segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A relação do Homem com a Morte no decorrer da história humana

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“É impossível conhecer o homem sem lhe estudar a morte, porque, talvez mais do que na vida, é na morte que o homem se revela. É nas suas atitudes e crenças perante a morte que o homem exprime o que a vida tem de mais fundamental.” Edgar Morin
A Morte, a figura sombria em que em nenhuma época o homem foi capaz de lutar contra ela. Um tabu que temos como a única certeza que temos na vida, que não conseguimos esquecê-la ou nega-la. Tentamos controla-la com os avanços da ciência, tendo a esperança de que as contribuições com a medicina, ciências humanas e sociais, possa tirar um pouco desta inquietude que nos persegue desde quando nos conhecemos por seres humanos. O Homem, segundo a ciência, é o único ser vivo que tem consciência da própria finitude. Desde os tempos mais remotos, constroem-se túmulos para sepultamento, fazem-se rituais, culminando em atos de grande inquietação, curiosidade, fascínio e medo. A nossa relação com a indesejada das indesejadas conta-nos uma história, que muitas vezes achamos que sempre foi imutável. Não, a Morte sofreu mutações com o tempo, e vamos contar com que olhos ela foi observado, desde a Pré-história até a nossa idade moderna. Prepara-se, vamos começar uma jornada minuciosa e incrível sobre aquela que nos encontra no final do túnel, carregada de metáforas, com sua foice e capa preta. Nossa velha amiga, aquela que nos espera no final da estrada.
Estudos apontam que o Homem de Neandertal foi o primeiro de nossa linhagem a enterrar os mortos. Como era antes disso? Bem, antes deste conceito, o homem pré-histórico era deixado à mercê dos animais. Nossos antepassados faziam várias oferendas, com os objetos mais próximos do morto, e os mesmos eram enterrados em cavidades abertas em rochas. O corpo era disposto de cócoras e em seguida coberto com pedras. Na época sucessiva ao Neandertal, o homem de Cro-Magnon colocava seus mortos em outra posição, geralmente deitado ou em posição fetal, mantendo as oferendas, na crença de que os mortos poderiam levar elas consigo. Na época do Mesolítico, predominou as sepulturas ovais. Os corpos continuaram a serem cobertos com pedras e geralmente eram adornados com materiais feitos de conchas e dentes de animais. No Neolítico e na Idade do Bronze, consolidaram-se as sepulturas coletivas e marcou o surgimento dos primeiros monumentos funerários.
Alcançar a vida eterna era um lema para os egípcios. Utilizou-se de feitiços, rituais, os embalsamamentos, e a construção de tumbas que entraram para a história. Coma crença de que cada um tinha uma espécie de “alma” que continuava após a morte, os egípcios colocavam uma série de objetos na tumba, a fim de que a “alma” pudesse usufruir-se deles depois da morte. Essa “alma” tinha o nome de “ka”. Sem os objetos, o “ka” não tinha como fazer uma ligação com o corpo físico, e este corpo-físico deveria estar muito bem conservado para que esta união acontecesse. Foi assim que surgiu a mumificação. E como era feita a mumificação? Primeiramente, o cadáver era submetido a um processo de embalsamamento, e o principal ingrediente era o sal, devido à sua grande capacidade de preservação de tecidos. Sobretudo, embalsamar é uma arte, e esta arte tem sua documentação lá no Egito antigo.  É uma forma de proteger o corpo da decomposição, causada por bactérias. O legado antigo foi tão importante para a sociedade moderna, que hoje o processo é pai de várias técnicas utilizadas para translado de corpos em viagens aéreas de longo percurso. O processo no Egito demorava cerca de setenta dias. Primeiramente, o cérebro era removido através das fossas nasais e as vísceras, através de uma incisão localizada no lado esquerdo do tronco. Esvaziado, ou seja, eviscerado, as cavidades eram esterilizadas e as vísceras eram posteriormente tratadas através da desidratação. A desidratação era realizada com natrão, um composto de carbonato de cálcio hidratado. O corpo era preenchido de resinas perfumadas e imerso na solução de natrão. Ficava imerso durante 40 dias. Depois de todo este processo, os membros tinham o preenchimento subcutâneo feito com uma mistura de areia e argila. As cavidades eram preenchidas com panos cheios de resina, serragem e materiais conservantes. Para espantar o odor, compostos aromatizantes feitos de mirra, canela. Com uma espécie de resina derretida, o corpo era envolto e posteriormente envolvido nas famosas faixas de linho. Por fim, a tumba era decorada com os famosos hieróglifos e pinturas.
Os egípcios antigos deixaram um legado cheio de representações da Morte. Trata-se do livro “O livro dos Mortos”, o mais antigo livro ilustrado do mundo. Segundo estudiosos, surgiu na V Dinastia, aproximadamente em 2345 a.C. Este livro contém toda a forma de louvor que os egípcios tinham com seus mortos, desde hinos, preces, textos mágicos de proteção (contra animais necrófagos, violação de túmulos). Os egípcios acreditavam que quem levasse este livro na tumba, encontraria a salvação para alma, pois o livro continha toda a orientação para chegar ao além.
Os romanos foram os primeiros a dar início às esculturas nos túmulos, tal como podemos ver hoje nos cemitérios. Era uma forma de homenagear os entes queridos. Tinha também como característica cultural, a cremação dos mortos, pois a cremação era vista como uma forma de marcar uma nova etapa na vida deles, que era a condição de estarem mortos. Na sociedade Greco-romana havia distinções entre as pessoas que morriam. Os anônimos e os que pertenciam à sociedade comum eram cremados e depois as cinzas eram dispostas em valas coletivas. Aos olhos da sociedade, eram meros mortais. Membros da alta sociedade, considerados como heróis, tinham uma linda cerimônia, e a cremação era cheia de pompa, pois o morto tornar-se-ia um imortal.
 Na Grécia, o sepultamento tinha uma série de rituais. O cadáver era desinfectado, lavado com essências aromáticas e envolto em um pano branco, para representar a pureza. Depois, é envolvido com faixas e disposto em uma mortalha, sempre com o rosto descoberto, pois é uma forma para que a alma possa enxergar o caminho que leva para o outro lado. Objetos de valor eram enterrados com o cadáver e muitas vezes, dependendo da época, colocava-se uma moeda em cima da boca. Como assim? Uma moeda? Sim, a moeda servia como uma espécie de pagamento para o barqueiro Caronte, pois era ele que atravessava as almas nos quatro rios do inferno de Hades. Algumas vezes, próximo ao cadáver, também era colocado um bolo de mel, para que agrade Cérbero, o cão de três cabeças, guardião da porta do inferno de Hades. Os mortos eram expostos em leitos, durante um ou dois dias dentro do cômodo mais importante da casa, sempre com os pés voltados para a porta. Os enterros em Atenas eram realizados antes do nascimento do sol, para que os raios do sol não fossem contaminados pela dor da Morte. As pessoas presentes no enterro se vestiam de preto, cinza ou branco e os cabelos eram cortados como símbolo de dor. Um vaso com cristais era colocado na porta da casa, a fim de absorver a contaminação da Morte. Os cemitérios eram sempre fora dos muros da cidade e então, o corpo era finalmente cremado e os restos recolhidos dentro de uma urna. Após todo este processo, os parentes do falecido tomavam um banho de renovação com água do mar, para retirar as impurezas que o rastro da Morte deixava. Um grande banquete era realizado, durante trinta dias após o falecimento e nos aniversários de falecimento, para dar memória ao falecido.
 Na Idade Média, a relação Homem-Morte desenvolveu-se em duas fases, pois a Morte teve duas representações distintas neste período. Temos a Alta Idade Média, que vai do período do século V até meados do século XII, e a Baixa Idade Média, que vai do século XII até o século XV.
Na primeira fase, nos deparamos com o conceito de uma morte mais “íntima”, ou seja, a Morte era mais presente na sociedade, mais “domesticada” e “familiar”. Nesta época, o morrer era encarado com muita naturalidade. A consciência da Morte era tão intima, que o moribundo já sabendo de sua aproximação, fazia uma espécie de reconciliação, em que pedia perdão por todos os seus pecados. Toda essa reconciliação era a fim de obter a tão desejada paz e o caminho para o paraíso. Um moribundo que não confessasse pedindo perdão aos seus pecados era destino certo a queimar no inferno, e este era um dos maiores medos do homem medieval. A morte súbita era vista com muito temor, pois não teria como pedir o perdão e então, na mentalidade da época, inviabilizaria a ida da alma para o paraíso.
Nesta fase, os mortos eram envoltos em um sudário e não existiam caixões. Os corpos eram jogados em valas, na maioria das vezes em cima de outros cadáveres, sendo muito deles em adiantado processo de decomposição. Os pobres eram enterrados no pátio das igrejas e os mais ricos dentro da igreja. Acreditava-se que aqueles que eram enterrados dentro da igreja, estavam protegidos do inferno, pois os santos e os mártires os protegeriam de toda maldição. Outra característica desta época é a não separação destes ambientes. Nos cemitérios e igrejas, era muito comum ocorrer inúmeras reuniões e festividades, o que denota a principal característica do convívio do homem com a Morte, ambos eram tão íntimos, que não era problema conviverem lado a lado. Segundo o historiador francês Philippe Ariès, autor do livro “História da Morte no Ocidente: Da Idade Média aos dias atuais”,
A atitude antiga em que a morte é ao mesmo tempo próxima, familiar e diminuída, insensibilizada, opõe-se demasiado à nossa onde faz tanto medo que já não ousamos pronunciar o seu nome. É por isso que, quando chamamos a esta morte familiar a morte domada, não entendemos por isso que antigamente era selvagem e que foi em seguida domesticada. Queremos dizer, pelo contrário, que hoje se tornou selvagem quando outrora o não era. A morte mais antiga era domada.”


Na segunda fase, com a ascensão definitiva da Igreja, a familiaridade com a morte tomou outro rumo. O julgamento da morte passa a ser sinônimo de fins dos tempos. A morte começa a tomar conta da literatura e pinturas europeias e esta caracterização é marcada como uma figura de horror, medo, podridão. Foi nesta época que surgiu o ícone que até hoje é tido como símbolo da Morte, o esqueleto e a foice. O conceito de que a morte é conhecida como a Ceifeira, vem do conceito de colheita. A Morte pode ceifar de maneira individual ou coletiva. A peste negra na Idade Média ilustra bem este conceito. Em quadros representativos, podemos ver a personificação da Morte, levando os pestilentos da terra. As guerras e as doenças levaram quase uma sociedade inteira. 1/3 da população europeia foi varrida do mapa por causa da peste bubônica, que era constantemente reintroduzida por causa das Cruzadas. Para tornar o cenário ainda mais mórbido, com a chegada da Inquisição, para punir os infiéis, fizeram que a sociedade da época estivesse ainda mais presente com a morte, todos os dias, sem exceção; e assim, a Morte torna-se um castigo de Deus para o Homem.

O filósofo Espinosa dizia que a sabedoria do homem não é uma meditação sobre a Morte, mas sim sobre a vida. O Homem livre não deveria pensar apenas na morte. Com a chegada do Iluminismo e o avanço da ciência e livre pensamento, o homem ocidental passou a repensar na forma de como encara a Morte. A morte, que antes era algo mais familiar, passou a ser reprimido, pouco falado, um verdadeiro tabu dos dias modernos. Constantemente negamos sua existência. Em 1794, o iluminista Condorcet teve uma visão de como nós encaramos a morte hoje:
“(…) um dia, chegará um período em que a Morte não será nada mais que o efeito de acidentes extraordinários ou da lenta e gradativa decadência de forças vitais: e no qual a duração do intervalo entre o nascimento de um homem e sua decadência não terá um limite que lhe possa ser atribuído”.
Foi durante o século XVII que o termo eutanásia passou a ser visto como um alívio àqueles que estavam sofrendo, e os mesmos médicos que trabalhavam com a cura, trabalharem também com uma morte mais tranquila. Hoje a morte é vista como uma espécie de escândalo, um mistério ao qual não temos do que se esconder. Cala-se e uma esfera de temor assombra em volta daqueles que ouvem falar seu nome. As revoluções científicas ocorridas a partir do século XV colocaram mais razão e intelecto nos pensamentos sobre o assunto. Com o declínio do pensamento religioso, a Morte que antes era vista de forma mais íntima, passou a ser cada vez mais vista como algo ruim. Com o crescimento da burguesia pós-revolução industrial, o conceito de higiene e sanitarismo aumentaram, entrando no concerne da saúde pública. Morrer é sujo, contamina, fede. A morte torna-se cada vez mais impessoal,
”Um tipo absolutamente novo de morrer apareceu durante o século XX, em algumas das zonas mais industrializadas, mais urbanizadas, mais tecnicamente avançadas, do mundo ocidental… Dois traços saltam aos olhos do observador menos atento: a sua novidade, evidentemente, a sua oposição a tudo o que precedeu, de que é a imagem revertida, o negativo: a sociedade expulsou a morte, exceto a dos homens de Estado. Nada avisa já na cidade que se passou qualquer coisa… A sociedade deixa de fazer pausas: o desaparecimento de um indivíduo já não afeta a sua continuidade. Tudo se passa na cidade como se já ninguém morresse.” (Ariès).
O quarto do moribundo passou da casa para o hospital. Devido às causas técnicas médicas, esta transferência foi aceita pelas famílias, estendida e facilitada pela sua cumplicidade. O hospital é a partir de então o único lugar onde a morte pode escapar seguramente à publicidade – ou àquilo que resta – a partir de então considerada como uma inconveniência mórbida. É por isso que se torna o lugar da morte solitária.” (Ariès)
A Morte passou então a ser associada com tudo o que é ruim, não somente ao medo, à perda.

“O quarto do moribundo passou da casa para o hospital. Devido às causas técnicas médicas, esta transferência foi aceita pelas famílias, estendida e facilitada pela sua cumplicidade. O hospital é a partir de então o único lugar onde a morte pode escapar seguramente à publicidade – ou àquilo que resta – a partir de então considerada como uma inconveniência mórbida. É por isso que se torna o lugar da morte solitária.” (Ariès)
“O Beijo da Morte”, é considerado um ícone da arte fúnebre. Criada em 1930, encontra-se no cemitério de Poblenou, em 
Barcelona, na Espanha. É a homenagem de uma família a um filho morto, representado como um deus grego na escultura. 
A estátua, segundo boatos, influenciou Ingmar Berg­man para a criação da obra-prima cinematográfica, “O Sétimo Selo”, 
que retrata a vida e a morte e ilustra a imagem tema desta matéria, acima do título.
Cena da série “Six Feet Under”, de Allan Ball, produzida pela HBO.
A Morte é uma inconstante. Mesmo com o passar dos tempos, sempre nos restará dúvidas e perguntas sobre a Indesejada. A ciência já nos colocou diante da realidade, os aspectos da Morte, já nos debruçamos sobre este tema tentando aceitá-lo. Por que tanto medo? Por que tanto tabu em algo que tanto sabemos que não podemos escapar? Todos nós tempos medo da Morte, essa representação já tão antiga da entidade vestida de negro, o esqueleto que carrega a foice que ceifa vidas. Poucos se aventuram a entender todo o mistério sombrio que existe dentro do tema. E a grande questão deste enigma está na nossa sobrevivência à morte biológica. Será que um dia vamos enganar a morte? Existirá o dia em que ninguém mais morrerá? Pense, reflita. Neste mês o Literatortura trará a você uma série de matérias sobre o tema. Um novo olhar sobre aquela que ninguém escapa. Nem eu e você.
Fontes de Pesquisa:
 ARIÈS, Philippe. A história da morte no ocidente.
ARIÈS, Philippe. O homem diante da morte.
BECKER, Ernest. A Negação da Morte.
GIMENEZ, Sonia Maria. Morte: Implicações ambientais e culturais.
HUIZINGA, Johan. O outono na Idade Média

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Hans Küng e o Mal de Parkinson

O teólogo suíço Hans Küng, a quem o Papa João Paulo II tirou a licença para lecionar devido às suas posturas críticas ao Vaticano, cogita recorrer ao suicídio assistido para por um fim à sua vida, diante da evolução do Mal de Parkinson.


A reportagem está publicada no sítio espanhol Religión Digital, 01-10-2013. A tradução é de André Langer.
“Não quero continuar vivendo como uma sombra de mim mesmo”, escreve o teólogo, no terceiro e último volume das suas memórias, como foi antecipado hoje (dia 01 de outubro) por seu editor alemão, Piper Verlag.
Küng, de 85 anos, sofre de Parkinson em estado avançado e teme perder logo e completamente a visão, diante do que não descarta a possibilidade de se entregar nas mãos de uma clínica suíça especializada em suicídio assistido.
“O ser humano tem o direito de morrer quando já não tem nenhuma esperança de continuar levando o que, segundo o seu entendimento, é uma existência humana”, escreve o teólogo e catedrático da Universidade de Tübingen .
Küng vive completamente retirado da vida pública desde que completou os 85 anos, no começo de 2013, e depois deste volume de memórias não tem intenção de escrever mais nenhum outro livro.
“Não estou cansado da vida, mas farto de viver”, aponta, para acrescentar que não tem a intenção de chegar aos 90 anos.
O teólogo começou a escrever suas memórias em 1980 e o terceiro volume poderá chegar às livrarias esta semana.
Considerado o mais destacado teólogo crítico da postura oficial do VaticanoJoão Paulo II, em 1979, retirou-lhe a permissão para ministrar os sacramentos e ensinar teologia católica.
Recentemente, expressou sua confiança em ser reabilitado por Francisco, como “reparação” ao que considera uma injustiça do Vaticano.
Küng foi companheiro de Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI, na Faculdade de Teologia de Tübingen, na qual ambos foram professores. Os dois participaram do Concílio Vaticano II como assessores e no começo das suas carreiras pertenceram a um grupo de teólogos católicos alemães liberais.
Não obstante, com o passar dos anos, Ratzinger alinhou-se com a ortodoxia conservadora, ao passo que Küngchegou a perder inclusive a licença para ensinar teologia católica após questionar o dogma da infalibilidade do papa.

PARA LER MAIS BASTA ACESSAR O LINK 

23/09/2013 - O verdadeiro desafio é a defesa dos novos pobres. Artigo de Hans Küng
13/09/2013 - ''Francisco não exorta ao diálogo: pratica-o. Essa é a força da mensagem''. Artigo de Hans Küng
12/09/2013 - ''O Papa Francisco também envia um sinal ao Irã''. Entrevista com Hans Küng
18/05/2013 - O Papa Francisco é um paradoxo? Artigo de Hans Küng
19/04/2013 - Hans Küng espera ser reabilitado por Francisco
15/03/2013 - ''É a melhor escolha possível. Que agora ele não aceite compromissos''. Entrevista com Hans Küng
04/03/2013 - A primavera da Igreja. Artigo de Hans Küng
28/02/2013 - ''Ratzinger será um pontífice-sombra. Haverá a possibilidade de ingerências perigosas''. Entrevista com Hans Küng
15/02/2013 - 'É ilusório querer reconduzir os cristãos para dentro do sistema eclesiástico atual', diz Hans Küng
12/02/2013 - "A decisão de Bento XVI merece grande respeito e é corajosa. Incrível!", exclama Hans Küng
07/01/2013 - Hans Küng condena e resiste à moderna ''Inquisição romana''
05/01/2013 - O Evangelho segundo Hans Küng
26/10/2012 - Hans Küng irá se retirar do ''grande palco''
23/10/2012 - Hans Küng, apelo por uma ''sublevação de baixo''
16/10/2012 - “João XXIII desejava reformas, mas cedeu muitas vezes”, afirma Hans Küng
25/06/2012 - As três chagas do Vaticano. Artigo de Hans Küng
29/05/2012 - ''O Vaticano continua sendo uma corte medieval''. Entrevista com Hans Küng
15/02/2012 - ''O doente pode escolher quando quer dar adeus à vida'', defende Hans Küng
15/01/2012 - ''Acredito em Deus e em Cristo, mas não na Igreja''. Entrevista com Hans Küng
02/08/2011 - "Há um cisma na Igreja entre a cúpula hierárquica e as bases". Entrevista com Hans Küng

(Vídeo) 7º Capítulo da série "A Bíblia"

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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

(Vídeo) 6º CAPITULO DA SÉRIE "A BÍBLIA"

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(Vídeo) 5º CAPITULO DA SÉRIE "A BÍBLIA"

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(Vídeo) 4º CAPITULO DA SÉRIE "A BÍBLIA"

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(Vídeo) 3º CAPITULO DA SÉRIE "A BÍBLIA"

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(Vídeo) 2º CAPITULO DA SÉRIE "A BÍBLIA"

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(Vídeo) 1º CAPITULO DA SÉRIE "A BÍBLIA"

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sábado, 23 de novembro de 2013

Além da sepultura de Talpiot


Quando se trata de sondar os mistérios que envolvem a morte de Jesus, qualquer pesquisador terá que responder a uma difícil pergunta: Onde ele teria sido sepultado?

Para responder a esta questão, será preciso que lancemos mão dos fatores históricos que enredam a paixão de Cristo, bem como do surgimento da Teologia Cristã, cuja base foi sedimentada na extraordinária crença na ressurreição. A comemoração do Corpus Christi oferece motivações para que se realize desta feita, uma análise sobre o provável local do sepulcro do Nazareno. 

Primeiramente, quero esclarecer que, atualmente, são três os lugares em Jerusalém que reivindicam o reconhecimento daquele que seria o local exato do sepultamento de Jesus. O mais antigo e  famoso é o que se encontra na intimidade da Igreja do Santo Sepulcro. Este é conhecido como o túmulo católico de Jesus. A localização do Santo Sepulcro se deu sob as ruínas do templo construído em homenagem à Vênus, quando da reconstrução feita em Jerusalém por ordem do imperador Adriano, no século II.

No século IV, ao se converter ao cristianismo, Helena, mãe do imperador Constantino, recebeu indicações de cristãos e judeus que ali seria o lugar da crucificação e ressurreição, encontrando-se também a suposta catacumba cedida por José de Arimateia para o sepultamento de Jesus. A megalomaníaca Helena acabou com qualquer possibilidade de preservação do material arqueológico, ao mandar construir sobre o local, uma colossal Igreja, como fez também em outras regiões apontadas como cenários do Cristianismo Primitivo.

Além de uma suposta pedra onde o corpo de Jesus teria sido deitado, em outra parte da Igreja, há nichos cavados na rocha que foram usados para abrigar sepulcros judaicos que datam do século I d.C, o que, para alguns estudiosos, são boas evidências arqueológicas que podem dar sustentação ao fato de que Jesus foi enterrado ali. Por outro lado, a geografia do local não é muito coincidente com a da narrativa encontrada no evangelho atribuído a João. Entretanto, a Igreja do Santo Sepulcro recebe milhões de cristãos, incluindo doentes de vária ordem que para lá se dirigem na esperança de serem beneficiados de alguma forma. Ela foi dividida entre cristãos católicos romanos, sírios, gregos ortodoxos, etíopes e armênios.

Sobre a referida pedra que foi usada para a limpeza e preparação do corpo de Jesus, pessoas do mundo inteiro se curvam sobre ela para beijá-la, chorar, fazer orações, e esfregam fotos de pessoas doentes, enfim... todas querem conseguir algo miraculoso através da fé, ou simplesmente desejam participar da terrível história da crucificação do Galileu.

O outro lugar, conhecido como a tumba do jardim, é considerado como o sepulcro protestante de Jesus. Irônico não? Até depois de morto, os cristãos em nome da fé e da salvação se dividem na escolha do local de sua morte. Neste agradável lugar, nem todos estão convictos de que aquele elevado rochoso teria abrigado o corpo de Jesus. O local é inspirador, e o silêncio, ao contrário da perturbação do Santo Sepulcro, motiva o recolhimento e a oração.

Geograficamente, trata-se de uma colina facilmente encontrada a 260m, saindo  de Jerusalém pelo portão de Damasco, e está  a uma altura de 15m, apresentando buracos nas rochas que trazem características semelhantes as de um crânio. Além disso, apresenta um jardim ao lado dos sepulcros, o que o torna muito parecido com o que é descrito no evangelho de João. O grupo do general britânico, Gordon, que descobriu o lugar, chegou a conclusão de que ali era também um local muito usado para apedrejamento pelos judeus. Posteriormente, em escavações realizadas, encontraram restos de ossos humanos e também pregos romanos, indicando um possível lugar de crucificação durante o período da dominação na Judeia. A tumba do Jardim ou colina do Gólgota por ficar fora dos muros de Jerusalém, recebe mais um crédito para ser aceita como o lugar da sepultura, porém os defensores do sepulcro católico, alegam que apesar da atual Igreja do Santo Sepulcro situar-se dentro da cidade de Jerusalém, na época em que Jesus morreu, aquele sepulcro também ficava fora dos muros da cidade.

O fato do sepultamento ter sido feito fora dos muros de Jerusalém, reflete a tradição judaica que obrigava que aqueles que foram considerados marginais não maculassem o terreno sagrado da cidade. Eis o porquê dos grupos protestantes e católicos defenderem a tese de que ambos os sepulcros estavam fora dos muros da cidade santa.

Em 1980, outra sepultura foi descoberta no bairro de Talpiot, nos arredores de Jerusalém. Em 2006, os estudos arqueológicos em torno dos dez ossuários encontrados em Talpiot, revelaram que eles são realmente do século I, e as inscrições trazem os nomes de Mariamne Mara, que seria Maria Madalena,Miriam, a possível Maria, mãe de Jesus, Yehoshú'a bar Yussef, reconhecido como Jesus filho de José, e os nomes de Yehuda bar Yehoshú'a, ou seja, Judas, filho de Jesus e Matya, que foi traduzido como Mateus. Apesar da empolgação do jornalista judeu, Simcha Jacobovici, que exige para si a descoberta do túmulo de Jesus, os arqueólogos e historiadores de Israel não aceitam estes túmulos como sendo o da família de José. Segundo eles, esses nomes eram comuns em Jerusalém e além do mais a família de Jesus era da Galileia e não há motivos para que suas catacumbas fossem encontradas na Judeia. Vale a pena conferir o documentário A Tumba Perdida de Jesus, lançado em 2007, tendo como produtor o cineasta James Cameron.

Uma outra sepultura que, também, requer o direito de abrigar o corpo de Jesus, não está situada em Jerusalém, mas encontra-se na Índia, na região da Cashemira. Na cidade de Srinagar há um túmulo que guarda os restos mortais de um homem que veio de uma região distante, morreu em idade avançada, e em vida pregava a existência de um Deus único e era afeito à solidão para meditar e orar. Seu nome Yuz Asaf está escrito em uma placa na intimidade da cripta, e alguns veem uma certa semelhança na pronúncia com o nome de Yehoshú'a, em hebraico. A tumba de Yuz Asaf é considerada por curiosos, estudiosos, cristãos e até por muçulmanos como sendo a sepultura  de um homem santo. Neste caso, acreditam que se trata de Jesus.

Esta teoria baseia-se na especulação que foi feita em torno da morte de Jesus, conforme narra o evangelho atribuído a Marcos. Pilatos teria ficado surpreso quando deram a notícia de que Jesus havia morrido no mesmo dia em que fora crucificado, o que contrariava as mortes por crucificação que geralmente, levavam dias até o último suspiro do condenado. Segundo esta corrente de pensamento, Jesus teria sido retirado da cruz ainda com vida e os óleos e bálsamos levados pelas mulheres ao túmulo, seriam na verdade unguentos cicatrizantes e restauradores.

Em verdade, até agora não há provas definitivas acerca do corpo de Jesus. Seu sumiço continua fazendo parte de mais um mistério que envolve a sua história. O que temos são prováveis locais com suas respectivas evidências históricas, e que são relacionadas com as narrativas dos evangelhos. Para os cristãos, ele ascendeu aos céus com corpo e tudo, o que explicaria o desaparecimento de seus restos mortais. Esta crença torna-se mais um problema na fé dos cristãos, pois caso o corpo de Jesus venha a ser encontrado, isto abalará profundamente o Cristianismo, pois ele foi estruturado na morte e na ressurreição de Cristo.

Bar = filho, abba = pai


A maioria dos fatos que envolvem a vida de Jesus são por demais contraditórios. Isto se explica facilmente pela dificuldade de informações precisas e históricas no material que foi produzido com o nome de evangelhos.  

É quase unânime a opinião dos pesquisadores, quanto aos autores dos evangelhos. Estes redatores não foram judeus e nenhum deles chegou a conhecer Jesus. Portanto, fica muito difícil falar de alguém sem ter conhecido e ainda usar como fonte de consulta pessoas que não foram testemunhas oculares. São indivíduos que conheceram outros e que estes por sua vez conheceram outros que tiveram contato com um ou outro discípulo. Estes textos "sagrados" não foram escritos em aramaico ou hebraico, mas em grego e trazem a marca de pessoas cultas e letradas, bem diferente dos ignorantes e analfabetos pescadores galileus que acompanharam  Jesus. Se houve algum escrito em hebraico ou na língua semita de Jesus, este texto não chegou até os nossos dias.

Quando lançamos o olhar investigativo seja no nascimento, na vida e na paixão do Homem de Nazaré, muitas contradições aparecem, colocando em xeque a veracidade dos fatos narrados nas escrituras. Uma opinião em comum entre os pesquisadores acerca de sua morte, foi o motivo principal para ela. É indiscutível que ele fez algo dentro do Templo que irritou os sacerdotes. No evangelho atribuído a Marcos, ele foi ao Templo nos últimos dias de sua vida, pois aquela semana era a da comemoração do Pessach, a páscoa judaica que relembra a fuga do Egito. Já no evangelho atribuído a João, ele vai ao Templo de Jerusalém logo no início de sua pregação, o que abriu espaço para uma argumentação sem provas por parte de algumas pessoas que sempre tentam arranjar uma explicação para o que não está escrito. A explicação foi a de que Jesus teria ido duas vezes ao Templo e cada evangelista só registrou uma.

É no evangelho de Marcos e Lucas que ele dá como exemplo de renúncia e desprendimento, o óbulo da viúva. Se este fato ocorreu, deve ter tirado o sono dos que viviam das ofertas dos pobres e das viúvas no Templo, ou seja os sacerdotes. Se isto fosse dito por ele nas Igrejas evangélicas atualmente, não ficaria vivo, com certeza. Quem iria admitir que quem dá menos, oferta mais, pois dá com o coração? Portanto, logo de início aparecem os primeiros suspeitos de sua morte, os sacerdotes do Templo, uma das elites de sua época.

Marcos e João apresentam paixões que não podem ser conciliadas. Em Marcos, os discípulos perguntam a Jesus onde iriam comer a refeição doPessach, em João não lhe perguntam nada. Em Marcos, durante a ceia que ocorre em uma quinta-feira à noite, ele se refere ao pão e ao vinho e em seguida é preso e crucificado na manhã da sexta, às nove horas. Para Marcos, ele morreu no dia da preparação do sabá, na sexta e não no dia anterior doPessach, pois neste dia, o da preparação do Pessach ele jantou com os amigos. 

Já em João, não há vinho, nem pão, mas ele se ajoelha para lavar os pés dos discípulos, fato este que não aparece em nenhum dos evangelhos. João ainda diz que ele recebeu a sentença de Pilatos no "dia da preparação do Pessach", (João 19:14), perto da sexta hora, ou seja, perto do meio-dia que quer dizer que neste evangelho, Jesus não jantou com os amigos e ainda morreu um dia antes do que foi assinalado em Marcos, ou seja, na quinta. O que complica ainda mais a situação da paixão de Jesus em João, é que o evangelho diz que ele morreu no dia da preparação e naquele ano o dia do Pessach caiu em um sábado. 

Finalmente, para João foi na quinta ou na sexta?

O que isto importa, não é verdade? O mais importante é a dor da paixão, o seu sofrimento que levou os pecados da Humanidade embora, não é mesmo?

Lamento decepcionar, mas isto importa muito. Por que? Porque João ou o autor de João mudou a data propositalmente, pois é neste evangelho que está a base da remissão dos pecados proposta pela Igreja. É nele que Jesus é chamado de Cordeiro de Deus e foi justamente no dia da preparação que os cordeiros foram sacrificados em oferenda no Templo. Jesus como o Cordeiro veio tirar através do seu sacrifício o pecado do mundo. Na opinião de Ehrman, ex-pastor protestante e no momento um dos mais procurados críticos textuais da Bíblia, "João teve que criar uma pequena discrepância entre seu relato e os outros." 

João é o evangelho da Teologia Cristã que vem trazer a proposta da salvação com a morte de Cristo, e isto também é a base do discurso equivocado do senhor Paulo de Tarso, um dos maiores, senão o maior responsável pelo desvio que tomou a mensagem de Jesus.

É no evangelho atribuído a Marcos que Pilatos resolve oferecer uma escolha ao povo, Jesus ou Barrabás. Em nossas pesquisas em Roma, não encontramos documentos que mostrem que esse era um costume à época de Jesus, muito menos tal prática foi encontrada na administração de Pilatos, sendo usada somente muito tempo depois em algumas situações. Um outro detalhe que não pode deixar de ser citado é o nome do prisioneiro, Barrabás, que em aramaico quer dizer: Bar = filho, abba = pai, ou seja, ele se chama Filho do pai, o que não tem nenhum sentido e não se trata de nome próprio.

No evangelho atribuído a João, Jesus conversa com Pilatos, lhe fala sobre um reino em outro mundo, sobre o poder que é dado por Deus, sobre o que seria a verdade, enfim... deve ter deixado o prefeito da Judeia  achando que aquele nazareno seria um pobre lunático, alucinando. Enquanto que em Marcos, Jesus apenas diz: "Tu o dizes", e não fala mais nada. A linha que é apresentada para a morte de Jesus, tanto em João quanto em Lucas coloca os judeus como os culpados sobre a morte de Jesus. Em João, Pilatos mostra que ele é inocente e os judeus querem sua morte; em Marcos, Pilatos não o vê como um inocente; em Mateus, os judeus chegam a dizer que o sangue dele fosse derramado sobre aquela geração e as gerações futuras, ou seja, vamos assumir o mal que iremos fazer a este homem.

E o que isto importa a esta altura, passados dois mil anos? É que a culpa sobre os Filhos de Abraão foi e ainda é motivo de ódio entre cristãos e judeus. Lembremos que a Igreja ficou calada diante do holocausto de 6 milhões de judeus. Foi registrado no evangelho de João que Jesus teria dito que os "judeus são filhos do diabo e não de Deus". Jesus disse isto, realmente?  

Mais uma vez a figura do ex-fariseu, Paulo, reaparece como também responsável por agravar esta situação, haja vista se encontrar pregando entre romanos e não querer colocar a culpa sobre os ombros dos recém-convertidos ao Cristianismo. Aí estão as bases para o sentimento antijudaico. Como já pude escrever em outra oportunidade, "o ódio é velho!" 

Estas são apenas algumas das muitas contradições acerca da morte de Jesus, e que revelam a manipulação das massas convertidas a uma proposta de dominação política, religiosa e econômica, o Cristianismo. A religião cristã tem como salvador e condutor das almas pecadoras ao paraíso, o Cristo, que aliás não tem nada a ver com o filho de um construtor de casas que nasceu e viveu em Nazaré ensinando pelo exemplo a essência de um sacrifício maior, o da renúncia ao apego que gera perturbações, da morte do egoísmo que faz renascer a fraternidade entre os homens. 

Em verdade, se não compreendemos isto ainda, é porque somos muito cristãos. E os cristãos gostam de obter prazer na morte dos inocentes. E assim ao permitirmos que ele morra crucificado todos os anos para pagar pelos nossos abusos, adiamos a morte do homem velho e egoísta que há em nós.

Bibliografia:

EHRMAN, Bart. Quem Jesus Foi? Quem Jesus não foi?. Rio de Janeiro: Ediouro, 2010.