Escrituras originais Mandeanas sobreviveram até a era moderna. O texto principal é conhecido como Genzā Rabbā e tem trechos identificados pelos estudiosos como tendo sido copiados já no século II dC. Existe também o Qolastā, ou “Livro Canônico de Oração” e o sidra ḏ-iahia, o “Livro de João Batista”.

Maniqueísmo, que representa toda uma tradição religiosa e que agora está quase extinto, foi fundado pelo profeta Mani (216-276 dC).

Embora acredite-se que a maior parte das Escrituras dos maniqueístas tenha se perdido, a descoberta de uma série de documentos originais ajudou a lançar alguma luz sobre o assunto. Preservados agora em Colônia, Alemanha, o Codex Manichaicus Coloniensis contém principalmente informações biográficas sobre o profeta e alguns detalhes sobre seus ensinamentos.

Como disse Mani, “O Deus verdadeiro não tem nada a ver com o mundo material e o cosmos”, e “É o Príncipe das Trevas que falou com Moisés, os judeus e seus sacerdotes. Portanto, cristãos, os judeus e os pagãos estão envolvidos no mesmo erro quando adora este Deus. Pois ele os leva para perdição através dos desejos que lhes ensinou”.

Gnosticismo siríaco-egípcio

A escola siríaca-egípcia deriva muito de sua forma geral das influências platônicas. Tipicamente, ela apresenta a criação numa série de emanações de um fonte primal monádica, finalmente resultando na criação do universo material.

Como consequência, há uma tendência nestas escolas em ver o “mal” (ou a maldade) como a matéria, inferior à bondade, sem inspiração espiritual e sem bondade, ao invés de retratá-lo como uma força igual.

Podemos dizer que estas escolas gnósticas utilizar os termos “bem” e “mal” como sendo termos “relativos”, pois se referem aos relativos apuros da existência humana, aprisionada entre estas realidades e confusa na sua orientação, com o “mal” indicando a distância extremada do princípio e fonte do “bem”, sem necessariamente enfatizar uma negatividade inerente.

Como pode ser visto abaixo, muitos destes movimentos incluíram fontes relacionadas ao Cristianismo, com alguns inclusive se identificando como cristãos (ainda que de forma distintamente diferente das chamadas formas ortodoxas ou católica romana).

Escrituras siríaco-egípcias

A maioria da literatura nesta categoria nos é conhecida ou foi confirmada pela descoberta da Biblioteca de Nag Hammadi. Obras Setianas, assim chamadas em homenagem ao terceiro filho de Adão e Eva, Sete (ou Seth), que eles acreditavam possuir e ser o disseminador da gnosis. As obras tipicamente setianas são:

  • O Apócrifo de João
  • O Apocalipse de Adão
  • A Hipóstase dos Arcontes, também conhecido por “A Realidade dos Regentes”
  • Trovão, Mente Perfeita
  • Protenóia trimórfica
  • Livro Sagrado do Grande Espírito Invisível também conhecido por “Evangelho Copta dos Egípcios”
  • Zostrianos
  • Alógenes
  • As Três estelas de Sete
  • O Evangelho de Judas
  • Obras Tomistas, assim chamadas por causa da escola de Tomé Apóstolo. Todos são pseudepígrafos. Os textos geralmente atribuídos a ela são:
  • Hino da Pérola, também conhecido como “Hino de Tomé Apóstolo Dídimo no país dos Indianos”
  • Atos de Tomé
  • O Evangelho de Tomé
  • Livro de Tomé o Adversário

Obras Valentianas são assim chamadas em referência ao Bispo e professor Valentim (ca. 153 dC). Ele desenvolveu uma complexa cosmologia fora da tradição setiana. Em certo ponto chegou a estar próximo de ser nomeado o Bispo de Roma, naquela que hoje é a Igreja Católica Romana. As obras geralmente atribuídas a eles estão listadas abaixo, sendo que os fragmentos que podem ser diretamente relacionadas a elas estão marcados com asterisco:

  • A Divina Palavra presente na Criança (Fragmento A) *
  • Sobre as Três Naturezas (Fragmento B) *
  • A Habilidade de falar de Adão (Fragmento C) *
  • Para Agathopous: O Sistema Digestivo de Jesus (Fragmento D) *
  • Aniquilação do Reino da Morte (Fragmento F) *
  • Sobre Amizade: A Fonte da Sabedoria Comum (Fragmento G) *
  • Epístola sobre Conexões Sentimentais (Fragmento H) *
  • Colheita de Verão *
  • Evangelho da Verdade *
  • A versão Ptolemaica do Mito Gnóstico
  • Prece do apóstolo Paulo
  • Epístola de Ptolomeu à Flora
  • Tratado sobre a Ressurreição, ou Epístola a Reginus.
  • Evangelho de Filipe

Obras Basilidianas, assim chamadas por causa do fundador da escola, Basilides (132–? dC). Quase todas as obras são conhecidas por nós principalmente através da crítica de um de seus oponentes, Ireneu de Lyon, no seu livro Adversus Haereses. Outros trechos são conhecidos através das obras de Clemente de Alexandria, principalmente a Stromata:

  • O Octeto das Entidades Subsistentes (Fragmento A)
  • A The Singularidade do Mundo (Fragmento B)
  • Ser Eleito Naturalmente requer Fé e Virtude (Fragmento C)
  • O Estado da Virtude (Fragmento D)
  • Os Eleitos Trascendem o Mundo (Fragmento E)
  • Reincarnação (Fragmento F)
  • O Sofrimento Humano e a Bondade da Providência (Fragmento G)
  • Pecados Perdoáveis (Fragmento H)
  • Gnosticismo posterior e grupos influenciados pelo Gnosticismo

A cruz circular, harmônica era um emblema utilizado pelos cátaros, uma seita medieval relacionada ao Gnosticismo.Simão Mago e Marcião de Sinope: ambos tinham tendências gnósticas, mas as ideias que eles apresentaram estavam ainda em formação; por isso, eles podem ser descritos como pseudo- ou proto-gnósticos.

Ambos desenvolveram um considerável conjunto de seguidores. O pupilo de Simão Mago, Menandro de Antióquia também pode ser incluído neste grupo. Marcião é popularmente identificado como gnóstico, porém a maior parte dos estudiosos não entende assim.
Cerinto (c. 100 dC), o fundador de uma escola herética com elementos gnósticos. Como gnóstico, Cerinto mostrou Cristo como um espírito celeste separado do homem Jesus e citou o Demiurgo como criador do mundo material.

Porém, ao contrário dos gnósticos, Cerinto ensinava os cristãos a observar a lei judaica; seu demiurgo era sagrado e não inferior; e acreditava na Segunda vinda de Cristo. Sua gnosis era um ensinamento secreto atribuído a um apóstolo. Alguns estudiosos acreditam que a Primeira Epístola de João foi escrita em resposta a Cerinto.

Os Ofitas, assim chamados por reverenciarem a serpente do Gênesis como um fonte de conhecimento.

Os Cainitas, que como o nome implica, veneravam Caim, assim como Esaú, Korah e os sodomitas. Há pouca evidência sobre a natureza deste grupo; porém, é possível inferir que eles acreditavam que indulgência no pecado era a chave para a salvação, pois dado que o corpo é intrinsecamente mau, é preciso denegri-lo com atitudes imorais (veja libertinismo). O nome ‘cainita’ não é utilizado aqui no sentido bíblico de “descendentes de Caim” (que segundo a Bíblia foram exterminados no Dilúvio).

Os Carpocracianos, uma seita libertina que acreditava unicamente no Evangelho dos Hebreus.

Os Borboritas, uma seita libertina gnóstica, que acredita-se ser uma derivação dos Nicolaítas

Os Paulicianos, um grupo adocionista, também acusado por fontes medievais como sendo gnóstica e quasi-maniqueísta. Eles floresceram entre 650 e 872 na Armênia e nas províncias (ou temas) orientais do Império Bizantino.

Os Bogomilos, a síntese (no sentido do sincretismo) entre o Paulicianismo Armênio e o movimento reformista da Igreja Ortodoxa Búlgara, que emergiu durante o Primeiro império búlgaro entre 927 e 970, e se espalhou pela Europa.

Os Cátaros (Cathari, Albigenses ou Albigensianos) são tipicamente vistos como imitadores do Gnosticismo. Se os cátaros possuíam ou não uma influência histórica direta do antigo Gnosticismo ainda é tema disputado, embora alguns acreditem que numa transferência de conhecimento dos bogomilos.

Embora as concepções básicas da cosmologia gnóstica possam ser encontradas nas crenças cátaras (principalmente a noção de um deus criador inferior, satânico). Catarismo é a religião do Espírito (do Paracleto). Eles se separaram dos outros gnósticos deixando de lado os éons, os arcontes, os diagramas e os números cabalísticos.

Conceitos e Termos Importantes

Note que o texto a seguir é formado por resumos das várias interpretações gnósticas existentes. Os papéis de alguns seres mais familiares, como Jesus Cristo, Sophia e o Demiurgo geralmente compartilham os temais centrais entre os vários sistemas, mas pode haver algumas diferentes funções ou identidades atribuídos a eles em cada uma.

Æon
Em muitos sistemas gnósticos, os aeons são várias emanações de um deus superior, que também é conhecido por nomes como Mônada, Aion teleos (grego: “O Perfeito Aeon”), Bythos (grego: Βυθος – ‘profundidade’) e muitos outros.

Deste ser inicial, também um Aeon, uma série de diferentes emanações ocorreram, começando em alguns textos gnósticos com o hermafrodita Barbelo de quem sucessivos pares de Aeons emanam, frequentemente em pares masculino-feminino chamados de sizígias; o número destes pares varia de texto para texto, embora alguns identifiquem seu número como sendo trinta.

Os Aeons como uma “totalidade” constituem o Pleroma, a “região de luz”. As regiões mais baixas do Pleroma estão mais perto da escuridão, ou seja, do mundo material.

Dois dos Aeons mais frequentemente emparelhados são Jesus e Sophia (em grego: sabedoria). Ela se refere a Jesus como seu ‘consorte’ em Exposição Valentiana. Sophia, emanando sem o seu parceiro resulta na criação do Demiurgo (em grego: “construtor público”) também chamado de Yaldabaoth (ou variações) em alguns textos.

Esta criatura está escondida fora do Pleroma em isolamento, e acreditando-se sozinha, ela cria a matéria e uma horda de co-atores, referidos como Arcontes. O Demiurgo é reponsável pela criação da humanidade, pois assim ele pode aprisionar as fagulhas do Pleroma roubadas de Sophia em corpos humanos.

Em resposta, o Mônada emana dois Aeons salvadores, ‘Cristo e o Espírito Santo; Cristo então se incorpora na forma de Jesus para poder ensinar aos homens como alcançar a gnosis, pela qual eles poderão retornar ao Pleroma.

Arconte
No final da antiguidade, algumas variantes do Gnosticismo utilizaram o termo “Arconte” para se referir aos diversos servos do Demiurgo. Neste contexto, eles podem ser entendidos como tendo o papel dos anjos e demônios do Antigo Testamento.

De acordo com Contra Celso, de Orígenes, a seita dos Ofitas (veja acima Gnosticismo posterior e grupos influenciados pelo Gnosticismo) propuseram a existência de sete arcontes, começando com o próprio Yaldabaoth, que criou os próximos seis: Iao, Sabaoth, Adonaios, Elaios, Astaphaios e Horaios.

Assim como o Chronos mitráico e o Narasimha védico (uma forma de Vishnu), Yaldabaoth tem a cabeça de um leão (embora tenha o corpo de uma serpente de acordo com o Apócrifo de João).

Demiurgo

Uma divindade com face de leão encontrada numa gema gnóstica em L’antiquité expliquée et représentée en figures de Bernard de Montfaucon pode ser uma representação do Demiurgo; porém, veja também Chronos.

O termo Demiurgo deriva da forma latinizada do termo grego dēmiourgos (δημιουργός), significando literalmente “servidor público ou trabalhador habilidoso” e se refere à uma entidade responsável pela criação do universo e de todo o aspecto físico da humanidade.

O termo dēmiourgos ocorre em diversas outras religiões e sistemas filosóficos, principalmente o Platonismo. Julgamentos morais sobre o demiurgo variam de grupo para grupo dentro da grande categoria do Gnosticismo – estes julgamentos geralmente correspondem ao julgamento de cada grupo sobre o status da materialidade como sendo intrinsecamente má, ou meramente falha e tão boa quanto a passiva matéria que a constitui permite.

Como Platão faz, O Gnosticismo apresenta uma distinção entre uma realidade supranatural, incognoscível e a materialidade sensível, da qual o Demiurgo é o criador.

Porém, em contraste com Platão, os diversos sistemas gnósticos apresentam o demiurgo como um antagonista do Deus Supremo: seu ato de criação, seja ele inconsciente e uma imitação fundamentalmente falha do modelo divino (veja o Mito da Caverna), ou formado com a intenção maligna de aprisionar aspectos do divino “na” materialidade.

Portanto, nestes sistemas, o Demiurgo age como uma solução para o problema do mal. No Apócrifo de João, o Demiurgo – ali chamado de Yaldabaoth – se proclama como Deus:

Agora o arconte que é fraco tem três nomes. O primeiro nome é Yaldabaoth, o segundo é Saclas e o terceiro é Samael. E ele é ímpio em sua arrogância, que está nele. Pois ele disse: ‘Eu sou Deus e não há outro Deus além de mim’, pois ele é ignorante de sua força, do lugar de onde veio.

— Apócrifo de João

“Samael”, na tradição judaico-cristã, se refere ao anjo mau da morte e corresponde ao demônio cristão de mesmo nome, atrás apenas de Satã. Literalmente, pode significar “deus-cego” ou “deus dos cegos” em aramaico ; o outro título, Saclas, aramaico para “tolo”.

No mito de Sophia, sua mãe, Sophia, também um aspecto parcial do Pleroma (ou “Totalidade”), desejava emanar de si algo sem a autoridade do Espírito Supremo. Neste ato abortivo e imperfeito, ela deu à luz ao monstruoso Demiurgo. Envergonhada com seu ato, ela o envolveu numa nuvem com um trono no meio para que os demais Aeons não percebessem.

O Demiurgo então, isolado, sem ver sua mãe e ninguém mais, concluiu que era o único que existia e, ignorante, criou o mundo material, a humanidade e uma hierarquia de “poderes” (Arcontes) para governá-lo.

Os mitos gnósticos descrevendo estes eventos são cheios de nuances intrincadas retratando a declinação de aspectos do divino até a forma humana; este processo acontece através do trabalho do Demiurgo que, tendo roubado um pouco do poder de sua mãe, passa a trabalhar na criação de uma imitação inconsciente do reino superior do Pleroma (como sombras das imagens).

Assim, o poder de Sophia (as “fagulhas” ou “sopro” divino)fica aprisionado dentro das formas materiais da humanidade, também presa dentro do mundo material: o objetivo de todos os movimentos gnósticos era tipicamente acordar esta fagulha, o que permitiria o retorno do indivíduo à realidade superior, não material onde estava a fonte primal.

Alguns filósofos gnósticos identificam o Demiurgo com Yahweh, o Deus do Antigo Testamento, em oposição e contraste ao Deus do Novo Testamento. Ainda outros o igualam com Satã. Os cátaros aparentemente herdaram sua idéia de Satã como o criador do mundo maligno diretamente ou indiretamente do Gnosticismo.

Gnosis (ou Gnose)

Gnosis vem da palavra grega para “conhecimento”, gnosis (γνῶσις). Porém, gnosis em si se refere a uma forma muito especial de conhecimento, derivada tanto do significado exato do termo grego quanto seu uso na filosofia de Platão.

O grego antigo era capaz de discernir entre diversas formas diferentes de “conhecer”.

Essas formas podem ser descritas em língua portuguesa como sendo conhecimento proposicional, indicativo de um conhecimento adquirido “indiretamente” através de reportes de outros ou por inferência (como em “Eu sei que Lisboa está em Portugal”), e o conhecimento conhecimento empírico, adquirido através de “participação direta” (como em “Eu sei que Lisboa está em Portugal pois estive lá”).

Gnosis (γνῶσις) se refere ao conhecimento do segundo tipo. Portanto, em um contexto religioso, ser ‘gnóstico’ deve ser entendido como confiar não em conhecimento no sentido geral, mas como sendo especialmente receptivo às experiências místicas ou esotéricas de participação direta com o divino.

De facto, na maior parte dos sistemas gnósticos, a causa suficiente para salvação é este “conhecimento do” (‘ser familiar com’) divino. Isto é geralmente identificado com o processo de conhecimento interno ou de auto-exploração, comparável com o que foi encorajado por Plotino.

Porém, como se pode ver, o termo ‘gnóstico’ tem um uso precendente em diversas tradições filosóficas que precisa também ser levado em consideração para que seja possível entender as implicações sutis que este epíteto tem para diversos grupos religiosos antigos.

Mônada

Em muitos sistemas gnósticos (e heresiológicos), o Ser Supremo é conhecido como Mônade, o Uno, o Absoluto Aiōn teleos (O Perfeito Aeon, αἰών τέλεος), Bythos (Profundidade, Βυθός), Proarchē (Antes do Início, προαρχή, Hē Archē (O Início, ἡ ἀρχή) e Pai inefável. O Uno é a fonte primal do Pleroma, a região de luz. As várias emanações do Uno são chamados “Aeons”.

A cosmogonia setiana como está no famoso Apócrifo de João (ou Livro Secreto de João) descreve um deus desconhecido, muito similar à Teologia negativa ortodoxa, embora muito diferente dos ensinamentos do credo ortodoxo de que existe um deus assim que também seja o criador do céu e da terra.

Teólogos ortodoxos, quando descrevendo a natureza do deus criador associado aos textos bíblicos, muitas vezes tentam defini-lo através de uma série de afirmações explícitas e positivas (cataphrasis), por si sós universais, e que associadas ao divino se tornam superlativas: ele é onisciente, onipotente e verdadeiramente benevolente.

Já na concepção setiana do deus trascendente e escondido descrita no texto, ele é definido, por contraste, através da teologia negativa (apophasis): ele é imóvel, invisível, intangível e inefável. Geralmente, ‘ele’ é visto como uma sendo hermafrodita, um símbolo potente para um ser, pois ele é o que ‘tudo contém’.

Uma abordagem apofásica na discussão da Divindade pode ser encontrada por todo o Gnosticismo, nos Vedas, nas teologias de Platão e Aristóteles e em algumas fontes judaicas.

Pleroma

Pleroma (em grego: πληρωμα geralmente se refere à totalidade dos poderes de deus. O termino significa “plenitude” e é usado em vários contextos teológicos cristãos: tanto gnósticos em geral, como também no cristianismo (como em «Pois nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade» (Colossenses 2:9).

O Pleroma celeste é o centro da vida divina, uma região de luz “acima” (o termo não deve ser entendido espacialmente) do nosso mundo, ocupado por seres espirituais como os Aeons e, às vezes, por arcontes.

Jesus é interpretado como sendo um aeon intermediário que foi enviado do Pleroma e cuja ajuda seria fundamental para que a humanidade recupere o conhecimento perdido (ou esquecido) das suas origens divinas. O termo é, portanto, central na cosmologia gnóstica.

Pleroma também é utilizado na língua grega comum e é utilizado pela Igreja Ortodoxa Grega na sua forma geral pois a palavra aparece em Colossenses. Proponentes da visão que Paulo seria na verdade gnóstico, como Elaine Pagels da Universidade de Princeton, enxergam a referência em Colossenses como algo a ser interpretado no sentido gnóstico.

Sophia

Sophia (em grego: Σοφία) é aquilo que detém o “sábio” (em grego: σοφός; “sofós”). Na tradição gnóstica, Sophia é uma figura feminina, análoga à alma humana e simultaneamente um dos aspectos femininos de Deus. Os gnósticos afirmam que ela é a sizígia de Jesus (veja a Noiva de Cristo) e o Espírito Santo da Trindade.

Ocasionalmente é referenciada pelo equivalente hebreu Achamōth (em grego: Ἀχαμώθ) e como Prouneikos (em grego: Προύνικος, “A Libidinosa”). Nos textos da Biblioteca de Nag Hammadi, Sophia é o mais baixo dos Aeons ou a expressão antrópica da emanação da luz de Deus.

Cristãos Gnósticos

Nos séculos I e II o gnosticismo produziu manifestações dentro da cristandade, sobretudo no Egito, onde se destacaram líderes como Carpócrates, Basílides, Isidoro e Valentim, este último fundador de uma importante escola em Roma.

Os Cristãos Gnósticos constituíram, nos primeiros anos dessa nossa era, uma comunidade fechada, iniciática, que guardou os aspectos esotéricos dos evangelhos, principalmente das parábolas do Mestre Jesus, o Cristo, apresentando um cristianismo muito mais profundo e filosófico do que daqueles cristãos que ficaram conhecidos como a ortodoxia.

Dentre os grupos mais activos nos dois primeiros séculos de nossa era destacam-se os naasenos (palavra em aramaico com o mesmo significado de ofitas, de origem grega), perates, sethianos (de orientação judaica) docéticos (que propunham que a natureza exterior do Cristo era ilusória), carpocráticos, basilidianos e valentinianos.

Com o passar do tempo, os herdeiros da tradição gnóstica e maniqueísta foram mudando de nome, podemos indicar o aparecimento dos seguintes grupos: entre os séculos III e IX: Euchites, Magistri Comacini, Artífices Dionisianos, Nestorianos e Eutychianos; no século X: Paulicianos e Bogomilos; no século XI: Cátharos, Patarini, Cavaleiros de Rodes, Cavaleiros de Malta, Místicos Escolásticos; no século XII: Albigenses, Cavaleiros Templários, Hermetistas; no século XIII: a Fraternidade dos Winklers, os Beghards e Beguinen, os Irmãos do Livre Espírito, os Lollards e os Trovadores; no século XIV: os Hesychastas, os Amigos de Deus, os Rosa-cruzes e os Fraticelli; no século XV: os Fraters Lucis, a Academia Platônica, a Sociedade Alquímica, a Sociedade da Trolha e os Irmãos da Boêmia (Unitas Fratrum); no século XVI: a Ordem de Cristo (derivada dos Templários), os Filósofos do Fogo, a Militia Crucífera Evangélica e os Ministérios dos Mestres Herméticos; no século XVII: os Irmãos Asiáticos (Irmãos Iniciados de São João Evangelista da Ásia), a Academia di Secreti e os Quietistas; no século XVIII: os Martinistas; no século XIX: a Sociedade Teosófica.

Os Paulicianos formavam um grupo gnóstico ativo no Império Romano. Se declaravam contra todas hierarquias que exerciam seu poder para combater a iluminação interior. Até o século XI, os paulicianos foram mortos pela igreja romana, assim como o Maniqueísmo antes deles.

Mas o gnosticismo sobreviveu, sua luz e força continuaram a irradiar com os bogomilos…A herança Gnóstica dos séculos XII e XIII, foram transmitidas aos Cátaros, que também foram perseguidos e mortos pela igreja romana. Na Idade Média, o gnosticismo manifestou-se na Ordem dos Templários, foi revivificada pela Rosa-cruz ,pelas mãos de Johannes Valentinus Andreae, mantiveram ligações com a Maçonaria,com a Teosofia e com o Martinismo.

Todos testemunhando o Cristianismo Interior, descrevendo o caminho de retorno a Deus, que foi aberto pelo seu filho, Mestre Jesus, o Cristo.

Fontes

Pouco material chegou até os dias de hoje, a maioria dos personagens e suas doutrinas só puderam ser conhecidos por meio dos críticos do gnosticismo. A maior polêmica contra os gnósticos apareceu no período patrístico, com os escritos apologéticos de Irineu(130-200), Tertuliano (160-225) e Hipólito (170-236).

Por isso a descoberta da Biblioteca de Nag Hammadi,em 1945, foi de suma importância, visto que seu conteúdo é eminentemente gnóstico. O achado impulsionou as pesquisas sobre o assunto na segunda metade do século XX.

Estes manuscritos totalizavam cinquenta e dois textos, em treze códices de papiro, escritos em copta. Entre as obras aí guardadas encontravam-se diversos tratados gnósticos, três obras pertencentes ao Corpus Hermeticum e uma tradução parcial da República de Platão. Parte deles conhecidos também como Evangelhos gnósticos

Os Manuscritos Pistis Sophia,”Piste Sophiea Cotice” ou “Códice Askew”, atribuidos a Valentim foi adquirido do médico e colecionador de manuscritos antigos Dr. Askew pelo Museu Britânico em 1795 , datam de 250–300 AD, relatam os ensinamentos Gnósticos do Mestre Jesus, o Cristo transfigurado aos apóstolos.

Até a descoberta da biblioteca de Nag Hammadi em 1945, o Códice Askew era um dos três códices que continha quase todos os escritos gnósticos que tinham sobrevivido, sendo os dois outros códices o Códice Bruce e o Códice de Berlim.

Mais recentemente um outro documento gnóstico foi encontrado, gerando diferentes especulações sobre o verdadeiro relacionamento de Jesus Cristo com o seu discípulo Judas, este documento é o Evangelho de Judas que estava desaparecido por mais de 1700 anos, tendo sido encontrado finalmente no Egito.

Elaine Pagels professora de religião na Universidade de Princeton e Ph.D. da Universidade de Harvard.Em Harvard ela fez parte de um grupo que estudou os rolos de Nag Hammadi, dessa experiência resultou a base para o seu primeiro livro Os Evangelhos Gnósticos,

Esse livro é uma introdução aos textos de Nag Hammadi para o público leigo e é, desde o seu lançamento, um best-seller. Nos EUA, ganhou os prêmios National Book Critics Circle Award e National Book Award e foi escolhido pela Modern Library como um dos 100 melhores livros do século XX.

George Robert Stowe Mead (1863 – 1933).Com formação em línguas e filosofia por Oxford, estudioso altamente intuitivo e perspicaz, deve ser considerado como um pioneiro de primeira ordem no domínio dos escritos gnósticos e estudos herméticos, foi autor, editor, tradutor e um influente membro da Sociedade Theosophica.

Seu maior mérito teria sido a sua capacidade de discernir o significado interior e espiritual dos dos escritos, capacidade esta reconhecida por C.G.Jung que fez uma viagem especial a Londres no último período de vida de Mead, para lhe agradecer por seu trabalho brilhante e pioneiro de traduzir e comentar as escrituras gnósticas.

Bentley Layton(1941) é Professor de Estudos Religiosos e Professor do Oriente Próximo Línguas e Civilizações (copta) na Universidade de Yale (desde 1983).Autoridade reconhecida internacionalmente, em literatura gnóstica. Membro do projeto da UNESCO, CAIRO, que publicou a Biblioteca de Nag Hammadi.

Formado em Harvard, “Redescoberta tardia do gnosticismo”, foi o título da conferência internacional que ele apresentou na Universidade de Yale em 1980. Seus interesses encontram-se na história do cristianismo desde suas origens até o surgimento do Islã, os estudos gnósticos e copta . Seu livro mais acessível é “As Escrituras Gnósticas”, que apresenta parte da literatura gnóstica enigmáticos do cristianismo.

Ele apresenta sua seleção de escrituras gnósticas, os escritos de Valentino e seus seguidores, e os escritos relacionados que exibem tendências gnósticas no contexto mais amplo de cristianismo primitivo e do judaísmo helenístico, com introduções generosas e anotações abundantes.

Para os especialistas, a gramática copta de Layton é um texto padrão. Ele catalogou todos os manuscritos coptas na Biblioteca Britânica. Ele é membro do conselho da Harvard Theological Review eo Journal of Studies copta.

James M. Robinson (nascido em 1924) é professor Emérito de religião, na Universidade de Claremont, Califórnia. É o mais proeminente erudito do século 20, da biblioteca de Nag Hammadi.

Stephan A. Hoeller (1931 – ) Ph.D. em filosofia da religião da Universidade de Innsbruck em Áustria, escritor, erudito e líder religioso.

Dr. Marvin Meyer (Ph.D., Claremont Graduate University, M. Div. Calvin Theological Seminary) é professor de Bíblia e Estudos Cristãos e co-presidente do Departamento de Estudos Religiosos, Chapman University. Ele também é diretor do o Albert Schweitzer Chapman University Institute.

Ele é diretor do Projeto dos Textos Mágicos Coptas do Instituto de Antiguidade e Cristianismo, Claremont Graduate University, membro do Seminário Jesus, e um ex-presidente da Society of Biblical Literature (Pacific Coast). Dr. Meyer é o autor de numerosos livros e artigos sobre a civilização greco-romana e religião cristã na antiguidade e da antiguidade tardia, e no Albert Schweitzer é ética de reverência pela vida.

Kurt Rudolph (03 de Abril de 1929) Pesquisador do gnosticismo e Mandeismo.Nascido em Dresden Rudolph estudou teologia protestante, religião , história semitas nas universidades de Greifswald e de Leipzig.

Posteriormente, durante seis anos, ele foi assistente de pesquisa , enquanto ele trabalhava em paralelo para o doutorado em teologia e, assim como a história religiosa. Em 1961 ele recebeu sua habilitação em história da religião e religião comparada.

Durante seu trabalho na Universidade de Leipzig , Chicago e Marburg e Santa Barbara(University of California), ele adquiriu uma reputação internacional como um conhecedor do gnosticismo e maniqueísmo.Além disso, ele também ocupou-se com o Islão e questões metodológicas em estudos religiosos.

Jakob Böhme ou Jacob Boehme, (Alt Seidenberg, 1575 — Görlitz, 17 de Novembro de 1624) foi filósofo e místico cristão alemão,as obras que escreveu são o maior monumento de conhecimentos teogônicos (concernentes ao surgimento dos primeiros princípios em Deus) e cosmogônicos (concernentes à criação do Universo e das criaturas) da história do cristianismo.

Platão Πλάτων, Plátōn. (Atenas, 428/427– Atenas, 348/347 a.C.) foi um filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Juntamente com seu mentor, Sócrates, e seu pupilo, Aristóteles, Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e da filosofia ocidental.

Plotino(ca. 205 – 270) O pai do neoplatonismo, natural de Licopólis, Egito, foi discípulo de Amônio Sacas e mestre de Porfírio. A influência de Plotino e dos neoplatônicos sobre o pensamento cristão, islâmico e judaico, bem como sobre os pensadores de proa do Renascimento, foi enorme.

Foram direta ou indiretamente influenciados por ele, Dionísio Pseudo-Areopagita, Alberto Magno, Dante Alighieri, Mestre Eckhart, João da Cruz, Marsílio Ficino, Pico de la Mirandola, Giordano Bruno, Avicena, Ibn Gabirol, Espinosa, Leibniz.

Hermes Trismegistus; em grego Ερμης ο Τρισμεγιστος, “Hermes, o três vezes grande” é o nome dado pelos neoplatônicos, místicos e alquimistas ao deus egípcio Thoth, identificado com o deus grego Hermes. Ambos eram os deuses da escrita e da magia nas respectivas culturas.

Hermes era o autor de um conjunto de textos sagrados, “herméticos”, contendo ensinamentos sobre artes, ciências e religião e filosofia: O Corpus Hermeticum , datado entre o século I ao século III, representou a fonte de inspiração do pensamento hermético e neoplatônico renascentista.

Na época acreditava-se que o texto remontasse à antiguidade egípcia, anterior a Moisés e que nele estivesse contido também o prenúncio do cristianismo. Autor também do Livro dos Mortos, e do mais famoso texto alquímico a “Tábua de Esmeralda”.

Huberto Rohden, São Ludgero, 31 de Dezembro de 1893 foi um filósofo, educador e teólogo catarinense, radicado em São Paulo. escreveu mais de 100 obras (ao final da vida, condensadas em 65 livros), onde franqueou leitura ecumênica de temáticas espirituais e abordagem espiritualista de questões pertinentes à Pedagogia, Ciência e Filosofia, enfatizando o autoconhecimento, auto-educação e a auto-realização.Lecionou na Universidade de Princeton, American University, de Washington D.C.(EUA)

Raul Branco Autor, tradutor é membro da Sociedade Teosófica, economista, mora em Brasília e dedica-se ao estudo da tradição cristã e do gnosticismo. Tradutor para o português de Pistis Sophia – G.R.S. Mead.

Carl Gustav Jung, nasceu a 26 de Julho de 1875, em Kresswil, Basiléia, na Suíça, no seio de uma família voltada para a religião. Seu pai e vários outros parentes eram pastores luteranos, o que explica, em parte, desde a mais tenra idade, o interesse do jovem Carl por filosofia e questões espirituais e o pelo papel da religião no processo de maturação psíquica das pessoas, povos e civilizações.

Criança bastante sensível e introspectiva, desde cedo demonstrou uma inteligência e uma capacidade intelectual notável. Gnóstico assumido, ficou célebre a resposta que Jung deu, em 1959, a um entrevistador da BBC que lhe perguntou: “O senhor acredita em Deus?” A resposta foi: “Não tenho necessidade de crer em Deus.

Eu o conheço” Escreveu o livro Os Sete Sermões aos Mortos, foi amigo, admirador e colaborador de G.R.S.Mead, tradutor dos Manuscritos da Nag Hammadi, particularmente do Códice Jung, trabalho patrocinado pela Fundação Jung.

Fernando Pessoa, 13 de Junho de 1888 nascia em Lisboa, gnóstico possuía ligações com a Tradição, com destaque para a Maçonaria e a Rosa-Cruz, havendo inclusive defendido publicamente as organizações iniciáticas, no Diário de Lisboa de 4 de Fevereiro de 1935, contra ataques por parte da ditadura do Estado Novo. O seu poema hermético mais conhecido e apreciado entre os estudantes de esoterismo intitula-se “No Túmulo de Christian Rosenkreutz”. Deixou escrito o Livro Rosa Cruz.

Paralelos com religiões orientais

O gnosticismo tem alguns elementos em comum com o sufismo, o budismo, o helenismo, o hermetismo, o zoroastrismo e o hinduísmo.

Gnosticismo e psicologia

No século XX, Carl Gustav Jung pesquisou profundamente as doutrinas gnósticas, inclusive ajudando no trabalho de organização da Biblioteca de Nag Hammadi, e fez uma ligação entre os mitos gnósticos e os arquétipos do inconsciente coletivo.

Escreveu o livro “Sete sermões aos mortos”, sob o pseudônimo de Basilides de Alexandria, onde coloca a sua visão gnóstica em sete textos no formato dos evangelhos.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Elaine Pagels e a marginalização do evangelhos gnósticos

Os evangelhos apócrifos - textos que foram proibidos pela Igreja e que desapareceram por mais de um milênio - trazem um Jesus diferente daquele que conhecemos.
"Quem não conheceu a si mesmo não conhece nada, mas quem se conheceu veio a conhecer simultaneamente a profundidade de todas as coisas."

Esta frase acima é atribuída a Jesus Cristo. Mas não adianta ir procurá-la na Bíblia. Ela não está em nenhum lugar dos Evangelhos de Lucas, Marcos, Mateus ou João, os únicos relatos da vida de Jesus que a Igreja considera autênticos. A citação faz parte de um outro evangelho – o de Tomé. Também não perca seu tempo procurando por esse livro no Novo Testamento. Não há por lá nenhum evangelho com o nome do mais cético dos apóstolos, aquele que queria "ver para crer".
Acontece que o texto existe. E é um documento antigo – segundo alguns pesquisadores, tão antigo quanto os que estão na Bíblia (veja quadro na página 51).

O Evangelho de Tomé, assim como outras dezenas – ou centenas – de textos semelhantes, foi escrito por alguns dos primeiros cristãos, entre os séculos 1 e 3 da nossa era. Ele foi cultuado por muito tempo. Até que, em 325, sob o comando do imperador romano Constantino, a Igreja se reuniu na cidade de Nicéia, na atual Turquia, e definiu que, entre os inúmeros relatos sobre a vinda de Cristo que existiam, só quatro eram "inspirados" pelo filho de Deus – os "evangelhos canônicos" ("evangelho" vem da palavra grega que significa "boa nova", usada para designar a notícia da chegada de Cristo, e "canônico" é aquele que entrou para o cânone, a lista dos textos escolhidos). Os outros eram "apócrifos" (de legitimidade duvidosa). Estes foram proibidos, seus seguidores passaram a ser considerados hereges e muitos foram excomungados, perseguidos, presos. A maioria dos apócrifos acabou destruída e os textos sumiram, alguns para sempre.

Mas nem todos. O Evangelho de Tomé, o de Filipe e o de Maria Madalena, por exemplo, escaparam por pouco da destruição – graças a um egípcio anônimo. Em algum momento do século 4, esse egípcio teve a boa idéia de esconder num jarro de barro cópias manuscritas na língua copta desses textos e de muitos outros ameaçados pela perseguição da Igreja. O jarro ficou 1 600 anos sob a areia do deserto. Acabou resgatado por um grupo de beduínos, em 1945, perto da cidade egípcia de Nag Hammadi. Só nos últimos anos os textos acabaram de ser traduzidos e chegaram ao conhecimento dos cristãos do mundo.

Assim, por acidente, alguns apócrifos sobreviveram ao tempo. E agora, 2 mil anos depois da morte de Cristo, eles estão fazendo um tremendo sucesso. Inspiram filmes milionários (como Matrix) e best sellers (como O Código Da Vinci). São adotados por seitas cristãs, geram religiões, dão origem a teorias conspiratórias e são cada vez mais lidos por fiéis do mundo, inclusive cristãos tradicionais, que não vêm contradição entre alguns desses textos e a religião que eles seguem. Só no Brasil há pelo menos 30 grupos cujas crenças são baseadas nos apócrifos. Como explicar essa súbita popularidade para textos que estiveram sumidos por mais de um milênio e meio?

Talvez a principal razão seja o fato de que os textos revelam mais sobre Jesus. Os quatro evangelhos canônicos contam uma história fascinante, mas deixam muitas brechas. Os cristãos do mundo têm vontade de saber mais sobre esse homem, ainda que seja através de textos que a Igreja não considera legítimos.

E vários dos apócrifos trazem passagens reveladoras para aqueles que tentam enxergar o homem por trás do Deus. "É um Jesus mais humano, em situações mais próximas da vida de homens e mulheres de hoje", diz o jornalista espanhol Juan Arias, do El País, autor de livros sobre a história do cristianismo. Arias, que cobriu o Vaticano por 14 anos, está terminando um livro em que resume as pesquisas históricas a respeito de Maria. Um dos temas que ele examina é a falta de referência em alguns apócrifos à virgindade da mãe de Jesus. "Que mulher se identifica com outra que foi mãe sem perder a virgindade?", pergunta.

Além disso, vários apócrifos trazem o retrato de um Jesus diferente do que conhecíamos. "As questões de gênero, as relações de poder e até mesmo a espiritualidade estão colocadas em termos mais ecumênicos e holísticos nos apócrifos", diz o frei franciscano Jacir de Freitas Farias, professor do Instituto São Tomás de Aquino, em Belo Horizonte. Frei Jacir promove retiros em que evangelhos apócrifos, meditação e ioga se misturam para proporcionar conforto espiritual aos participantes.

Veja por exemplo aquela citação lá atrás, a que abre a reportagem. O que está escrito ali é que nada é mais importante que a sabedoria, e que o autoconhecimento é o caminho para a sabedoria. Essa idéia – que não é muito diferente daquilo que prega o budismo – está completamente ausente dos evangelhos de Mateus, Marcos, João e Lucas. Qualquer bom cristão sabe que o Novo Testamento oferece um caminho de só duas pistas para a salvação. Primeiro: é preciso ter fé (ela remove montanhas). Segundo: suas ações têm que ser boas (ame o próximo como a si mesmo). Em nenhum lugar há referência a outra rota para o Paraíso. Nem Lucas, nem Marcos, nem Mateus, nem João mencionam a salvação pelo autoconhecimento, ou pela sabedoria.

Se o cristianismo tradicional ignorava a importância do autoconhecimento, a idéia não é nova para nós, ocidentais do século 21. Sigmund Freud, no século 19, trouxe para a ciência a idéia de que há algo para ser descoberto dentro de nós mesmos – no caso, o subconsciente – e que esse algo pode nos trazer conforto e felicidade. Talvez esteja aí – na herança freudiana – uma das explicações para o sucesso dos apócrifos nos tempos atuais.

Há outras. O Evangelho de Tomé e outros apócrifos falam ao coração de um contingente que não pára de crescer nos tempos atuais: os ávidos por espiritualidade, mas desconfiados da religião (é bom lembrar que a maior parte dos católicos brasileiros se diz "não praticante"). "O reino está dentro de vós e também em vosso exterior. Quando conseguirdes conhecer a vós mesmos, sereis conhecidos e compreendereis que sois os filhos do Pai Vivo. Mas, se não vos conhecerdes, vivereis na pobreza e sereis a pobreza", diz o texto de Tomé.

Muitos apócrifos pregam também códigos de conduta menos rígidos que os do cristianismo tradicional. Numa passagem do Evangelho de Maria Madalena, Cristo diz que "eu não deixei nenhuma ordem senão o que eu lhe ordenei, e eu não lhe dei nenhuma lei, como fez o legislador, para que não seja limitada por ela". Esse trecho parece contrariar a própria autoridade da Igreja. Em Tomé, também aparece um Jesus menos dado a imposições, que diz "não façais aquilo que detestais, pois todas as coisas são desveladas aos olhos do Céu". Bem diferente das aulas de catecismo, não?

Outra novidade é que vários apócrifos valorizam o papel da mulher. Os evangelhos de Filipe e de Maria Madalena afirmam que Madalena recebia revelações privilegiadas do Salvador. "O Senhor amava Maria mais do que todos os discípulos e a beijou na boca repetidas vezes", afirma o de Filipe. Para Karen King, historiadora eclesiástica da Universidade Harvard, Madalena estava tão autorizada a pregar a palavra de Jesus quanto os 12 apóstolos. "Os textos mostram que Maria Madalena entendeu os ensinamentos de Jesus melhor do que ninguém", afirmou, em entrevista à revista National Geographic.

Sem falar que muitos apócrifos deixam em segundo plano uma velha conhecida dos cristãos: a culpa. Você conhece a história dos livros canônicos: eu e você somos pecadores, e Cristo morreu na cruz para nos salvar. Nós pecamos, ele morreu – durma-se com isso na consciência. Já os evangelhos de Tomé, Filipe e Maria Madalena não contêm uma só linha sobre o julgamento e a condenação de Jesus. Ou seja, a Paixão de Cristo, que hoje consideramos central para a fé cristã, não tinha a menor importância para os seguidores desses textos. Nada de culpa, portanto. Ele traz apenas charadas que convocam seus leitores a reflexões espirituais.

Para resumir: os apócrifos revelam um Jesus mais democrático e menos sexista, mais tolerante e menos autoritário – características que combinam com nossos dias. Eles eliminam a culpa e abrem caminho para uma fé pessoal, algo que faz sucesso nestes tempos individualistas. Sem falar que estão cercados de uma charmosa aura de mistério. "Esta é uma sociedade que desconfia de qualquer instituição, então dizer que eles foram condenados pela Igreja vira um chamariz e tanto", diz o teólogo Pedro Vasconcellos, da PUC de São Paulo. Deu para entender por que eles estão tão na moda?

Mas, afinal, que textos são esses? Dá para dizer que eles são vestígios de cristianismos perdidos. Sim, é isso mesmo: o cristianismo, no começo, não era um só, eram vários. "Nos séculos 2 e 3, havia cristãos que acreditavam em um Deus. Outros insistiam que Ele era dois. Alguns diziam que havia 30. Outros, 365", escreve Bart Ehrman, professor de Estudos Religiosos na Universidade da Carolina do Norte, no livro Lost Christianities ("Cristianismos Perdidos", sem versão em português).

Os primeiros cristãos viviam em comunidades clandestinas, que se reuniam às escondidas nas periferias das cidades e que tinham pouco contato umas com as outras. Essas comunidades eram lideradas muitas vezes por pessoas que conheceram Cristo ou pelos próprios apóstolos. Como Cristo não deixou nada escrito, coube a essas primeiras lideranças do cristianismo construir a religião.

Não há como saber se o Evangelho de Mateus foi escrito pelo próprio Mateus. "Naquele tempo, como ainda hoje, não faltava quem se candidatasse a pregar em nome de um personagem tão importante", afirma o teólogo Paulo Nogueira, da Universidade Metodista de São Paulo. Mas é bastante provável que o texto tenha sido construído a partir dos ensinamentos do apóstolo recolhidos por seus seguidores. Da mesma forma, os evangelhos de João, Pedro, Maria Madalena, Tomé e Filipe devem ter sido os textos que guiavam as práticas dos grupos que se reuniram em torno dessas figuras importantes da religião nascente (ou que buscaram inspiração nelas). "Os evangelhos apócrifos, da mesma forma que os canônicos, não devem ser encarados como reproduções exatas das palavras de Jesus Cristo, mas como interpretações da mensagem dele feitas pelas primeiras comunidades cristãs", diz o teólogo Vasconcellos. É claro que essas interpretações nem sempre concordavam umas com as outras. E, portanto, é claro que, naquela aurora do cristianismo, produziram-se diversos textos – muitas vezes contraditórios entre si.

Entre os primeiros grupos cristãos havia, por exemplo, os ebionitas, uma das seitas mais antigas. Eles se consideravam judeus e achavam que Jesus era o Salvador apenas do povo hebreu. Os ebionitas mantinham os rituais judaicos, rezavam voltados para Jerusalém e acreditavam que Cristo tinha sido especial não por ser filho de Deus, mas por ter seguido à perfeição a lei judaica.

No outro extremo, estavam os marcionitas, para quem havia dois deuses. O primeiro deles seria um deus mau – o deus dos judeus, responsável por tudo de ruim no planeta. Jesus seria o segundo, um deus bom, que teria surgido para nos liberar da divindade maligna. Esse cristianismo, que hoje soa bizarro, foi popular no começo do século 2, antes de ser condenado como heresia em 139. Uma das razões para o sucesso é que a tese de dois deuses exclui a culpa cristã. Se um deus mau criou o mundo, é ele o responsável pelos sofrimentos sobre a terra.

Os gnósticos tinham crenças aparentadas às dos marcionistas. Também para eles o mundo foi criado por uma divindade imperfeita e não havia por que nos sentirmos culpados pelos males que existem. A diferença é que os gnósticos acreditavam que o Deus bom influiu na criação. Ele dotou cada um dos seres humanos de uma centelha divina – que nos dava a capacidade de despertar dessa imperfeição e conhecer a verdade. Se conseguirmos acumular conhecimento (gnosis, em grego), nos libertaremos desse mundo mau e estaremos salvos. Cristo, para os gnósticos, seria um enviado desse Deus verdadeiro, cujo objetivo seria nos ensinar a despertar. A escrita e a leitura cumpririam um papel importante nesse processo, e por isso eles deixaram muitos textos (boa parte dos apócrifos são gnósticos). Nota-se uma forte influência da filosofia grega nesse cristianismo.

Há uma boa pitada de gnosticismo naquela frase do Evangelho de Tomé que abre esta reportagem. Mas os tomasinos (seguidores de Tomé) eram uma seita à parte. Eles também acreditavam na salvação pelo conhecimento, mas iam além: pregavam que a busca é completamente individual. Os tomasinos rejeitavam a hierarquia – e, portanto, a Igreja. A salvação está dentro de cada um de nós e podemos atingi-la sem a ajuda de um padre.

E havia, claro, os seguidores de Paulo e os de Pedro, fortes especialmente em Roma, bem no centro do império. Esse grupo, no início, não era maior nem mais representativo que os outros. A proximidade com a burocracia estatal que administrava o Império Romano certamente exerceu influência sobre ele – não é à toa que o cristianismo romano era o mais organizado e hierarquizado de todos.

Cada uma dessas comunidades cristãs seguia um certo conjunto de textos – e rejeitava outros. Mas a maioria considerava legítimos os evangelhos de Marcos, Matias, Lucas e João, que provavelmente são os mais antigos e menos controversos. Em 312, o imperador romano Constantino se converteu ao cristianismo. E foi o cristianismo de Roma que ele escolheu. Constantino administrava um império que era quase "universal", e queria também uma "Igreja universal". Quando, 13 anos depois, sob as ordens do imperador, a Igreja se reuniu para decidir o que era o cristianismo, os bispos de Roma, mais organizados e com o apoio decisivo do imperador, sobressaíram nas discussões. "O credo de Nicéia acabaria por se tornar a doutrina oficial que todos os cristãos deveriam aceitar para participar da Santa Igreja, a Igreja Católica", escreve o teóloga Elaine Pagels, da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, no livro Além de Toda Crença: O Evangelho Desconhecido de Tomé.

Os textos que não davam importância à crucificação de Cristo acabaram proibidos. Afinal, a Igreja romana, que cresceu em meio a violentas perseguições, valorizava muito o martírio – associado ao martírio de Cristo. Os evangelhos dos tomesinos, que pregavam a busca individual pela salvação, também caíram fora. A hierarquizada Igreja de Roma obviamente não simpatizava com essas idéias libertárias. Entre os textos que foram proibidos, vários faziam parte das bibliotecas gnósticas. Para Eusébio de Cesária, que no século 4 escreveu o primeiro livro sobre a história do cristianismo, o gnosticismo estava sendo introduzido pelo demônio, "que odeia o que é Deus, que é inimigo da verdade, hostil à salvação do mundo, voltando todas suas forças contra a Igreja". Acredita-se que os manuscritos de Nag Hammadi sejam tesouros salvos da biblioteca gnóstica do Mosteiro de São Pacômio, que ficava lá perto.

Ninguém sabe ao certo quantos evangelhos foram suprimidos. O que se sabe é que só quatro livros foram considerados "corretos". Apenas neles "o ensinamento das linhas de Deus é proclamado. Não acrescentem nada a eles, não deixem nada se afastar deles", segundo um decreto de um bispo de Alexandria. Daí para a frente, haveria quatro evangelhos. E, pela primeira vez, um só cristianismo.

Voltemos então à pregação gnóstica, expressa em vários dos evangelhos apócrifos. O mundo é mau por natureza, mas cada um de nós traz dentro de si uma centelha e, se atingirmos o conhecimento, iremos despertar. Jesus veio à Terra para nos ensinar o caminho. Agora substitua nessa história o nome de Jesus pelo de Neo. E temos um dos maiores sucessos pop dos últimos anos, a trilogia Matrix.

Matrix fez tanto sucesso porque toca num tema com o qual é difícil não se identificar: a sensação de não pertencer a esse mundo, de se sentir estranho nele, e de que ele é banal demais para nossas altas aspirações espirituais. É claro que seria um absurdo dizer que o sujeito que saiu do cinema empolgado com a saga dos irmãos Wachowski tenha sido tocado pelo mesmo tipo de revelação que os cristãos envolvidos pelas pregações gnósticas no século 2 ou 3. Mas talvez não seja por coincidência que o roteiro, inspirado por textos gnósticos, tenha soado tão transcendental .

Os evangelhos apócrifos, assim como os canônicos, foram escritos por pessoas inquietas, numa época conturbada e difícil, em que as antigas respostas já não davam conta de acalmar os espíritos. É claro que os tempos, hoje, são muito diferentes. Mas, de novo, boa parte da humanidade está inquieta e insatisfeita com as respostas que existem. Tem muita gente em busca de alguma coisa que torne nossa existência mais transcendente, mais valiosa. E esses textos escritos por outros homens, numa busca parecida, podem nos dar uma dica de onde começar a procurar.

Um dos critérios para explicar por que só os evangelhos de Marcos, Lucas, Mateus e João entraram na Bíblia é a datação. Um consenso entre os especialistas situa os canônicos como tendo sido escritos entre 60 e 90. Já os apócrifos teriam sido produzidos a partir do século 2. Mas também sobre essa questão pairam dúvidas.

Está lá no Evangelho de João. Cristo disse: "Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram". Alguns pesquisadores, como a americana Elaine Pagels, da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, acham que o autor do texto, quando o escreveu, estava respondendo ao Evangelho de Tomé. Se a tese dela está correta, o Evangelho de Tomé é mais antigo que o de João.

Segundo essa teoria, o Evangelho de João seria um esforço para negar que a salvação pudesse ser atingida pela busca pessoal do autoconhecimento, tese central de Tomé. O Evangelho de João coloca então Tomé no papel do cético exagerado que é repreendido por Cristo. E conclui apontando um caminho mais simples para a salvação: basta acreditar nela. A fé salva.

Evangelho - Evangelho de Pedro
Conteúdo - Provavelmente circulou no século 2, tendo sua autoria atribuída ao apóstolo Pedro. Conta uma versão diferente da ressurreição de Cristo: o Salvador teria sido conduzido ao céu por dois anjos
Por que foi proibido - Foi acusado de uma heresia chamada "docetismo", pela qual Jesus era somente espírito
Como foi descoberto - Arqueólogos franceses encontraram um fragmento do texto na tumba de um monge no Egito, em 1886

Evangelho - Evangelho de Filipe
Conteúdo - Traz histórias que não estão na Bíblia, como a de que Jesus mudava de aparência para conhecer aqueles a quem se revelava. Sugere seu relacionamento com Madalena. Circulou no século 3
Por que foi proibido - Por ser gnóstico e afirmar que só mulheres virgens entravam no Paraíso (o que inviabilizaria as famílias)
Como foi descoberto - Foi encontrado em 1945, em meio aos manuscritos enterrados num vaso em Nag Hammadi

Evangelho - Evangelho de Maria Madalena
Conteúdo - Num dos poucos fragmentos que restaram, Cristo ressuscitado instrui os discípulos a espalhar o gnosticismo e avisa que não deixou leis. Afirma que Jesus transmitiu segredos a Madalena
Por que foi proibido - O texto é escrito de acordo com o gnosticismo, que foi condenado como heresia
Como foi descoberto - Um pedaço foi descoberto em um mosteiro egípcio em 1896. Outra versão estava em Nag Hammadi

Evangelho - Evangelho de Tomé
Conteúdo - São 114 frases atribuídas a Jesus. Nelas, Ele afirma que a salvação vem do autoconhecimento e que a centelha divina está em cada um. Alguns pesquisadores dizem que o texto é do século 1
Por que foi proibido - Foi combatido pelos primeiros padres da Igreja por causa de seu contéudo gnóstico
Como foi descoberto - É um dos textos que estavam perdidos até a descoberta de Nag Hammadi, em 1945

"Jesus disse ao jovem o que devia fazer, e à noite este veio a ele com um vestido de linho sobre o corpo nu. E ficaram juntos aquela noite, pois Jesus ensinou-lhe o mistério do reino de Deus."
Esse trecho explosivo foi divulgado nos anos 70 por Morton Smith, pesquisador da Universidade da Califórnia.

Morton afirma que organizava a biblioteca do mosteiro de Mar Saba, próximo a Jerusalém, em 1958, quando encontrou a citação copiada na contracapa de um livro. O trecho teria vindo de um certo Evangelho Secreto de Marcos, escrito pelo mesmo autor do Evangelho de Marcos.

Especialistas confirmaram que o texto correspondia ao estilo do autor. Morton publicou dois livros polêmicos em que defendia a tese de que a conjunção carnal fazia parte da iniciação cristã. Seria uma grande descoberta, não fosse um detalhe: o único que viu o achado foi o próprio Morton. O livro sumiu do mosteiro. Portanto, uma dúvida insolúvel ronda o suposto evangelho homoerótico: seria verdadeiro ou uma fraude engendrada por um exímio conhecedor de textos antigos?
A trilogia Matrix não é o único sinal da influência dos evangelhos apócrifos sobre a cultura pop. Outro que se fartava na fonte era o autor de ficção científica Philip K. Dick. O escritor, cujos livros inspiraram filmes como o clássico-mor do sci-fi, Blade Runner, e também Minority Report (de Spielberg) e O Troco (de John Woo), era entusiasta de textos gnósticos, que abasteceram a "dualidade bem e mal" em sua obra. Outra história pop é a do relacionamento entre Maria Madalena e Jesus Cristo. O megabest seller O Código Da Vinci, do americano Dan Brown, pega carona nessa onda e sustenta uma trama mirabolante sobre os filhos de Jesus e Madalena, que será levado às telas em 2005, pelas mãos do diretor Ron Howard. Hollywoodianamente, a influência dos apócrifos pôde ser vista até mesmo em blockbusters descartáveis, caso do rocambolesco Stigmata. Nele, a atriz Patricia Arquette é acometida pelas chagas de Cristo. Num clima de suspense de segunda, o filme evoca os escritos de Tomé quando entra no assunto de que a Igreja seria dispensável para que o cristão se aproximasse de Deus. Detalhe bizarro: algumas cenas se passam no Brasil e os figurantes falam uma tosca mistura de português, espanhol e italiano.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

João, O Visionário Gnóstico de Patmos

Os últimos 30 anos experimentaram uma verdadeira revolução paradigmática acerca dos estudos do evangelho joanino [1]. Dentre algumas anomalias que engendraram tal revolução, trataremos brevemente de algumas para fins de nossa apresentação aqui. Digno de nota é ressaltar que, relacionado à mesma questão paradigmática, ainda prosseguem debates em relação ao grau de unidade interna e amplitude da audiência visada nele.

Na maior parte do século XX predominou, nos âmbitos de estudo estritamente técnico-acadêmico, a ênfase de que fora um documento compilado tardiamente, no século II, muitos defendendo que seria da segunda metade do século. Entendia-o como um escrito marcado por reflexos de uma matriz predominantemente helenista, mais possivelmente um platonismo tardio, marcado pelo dualismo, bem como refletindo crenças gnósticas; um documento “proto-gnóstico”[2 ]. De fato, podemos ver reflexos na literatura helênica dos temas “luz e trevas” relacionados a uma experiência de conversão espiritual ou que perpassa por conflitos cósmicos entre o caminho do bem e o caminho do mal. Por exemplo, escrevendo na metade do século II, Luciano de Samósata fala da passagem da “luz para as trevas” ao encontrar-se com o platonista Nigrinus[3] .

Contudo, anomalias foram se acumulando de tal forma que o paradigma antigo não conseguia lidar com ela, por mais elasticidade que pudera ter. Em uma delas, os trabalhos com os Manuscritos do Mar Morto, apresentaram que a comunidade de Qunram, provavelmente compartilhando com outros segmentos judaicos mais esotéricos, apresentavam muitos elementos de dualidade “luz/trevas”. Isso provocou muita especulação. Hoje alguns estudos avançaram ao ponto de apresentar que, por elementos sociológicos comuns, comunidades mais marginais no judaísmo compartilharam, independentemente, de tais pontos, que estimularam tal abordagem, com seu fundamento na Bíblia Hebraica [4].
Outras anomalias, especialmente advindas da arqueologia, se acumularam para apresentar a ambientação básica da narrativa do evangelho na Palestina antes de 70 a.C. Um grau considerável do que se considerava como anacronismos nele tiveram de ser revistos, com achados, que descortinaram não apenas elementos de cenários ( Caná da Galiéia, tanques de Betesda e Siloé, o Gábata, o poço de Jacó, etc.), bem como a geografia humana que corroboraram o fio geral da situação no tempo e espaço do narrado [5] .

Desta forma, o evangelho passa a ser julgado - longe de “tecnicamente exato” ou desprovido de qualquer mínimo anacronismo [6], e longe de minimizar o caráter midráshico e sapiencial da apresentação dos sermões de Jesus no evangelho [7]- de relevância para descortinar historicamente o cenário do ministério de Jesus e seu ambiente, na Palestina, especialmente Jerusalém, do século I, e no ideário judaico polissêmico e polimorfo de seus dias [8]. Quanto ao estudo técnico focado no próprio evangelho joanino, hoje a preocupação com fontes e história é menor, dando mais lugar ao debruçar sobre o produto final e sua fixação [9]

Outras questões também se avolumam, de nível textual, etc., mas que viriam ao caso em um empreendimento de maior escopo do que o presente texto.

Algo que tomaremos aqui se refere a um tema joanino importantíssimo. Vamos apresentá-lo por uma passagem emblemática:

Quando a mulher dá a luz, ela sente tristeza, porque a sua hora chegou; mas quando ela deu à luz à criança, não se lembra mais da sua aflição, mas enche-se toda de alegria por ter nascido um homem para o mundo. João 16.21
Versão “Tradução Ecumênica da Bíbla”, Paulinas e Edições Loyola.

O contexto remete a Jesus consolando seus discípulos diante de um panorama que parece assolador, de perseguição e tristeza, os animando a manterem-se perseverantes. E a imagem do parto é evocada.
Em quê, e em onde, podemos reportá-la?

Vamos viajar para uma famosa passagem de outro livro do Novo Testamento. Concedendo que o “Apocalipse” situa-se no mesmo ambiente dos demais escritos joaninos, em comunidades afins e provavelmente da mesma região [10] [quanto a compartilhar autoria ou pelo menos à mesma pessoa que de que o(s) autor(es) se serviu (ram), não vem ao caso e deixo em aberto], podemos retomar uma outra passagem que versa sobre parto/nascimento, de forma igualmente dramática.

Apareceu no céu um sinal extraordinário: uma mulher vestida do sol, com a lua debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça. Ela estava grávida e gritava de dor, pois estava para dar à luz. Então apareceu no céu outro sinal: um enorme dragão vermelho com sete cabeças e dez chifres, tendo sobre as cabeças sete coroas. Sua cauda arrastou consigo um terço das estrelas do céu, lançando-as na terra. O dragão colocou-se diante da mulher que estava para dar à luz, para devorar o seu filho no momento em que nascesse. Ela deu à luz um filho, um homem, que governará todas as nações com cetro de ferro. Seu filho foi arrebatado para junto de Deus e de seu trono. Apocalipse 12:1-5
Nova Versão Internacional.

Um breve comentário sobre essa passagem pode nos ajudar a iluminar a ambiência em João.

Vemos a figura do sol, a lua e doze estrelas. Retoma o sonho de José em Gênesis 37.9. No apócrifo “Testamento de Abraão” Abraão e Sara são apresentados como o sol e lua para Isaque.

Agora, confiramos estas passagens:

Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel. Is. 7:14

Canta alegremente, ó estéril, que não deste à luz; rompe em cântico, e exclama com alegria, tu que não tiveste dores de parto; porque mais são os filhos da mulher solitária, do que os filhos da casada, diz o SENHOR. Is. 54:1

Antes que estivesse de parto, deu à luz; antes que lhe viessem as dores, deu à luz um menino. Quem jamais ouviu tal coisa? Quem viu coisas semelhantes? Poder-se-ia fazer nascer uma terra num só dia? Nasceria uma nação de uma só vez? Mas Sião esteve de parto e já deu à luz seus filhos. Abriria eu a madre, e não geraria? diz o SENHOR; geraria eu, e fecharia a madre? diz o teu Deus. Regozijai-vos com Jerusalém, e alegrai-vos por ela, vós todos os que a amais; enchei-vos por ela de alegria, todos os que por ela pranteastes; Is.66:7-10

Portanto os entregará até ao tempo em que a que está de parto tiver dado à luz; então o restante de seus irmãos voltará aos filhos de Israel. Miquéias 5:3

Proclamarei o decreto: o SENHOR me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. Salmo 2:7
Na versão Almeida Corrigida e Revisada Fiel.

Temos aí então a referência à tradição profética do “remanescente justo e piedoso de Israel”, com a esperança messiânica brotando de seu purgar. Temos nos Manuscritos do Mar Morto, especialmente no rolo 1QIsª, a evocação também do justo fiel de Israel em trabalhos de parto.

Dragões e monstros marinhos costumavam serem usados pelos israelitas para se referirem às grandes divindades dos povos “pagãos” e assim, simbolizar o poder deles, em um enfrentamento com Deus; mais além também remetia à conflitos cósmicos nos primórdios da criação, com uma revolta contra Deus por parte das forças do caos.

Entre os que me reconhecem incluirei Raabe e Babilônia, além da Filístia, de Tiro, e também da Etiópia, como se tivessem nascido em Sião. Salmo 87:4

Fizeste em pedaços as cabeças do Leviatã, e o deste por mantimento aos habitantes do deserto. Salmo 74:14

Tu dominas o ímpeto do mar; quando as suas ondas se levantam, tu as fazes aquietar. Tu quebraste a Raabe como se fora ferida de morte; espalhaste os teus inimigos com o teu braço forte. Salmo 89:9

Naquele dia o SENHOR castigará com a sua dura espada, grande e forte, o Leviatã, serpente veloz, e o leviatã, a serpente tortuosa, e matará o dragão, que está no mar. Is.27:1

Poderás tirar com anzol o Leviatã, ou ligarás a sua língua com uma corda? Jó 41:2
Versões Almeida Corrigida, Revisada e Fiel.

Deus não refreia a sua ira; até o séquito de Raabe encolheu-se diante dos seus pés. Jó 9.13

Com seu poder agitou violentamente o mar; com sua sabedoria despedaçou Raabe. E isso tudo é apenas a borda das suas obras! Um suave sussurro é o que ouvimos dele. Mas quem poderá compreender o trovão do seu poder? Jó 26.12 Nova Versão Internacional

Fala, e dize: Assim diz o Senhor DEUS: Eis-me contra ti, ó Faraó, rei do Egito, grande dragão, que pousas no meio dos teus rios, e que dizes: O meu rio é meu, e eu o fiz para mim. Ezequiel 29:3 Almeida Corrigida, Revisada e Fiel

Em textos como 2Baruque, Leviatã é morto e servido no banquete messiânico para os justos.

Importante então notarmos como tal passagem reverbera o conflito terreno dos justos do povo de Deus contra as forças opressoras dos grandes poderes geopolíticos, ligado ao conflito cósmico das forças do caos contra o plano de YWHW para a redenção do seu povo e da criação.

Agora, então, temos uma paisagem mais ampla para contemplarmos o tema no evangelho joanino. Diante do quadro de que o mal está vencendo, os fiéis devem lembrar que haverá um julgamento que subverterá a lógica e o poder dos opressores. Esse juizo provocará temor em todos, será assombroso mesmo para os justos que o testemunharão, e terrível para os infiéis dentre o povo. Remetendo o sermão à linguagem profética:

Ali mesmo o pavor os dominou; contorceram-se como a mulher no parto. Salmo 48:6

Ficarão apavorados, dores e aflições os dominarão; eles se contorcerão como a mulher em trabalho de parto. Olharão chocados uns para os outros, com os rostos em fogo. Is 13:8

Diante disso fiquei tomado de angústia, Tive dores como as de uma mulher em trabalho de parto; estou tão transtornado que não posso ouvir, tão atônito que não posso ver. Is. 21:3

Como a mulher grávida prestes a dar à luz se contorce e grita de dor, assim estamos nós na tua presença, ó Senhor. Is. 26:17

Fiquei muito tempo em silêncio, e me contive, calado. Mas agora, como mulher em trabalho de parto, eu grito, gemo e respiro ofegante. Is. 42:14

Ouvi um grito, como de mulher em trabalho de parto, como a agonia de uma mulher ao dar à luz o primeiro filho. É o grito da cidade de Sião, que está ofegante e estende as mãos, dizendo: "Ai de mim! Estou desfalecendo. Minha vida está nas mãos de assassinos! Jeremias 4.:1

O que você dirá quando sobre você dominarem aqueles que você sempre teve como aliados? Você não irá sentir dores como as de uma mulher em trabalho de parto? Jr. 13:21

Você que está entronizada no Líbano, que está aninhada em prédios de cedro, como você gemerá quando lhe vierem as dores de parto, dores como as de uma mulher que está para dar à luz! Jr. 22:23

Pergunte e veja: Pode um homem dar à luz? Por que vejo, então, todos os homens com as mãos no estômago, como uma mulher em trabalho de parto? Por que estão pálidos todos os rostos? Jr. 30:6

Vejam! Uma águia, subindo e planando, estende as asas sobre Bozra. Naquele dia, a coragem dos guerreiros de Edom será como a de uma mulher dando à luz. Jr.49:22-24

Quando o rei da Babilônia ouviu relatos sobre eles, as suas mãos amoleceram. A angústia tomou conta dele, dores como as de uma mulher dando à luz. Jr. 50:43

Agora, por que gritar tão alto? Você não tem rei? Seu conselheiro morreu, para que a dor seja tão forte como a de uma mulher em trabalho de parto? Contorça-se em agonia, ó cidade de Sião, como a mulher em trabalho de parto, porque agora terá que deixar os seus muros para habitar em campo aberto. Você irá para a Babilônia, e lá você será libertada. Lá o Senhor a resgatará da mão dos seus inimigos. Miquéias 4:9-10 N.V.I.

Compartilhando a perspectiva mais ampliada em que esta ideia vem inserida, advém então a redenção messiânica, e a paz advinda do partilhar da vindicação final do Messias e comungar com ele então, que é o ápice da ideia desenvolvida neste capítulo 16.

Assim também agora vós tendes tristeza; mas outra vez vos verei; o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém poderá tirar. vs.22

Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passas por aflições, mas tenham bom ânimo; eu venci o mundo. vs 33

T.E.B.

Senhor, no meio de aflição te buscaram; quando os disciplinaste sussurraram uma oração. Como a mulher grávida prestes a dar à luz se contorce e grita de dor, assim estamos nós na tua presença, ó Senhor.Nós engravidamos e nos contorcemos de dor, mas demos à luz o vento. Não trouxemos salvação à terra; não demos à luz os habitantes do mundo. Mas os teus mortos viverão; seus corpos ressuscitarão. Vocês, que voltaram ao pó, acordem e cantem de alegria. O teu orvalho é orvalho de luz; a terra dará à luz os seus mortos. Vá, meu povo, entre em seus quartos e tranque as portas; esconda-se por um momento, até que tenha passado a ira dele. Vejam! O Senhor está saindo da sua habitação para castigar os moradores da terra por suas iniqüidades. A terra mostrará o sangue derramado sobre ela; não mais encobrirá os seus mortos. Is.26:16-21

Cante, ó estéril, você que nunca teve um filho; irrompa em canto, grite de alegria, você que nunca esteve em trabalho de parto; porque mais são os filhos da mulher abandonada do que os daquela que tem marido", diz o Senhor. "Alargue o lugar de sua tenda, estenda bem as cortinas de sua tenda, não o impeça; estique suas cordas, firme suas estacas. Pois você se estenderá para a direita e para a esquerda; seus descendentes desapossarão nações e se instalarão em suas cidades abandonadas. " "Não tenha medo; você não sofrerá vergonha. Não tema o constrangimento; você não será humilhada. Você esquecerá a vergonha de sua juventude e não se lembrará mais da humilhação de sua viuvez. Is 54:1-4

Antes de entrar em trabalho de parto, ela dá à luz; antes de lhe sobrevirem as dores, ela ganha um menino. Quem já ouviu uma coisa dessas? Quem já viu tais coisas? Pode uma nação nascer num só dia, ou, pode-se dar à luz um povo num instante? Pois Sião ainda estava em trabalho de parto, e deu à luz seus filhos. Acaso faço chegar a hora do parto e não faço nascer? ", diz o Senhor. "Acaso fecho o ventre, sendo que eu faço dar à luz? ", pergunta o seu Deus. "Regozijem-se com Jerusalém e alegrem-se por ela, todos vocês que a amam; regozijem-se muito com ela, todos vocês que por ela pranteiam. Pois vocês irão mamar e saciar-se em seus seios reconfortantes, e beberão à vontade e se deleitarão em sua fartura.” Pois assim diz o Senhor: "Estenderei para ela a paz como um rio e a riqueza das nações como uma corrente avassaladora; vocês serão amamentados nos braços dela e acalentados em seus joelhos. Assim como uma mãe consola seu filho, também eu os consolarei; em Jerusalém vocês serão consolados". Quando vocês virem isso, o seu coração se regozijará, e vocês florescerão como a relva; a mão do Senhor estará com os seus servos, mas a sua ira será contra os seus adversários. Is. 66:7-14

Por isso os israelitas serão abandonados até que dê à luz a que está em trabalho de parto. Então o restante dos irmãos do governante voltarão para unir-se aos israelitas. Ele se estabelecerá e os pastoreará na força do Senhor, na majestade do nome do Senhor, o seu Deus. E eles viverão em segurança, pois a grandeza dele alcançará os confins da Terra. Mq 5:3-4

Chegam-lhe dores como as da mulher em trabalho de parto, mas ele não é uma criança inteligente; quando chega a hora, não sai do ventre que abrigou. "Eu os redimirei do poder da sepultura; eu os resgatarei da morte. Onde estão, ó morte, as suas pragas? Onde está, ó sepultura, a sua destruição? Oséias 13:13-14
N.V.I.
Tem-se aonde tanto o evangelho de João quanto o Apocalipse combinam com textos da literatura apocalíptica judaica que viam o estabelecimento do advento messiânico e o governo de Deus consumando um período de intensa tribulação, como os “Oráculos Sibilinos” 3.796-808; 2Baruque 70.2-8; 4 Esdras 6.24; 9.1-12; 13.29-31; IQM 12.9; 19.1,2. [11]

Está consoante com Marcos 13 e paralelos, abordando também o remanescente fiel dos dias que precedem o juizo divino e plenificação messiânica; também I Co 15:24,25, com Paulo. Vide também I Pedro 4:12-19. Assim, podemos ver neste ponto uma magnífica orquestra de diferentes e independentes tradições cristãs contemporâneas participando da mesma música escatológica, do mesmo tema e expectativa. Algo que aponta fortemente para sua origem comum, seu epicentro fundamental.

Ainda que em João prevaleça o tratamento da escatologia realizada [12], a tensão já/ainda não, é fortemente afirmada, em que a era redimida está em gestação mas ainda não fora consumada, e ainda se esperavam as “últimas coisas”, e embora a “vida eterna” - Jo.3.16 – esteja disponível ela ainda aguarda se estabelecer – o próprio termo ζωή αἰώνιος literalmente significa “vida do mundo porvir”.
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Bibliografia
[1] Um livro seminal da época, que sistematiza essa Nova Perspectiva em sua emergência, é de Stephen S. Smalley, “John: Evangelist and Interpreter”.
[2] De forma emblemática, tal perspectiva é bem expressa por Rudolff Bulltman em Teologia do Novo Testamento, volume 2, pg. 437-438.
[3] Luciano de Samósata. "Wisdow of Nigrinus", Lucian, v.I
[4] Richard Bauckham. Testimony of the Beloved Disciple, The: Narrative, History, and Theology in the Gospel of John ; no capítulo "The Qunram Community and the Gospel of John" – p.125-135
[5] Para um tratamento da contextualidade cronológica, geográfica e histórica, ver John A. T. Robinson, “The Priority of John” - apesar das necessárias ressalvas a serem feitas quanto ao tratamento que dá às questões de datação do evangelho. Craig Blomberg apresenta a discussão mais atualizada quanto às evidências da fundamentação histórica e uma discussão do pano de fundo arqueológico em “The Historical Reliability of John's Gospel: Issues and Commentary”.
[6] Bauckham, op. Cit., Historiographical Characteristics of the Gospel of John – 93-113
[7] Ben Witherington, “John's Wisdom” p. 18-21
[8] Confira, na obra editada por Richard Bauckham e Carl Mosser, The Gospel of John and Christian Theology, o capítulo “The Historical Reability of John1s Gospel: From What Perspective Should It be Asseded?” de Craig S. Evans, p.92-118
[9] D.A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris, “Introdução ao Novo Testamento”, p. 537-539.
[10] Ótimas discussões a respeito: quanto a possível alcance do evangelho em seu contexto, Richard Bauckham, no já citado “Testimony of the Beloved Disciple, The: Narrative, History, and Theology in the Gospel of John”, cap. "The Audience of the Gospel of John", p.113-125.
Quanto a especificamente o entremear do ambiente comunitário da composição, e a audiência do livro do Apocalipse em interface com o evangelho joanino, “The Book of Revelation and the Johannine Apocalyptic Tradition”, por John M. Court p.8-14; pelo mesmo estudioso, na obra “The Johannine Literature”, editada por Barnabas Lindars, R. Alan Culpepper, Ruth B. Edwards, John M. Court, "Comentaries on and Studies of the Book Of Revelation” p.283-296
[11] Michael Lattke, “On the Jewish Background of the Synoptic Concept 'The Kingdow of God”, em The Kingdom of God in the teaching of Jesus, editado por Bruce Chilton, p. 72-91
[12] C. H. Dodd, The Interpretation of the Fourth Gospel, p.144-149