Pesquisas e estudos comparados têm demonstrado que a mitologia judaico-cristã é bem anterior ao próprio judaísmo, quando se percebe que dogmas como o da imortalidade da alma, da ressurreição e do Verbo encarnado são muito anteriores ao cristianismo.
A imortalidade da alma já tinha milênios quando os judeus foram levados cativos para a Babilônia. Zoroastro ensinara, muito antes, ser a alma imortal, e que essa imortalidade seria produto de uma opção humana. O livre arbítrio levaria o homem a escolher uma vida que o levaria ou não à imortalidade. O erro e o mal produziriam a morte definitiva, a prática do bem, a imortalidade. Do mesmo modo, na Ciropédia, bem anterior a Zoroastro, se lê que Ciro, moribundo, disse: “Não creio que a alma que vive em um corpo mortal se extinga desde que saia dele, e que a capacidade de pensar desapareça apenas porque deixou o corpo que não tem como pensar por si mesmo”. Por outro lado Einstein, pouco antes de morrer, declarou não crer que algo sobrasse do ser vivo após a morte. Os egípcios, os hindus, os sumérios, os hititas e os fenícios criam na imortalidade da alma.
A ressurreição foi um dos fundamentos do Zend-Avesta. Zoroastro também ensinou que o fim do mundo seria precedido por um grande acontecimento, a ser predito por profetas. Os persas tiveram os seus profetas, que foram Ascedermani e Ascerdemat, os quais passaram à Bíblia sob os novos nomes de Enock e Elias, entidades míticas, como se vê. Desses mitos surgiram o Talmud e os Evangelhos, o que mostra que, em religião, a idéia original pertence à noite dos tempos.
A doutrina do Verbo já era antiqüíssima no Egito. Deus teria gerado Kneph “a palavra, o Verbo”, que é igual ao pai. Da união de Deus com o Verbo nasceu o fogo, a vida, Fta, a vida de todos os seres. O monoteísmo e a Santíssima Trindade eram crenças muito antigas na Índia. Os deuses únicos e os deuses secundários são uma velha doutrina oriental. A religião greco-romana já possuía o seu Apolo e Zeus, rodeados por uma porção de deuses secundários. Essas velhas lendas deram origem ao Deus do cristianismo, com toda sua corte de santos e anjos. O politeísmo há muito vinha caminhando para o monoteísmo. Os gregos já haviam concebido a idéia de um intermediário entre os homens e Júpiter, que era Apolo, tendo encarnado para redimir os homens. Porfírio citou o seguinte oráculo de Serapis: “Deus é antes e depois e ao mesmo tempo, é o Verbo e o Espírito, como um e outro”. O mundo antigo cria em um Deus único, pai de todas as coisas, afirmou Máximo de Tiro. O povo então já dizia: Deus o sabe! Deus o quer! Deus o abençoe! Os oráculos só se referiam a Deus e não aos deuses.
Os apologistas do cristianismo, tais como Eusébio, Agostinho, Lactâncio, Justino, Atanásio e muitos outros, ensinavam que unidade de Deus era conhecida desde a mais remota antiguidade. Os órficos, inclusive, a admitiam. Na Bíblia, ao ser traduzido para o grego e para o latim, o nome de Deus passou a ser muitas vezes Senhor, Dominus, para ficar conforme o nome do Deus-sol do mitraísmo.
O amor a Deus foi a base de todas as religiões copiadas pelo judaísmo. Isaías falava de Deus como Pai Celestial. Ezequiel dizia que Deus não queria a morte do pecador, preferindo antes a sua conversão. O justo viverá eternamente pela fé. São palavras de Habacuc, repetidas por Paulo em Gálatas 3:2.
Como vimos a doutrina do Verbo vem de Platão, tendo sido este o intermediário entre os metafísicos e os cristãos. Foi ele quem concebeu a idéia da separação do corpo e da alma e pôs aquele na dependência desta. Na sua opinião, a Terra era o desterro da alma. Foi o criador do sistema filosófico da decadência moral do homem, fazendo dos sentidos uma ameaça, do mundo um mal e da eternidade o delírio, o sonho.
Cícero e Sêneca tinham idéias cristãs, mas não conheceram a Jesus Cristo nem ao cristianismo. Agostinho leu as obras de Cícero e trocou o maniqueísmo pelo cristianismo. A Igreja procurou destruir as principais obras de Cícero e de Sêneca para que a posteridade não percebesse que eles não tinham sido cristãos seguidores de Cristo, mas apenas que as suas idéias coincidiam com as que o cristianismo esposou. O cristianismo nasceu da helenização do judaísmo.
Os cristãos terapeutas abandonaram o judaísmo ortodoxo porque este tinha posto de lado o culto nacional do templo e o sacrifício Pascal, retirando-se para uma vida contemplativa nos montes, longe dos homens e dos negócios. Estabeleceram uma sociedade comunal, considerando o casamento um apego à carne, um empecilho à salvação da alma. Baniram os principais prazeres da vida, exaltando o celibato e a pobreza, como os essênios, além de aconselhar a caridade. Eusébio chamou aos terapeutas de cristãos sem Cristo. Para ele, um terapeuta era um autêntico cristão. Isto levou Strauss a escrever: “Os terapeutas, os essênios e os cristãos dão sempre muito o que pensar”.
A doutrina dos essênios, a moral dos terapeutas, a encarnação do Verbo, vinda do judaísmo helenizado, é o cristianismo de Filon. Desse modo, Filon foi criador do cristianismo, sem saber. Ele se refere ao Verbo nos termos da mitologia egípcia sem, contudo, mencionar a crença em Jesus Cristo. Salomão fez da sabedoria divina a criação. O Livro da Sabedoria define a natureza desse principio intermediário, transformando o pensamento vago do rei judeu sobre a sabedoria da doutrina do Verbo.
Sirac, em “Eclesiástico”, faz a doutrina do Verbo ser mais precisa: “A sabedoria vem de Deus, estando sempre com ele. Foi criada antes de todas as coisas. A voz da inteligência existe desde o principio. O Verbo de Deus, no mais alto do céu, é a fonte da sabedoria”! Filon disse que o Verbo se fizera humano. Segundo ele, Deus era infalível e inacessível à inteligência humana, não nos alcançando senão pela graça divina. Para ele, ainda, o Verbo não era apenas a palavra, mas a imagem visível de Deus.
O Verbo seria o Ungido do Senhor, o ideal da natureza — o Adão Celeste é a doutrina da encarnação do Verbo — tomando a forma humana. O Verbo é o intermediário entre Deus e os homens. Diz ainda que o Verbo é o pão da vida.
Por ai vemos que não foi o Cristo o criador do cristianismo, mas este é que o criou. Clemente de Alexandria, Origenes ou Paulo, assim como os primeiros padres do cristianismo, jamais se referiram a Jesus Cristo como tendo sido um homem que tivesse caminhado do Horto ao Gólgota, mas o tiveram apenas como o Verbo, conforme a doutrina de Platão e de Filon.