terça-feira, 25 de outubro de 2011

“Mar Vermelho": A travessia que nunca existiu...


A base para sustentar isso é um arquivo em PPS intitulado “A travessia do Mar Vermelho. Vejamos quem é Wyatt, que lhe serve de apoio: Ronald Eldon Wyatt (1933 - 4 de agosto de 1999) foi um arqueólogo amador contestado por suas supostas descobertas arqueológicas à respeito de localidades bíblicas. Contudo, o único objeto arqueológico aceito ter pertencido ao templo de Salomão, o "Pomo de Marfim", foi encontrado por ele. Entretanto, ele afirmava ter encontrado a verdadeira Arca de Noé, a Rota do Êxodo e as cidades de Sodoma e Gomorra.

Pelo que se vê, faltam-lhe credenciais técnicas para se lançar a uma arqueologia séria; como “amador” não possuía know-how para ser levado em conta, o que, provavelmente, foi um dos motivos pelos quais nunca foi reconhecido pelos especialistas da área.

Quem foi Ron Wyatt?

Ron Wyatt faleceu, infelizmente, em 4 de agosto de 1999 num hospital do Memphis (Estados Unidos) depois de batalhar contra o câncer por vários meses. Esteve rodeado por sua família e amigos durante suas horas finais.

Ron Wyatt era Adventista do Sétimo Dia e ficou famoso por seu descobrimento da Arca de Noé, no sítio do navio encontrado na Região do Monte Ararat da Turquia, a muitos pés acima do nível do mar. Através dos anos, Ron continuou escavando distintos sítios arqueológicos, que atestam que as histórias narradas no Antigo e Novo Testamento da Bíblia são verdadeiras.

Entre seus achados figuram o descobrimento dos restos da Sodoma e Gomorra; o lugar do cruzamento dos israelitas pelo Mar Vermelho durante o êxodo, apoiado com um vídeo que mostra partes de carruagens do exército do Faraó sob o mar, e colunas eretas pelo rei Salomão, 400 anos depois, para comemorar o feito. O verdadeiro Monte Sinai, com a rocha que Moisés partiu para que fluísse a água, quando os israelitas estiveram a ponto de morrer de sede, além de outras 19 referências do monte Sinai, que se nomeiam na Bíblia.

Uma de suas últimas escavações levou Ron Wyatt a descobrir a Arca do Concerto, que está relacionada ao verdadeiro lugar da crucificação de Cristo. Este descobrimento incluía a surpreendente descoberta de sangue seco, que quando foi analisado, resultou ser como nenhum outro sangue encontrado jamais nesta terra... O sangue do próprio Filho de Deus!

Caso fossem verdadeiras essas suas descobertas, ele seria, indubitavelmente, mesmo na sua condição de simples amador, um dos mais consagrados arqueólogos do seu século. Seria interessante que colocássemos alguma coisa sobre o que as recentes descobertas da Arqueologia nos têm desvendado:

[...] seus achados revolucionaram o estudo do antigo Israel e jogaram sérias dúvidas sobre as bases históricas de muitas narrativas bíblicas, como as peregrinações dos patriarcas, o êxodo do Egito e a conquista de Canaã, e o glorioso império de Davi e Salomão. [...] agora é evidente que muitos eventos da história bíblica não aconteceram numa determinada era ou da maneira como foram descritos.

Alguns dos eventos famosos da Bíblia jamais aconteceram inteiramente. (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 14-16.

Essas informações temos de Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman, dois dos principais arqueólogos em atividade. Finkelstein é diretor do Instituto de Arqueologia Sonia e Marco Nadler, da Universidade de Tel Aviv, em Israel e Silberman é diretor de interpretação histórica do Centro Ename de Arqueologia Pública e Apresentação do Legado Histórico, na Bélgica, além de contribuir regularmente como editor para a revista Archaeology, conforme podemos ler na capa do livro A Bíblia não tinha razão.

Vejamos os textos que constam de alguns dos slides sobre a “investigação arqueológica” de Wyatt:

Depois de investigar sobre a rota que os israelitas tinham tomado no Êxodo do Egito, Ron Wyatt encontrou que, a descrição bíblica concorda perfeitamente com um barranco profundo chamado Wadi Watir. O livro de Êxodo explica como Deus conduziu os filhos de Israel, “Deus não os guiou pelo caminho dos filisteus, só porque era perto… Deus fez por isso o povo dar volta pelo caminho do ermo do Mar Vermelho”. (Êxodo 13:17,18).

Aqui encontramos uma área extensa, aberta do deserto. Então em Êxodo 14:1,2 Deus disse que deram a volta afastando-se do caminho, na qual encontrou Ron e lhe conduziu a um barranco conhecido hoje como Wadi Watir. A Bíblia registra a reação de Faraó quando lhe informaram que haviam desviado do caminho, (Êxodo 14:3), ”Estão vagueando em confusão pelo país. O ermo os encerrou”, Wadi Watir é um barranco profundo largo que concorda com esta descrição perfeitamente.

Leiamos a transcrição do texto bíblico, para evitar confusão:

Ex 13,17-18: “Quando o Faraó deixou o povo partir, Deus não o guiou pelo caminho da Palestina, que é o mais curto, porque Deus achou que, diante dos ataques, o povo se arrependeria e voltaria para o Egito. Então Deus fez o povo dar uma volta pelo deserto até o Mar Vermelho. Os filhos de Israel saíram do Egito bem armados”.

O primeiro problema que nos surge, conforme já o dissemos alhures, é saber qual foi o verdadeiro motivo pelo qual os hebreus saíram do Egito:

a) foram expulsos (Ex 12,39);

b) o Faraó os deixou partir (Ex 13,17); ou

c) fugiram do Egito (Ex 14,5)?

Se estivéssemos numa prova, para testar nosso conhecimento, certamente que teríamos mais esta opção: “d) todas as alternativas são verdadeiras”, a que deveria ser marcada como correta.

Considerando que o Faraó saiu ao encalço dos hebreus, o mais provável é que ele os estava perseguindo, por terem fugido, e não que ele tenha se arrependido de tê-los deixado sair, como está narrado num dos textos bíblicos.

Temos que: “Fontes arqueológicas e históricas independentes relatam a imigração de semitas de Canaã para o Egito, e os egípcios expulsando-os com o uso da força” (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 86), entretanto, tratam-se dos hicsos, tendo tal fato acontecido por volta de 1570 a.C.

Em História dos Hebreus, obra do historiador Flávio Josefo, encontramos a informação de que os hicsos saíram do Egito após um acordo com Temosis:

[...] Temosis, filho de Alisfragmoutofis, foi atacá-los com quatrocentos e oitenta mil homens, mas perdendo a esperança de vencê-los, fez com eles um acordo, isto é, que eles saíssem do Egito para se retirarem onde quisessem, sem que se lhes fizesse algum mal; e seu número era de duzentos e quarenta mil; eles partiram com todos os seus bens, para fora do Egito, através do deserto da Síria e temendo os assírios que então dominavam em toda a Ásia eles se dirigiram para um país que hoje é chamado de Judéia, onde construíram uma cidade capaz de conter aquela grande multidão de povo e a chamara de Jerusalém. (JOSEFO, 2003, p. 714).

Os que nasciam na Judéia eram, originalmente, designados de judeus e, posteriormente, após o cativeiro da Babilônia, passaram a ser chamados de hebreus. E Josefo estabelece a relação direta entre os hicsos, povos pastores ou cativos, como sendo os seus antepassados (JOSEFO, 2003, p. 715).

O Êxodo pode ser situado em torno de 1440 a.C. (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 86), o que nos coloca diante desta curiosa situação:

Mas não há pistas, nem mesmo uma única palavra, sobre antigos israelitas no Egito: nem nas inscrições monumentais nas paredes dos templos, nem nas inscrições em túmulos, nem em papiros. Israel inexiste como possível inimigo do Egito, como amigo ou como nação escravizada.

E simplesmente não existem achados arqueológicos no Egito que possam estar associados de forma direta com a noção de um grupo étnico distinto (em oposição a uma concentração de trabalhadores migrantes de muitos lugares), vivendo numa área específica a leste do delta, como subentendido no relato bíblico sobre os filhos de Israel vivendo juntos na terra de Gessen (Gêneses 47,27). (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 90).

Ou seja, temos o registro dos hicsos no Egito, fato que aconteceu antes da escravidão dos hebreus; e desses, como está afirmado, nada foi encontrado. Em Ex 12,40 se afirma que a estada dos filhos de Israel no Egito, na escravidão, durou quatrocentos e trinta anos, tempo muito longo para que não tenham deixado um só registro de sua permanência. Uma coisa é certa para os entendidos:

A conclusão – de que o Êxodo não aconteceu na época e da forma descrita na Bíblia – parece irrefutável quando examinamos a evidência de sítios específicos, onde os filhos de Israel supostamente acamparam por longos períodos, durante sua caminhada pelo deserto (Números 33), e onde alguma indicação arqueológica – se existente –, é quase certo, seria encontrada. (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 94).

E quanto à fuga em si: [...] não é razoável aceitar a idéia de fuga de um grande grupo de escravos do Egito, através de fronteiras vigiadas por guarnições militares, para o deserto e depois para Canaã, numa época com colossal presença egípcia na região. Qualquer grupo escapando do Egito contra vontade do Faraó teria sido rapidamente capturado, não apenas por um exército egípcio que o perseguiria desde o delta, mas também por soldados egípcios dos fortes no norte do Sinai e em Canaã. De fato, a narrativa bíblica sugere o perigo da experiência de fugir pela estrada da costa. Assim, a única alternativa seria através das terras desérticas e desoladas da península do Sinai; mas a possibilidade de um grande grupo de pessoas caminhando por essa península também é contestada pela arqueologia. (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 91-92).

Por outro lado, na maioria das Bíblias consta, na passagem que citamos imediatamente acima, a expressão Mar Vermelho; entretanto, pela explicação dos tradutores da Bíblia de Jerusalém, a coisa não é bem assim:

A designação de “o mar dos Juncos”, em hebraico yam sûf, é acréscimo. O texto primitivo dava apenas uma indicação geral: os israelitas tomaram o caminho do deserto para o leste ou o sudeste. – O sentido desta designação e localização do “mar de Suf” são incertos. Ele não é mencionado na narrativa de Ex 14, que fala apenas em “mar”. O único texto que menciona o “mar de Suf” ou “mar dos Juncos” (segundo o egípcio como cenário do milagre é Ex 15,4, que é poético.

Então, o segundo problema é que o texto primitivo não falava em mar; nele foi acrescentada a expressão hebraica yam sûf, que também significava mar dos Juncos, conforme podemos ver na Bíblia Sagrada publicada pela Editora Vozes, cujos tradutores esclarecem: Mar Vermelho: lit. 'mar dos Juncos'. A expressão designa tanto o atual Mar Vermelho, como também a região pantanosa e de lagunas, atravessada hoje pelo canal de Suez. É o cenário da passagem dos israelitas pelo 'Mar Vermelho' (13,18)”. (p. 91).

Leiamos a passagem bíblica que trata do assunto:

Ex 14,1-31: 1. Javé falou a Moisés: 2. "Diga aos filhos de Israel que voltem e acampem em Piairot, entre Magdol e o mar, diante de Baal Sefon; aí vocês acamparão, junto ao mar. 3. O Faraó irá pensar que os filhos de Israel andam errantes pelo país e que o deserto os bloqueou.... Quando comunicaram ao rei do Egito que o povo tinha fugido, o Faraó e seus ministros mudaram de opinião sobre o povo e disseram: "O que é que nós fizemos? Deixamos partir nossos escravos israelitas!". O Faraó mandou aprontar seu carro e levou consigo suas tropas: seiscentos carros escolhidos e todos os carros do Egito, com oficiais sobre todos eles... . Perseguindo com todos os cavalos e carros do Faraó, os cavaleiros e o exército os alcançaram quando estavam acampados junto ao mar, em Piairot, diante de Baal Sefon. Quando o Faraó se aproximou, os filhos de Israel levantaram os olhos e viram que os egípcios avançavam atrás deles. Cheios de medo, clamaram a Javé,... . Javé disse a Moisés: "Por que você está clamando por mim? Diga aos filhos de Israel que avancem. Quanto a você, erga a vara, estenda a mão sobre o mar e divida-o pelo meio para que os filhos de Israel possam atravessá-lo a pé enxuto... . Moisés estendeu a mão sobre o mar, e Javé fez o mar se retirar com um forte vento oriental, que soprou a noite inteira: o mar ficou seco e as águas se dividiram em duas. . Os filhos de Israel entraram pelo mar a pé enxuto, e as águas formavam duas muralhas, à direita e à esquerda. Na perseguição, os egípcios entraram atrás deles com todos os cavalos do Faraó, seus carros e cavaleiros, e foram até o meio do mar... . Javé disse a Moisés: "Estenda a mão sobre o mar, e as águas se voltarão contra os egípcios, seus carros e cavaleiros". Moisés estendeu a mão sobre o mar. E, de manhã, este voltou para o seu leito. Os egípcios, ao fugir, foram ao encontro do mar, e Javé atirou-os no meio do mar. As águas voltaram, cobrindo os carros e os cavaleiros de todo o exército do Faraó, que os haviam seguido no mar: nem um só deles escapou...

Sobre essa passagem, explicam-nos, os tradutores da Bíblia Edição Vozes: A descrição da passagem pelo Mar Vermelho corresponde a um fenômeno de ordem natural, como o sugere a menção do “vento forte” (v.21) que põe o mar, isto é, uma região pantanosa, em seco. Tal fenômeno foi providencial para salvar os israelitas (v. 24) e fazer perecer os egípcios (v. 27): de madrugada as condições climáticas foram favoráveis à passagem segura dos israelitas; de manhã mudaram bruscamente e os egípcios pereceram. Nisto Israel viu a mão providencial de Deus (v. 31), expressa pela nuvem e pelo fogo (13,21), pelas águas que formam alas para os israelitas passarem (14,22) e pela vara milagrosa de Moisés (v. 16.21.26). [...] (p. 97).

Aqui o fenômeno da passagem é localizado numa região pantanosa e tido como de ordem natural. Quem não conhece o movimento das marés poderá até achar um milagre que a água do mar, em alguns casos, se recue consideravelmente da praia, de forma que onde havia água se possa andar a pé-enxuto.

Outro ponto que julgo importante é que o texto afirma que “nem um só deles escapou”, o que nos coloca diante do fato de que não há nenhum registro histórico que o Faraó, que governava o Egito na época, seja ela qual for, tenha morrido afogado. Quase ao final do slide, foi dito: “A Bíblia registra a reação de (sic) Faraó quando lhe informaram que haviam desviado do caminho, (Êxodo 14:3), 'Estão vagueando em confusão pelo país. O ermo os encerrou'”, entretanto, pelo texto bíblico o que temos é uma parte da fala de Jeová a Moisés: “Faraó certamente dirá então com respeito aos filhos de Israel: 'Estão vagueando em confusão pelo país. O ermo os encerrou'” (Novo Mundo), ou seja, é um fato completamente diferente daquilo que querem passar, pois não é a reação do Faraó, mas, simplesmente, uma presumível reação deste na suposição de Jeová, conforme se vê de Sua fala a Moisés.

Tradicionalmente crê-se que a travessia do Mar Vermelho ocorreu no Golfo de Suez. Não obstante, ali não há montanhas. A área é totalmente plana, e não concorda com a descrição bíblica. O Golfo de Suez converteu-se em um lugar muito popular porque tradicionalmente acredita-se que o Monte Sinai está na península do Sinai. Outra vez a Bíblia nos diz algo diferente, (Gálatas 4:25), “O Monte Sinai, na ARÁBIA". Depois de várias milhas Wadi Watir desemboca em uma área grande de praia, na costa ocidental do Golfo de Aquaba. A única área de praia ao largo do Golfo de Aquaba, devia ter sido suficientemente grande para acomodar aproximadamente a dois milhões de pessoas e a seus rebanhos. Os Israelitas foram prevenidos de viajar ao norte por causa da presença de uma fortaleza militar egípcia. De fato, ao norte onde Wadi Watir desemboca encontramos uma fortaleza antiga, poderia ser este o lugar mencionado na Bíblia como, Migdol, (Êxodo 14:2). Ao sul, as montanhas se estendem para baixo em direção ao mar, prevenindo assim qualquer outro passo a mais. Certamente não podiam voltar e regressar sobre seus passos pois o exército Egípcio os perseguia. Deus os havia levado a uma ponta onde somente Ele podia livrá-los, “Não tenhais medo. Mantende-vos firmes e vede a salvação da parte de Jeová, que ele realizará hoje para vós. Pois os egípcios que hoje deveras vedes, nunca mais vereis, não, nunca mais ... E Jeová começou a fazer o mar retroceder por meio dum forte vento oriental, durante toda a noite, e a converter o leito do mar em solo seco, e as águas foram partidas. Por fim, os filhos de Israel passaram pelo meio do mar em terra seca, enquanto as águas eram para eles como muralha à sua direita e à sua esquerda.” (Êxodo 14:13, 21, 22).

Vejamos como encontramos o passo Gl 4,24-25, na versão de vários tradutores bíblicos:

Pastoral: Simbolicamente isso quer dizer o seguinte: as duas mulheres representam as duas alianças. Uma, a do monte Sinai, gera para a escravidão e é representada por Agar (pois o monte Sinai está na Arábia, que é o país de Agar). E Agar corresponde à Jerusalém atual, que é escrava junto com seus filhos”.

Vozes: “Nestes fatos há uma alegoria. Estas duas mulheres representam as duas alianças: uma, que procede do monte Sinai, gera para a servidão. Esta é Agar. Omonte Sinai se encontra na Arábia e corresponde à Jerusalém atual, que é escrava com seus filhos”.

Paulus (BJ): “Isto foi dito em alegoria. Elas, com efeito, são as duas alianças; uma, a do monte Sinai, gerando para a escravidão: é Agar (porque o Sinai está na Arábia), e ela corresponde à Jerusalém de agora, que de fato é escrava com seus filhos”.

Mundo Cristão: “Estas cousas são alegóricas: porque estas mulheres são duas alianças; uma, na verdade, se refere ao monte Sinai, que gera para escravidão; esta é Hagar. Ora, Hagar é o monte Sinai na Arábia, e corresponde à Jerusalém atual que está em escravidão com seus filhos”.

Vida Nova/SBB: “Estas coisas são alegóricas; porque estas mulheres são duas alianças; uma, na verdade, se refere ao monte Sinai, que gera para escravidão; esta é Agar. Ora, Agar é o monte Sinai, na Arábia, e corresponde à Jerusalém atual, que está em escravidão com seus filhos”.

SBB: O que se entende por alegoria: porque estes são os dois concertos: um, do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar. Ora, esta Agar é Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos”.

SBTB: “ que se entende por alegoria; porque estas são duas alianças; uma do monte Sinai, gerando filhos para a servidão, que é Agar. Ora, esta Agar é Sinai, um monte da Arábia, que corresponde à Jerusalém que agora existe, pois é escrava com seus filhos”.

Paulus (BP): Trata-se de uma alegoria que representa duas alianças. Uma procede do monte Sinai e gera escravos: é Agar. Sinai é uma montanha da Arábia que corresponde à Jerusalém atual, que vive com seus filhos em escravidão”.

Ave Maria: Nestes fatos há uma alegoria, visto que aquelas mulheres representam as duas alianças: uma, a do monte Sinai, que gera para a escravidão: é Agar. (O monte Sinai está na Arábia). Corresponde à Jerusalém atual, que é escrava com os seus filhos”.

Paulinas: “Estas coisas foram ditas por alegoria, porque estas (duas mães) são os dois testamentos. Um do monte Sinai, que gera para a escravidão: Agar, porque o Sinai é um monte da Arábia, o qual corresponde à Jerusalém daqui debaixo, a qual é escrava com seus filhos”.

Santuário: “Isto foi dito por alegoria, pois as duas mulheres representam as duas alianças: uma, a do monte Sinai, que gera filhos para a escravidão, é Agar. Ora, o Sinai é um monte da Arábia e corresponde a Jerusalém atual, que é escrava com seus filhos”.

Novo Mundo: “Estas coisas são como que um drama simbólico; pois estas [mulheres]significam dois pactos, um do monte Sinai, que dá à luz filhos para a escravidão e que é Agar. Ora, esta Agar significa o Sinai, um monte na Arábia, e ela corresponde à Jerusalém atual, pois está em escravidão com os seus filhos”.

Barsa: “as quais coisas foram ditas por alegoria. Porque estes são os dois Testamentos. Um certamente no monte Sinai, que gera para servidão; este é figurado em Agar. Porque o Sinai é um monte da Arábia, que representa a Jerusalém, que é cá debaixo, e que é escrava com seus filhos”.

Champlin: “O que se entende por alegoria: pois essas mulheres são dois pactos; um do monte Sinai, que dá à luz filhos para a servidão, e que é Agar. Ora, esta Agar é o monte Sinai na Arábia e corresponde à Jerusalém atual, pois é escrava com seus filhos”.

Observa-se que variadas são as traduções; talvez isso possa ser explicado tomando-se o que Champlin diz sobre as variantes textuais para Gl 4,25. Leiamos: Um bom número de variações assinala o começo deste versículo. As palavras “...Pois esta Hagar é...” aparecem na maioria dos manuscritos posteriores da tradição bizantina, como também podem ser encontradas na tradição siríaca. Já os mss Aleph, CG, as versões latinas e os escritos de Orígenes omitem a palavra “...Hagar...”, embora a palavra “...Ora...” seja ali preservada. Já o antigo MS P(46), como os escritos de Ambrosiaster, pai da igreja, e a tradição saídica, omitem tanto “Ora” quanto “Hagar”, retendo apenas o termo grego “de”, que talvez possa ser melhor traduzida pela cópula “e”.

De acordo com esses manuscritos, pois, a palavra “Hagar” fica subentendida com base no vigésimo quarto versículo, e o trecho diria: “...e (Hagar) é Sinai...” Todavia, o texto mais correto, no original grego, para ser “...to de Agar...' (ou seja, “...e Hagar...”), conforme se vê nos mss ABD e no Si(hmg). Parece que a palavra “Hagar” foi deixada em branco por acidente, ou talvez tenha sido omitida propositadamente, devido à sua presença na sentença anterior (versículo vinte e quatro). É interessante que o ms Aleph acrescenta o vocábulo grego “on” (“o qual”), dando em resultado: “...e esta é Sinai, a qual é um monte da Arábia...” No entanto, a palavra “...Sinai...” é omitida pelo ms latino d; mas, visto que esse manuscrito é o único que faz isso, não representa autoridade alguma. (CHAMPLIN, 2005, p. 493).

Custou, mas parece que conseguimos desenrolar esse novelo. A principal informação que temos para isso foi obtida nesta explicação, em nota de rodapé: “O Sinai na Arábia: os árabes são tidos como descendentes de Agar. Isso sugere que a aliança no Sinai gerava a escravatura”. (Bíblia Sagrada – Ave Maria, p. 1496). Então temos que a coisa é simbólica, ou seja, estava falando dos árabes e não que o monte Sinai é na Arábia, como entendeu Wyatt, e, certamente, muitos tradutores bíblicos, que dessa forma levam ao erro os seus leitores. Observe que algumas das traduções que citamos trazem essa ideia: Mundo Cristão, Vida Nova e SBB e Champlin, cujo texto é: “... Agar é o monte Sinai na Arábia”.

A expressão monte Sinai entra no texto significando a lei de Moisés, o antigo pacto, que escravizava as pessoas e Agar sendo escrava e “mãe” dos árabes passou a representar esse pacto, que é atribuído à cidade de Jerusalém escravizada pelos romanos. Para fugir do que geralmente os fanáticos fazem, é necessário entendermos o texto dentro do seu contexto, pois, à maioria das vezes, o isolamento nos conduz a uma idéia equivocada daquilo que o autor quer dizer. Leiamos, então:

Gl 4,21-31: Dizei-me vós, os que quereis estar sob a lei: acaso, não ouvis a lei? Pois está escrito que Abrão teve dois filhos, um da mulher escrava e outro da livre. Mas o da escrava nasceu segundo a carne; o da livre, mediante a promessa. Estas coisas são alegóricas; porque estas mulheres são duas alianças; uma, na verdade, se refere ao monte Sinai, que gera para escravidão; esta é Agar. Ora, Agar é o monte Sinai, na Arábia, e corresponde à Jerusalém atual, que está em escravidão com seus filhos. Mas a Jerusalém lá de cima é livre, a qual é nossa mãe; porque está escrito: Alegra-te, ó estéril, que não dás à luz, exulta e clama, tu que não estás de parto; porque são mais numerosos os filhos da abandonada que os da que tem marido. Vós, porém, irmãos, sois filhos da promessa, como Isaque. Como, porém, outrora, o que nascera segundo a carne perseguia ao que nasceu segundo o Espírito, assim também agora. Contudo, que diz a Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque de modo algum o filho da escrava será herdeiro com o filho livre. E, assim, irmãos, somos filhos não da escrava, e sim da livre.

Portanto, no texto, a expressão “monte Sinai” significa mesmo a Lei antiga, a que, segundo o pensamento de Paulo, escravizava. Podemos, para maior esclarecimento, colocar o que encontramos em algumas Bíblias sobre o assunto:

Bíblia Shedd: O quarto argumento, montado sobre uma transposição “alegórica” de textos bíblicos, é quase desconcertante para nós, embora fosse válido para intérpretes da Lei da sua época. Ponto de partida é o relato sobre os filhos de Abraão (segundo Gn 16 e 22). O comentarista explora as oposições e relações. Sara, esposa legítima e livre, estéril, milagrosamente dá à luz um filho livre, Isaac. Agar, concubina escrava, dá à luz um filho escravo, Ismael, que é excluído da herança e expulso. Paulo sobrepõe às figuras femininas de Agar e Sara a personificação clássica de Jerusalém como matriarca e esposa de Deus. Só que distingue uma Jerusalém empírica, submetida à escravidão (ou vassalagem política?) e uma Jerusalém transcendente, celeste, destinatária da promessa de Is 54,1-3. (p. 2798).

Bíblia Vozes: As histórias de Agar e Sara (cf. Gn 16,1-16; 21,8-21) servem para Paulo fazer uma alegoria sobre a Antiga e a Nova Aliança. Os filhos de Abraão nascidos de Agar, “segundo a carne”, são todos escravos e simbolizam os que estão sob a Lei. Os nascidos de Sara, “segundo a promessa”, são filhos livres como os nascidos do Espírito pela fé em Jesus. (p. 1383).

Bíblia Peregrino: Uma alegoria (v. 24) significa mais do que uma ilustração. Como um tipo, refere-se às verdades espirituais escondidas nos acontecimentos e personagens históricos. A velha aliança da lei e a circuncisão não passam de escravidão (tipificada por Agar e Ismael); enquanto a nova aliança da promessa (tipificada por Sara e Isaque) liberta e garante a herança da nova Jerusalém, isto é, o Céu, onde Cristo já reina em poder. (p. 1651).

Visando definir a localização do monte Sinai, irei, novamente, recorrer ao historiador Josefo que afirmou que: “... Moisés tendo subido ao monte Sinai, que está entre o Egito e a Arábia, lá ficou oculto durante quarenta dias e depois de ter descido, deu aos judeus as leis que eles ainda observam” (JOSEFO, 2003, p. 727). Assim, temos que “estar entre o Egito e a Arábia” não é localizar na Arábia o monte Sinai, como quer Wyatt para manter a passagem do Mar Vermelho como fato real. Aliás, existe um adágio popular que diz “quem tem um cobertor curto: se cobre a cabeça, descobre os pés; se cobre os pés, descobre a cabeça”. Essa é a síndrome de Wyatt, que, querendo autenticar o milagre do Mar Vermelho, derruba toda a rota do êxodo até o monte Sinai, que é traçada na própria Bíblia; a conseqüência é que nesse ponto a narrativa deixa de ser verdadeira.

Pela narrativa bíblica temos: Ramsés (Ex 12,37) e Sucot (Ex 13,20), pontos iniciais; Etam, à beira do deserto (Ex 13,20); voltaram a Piairot, entre Magdol e o mar, diante de Baal Sefon (Ex 14,2), local onde o Faraó, com seu exército, alcançou os hebreus (Ex 14,9), que é também o lugar da ocorrência da passagem pelo “Mar Vermelho”, que, na verdade, é mar dos Juncos; deserto de Sur (Ex 15,22); Mara (Ex 15,23); Elim (Ex 15,27); deserto de Sin, entre o Elim e o Sinai (Ex 16,1), até este ponto foram gastos 45 dias de caminhada; Rafidim (Ex 17,1) e Sinai (Ex 19,1), ponto ao qual queremos chegar. Os nomes aqui constantes estão grafados conforme a versão da Bíblia de Jerusalém.

Para sustentar sua tese Wyatt altera a posição de alguns locais como: Migdol, Mara, Elim, Rafidim e o Sinai, fazendo os hebreus assumirem uma rota na qual o percurso é quase todo em região de desertos, ou seja, tira-os de uma rota mais próxima da orla marítima, onde, certamente, seria menos inóspita a caminhada.

Uma outra questão, não levada em conta por Wyatt, foi o tempo que se gastou para que os hebreus chegassem ao Mar Vermelho, considerando-se dois fatores importantíssimos: o primeiro, em relação ao total de pessoas envolvidas na caminhada; pela narrativa bíblica temos 600.000 homens a pé, sem contar as crianças (Ex 12,37); disso estimam que eram por volta de 2.000.000 de pessoas, o que, seguramente, tornava a caminhada bem lenta, facilitando os egípcios alcançá-los logo após a saída do Egito; o segundo é que o Faraó, imediatamente, saiu em perseguição alcançando-os próximo ao Mar Vermelho (Ex 14,9); calculamos algo próximo de uns 100 km do ponto de saída, enquanto que, na teoria de Wyatt, esse percurso chegaria a cerca de 270 km, no qual, estimamos, gastariam uns 45 dias para se percorrer, enquanto, pelo texto bíblico, esse tempo foi gasto para se chegar ao monte Sinai; é longo demais para que não fossem alcançados pelo Faraó e seu exército, levando-se em conta o outro trajeto para se chegar a essa nova localização do Mar Vermelho.

Tudo isso nos leva a crer, caso sejam verdadeiros os fatos constantes da narração bíblica, que a rota é a tradicional mesmo, pois na de Wyatt percebemos que ele força as coisas para se chegar a uma idéia pré-determinada. Para corroborar a minha dedução, trago a opinião de R.N. Champlin, grau B.A. em Literatura Bíblica no Immanuel College, os graus M.A. e Ph.D. em Línguas Clássicas na University of Utah e estudos de especialização (no nível de pós-graduação) no Novo Testamento na University of Chicago e J. M. Bentes, tradutor e autodidata de estudos bíblicos:

As águas do êxodo. A comparação entre Êxodo 14 e 15:22, observando-se o paralelismo poético em 15:4, deixa claro que o “mar” atravessado pelos hebreus em Êxodo 14 era o “mar dos juncos”, que corresponde ao egípcio “alagadiços de papiros”, particularmente no nordeste do delta do Nilo. (CHAMPLIN e BENTES, 1995, p. 116).

Fora essa opinião, vemos que em quase todas as Bíblias seus tradutores comungam com essa idéia desses dois estudiosos.

Ron encontrou uma coluna derrubada sobre a costa. No lado Saudita encontrou outra exatamente igual com uma inscrição em hebraico antigo que diz, "MIZRAIM (Egito), SALOMÃO, EDOM, MORTE, FARAÓ, MOISÉS, YAHWEH." Ele crê que foram erigidas por Salomão para comemorar A travessia do Mar Vermelho. As inscrições sobre a coluna que foi encontrada derrubada na costa haviam sido erosionadas. As autoridades firmaram-nas dentro de concreto. As colunas citadas foram encontradas: a do lado egípcio (Nuweiba) em 1978 e em 1984 a do lado árabe (Midiã).

Mergulhando no fundo do mar, em 1978, Ron Wyatt e seus dois filhos encontraram e fotografaram numerosas peças de carruagens incrustados de coral. Desde então, várias incursões de mergulho tem revelado mais e mais evidência. Um de seus achados incluiu uma roda de carruagem de oito raios, a qual levou Ron ao diretor de antiguidades Egípcias, o Dr. Nassif Mohammed Hassan. Depois de examina-lo imediatamente disse que pertenceu à décima oitava dinastia, datando o êxodo no ano 1446 A.E.C. Quando lhe perguntaram como sabia, o Dr. Hassan explicou que a roda de oito raios foi utilizada unicamente durante este período, a época de Ramses II e Tutmoses (Moisés). Caixas de carruagens, esqueletos humanos, esqueletos de cavalos, rodas com quatro, seis e oito raios, tudo permanece como um testemunho, como um testemunho silencioso ao milagre da divisão do Mar Vermelho.

O texto bíblico narra que o Faraó levou consigo “seiscentos carros escolhidos e todos os carros do Egito, com oficiais sobre todos eles” (Ex 14,7); então o lógico seria de se esperar, caso tenham morrido afogados pela volta das águas ao estado normal, era que achassem boa parte dos carros – observe, caro leitor, que se diz “todos os carros” -, das ossadas dos cavalos que puxavam esses carros, e, obviamente, das de seus condutores para que se possa definitivamente relacioná-los aos egípcios, tomando-se como base critérios estritamente científicos e não religiosos. E apresento uma nova questão: por que não há registro disso na história dos egípcios?

Finkelstein e Silberman, autores já mencionados, nos informam que: […] A identificação de Ramsés II como o Faraó do Êxodo resulta de suposições eruditas modernas, baseadas na identificação do nome do lugar Pi-Ramsés com Ramsés (Êxodo 1,11; 12,37). Mas existem alguns elos indiscutíveis com o século VII a.C. Além da vaga referência ao medo dos israelitas de seguir pela estrada da costa, não há menção dos fortes egípcios ao norte do Sinai ou das suas guarnições em Canaã. A Bíblia pode refletir a realidade do Novo Império, mas também pode refletir as condições posteriores na Idade do Ferro, mais próximas da época em que a narrativa do Êxodo foi escrita. (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 97-98).

A Meu ver, merece mais crédito a opinião desses dois estudiosos que a de Wyatt. Mas quem quiser pensar o contrário, é livre para isso.

Possivelmente o mais assombroso de tudo, é a presença de uma ponte natural abaixo da água. Ao largo do Golfo de Aquaba, as profundidades alcançam cerca de 5.000 pés e a costa Egípcia vai descendo a essa profundidade em um declive de cerca de 45 graus. Se os Israelitas tivessem tentado cruzar em qualquer outro lugar ao largo do Golfo de Aquaba teriam que enfrentar uma ladeira muito inclinada de aproximadamente 5.000 pés. Com todos seus animais e carros, a tarefa seria praticamente impossível. Somente aqui, nas margens de Nuweiba, há um "caminho" descendente em um degrau gradual de 6 graus, a uma profundidade de somente 100 metros. A Bíblia a descreve como, “Aquele que faz um caminho através do próprio mar e uma senda mesmo através de fortes águas." (Isaías 43:16, 17) A distância de Nuweiba a Arábia Saudita é de cerca de oito milhas. E a largura da ponte natural abaixo da água, estima-se que é de 900 metros.

O fato de existir uma “ponte natural debaixo d'água” não quer dizer muita coisa, pois ainda restaria a necessidade de se fazer um milagre para que ela pudesse dar passagem aos hebreus; além disso, há que se ter mais sólidas evidências de que os hebreus passaram mesmo por lá. Apelar para milagres é uma coisa pouco científica; portanto, somente o fato de se crer nele não faz disso uma realidade, muito menos uma prova científica. A descrição de Isaías (43,16-17) se refere a Jeová e não a um caminho, sobre o qual se procurava localizá-lo em alguma região específica.

Aarón Sen mergulhou em numerosas ocasiões neste lugar, e pôde atestar a veracidade do descobrimento. Em março de 1998, fotografou os restos de uma roda de carruagem de quatro raios, e retirou ossos humanos dos quais há "dúzias" dispersadas no leito do mar. Um osso foi levado ao departamento de Osteologia na Universidade de Estocolmo, para ser analisado, demonstrando que se trata de um fêmur direito humano, masculino. Porém não pôde ser datado, evidentemente procede de épocas antigas. A altura do homem se estima que era dentre 1,65 e 1,70cm, e os ossos haviam sido substituídos por minerais.

Pequenas quantidades de coral cresceram sobre eles substituindo ao mineral. Aarón viu a ladeira ao sul da ponte natural abaixo da água. Também viu um caminho que os israelitas haviam limpado para cruzar o Mar Vermelho, conduzindo desde a margem, descendo dentro do mar. Os israelitas tiveram que apartar as pedras e rochas aos lados para permitir o acesso para seus carros. Conforme já citei anteriormente, a quantidade de carros, cavalos e homens que acompanhavam o Faraó, e que presumidamente foram “enterrados” pelas águas do Mar Vermelho, deve ser levada em conta para se ter dados suficientes a fim de se atestar se são mesmo de egípcios. Observe a informação de que não se conseguiu “datar”, em análise laboratorial, um dos ossos encontrados e encaminhado à análise laboratorial.

Para se ter uma boa ideia do fanatismo de Wyatt, vejamos a lista completa do que se diz ter ele descoberto:

· a verdadeira Arca de Noé (o sítio Durupinar, perto, mas não no Monte Ararat);

· âncoras de Pedra (ou saco de pedras?) usadas por Noé na Arca;

· a casa pós-dilúvio e tumbas usadas por Noé e sua esposa;

· a localização de Sodoma e Gomorra;

· a Torre de Babel na Turquia Central;

· bolas de enxofre da queima de Sodoma e Gomorra;

· o lugar da travessia do Mar Vermelho pelos Israelitas (que Wyatt localizou no

Golfo of Aqaba);

· rodas das carruagens e outras relíquias do exército perseguidor do Faraó no

fundo do mar;

· o verdadeiro lugar do Monte Sinai bíblico (localizado por Wyatt na Arabia

Saudita em Jabal al Lawz);

· uma câmara no final de um labirinto de túneis sob Jerusalém contendo

artefatos do Templo de Salomão;

· a Arca da Aliança;

· as pedras originais dos Dez Mandamentos;

· o verdadeiro lugar da Crucificação;

· o sangue de Jesus, respingado sobre o Propiciatório da Arca da Aliança,

diretamente abaixo da Crucificação;

Com uma lista de feitos dessa ordem, como ele não é citado, por exemplo, pelos autores: Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman (A Bíblia não tinha razão); Werner Keller (e a Bíblia tinha razão...) e Robin Lane Fox (Bíblia: verdade e ficção)?

Interessante é que, fora o que citamos logo no início, temos textos sobre assuntos relacionados a essa lista de Wyatt: “A arca de Noé”, “E aconteceu no Sinai”, “Sodoma e Gomorra” e “Torre de Babel: o carro na frente dos bois”.

O que percebemos nisso tudo é apenas um fundamentalismo exacerbado que torna as pessoas cegas para a verdade, preferindo acreditar somente no que está escrito na Bíblia, por mais absurdo que se apresente. Quando uma pessoa chega a esse ponto ela não enxerga o óbvio; seus olhos voltam-se apenas para aquilo em que acredita.

Para corroborar que esses fatos citados na Bíblia podem não ser tão verdadeiros assim, irei encerrar citando mais essas opiniões:

No final do século XX, a arqueologia havia mostrado, de maneira simples, que existiam muitas correspondências materiais entre os achados em Israel e em todo o Oriente Próximo e no mundo descrito na Bíblia, para sugerir que toda essa história seja apenas uma literatura sacerdotal posterior e fantasiosa, escrita sem qualquer base histórica. (FINKESLTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 36).

O Êxodo

Não há registro histórico da existência de Moisés ou dos fatos descritos no Êxodo. A libertação dos hebreus, escravizados por um faraó egípcio, foi incluída na Torá provavelmente no século VII a.C., por obra dos escribas do Templo de Jerusalém, em uma reforma social e religiosa. Para combater o politeísmo e o culto de imagens, que cresciam entre os judeus, os rabinos inventaram um novo código de leis e histórias de patriarcas heróicos que recebiam ensinamentos diretamente de Jeová. Tais invenções acabaram batizadas de “ideologia deuteronômica”, porque estão mais evidentes no livro Deuteronômio.

A prova de que esses textos são lendas estaria nas inúmeras incongruências culturais e geográficas entre o texto e a realidade. Muitos reinos e locais citados na jornada de Moisés pelo deserto não existiam no século XIII a.C., quando o Êxodo teria ocorrido. Esses locais só viriam a existir 500 anos depois, justamente no período dos escribas deuteronômicos. Também não havia um local chamado Monte Sinai, onde Moisés teria recebido os Dez Mandamentos. Sua localização atual, no Egito, foi escolhida entre os séculos IV e VI d.C., por monges cristãos bizantinos, porque ele oferecia uma bela vista. […] (ROMANINI, 2002, p. 43).

Sei que estudos como esse, que apresento, causam indignação a certas pessoas; entretanto, pelo fato de estarmos em busca da verdade, pouco me importa se os fundamentalistas ainda insistem em pensar de outra forma.


segunda-feira, 24 de outubro de 2011

De Xenófanes até Bart D. Ehrman: O Problema com Deus

Todo o debate se resume a esta questão fundamental que dividi o mundo em inúmeras nomenclaturas filosóficas e religiosas; todas quais, alias, se julgam detentora da resposta verdadeira ou a(s) melhor(es) para a questão. Pretendo aqui dissecar sob meu ponto de vista pessoal a vocês e apresentar algumas observações que recolhi ao longo de minhas reflexões do por que não considero as tentativas das escrituras bíblicas apropriadas para o mundo que vivemos. Também farei uso do livro O Problema com Deus de Bart D. Ehrman da qual me identifiquei quase que instantaneamente.

    A evolução do conceito religioso da humanidade e o paradoxo a tríplice afirmação Judaica – Cristã – Islâmica

    Em todas as tentativas de desenvolver critérios conciliadores e gerais para as religiões, em essência está a questão: por que nós sofremos? Ao fazer esta pergunta, também estamos questionando; Qual é o caráter de Deus? Temos condições de compreender sua vontade? A religiosidade é um caminho seguro para uma resposta? Essa resposta é individual ou comunitária?

    Antes de continuar, acho necessário vermos como os pensadores ao longo da história viam a religião e como estas visões diferentes mudam a forma de interpretar, não só apenas em exegese, mas psicologicamente o papel da religião para a questão da teodicéia. A visão dos pensadores:

    Na Grécia antiga, Xenófanes (570-460 a.C.) foi um dos primeiros a formular uma análise crítica da religião, questionando a Divindade e o que dela se pode saber. Ele não afirma a inexistência dela, ao contrário, sugere que ela existe, mas é inalcançável pela mente humana. Para ele, o que os homens fazem nas suas religiões é nada mais do que projetar nos deuses suas vãs opiniões. Pode parecer um pensamento óbvio hoje, não para a época (basta ver os deuses grego-romanos e seus defeitos), mas, mesmo tendo em vista as religiões de hoje - que colocam Deus acima das concepções humanas - algumas doutrinas ainda carregam consigo traços dessa concepção antropormofizada de Deus, seja em adesivos de carro ("Deus é fiel") ou em passagens do Velho Testamento.

    Entre os romanos, historiadores apontaram a relação entre crença religiosa e alienação, sobretudo política. Políbio (séc II a.C.) afirmava que, sendo as massas populares instáveis, cheias de paixões e ira irracional, devem ser contidas pelo medo do invisível, pelo temor aos deuses que os líderes políticos conseguem engendrar. Tito Lívio (59-19 a.C.), ao comentar sobre o organizador da religião romana (Numa), afirma que este sabia que "a melhor maneira de controlar um povo ignorante e simples é enchê-lo de medo dos deuses".

    Vamos agora ao séc 19, onde analisaremos as religiões modernas.

    Ludwig Feuerbach (1804-1872), ao analisar a religião cristã, trabalha com a noção de que Deus seria o interior do homem projetado para o exterior. Nesse processo de projeção do homem em Deus reside, para Feuerbach, uma alienação fundamental, pois, embora a religião seja a relação do homem consigo mesmo, ela é experienciada como uma relação do homem com outra coisa, externa a ele. Sua essência torna-se outro ser. A alienação será faltal, pois "para enriquecer Deus, o homem deve empobrecer-se; para que Deus seja tudo, o homem deve ser nada". Para Feuerbach, este seria o pecado fatal da religião cristã (e possivelmente de toda religião). O que é interessante notar é que, dentro do Novo Testamento, mais especificamente nas parábolas de Jesus, vemos o movimento de trazer Deus (ou o Divino) para dentro das relações sociais (Sermão da Montanha, parábola do bom samaritano, etc). Aliás, isso foi insistentemente colocado por Jesus, então não se pode dizer que é um pecado da doutrina cristã, mas talvez das religiões cristãs que se apossam da mensagem e a distorcem, especialmente inculcar culpa, medo e inferioridade, e assim conseguir controlar os fiéis.


    Com base nisso Karl Marx (1818-1883) conclui que foi o "homem quem fez a religião, não foi a religião (ou Deus) que fez o homem", e desdenha a religião como "o ópio do povo".


    Robertson Smith (1889) acreditava que a religião não é o produto de uma elaboração intelectual, e sim o fruto de uma cultura, de um conjunto de costumes, de uma organização comunitária que contrói e desenvolve seus ritos. Desse processo ritual se desenvolvem os mitos, ou seja, as legitimações ideológicas e as teorizações religiosas. Outra teoria evolucionista que ganhou grande influência na concepção científica da religião foi a de James George Frazer (1854-1941), que acreditava em três estágios da evolução da humanidade: magia, religião e, finalmente, no topo, a ciência. Segundo ele, a magia está na raiz de todas as religiões, e permanece como resquício quando a religião passa a dominar: "a religião consta de dois elementos, um teórico e outro prático, a saber, uma crença em poderes mais altos que o homem e uma tentativa deste para propiciá-los ou aproveitá-los". Vemos isso constatado na Umbanda, Candomblé e (quem diria) nas comunidades evangélicas mais populares, bastando ligar a TV pra ver a fogueira disso, a corrente de oração daquilo, o óleo sagrado daquilo outro, a rosa ungida e todos os talismãs e "poderes mágicos" (milagres) que Deus confere aos que estiverem naquele grupo.


    No início do séc. XX, Emile Durkheim propõe uma nova compreensão da religião, definindo-a como "uma coisa eminentemente social", produto - e, mais importante, produtora - da sociedade. Como Feuerbach, Durkheim formula que os homens, ao adorarem os deuses, estão adorando a si mesmos. Entretanto, essa projeção-idealização se dá em um contexto coletivo, social. Todavia, a religião não representa a sociedade como ela é (real, concreta), mas sim de um modo ideal. Isso pode ser mais ou menos vislumbrado no judaísmo e no islamismo, pois são religiões que não se atém a uma geografia, nem mesmo a uma cultura regional, e sim a uma cultura religiosa (no caso do judaísmo ainda pesa o fator descendência). A teoria de Durkheim difere da de Marx porque não crê que a religião se limite a traduzir, em outra linguagem, "as formas materiais da sociedade e suas necessidades imediatas e vitais". A categoria do sagrado, essência da religião, relaciona-se à noção de força, de poder especial:

    Acredita-se que ela (a religião) consiste em um sistema de idéias, exprimindo, mais ou menos adequadamente, um sistema de coisas. Mas esta característica da religião não é a única nem a mais importante. Antes de tudo, a religião supõe a ação de forças sui generis, que elevam o indivíduo acima dele mesmo, que o transportam para um meio distinto daquele no qual transcorre sua existência profana, e que o fazem viver uma vida muito diferente, mais elevada e mais intensa. O crente não é somente um homem que vê, que conhece coisas que o descrente ignora: é um homem que pode mais.
    (Durkheim, 1977)

    Não é novidade nenhuma que a religião tem um papel transformador nas pessoas, que vencem desafios impostos pela classe social com dignidade e obstinação. Isso é chamadoresilência, e pode ser conferido in loco por quem for ao Coque, uma enorme comunidade marginalizada pela violência, onde a ONG Neimfa (Núcleo Educacional dos Irmãos Menores de Francisco de Assis) se instalou e, através das religiões (católica, evangélica, espírita, budista, hinduísta e umbandista) e da ciência (psicólogos, médicos, professores), fornece suporte físico, psicológico e espiritual para mais de 300 famílias, com resultados visíveis.


    Max Weber (1864-1920) tem uma visão mais pragmática e funcional da religião, imaginando-a não como um sistema de crenças, mas sim "sistemas de regulamentação da vida que reúnem massas de fiéis", voltando-se para o sentido que o ethos religioso atribui à conduta. Em seus textos Weber visa expor como as religiões geram ou constituem formas de ação e disposições gerais, relacionadas a determinados estilos de vida. Na análise do protestantismo, por exemplo, vemos essa relação, quando Lutero usa a palavra Beruf tanto pra se referir à vocação religiosa como ao trabalho secular (embora o autor diga que a afinidade do protestantismo com o espírito do capitalismo e do progresso como o entendemos hoje só remonta ao início do séc. XVIII). Assim, o pedreiro passa a servir a Deus construindo casas, o padeiro, fazendo pães, o comerciante, vendendo e comprando. Nessa linha, Deus não solicitava mais imagens ou templos ornados, mas determinada disposição em relação à vida cotidiana, à inserção e ao trabalho no mundo secular; trata-se do ascetismo intramundano, que nos lembra um pouco a filosofia zen budista de procurar estar dentro do mundo (não procurando algo fora dele), praticando sua religiosidade através das ações (mesmo as mais mundanas).


    A ética protestante representa uma ruptura em relação à ética católica tradicional. A negação da devoção aos santos e seus milagres, a recusa a certos sacramentos e uma nova perspectiva de relação com o sagrado e com as ascese configuraram uma religiosidade menos ritualista e mágica e mais intelectualizada. O fiel protestante, racional, disciplinado e, fundamentalmente, previsível, é também o operário capitalista, necessariamente previsível e disciplinado. Assim, Weber busca articular o ethos religioso com o ethos econômico no decurso da história. Segundo ele, pra cada formação religiosa há tipos específicos de "comunalização religiosa" e de "autoridade". Dois tipos formulados por Weber são a "igreja" e a "seita". A igreja implica um certo projeto universalista, que a coloca para além de laços tribais, familiares ou étnicos, assim como um corpo sacerdotal profissional, dogmas e cultos fundamentados em escrituras sagradas que se racionalizam e se institucionalizam progressivamente. Já a "seita" diz respeito a tipos de associações voluntárias de fiéis, que se caracterizam por uma certa ruptura com a sociedade mais geral. Os fiéis não seguem "profissionais religiosos", mas autoridades carismáticas. Interessante notar como a Igreja católica entrou num movimento de reafirmação onde está cada vez mais distante da sociedade geral, admoestando os "católicos de fim de semana" e procurando valorizar os dogmas dentro de um núcleo doutrinário, excluindo o aculturamento... Quase uma seita.

    Weber também se preocupa com as relações entre religiosidade e os diferentes grupos sociais. Assim, para as classes oprimidas politica, social ou economicamente, as crenças preferidas estariam relacionadas à possibilidade de "redenção" ou "compensação", enquanto as classes privilegiadas e dominantes buscam formas de religiosidade que permitam "legitimação" das relações sociais estabelecidas. O espiritismo cumpriu muito bem ambos os papéis no Brasil quando, em plena ditadura militar, foi bem aceito pelos dois lados (militares e a população oprimida pela ditadura).

    Peter Berger (1985) acredita que os homens são congenitamente forçados a impor uma ordem sinificativa à realidade, e aí entra o sentido da religião, como um escudo contra o terror.

    Em um certo nível, o antônimo de sagrado é o profano (...) Em um nível mais profundo, todavia, o sagrado tem outra categoria oposta, a do caos. (...) A oposição entre o cosmo e o caos é frequentemente expressa por vários mitos cosmogônicos. (...) Achar-se em uma relação "correta" com o cosmos sagrado é ser protegido contra o pesadelo das ameaças do caos.

    Pode-se dizer que a religião desempenhou uma parte estratégica no empreendimento humano da construção do mundo. (...) A religião supõe que a ordem humana é projetada na totalidade do ser. Ou por outra, a religião é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo.

    Sigmund Freud (1856-1939) vê a religião como uma ilusão infantil, um sistema de defesa socialmente contruído com o qual o homem lida com sua condição fundamental de desamparo e sentimentos ambíguos em relação à figura paterna. Freud, assim, ignora o sentimento de transcendência e resilência que a religião aparentemente proporciona, preferindo colocar a experiência religiosa de eternidade e fusão como o Todo como um sentimento que não teria origem transcendental, mas sim algo intelectual/afetivo, como um retorno à experiência primeva do bebê, fundido com sua mãe. Embora Freud reconheça a religiosidade como vivência humana importante, tende a considerá-la derivada de outras experiências, não sendo, assim, uma experiência primária. Já a relação do Homem com Deus é apenas a projeção da relação com o pai (a imago paterna). Daí as relações intensas e ambíguas que surgem, como o Pai/Deus poderoso, dominante, protetor, onipresente, punitivo, odiado, vítima do ódio dos filhos e redentor.


    Erik Erikson (1902-1994) relaciona a religião com a imago materna, ou seja, a experiência primeva com a mãe, a separação e a tentativa sempre recorrente de reencontro.


    Carl Gustav Jung (1875–1961), como sempre, vai além do seu mestre e postula a religiosidade como elemento natural do psiquismo humano, uma parte constitutiva e essencial da natureza do próprio homem. Dessa forma, a religiosidade seria, por assim dizer, um instinto. Mas isso não quer dizer que as representações de Deus e dos elementos sagrados de cada cultura não sejam fenômenos socialmente construídos, mas sim baseadas num fundamento religioso humano universal.

    Quando, por exemplo, a psicologia se refere à concepção da virgem, trata apenas do fato de que existe essa idéia, mas não da questão de estabelecer se essa idéia é verdadeira ou falsa em determinado sentido. A idéia é psicologicamente verdadeira na medida mesma em que existe.

    O pressuposto da existência de deuses e demônios invisíveis é, na minha opinião, uma formulação do inconsciente psicologicamente adequada, embora se trate de uma projeção antropomórfica. (...) tudo quanto se acha fora, quer seja de caráter divino ou demoníaco, deve retornar à alma, ao interior desconhecido do homem, de onde aparentemente saiu.

    Não é Deus que é um mito (como podem sugerir as ciências), mas o mito que é a revelação de uma vida divina no homem. Não somos nós que inventamos o mito, é ele que nos fala como Verbo de Deus.

    Mas, para Jung, nem tudo na religiosidade é expressão dos recônditos da alma humana. Determinadas crenças, dogmas e ritos podem ser, de fato, recursos sociais protetores contra a experiência religiosa originária, imediata e, potencialmente, avassaladora:

    A experiência imediata do arquétipo da divindade representa um impacto tão violento que o ego corre o perigo de desintegrar-se. Com os meios de defesa face a esses poderes, a essas existências mais fortes, o homem criou os rituais. Poucos são aqueles capazes de aguentar impunemente a experiência do numinoso. As cerimônias religiosas coletivas originam-se de necessidades de proteção, funcionam como anteparos entre o divino e o humano, isto é, entre o arquétipo da imagem de Deus - presente no inconsciente coletivo - e o ego.


    Fiz essa pausa pois a questão da teodicéia está diretamente ligada ao desenvolvimento de cada religião, então é importante vermos como ela foi analisada e influencia pelos pensadores cada um a seu tempo, todos mostrando uma tentativa de resposta. Neste sub-tópico veremos como as religiões judaica, cristã e islâmica compartilham de uma visão unilateral devidamente apropriada a seu contexto, mas quando relacionada, mostra-se ineficiência ao mundo moderno.

    Nestas religiões, ao longo dos anos, os filósofos e os teólogos que discutiam a teodicéia desenvolveram um problema lógico. Este problema envolve três afirmações tidas como verdades absolutas nestas três religiões abramanica:

    Deus é todo-poderoso;

    Deus é todo amor;

    Há sofrimento.

    Como todas as três podem ser simultaneamente verdadeiras? Se Deus é todo-poderoso, então é capaz de fazer o que quiser (e, portanto, pode eliminar o sofrimento). Se ele é todo amor, então obviamente quer o melhor para as pessoas (e, portanto, não quer que elas sofram). E ainda assim as pessoas sofrem. Como explicar isso?

    Alguns pensadores tentaram negar uma ou outra das afirmações. Alguns, por exemplo, argumentam que na verdade Deus não é todo-poderoso – essa é a resposta apresentada pelo rabino Kushner em Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas. Para Kushner, Deus gostaria de interferir para eliminar todo o sofrimento, mas suas mãos estão atadas. Assim, ele permanece a seu lado de modo a dar a você a força necessária para lidar com a dor na vida, mas não pode fazer nada para acabar com a dor. Para outros pensadores, isso é estabelecer um limite ao poder de Deus e, na verdade, é uma forma de dizer que Deus não é Deus.

    Outros argumentam que Deus não é todo amor, pelo menos não no sentido convencional. Essa é mais ou menos a visão daqueles que consideram Deus culpado pelo terrível sofrimento suportado pelas pessoas [...] Outros fazem objeções e alegam que se Deus não é amor, mais uma vez ele não é Deus.

    Há algumas pessoas que querem negar a terceira afirmação. [...]

    Trecho extraído do livro O Problema com Deus – Bart D. Ehrman, editora Agir; 2008.

    A terceira negação nem precisa debatida. Só não vê sofrimento aqueles que se iludem! Sofrer é a maior realidade do homem, em todos os níveis; deste a uma mera desilusão amorosa, até uma perda familiar ou um genocídio provocado pelas guerras fartamente documentadas e visíveis dentro e ao redor de nosso cotidiano.

    O próximo sub-tropico é complementar a este e ira mostrar cada uma as concepções dos profetas, editores, escribas e redatores bíblicos ao longo do tempo e mostrar que, dentro de seu contexto, sua época e preceitos morais, as respostas são eficientes, mas nunca escritas para serem universais, nem tão pouco aplicáveis ao sofrimento além da condições pré concebidas pela escritura. Ou seja, para as exceções, não há resposta satisfatória. Nem mesmo para o seu próprio contexto!

    O fato de haver exceções (sabem quais?), somado ao paradoxo da tríplice afirmação, nos leva a conclusão que a questão do sofrimento humano está totalmente ligada ao caráter de Deus. O que nos faz pensar melhor na segunda afirmação; Deus é realmente todo amor?

    Introdução aos Profetas e a concepção judaica anterior, no e pós-exílio da teodicéia

    Veremos aqui como os profetas lidam com a questão do sofrimento e quais são suas respostas e como elas deixam brechas para questões que não são respondidas.

    Os livro proféticos são hoje os livros mais incompreendidos do AT, principalmente por aqueles que o lêem de forma anacronologica, dando-lhe um ar de superioridade entre os seus além de suas épocas. Isos é compreensível, pois os livros exclama acontecimentos de seu presentes como futuro acontecimentos. O literalismo intimamente ligado ao desejo de vingança não permite que os leitoras da Bíblia não sejam críticos e concebam estes livros dentro de seu contexto.

    E de forma ainda mais radical - que hoje é tida naturalmente - a interpretação cristã é mais ainda descontextualizada. Pré-moldada em superstições oriundas do sincretismo dos valores mal compreendidos dos profetas pagãos junto aos profetas judaicos, além é claro da alienação cinematográfica. Os profetas pagãos eram “videntes com bolas de cristais”, por assim dizer, que por meio de ritualísticas complexas – sendo muito delas arcaicas – diziam, predizer acontecimentos futuros, seja em êxtases de sacerdotisas virgens, ou nas entranhas de um animal sacrificado. Essas predições, quando analisadas, nos mostram apenas que não passam de cálculos de probabilidade baseado em axiomas. Porém, os profetas judaicos, diferenciavam radicalmente, não apenas em sua metodologia, mas na ênfase da iminência.

    Por isso, é um erro interpretá-los se forma atemporal. Nem tão pouco devem ser lidos de forma universal (apesar dos problemas exortados nos livros serem comuns até hoje. Tem dado resultado se espelhar em seu exemplo?), mas sim de acontecimentos breves, regionais, delineados e na maioria das vezes, conseqüência de ações sociais.

    Os profetas - que no meu julgamento não é errado chamá-los também de filósofos, teólogos ou reformadores sociais - estavam diretamente ligado aos acontecimentos de sua época. O seu presente momento. Não um futuro além da compreensão. Para eles, o que viria a acontecer era apenas a conseqüência dos atos humanos - que nesta visão - não agradará Jeová.

    Ler os livros proféticos de forma atemporal é ignorar a mensagem como um todo de cada livro. Livros que devem ser lidos cada um a seu modo, analisando suas perspectivas culturais e os fenômenos que a caracterizam cada um na época e de sua escrita. Mais agressivo em meu posicionamento, digo que estes livros não mais representam significados além de sua documentação [pseudo] histórica. Todas as “profecias” do AT já se cumprirão, pois: 1) exortavam acontecimentos de um futuro breve 2) baseavam em uma teologia pré-moldada em axiomas da comunidade judaica 3) buscavam acolher e confortar o povo judaico em seu tempo, para o que já estava acontecendo, o que mais iria acontecer e principalmente o porquê e as conseqüências.

    E é exatamente no “porque e nas conseqüências” que vamos nos concentrar.

    Como veremos, os profetas tinham em comum uma resposta padronizada, baseada na “herança do pecado de Adão”. Deus havia se enfurecido com a indiferença dos homens para com sua Lei e por isto impõe a punição severa para o pecado.

    É uma lógica simples: pecado gera punição. Experimentamos isso na nossa infância quando agimos de forma errada para com nossos pais e eles nos colocam de castigo de pé contra a parede. É apenas educação... Puni-se para que haja reflexão.

    Em escala maior: Deus te dá um mundo perfeito, e o que você faz? O despreza. Dá-te Leis para ter uma relação especial com ele. E o que o faz? Não as cumpri. Qual a única solução que deus todo-poderoso vê para este dilema? Sofrimento, mais e mais sofrimento... Assim diz ser a palavra de Deus segundo a exortação dos profetas [fundamentalistas?].

    E, por que o sofrimento? Para que o homem veja sua insignificância e implore por Ele ajuda, como um filho que só, no chão sujo e machucado, vê que precisa do pai para lhe orientar e o ajudar a empurrar na bicicleta. Neste sentido, Freud está totalmente certo quando nos diz que muito (tido por alguns como essência) da religiosidade é fruto de uma carência paterna.

    Essa visão teológica arcaica é baseada na interpretação histórico-literal do Gênesis. Como sabemos, Deus (mesmo sendo todo-poderoso) se irritou com Adão, Eva e a Serpente, por terem lhe ofendido com a desobediência de ter comido do fruto proibido e como punição, deu-lhes o conhecimento da dor, em todos níveis, para eles e suas gerações futuras. E, muito pouco observado até então, dor e sofrimento para os outros animais do Éden que nada tiveram culpa na “desobediência” deles. Mesmo assim todas as fêmeas de todas as espécies de animais que são inocentes nesta pseudo-história deveriam carregar para si e suas gerações futuras a dor do parto junto com os transgressores.

    Essa é a principal exceção observada nos escritos bíblicos na qual não há uma resposta nem mesmo pré-formulada. Por que os inocentes sofrem? Por que sofrem junto com os transgressores? Toda dor é proveniente da vontade de Deus? Deus quer mesmo que os inocente sofram?

    Aparentemente sim! Pune-se coletivamente os erros de alguns. Isto esta claro na exortação de profetas como exemplo, Amós de Teuda.

    6 Assim diz Javé: Por três crimes de Israel e pelo quarto, eu não vou perdoar: porque vendem o justo por dinheiro e o necessitado por um par de sandálias;

    7 pisoteiam os fracos no chão e desviam o caminho dos pobres! Pai e filho dormem com a mesma jovem, profanando assim o meu nome santo.
    8 Diante de todos os altares eles se deitam sobre roupas penhoradas e no templo do seu deus bebem o vinho de juros.9 E a frente de vocês, fui eu quem derrotou os amorreus, altos como cedros do Líbano e fortes como carvalhos: os frutos deles, eu cortei por cima, e por baixo as suas raízes. 10 Fui eu quem retirou vocês da terra do Egito e, através do deserto, guiei vocês durante quarenta anos, a fim de os tornar proprietários da terra dos amorreus. 11 Entre os filhos de vocês escolhi profetas, e entre os jovens de vocês escolhi homens consagrados. Não foi assim, ó filhos de Israel? - oráculo de Javé.

    12 No entanto, vocês embriagaram os homens consagrados e taparam a boca dos profetas.

    13 Pois eu vou abrir o chão debaixo de vocês, como abre o chão uma carroça carregada de feixes.
    14 O mais veloz não conseguirá fugir, a força do valente de nada lhe valerá; o forte não escapará da morte, 15 o arqueiro não ficará de pé, o ligeiro das pernas não escapará, e nem mesmo o cavaleiro salvará a própria vida; 16 o mais corajoso dos guerreiros fugirá nu nesse dia! - oráculo de Javé.

    O profeta Amós denuncia e julga o que está acontecendo no reino de Israel, pátria dos ouvintes. Acusa-os de injustiça social, corrupção, idolatria, manipulação ideológica. Os principais atingidos pela profecia são as autoridades: ao invés de promoverem condições de justiça e vida, exploram, oprimem e manipulam ideologicamente o povo, reduzindo-o à fraqueza, miséria e abandono. Enganado, o povo não consegue nem ter acesso às condições libertadoras, apresentadas pelos profetas e por outras pessoas consagradas (nazireus). A essa infidelidade dos governantes, o profeta contrapõe a fidelidade de Jeová, que libertou o povo da escravidão e o fez conquistar a terra da vida. O castigo anunciado nos vv. 13-16 refere-se à invasão do reino do Norte pela Assíria.

    Pela teologia convencional é nos aparentemente justo! Os iníquos soberanos e exploradores sociais devem pagar terrivelmente por oprimir o povo. Amós é um profeta social. Em Isaías 1:23 vemos a mesma exortação social, como também em Jeremias 5:26-29. Mas, em nenhuma parte, é explicado ou sugerido o por que Deus (todo amor) quis que os defendidos oprimidos na exortação fossem assassinados, torturados, escravizados e dito suas mulheres estrupadas junto com os iníquos.

    E este problema do sofrimento com os justos vemos em todos os livros proféticos. Para Oséias, por exemplo, o motivo da punição de Jeová era principalmente a idolatria. Assim como também em Juizes 2:11-15 e 2Reis 17:5-18. Nas palavras de Oséias há uma generalização não esclarecida ou até mesmo proposital. Todos são como prostitutas oferecendo para os deuses – em especial Baal – a graça oferecida por Jeová (Oséias 2:8-12).

    Aqui cabe uma observação: Usar a generalização de Oséias para com o povo no sentido de que este também seja culpado da ira de Deus para justificar a questão anterior do livro de Amós onde o povo é a vitima, é anacronismo. Como disse no inicio, são temas diferentes, públicos e mensagens diferentes. Infelizmente cristãos e até mesmo os judeus modernos usam deste artifício para querer demonstrar uma justificativa.

    Cada livro deve ser lido individualmente e ter sua construção como o todo analisada para que não se perca o foco de sua mensagem central. Cada caso um caso...

    Voltando ao livro de Oséias... E pior ainda, Jeová – pelas palavras de seu profeta – também generaliza novamente como critério para a punição!!! Vemos isso em Oséias 13:16, por exemplo, onde é dito que grávidas terão seus ventres abertos. Isso faz qualquer um que seja critico pensar qual foi o crime destas crianças que nem nasceram ainda para que Deus as puna junto de suas mães, mesmo considerando que suas mães sejam pecadoras?

    Uma resposta praticamente instintiva comum dos apologistas é que por serem puras, Deus prefere que elas nem nasçam de mães impuras. Mas sejamos sinceros; Deus é - como nos é dito na tríplice afirmação - todo-poderoso e todo amor. Não é possível compreender por que sendo todo amor não teve misericórdia de suas mães pecadoras lhes poupando a vida e / ou lhes oferecendo a redenção por meio desta nova vida. Deus todo amor? Parece-me mais intransigente!

    Ainda analisando este caso; como fica a tentativa de resposta de Isaias, por exemplo, de redenção por intermédio alheio? Este caso é do livro de Oséias, mas pode ter certeza que achará no citado Isaias caso semelhante onde a mesma pergunta sem resposta continua.

    Mesmo com tantas “lacunas” evidentes nas respostas apresentadas pelos profetas, os apologistas fogem da discussão, se negando a serem críticos, e nisso contra-respondem com “mistério” ou “não julgue Deus”. Isso é o mesmo que fechar os olhos para a terceira afirmação: há sofrimento.

    Outro detalhe a ser observado é como o problema é apresentado nos livros sapienciais: aqui nos é dito que Deus faz distinção entre justos e iníquos, diferente da visão clássica anterior dos profetas que fazem poucas distinções (autoridades explorando o povo) e muito freqüentemente generalizando (principalmente na punição a ser imposta). A distinção é vista, por exemplo, em Provérbios 3;33, 10;3, 11;8, 13;21.

    Mas a realidade está ai a sua volta. E na própria Bíblia. Os iníquos prosperam e os justos continuam a serem explorados. E quando Deus pune, ambos são punidos juntos. Por que?

    Mediante ao mundo real é totalmente necessário perguntar: quais são os critérios de Deus para permitir que os justos prosperem?

    E mais uma vez o apologista nos diz: "O justo que não é recompensado em vida é recompensado no Céu.”

    Isto é totalmente errado! Não apenas teologicamente, mas também historicamente. TODO o contexto dos livros proféticos esta formulado segundo a compreensão judaica ortodoxa da punição pelo pecado como meio de reflexão, e do sofrimento como teste de fé (mais à frente volto neste ponto). E a resposta apresentada é sempre a mesma: a recompensa virá ao justo em vida. Era essa a esperança dada ao povo pelos profetas! Que Deus recompensaria os justos com o regresso a suas terras, a seu lar, a paz. A preocupação total dos escritos proféticos judaicos é dar esperança ao povo após a invasão e destruição causada pelos Assírios e depois pelos Babilônicos.

    Historicamente, os judeus não tinham um conjunto de valores espirituais além tumulo até sua estadia no Exílio, onde lá, sua teologia foi perdendo gradualmente a ortodoxia e mitos e valores persas foram assimilados a visão judaica. É do exílio, por exemplo, a idéia de inflição de sofrimento por meio de Demônios como também a graça dada pelos Anjos. O próprio Satanás é original desta teologia sincrética. Anterior ao exílio, é unânime a compreensão dos pesquisadores que os judeus viam tanto o bem como mal em suas vidas como ações de Deus. Isto está explicito em Isaías 45,7.

    A teologia da graça do Céu surgiu posteriormente e se desenvolveu mesclando os valores persas adotados no exílio com os valores helenísticos, chegando a sua “formula final” com o advento do Cristianismo. Anterior aos cristãos, era defendido pelos fariseus e pelos essênios (de forma diferentes!), mas totalmente negada pela classe sacerdotal do Saduceus que tentavam manter a ortodoxia – já perdida.

    Ninguém soube responder a estes enigmas. E provavelmente a resposta não virá externamente. Talvez seja pessoal, individual e limitada ao sofrimento de cada um. Não pretendo tentar dar uma resposta alternativa, mesmo por que não a tenho. Apenas sei, e digo SEI de forma totalmente pessoal, que as respostas apresentadas pelos profetas não são suficientes. São limitadas, regionais e temporais, apropriadas para a mensagem teologicamente construída baseada exclusivamente nos valores de sua época. Todas escritas para satisfazer os questionamentos inevitáveis do por que Deus permitiu a seu “Povo Escolhido” tamanho sofrimento para com nações estrangeiras.

    Essa resposta, como vimos, é baseada na punição ao pecado como estimulo a reflexão, reconciliação e conseqüentemente, alivio ao sofrimento. Porém ha variações desta resposta padrão, como por exemplo, na história de José (Joshua ou Josué - dependendo da tradução) em Gênesis cap. 37-50. Não é necessário resumir a historia, todos nos a conhecemos e conhecemos sua mensagem principal: que Deus inflige sofrimento como um teste, e desta forma, mostra que é possível gerar frutos bons de coisas ruins. É uma mensagem bela de fato, instigadora e até mesmo animadora para esta discussão.

    Mas não se anime demais. A primeira vista ela é A resposta para as questões anteriores. Só a primeira vista.

    Alguém dirá: “Deus inflige sofrimento aos justos para os fortalecer e fazerem suas vidas grandiosas, dignas, benévolas com a paz e a graça do Senhor!”

    Sim, essa é a mensagem do texto. Mas, eleve seu senso critico para esta questão:

    E quando o justo testado morre?

    Fica claro que esta história de Gênesis cap. 37-50 não responde a esta questão. A moral da história é que o homem glorioso suporta o teste e sai dele vitorioso em vida e disso, regojiza em vida das benções de Deus.

    Eis que sem demora, de forma insistente um apologista grita em protesto: “SE MORREU, FOI POR QUE FRACASSOU AO TESTE. SUA ALMA SE CONTAMINOU AO TORMENTO E ELE PECOU CONTRA A VONTADE DE DEUS!”.

    Bem, é um raciocino simples do apologista. Fracassou porque não tinha fé suficiente em Deus. Simples assim.

    Talvez deveríamos concordar com isso, mas nos sentimos compelidos a fazer novas perguntas: Sendo ele justo e justo se manteve até quando Deus lhe impôs o teste, qual será o destino de sua alma? Céu ou inferno? Deus, sendo todo amor condenaria ao tormento do inferno seu filho que sempre foi justo em sua vida toda; que, unicamente por conta de sua soberana vontade, fracassou por não souber como se portar? E mais importante: Sendo Deus todo-poderoso – onisciente - por que submeteria um servo fiel a um teste que Ele sabia que não conseguiria cumprir?

    É muito importante pensar nestas perguntas quando analisarmos as escrituras. Mais importante é ter consciência que a Torá é o primeiro conjunto de histórias, e por conta disso, a resposta do sofrimento como teste não se aplica ao caso dos profetas, visto que estes próprios tinham suas respostas baseadas na primeira tentativa de resposta do pecado de Adão. Insisto também em meu posicionamento que ler a Bíblia de forma Holística é desvalorizar a mensagem de cada livro. Os profetas agiram como filósofos tentado compreender as adversidades que seu povo sofriam. Como teólogos buscando na Lei formas de conciliar sua visão aos acontecimentos e, por fim, como reformadores sociais tentado exortar sua compreensão do problema para os outros.

    Há mais um tipo de resposta ao sofrimento. O Citado ligeiramente aqui, também temos o caso da [suposta] resposta de Isaias. E Este é especial para entendermos a teodicéia do Novo Testamento; o sofrimento como forma de redenção - não apenas de si - mas de muitos.

    Uma teoria para a formulação proto-cristã da interpretação de Isaías 53

    Neste sub-tópico proponho uma teoria para o principal fundamento da fé cristã; a comprovação de Jesus como “Redentor de muitos” através de uma soma de interpretações selecionadas e “mistas” de trechos da Bíblia Hebraica e sua própria evolução teológica, com especial destaque para Isaias 53. Enfatizo que é uma teoria, pois é formulada a partir de minhas reflexões sobre o vasto material disponível para o assunto. Tentarei e me submeterei ao risco de ser mais afirmativo que os autores que li.

    Quando confrontamos a questão do sofrimento do Antigo Testamento com o Novo Testamento, encontramos um mundo e um Deus radicalmente transformados. Tanto que pensadores posteriores chegaram a pensar que o “Pai” de Jesus não era o Deus dos judeus – como, por exemplo, Marcião e a tentativa de resposta gnóstica que será tocada mais pra frente. Historicamente, eles não estavam totalmente errados!!!

    E de fato todo a teologia da teodicéia é renovada de forma incrível. Não apenas a ênfase no Amor é explicita, mas Deus é o Amor, e o amor quer viver eternamente enamorado a sua grande paixão. Mas “alguém” o impede disso. Quem é esse alguém? Quem é capaz de instigar o homem a ser contra Deus? Não é mais o homem culpado por seus pecados? Quando aconteceu tamanha mudança?

    Eu tenho uma teoria para isso. Acredito firmemente que o trauma da experiência do Exílio Babilônico para os judeus fora tamanha que, aqueles que não se sentiam mais satisfeitos e frustrados com as respostas de seus ancestrais começaram a perder sua fé, e com ela, as barreiras do medo foram se desvaindo junto com a ortodoxia. E o resultado desta “perda de fé” fora à aceitação das respostas ao sofrimento dado pelos outros cultos.

    Longe de sua terra [prometida] e de seu templo, os judeus ficaram incapacitados de realizar seu principal ritual de redimição dos pecados. E isso gerou muito tormento em suas almas...

    Certamente lhes doía pensar: Como poderei adorar meu Deus corretamente se estou impotente em terras estrangeiras de realizar os ritos que Ele mesmo nos ordenara para louvá-lo? (Levítico 1-7)

    È da Lei que em determinado local sagrado – antigo Tabernáculo e posteriormente, no Templo – sejam feitos sacrifícios e holocaustos para acalmar a ira de Deus. Como o pecado gerava punição, a oferenda era uma forma de compensação. Em outras palavras, o animal sacrificado substituía o homem, que não mais precisava ser morto por seus pecados já que o animal foi. (Gn 22:1-14). Esta foi à solução criada na teologia judaica para amenizar o sofrimento (pelo menos, psicologicamente).

    Não só entre os judeus, esta idéia de sacrifício é a base mais antiga de resposta para as adversidades da humanidade em toda sua história religiosa. É de todas religiões antigas a idéia de que o homem fora criado para servir (os) Deus(es) e quando irritados, devem ser louvados para conseguir o perdão.

    Nas concepções mais antigas (segundo a Bíblia, iniciada por Caim e Abel), os deuses literalmente se alimentavam de suas oferendas [ = humanos como cozinheiros e garçons] e em retribuição, ofereciam fartura nas colheitas, sorte nas caças e paz da natureza [ = pagamento]. Um ciclo sem fim de dar e receber.

    Alguns cultos, porém, foram mais além, e começaram a sacrificar humanos para satisfazer e acalmar a ira de seus deuses. A melhor explicação para tamanha monstruosidade é que após grandes períodos de escassez, essas comunidades em ruína começaram a ficar desesperadas, e como ultima tentativa começaram a sacrificar suas próprias vidas e / ou os menores de sua primitiva sociedade (virgens, crianças ou prisioneiros de guerra) para que os deuses voltem a olhar por eles, lhe tragam fartura, caça e paz. Deve ter dado certo, já que o choque desta experiência fora tamanha que vimos estas idéias se perpetuarem como normais nestas comunidades primitivas até poucos séculos atrás.

    Felizmente não encontramos nos escritos judaicos essa tentativa extrema de manter a relação com seu Deus. Apenas em uma alegoria de Abraão com seu filho Isaque tendo sua fé testada com o objetivo de provar para Jeová que o louvava sem interesse.

    Mas esta idéia de sacrifício extremo poderia ter acontecido, isso se os judeus não tivessem exemplos de como é repulsivo tal ato de seus vizinhos baais.

    Atormentado pela dúvida tiveram que se recolher a respostas alternativas. E qual foi à solução que eles encontraram no Exilo Babilônico?

    Um adversário para Deus! E para isso a teologia dualista do profeta persa Zoroastra (ou Zaratrusta) era perfeita.

    Assim falava Zaratrusta: Ahura Mazda [deus bom] criou os seres celestiais (anjos) e o homem, lhe deu a terra coberta de fartura, uma companheira e condições para nela frutificar e para louvá-lo. Este bom e todo poderoso deus - como Jeová - também fez uma proibição ao homem de jamais comer de um fruto. E nisso o homem foi feliz e obediente. Mas o grande Ahura Mazda tinha um inimigo, Arimã [deus mal] que sentiu inveja e rancor da criação perfeita de seu adversário e quis impor a intriga e a desordem no mundo perfeito. Para isso, ordenou que um de seus seres celestiais (demônios) provocasse dor na terra e como maldade maior; colocasse na mulher “impurezas”. O resto da história vocês já devem suspeitar...

    O grande diferencial desta história para com o Gênesis está na existência de Dois grandes deuses, sendo um todo bom (e mais forte) e o outro todo mal (por ser mal, mais fraco). Igualmente no judaísmo, Ahura Mazda oferece um acordo especial ao profeta Zoroastra caso persevere em sua fé e louvor a Ele. Uma idéia que até então não tinha sido formulada no judaísmo; a recompensa da vida eterna aos justos no reino dos seres celestiais após a morte. A ressurreição dos justos e dos iníquos mortos antes do dia do Senhor e o julgamento final das forças das trevas e de seus seguidores iníquos. (lembrem-se disso quando forem ler o NT!)

    Dado o desenvolvimento teológico judaico até a ascensão cristã é visisvel que a resposta zoroastrica para a teodicéia se mostrou bastante convincente. Não só ela, mas a forma de se redimir com Deus: pela perseveração da fé! Isto lhe diz algo caro leitor cristão?

    Mas havia um problema: como conciliá-la com a teologia judaica de um só Deus?

    A resposta encontrada foi rebaixar o deus adversário para um ser celestial rebelde. Usando de um mito também zoroastrico; Satanás foi criado, se rebelou e foi expulso do Céu.

    Alguém dirá: “Interessante. Mas amigo, na Torá aparece várias vezes anjos. Como você explica isso? Não está você cometendo anacronismo? Se fossem mesmo influências zoroastricas, eles não apareciam no Gênesis por exemplo.

    Não há problema algum se você reconhecer que os livros foram escritos, editados e reeditados no e pós-exílio.

    Continuando... Não só um antagonista cósmico para Deus, mas posteriormente, a classe dos judeus que mais se identificou com os valores dualistas do Zoroastrismo, chamados de Fariseus, começaram a se questionar qual seria o papel do Messias-guerreiro para eles já que o bem maior viria diretamente da ação iminente de Deus?

    Acredito firmemente que a resposta encontrada por eles foi dar um novo atributo ao Messias - sem é claro, de inicio, excluir o modelo da tradição de guerreiro. Uma espécie de interlocutor e juiz de Deus para o povo justificado pela fé no mundo. E assim foi surgindo e crescendo o conceito amplamente usado mais pra frente pelos cristãos na formulação dos evangelhos: o “servo sofredor” fundido ao “Filho do Homem”.

    Nota: A primeira menção do Filho do Homem nos escritos judaicos está no livro de Daniel. Este livro foi muito importante para o desenvolvimento teológico pré-cristão.

    O judaísmo nunca mais foi o mesmo...

    Para entender onde quero chegar é necessário compreender estes quatro dos principais fatores da renovação da teologia judaica até a formulação do NT:

    1. Sacrifício como meio de compensação de seus pecados;

    2. Sofrimento não mais causado por Deus, mas sim por um adversário (do hebreu: Saithan = Satanás) de grande poder;

    3. Recompensa da vida eterna aos justos de boa fé em Deus no outro mundo;

    4. Messias como juiz da vontade divina.

    Com base nisso podemos analisar o contexto do livro de Isaias e o famoso capitulo 53.

    Quem hoje ao ler as poderosas palavras de Isaias 52:13-53:8 não vê Jesus nelas?

    Certamente hoje todos nós identificamos Jesus nestas palavras. Mas será esta a intenção do autor? [u]Ou será esta a intenção dos autores dos evangelhos cristãos?

    Se bem lembram no sub-tópico anterior disse que nunca fora o objetivo dos profetas escritores um futuro além da compreensão. Todos os três livros de Isaias estão diretamente ligados aos acontecimentos anterior, no e pós-exílio.

    Fazendo uso mais uma vez de um trecho do livro de Ehrman; “Há mais de cem anos, os estudioso se deram conta de que os capítulos 40 a 55 do livro de Isaías não poderiam ter sido escritos pelo mesmo autor responsável pelos primeiros 39 capítulos (ou a maior parte deles). Os primeiros capítulos pressupõem uma situação na qual a Assíria está prestes a atacar Judá – ou seja, foram escritos no século VIII a.c. Os capítulos 40 a 55, por outro lado, pressupõem uma situação em que o reino do sul tinha sido destruído e seu povo, levado para o exílio – ou seja, meados do século VI a.c. Talvez por que os dois livros têm temas proféticos semelhantes, alguém posteriormente os somou em um único rolo, acrescentando ainda os capítulos 56 a 66, de um profeta ainda mais recente (o terceiro Isaias), que escreveu em um terceiro contexto.” (pág. 72)

    No primeiro Isaias, a mensagem tradicional profética é exortada (pecado gera punição, arrependam-se!). Já o segundo Isaias enfatiza que o sofrimento já foi aplacado e que Deus irá os perdoar – mensagem mais que apropriada para os judeus já exilados.

    Está mais que claro para quem lê o segundo Isaias dentro de seu contexto que Israel é o servo (41:8 ou 49:3). Sendo mais critico em nossa analise, não há nada em Isaias 52:13-53:8 que sugira que o autor esteja falando sobre um futuro Messias. Nada! Nem mesmo a palavra Messias aparece nesta passagem. Além é claro que está explicito que o sofrimento deste “servo” está no passado, não no futuro. (Ehrman, pág. 76)

    E por que os proto-cristãos o interpretaram assim?

    Tudo indica que “herdaram” esta interpretação. Talvez devemos nos perguntar primeiro quando aconteceu. E a resposta para quando aconteceu está diretamente relacionada a crescente popularidade dos escritos apocalípticos.

    Em 2000, Israel Knohl, Yehezkel Kaufmann professor de Estudos Bíblicos na Universidade Hebraica de Jerusalém e um investigador sénior no Instituto Shalom Hartman publicou o audacioso livro [i] O Messias antes de Jesus[/i] onde apresenta a tese que um messias sofredor era uma crença popular pelo menos entre uma minoria de intérpretes das escrituras. No livro, Knohl apresenta Menahem, o essênio, como um modelo deste novo conceito Messiânico.

    De inicio, Knohl teve sua tese desacreditada por não haver até então nenhuma prova textual, mas felizmente temos agora um achado arqueológico para comprovar os argumentos e com isso rever toda a teologia proto-cristã da interpretação de Isaías 53 e com isso avançar na busca para as respostas das origens culturais do Cristianismo Paulino. O achado:

    http://www.nytimes.com/2008/07/06/world/middleeast/06stone.html?em&ex=1215489600&en=28e25c3c87821bc2&ei=5087%0A

    Destaco da resenha do livro O Messias antes de Jesus este parágrafo para terminar este sub-tópico:

    O autor, Israel Knohl, acredita que a figura do Messias qumrânico e a ideologia messiânica a ele ligada tiveram uma profunda influência sobre Jesus e sobre o desenvolvimento do messianismo cristão. Afirma que Jesus foi influenciado em seus últimos anos por essa outra tradição religiosa, da qual ele recebeu sua doutrina messiânica por um encontro com aqueles que mantiveram o legado do Messias de Qumran. Essa teria sido a “Cristologia de Jesus”.