sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A Hipótese Documentária e suas fusões

P E N T A T E U C O

Pentateuco é o nome dado ao conjunto dos cinco primeiros livros da Bíblia - Palavra de Deus. Os judeus chamam o Pentateuco de TORAH, palavra hebraica que traduzida para o Português significa "Lei". Esta palavra dá ideia que o Pentateuco é um apanhado de leis, pelas quais os judeus se deixavam conduzir. No entanto, no Pentateuco, na verdade, se encontra narrações de histórias vividas pelos judeus. Quando Moisés perguntou a Deus pelo seu Nome, Ele respondeu: "Eu Sou Aquele que Age", isto é, pela tua história, pelo que Eu Serei contigo e com o teu povo, descobrirás quem Eu Sou.

À primeira vista, esta obra nos parece homogênea, isto é, uma só. Entretanto, ela foi escrita por vários autores, é composta de diversas camadas escritas em épocas diferentes.

Apesar da História de Israel ter começado bem antes, vamos tomar como ponto de partida o Século X, porque foi a partir dele que se escreveram as primeiras unidades literárias e também porque foi nele que Israel começou a ler suas histórias.

Há uma hipótese documentária que diz que a Torah é uma obra composta em cinco partes, baseada em quatro documentos erigidos em épocas diferentes. Esta hipótese é a mais aceita pelos Teólogos e pelos estudiosos da Bíblia. Ela fala que a Torah foi escrita por quatro grupos com Tradições diferentes:
a) tradição Javista (J);
b) tradição Eloísta (E);
c) tradição Sacerdotal (P);
d) tradição Deuteronomista (D).

O documento Javista foi escrito no final do Século X e narra toda a história do Rei Salomão e da Corte de Jerusalém.
O documento Eloísta já foi escrito no final do Século IX ou meados do Século VIII, narra os acontecimentos dos meios proféticos do Reino do Norte, onde encontramos Elias, Eliseu, Oséias...
O documento Sacerdotal narra todos os acontecimentos e as preocupações dos meios sacerdotais saídos de Jerusalém. Foi composto também durante o Exílio da Babilônia, mas por volta do Século VI.
Enfim, o documento Deuteronomista retrata a história de Moisés e a ligação do povo à Lei de Deus. Este documento foi composto no Reino do Norte e foi somente no reinado do Rei Ezequias que sua redação terminou. A edição final se deu no Exílio da Babilônia, entre os anos 587 e 538 aC, portanto, no Século V.

Para que estes cinco livros, de quatro tradições, pudessem se tornar uma única obra literária, foi preciso fazer algumas fusões.

A fusão J-E aconteceu por volta do ano 700aC, no reinado do Rei Ezequias. Estes dois documentos são narrações de histórias paralelas, de modo que é possível fazer uma sinopse entre ambos.
O documento tem muito em comum com a tradição E.
Já no Século IV, houve a fusão J-E com P.

Nasce então a Torah na forma de cinco livros. Provavelmente, o responsável por este magnífico trabalho foi Esdras, porque era considerado "secretário da Lei do Deus do Céu" (Esd 7,12). O Rei Persa, Artaxerxes II, em 398aC, incumbiu Esdras de faze um Estatuto para os judeus, tando aos que tinham voltado do Exílio como aqueles que tinham permanecido no País.

TRADIÇÃO JAVISTA

- J -

As primeiras obras literárias sobre a história de Israel aparecem no Século X.
O grande personagem deste século foi David, ungido rei em Hebron, por volta de 1010 e reconhecido como tal pelas tribos do sul - Judá (2Sm 2,1-4). Ele reinou sete anos e seis meses (2Sm 2,11; 5,5) e foi neste período que algumas tradições foram colocadas por escrito, nascendo assim o Documento Javista.

David era um homem de habilidade política inigualável. Tal habilidade o fez rei também do Reino do Norte - Israel (2Sm 5,1-4). David conseguiu manter uma espécie de "reino-unido" que perdurou até o fim do reinado de seu filho Salomão.

David conquista Jerusalém, que está situada entre Judá e Israel, e a transforma na Capital do Reino (2Sm 5,6-9), reinando nela 33 anos (2Sm 5,5) e Salomão reina durante 40 anos (de 972 a 933).
David desenvolveu uma política de conquistas e foi transformando muitos povos estrangeiros em vassalos: filisteus, cananeus, amonitas, jebuseus, moabitas, arameus entre outros.
Salomão, quando herdou o reino, procurou organizá-lo, estruturá-lo e desenvolvê-lo comercialmente.
Todo este universalismo tem o seu ponto negativo: o sincretismo. O culto a YaHWeH, sem dúvida nenhuma, foi sofrendo algumas mudanças estruturais, às vezes, até imperceptíveis, ao longo dos anos, por inculturações religiosas dos outros povos pagãos.

David construiu para si um enorme palácio, copiando os reis pagãos da época: da mesma maneira, ele quis construir um Templo para YaHWeH, copiando também os cananeus, no entanto, esta ideia foi rejeitada pelo povo através do Profeta Natã (2Sm7).
A ideia de "prender" "Deus num Templo" dá a impressão de um Deus estático, passivo, parado, preso, controlado pelos homens; por isso, há uma luta para manter a liberdade de Deus - de um Deus que guiou seu povo e que pode continuar a guiá-lo, se não for um prisioneiro.
Este é o contexto histórico do Século X, dominado pela figura imperativa do Rei David.
* * *
O Documento Javista começa em Gn 2,4b e termina com a narração de Balaão (Nm 22; 24), incluindo a narração da falta de Israel em Baal-Fegor (Nm 25,1-5). Os textos que constituem o Documento Javista devem ser procurados entre Gn 2,4b e Nm 25.
Deus chamado de YaHWeH (Gn 4,26; Ex 3,14; 20,2-3; Dt 5,6-7).
Sabe-se que o Documento Javista apareceu na segunda metade do reinado de Salomão (mais ou menos por volta de 950). Seu autor é um judeu que conhece o processo da instituição da monarquia e sua ideologia.
Exatamente durante o reinado de Salomão, em Judá, que a Tradição Javista compõe sua obra.

Texto-Chave do Documento Javista é Gn 12,1-3 e a Palavra Chave éBênção.
Deus ordena que Abraão saia de sua terra, do meio de seus parentes e vá para um lugar que Ele mesmo mostraria. Abraão obedece sem questionar, porque a "promessa de Deus" domina tudo.
A palavra povo, em hebraico, designa laços de parentesco entre os membros de um grupo. Deus promete que faria de Abraão uma grande nação. Ser nação significa que este povo vai ter um território e vai ser politicamente organizado.
Notamos que os Documentos Javista e Sacerdotal estão entrelaçados nos onze primeiros capítulos de Gênesis.
ciclo das origens vai de Gn 2-11 e tem seu ápice na narração da Torre de Babel e termina relatando a confusão das línguas e a dispersão dos povos sobre toda a terra. Gn 12,1-3 não é considerado somente a conclusão, mas também a verdadeira chave desse ciclo.

À bênção, cinco vezes mencionada em Gn 12,1-3, corresponde a maldição cinco vezes mencionada em Gn 2-11 (Gn 3,14.17; 4,11; 5,29; 9,25), onde são amaldiçoados: a serpente, o solo, Caim e Canaã.

ciclo patriarcal vai de Gn 12-36, onde encontramos as narrações sobre Abraão, Isaque e Jacó/Israel. Neste ciclo, o texto de Gn 12,1-3 é repetido duas vezes: Gn 18,18; 28,14.
ciclo de Abraão notamos o sinal da bênção, quando ele entrega para Lót a melhor parte da terra. Abraão foi abençoado por Deus, tornou-se rico e próspero. Além disso, Abraão torna-se bênção para seu sobrinho ao lhe entregar a "Planície do Jordão".
Dentro deste ciclo também vemos que há lugar para a maldição de Deus: Abraão mente para o faraó dizendo que Sara é sua irmã, quando, na verdade, era sua esposa. Deus cobre com maldição o faraó e todo o Egito.

Estudando o ciclo de Isaque vemos que Abimelek, rei dos filisteus, reconhece a bênção de Deus que está sobre Isaque. Este é símbolo da bênção, porque é descendente de Abraão.

ciclo de Jacó mostra que Jacó herdou a bênção de Isaque através de um ritual de bênção. Jacó obtém a bênção de Isaque enganando-o e fazendo-se passar por Esaú. Este ciclo mostra o aspecto de transferência de bênção de um povo a outro.
A bênção chega aos arameus (Labão) por intermédio de Jacó. A bênção de Deus deve alcançar os povos vizinhos pela promessa que Ele fez aos Patriarcas.

Quando nos debruçamos sobre a história de José (Gn 37-50), notamos que ele também foi uma bênção aonde quer que tenha andado. A bênção de Deus alcançou até o Egito através da pessoa de José. Deus está disposto a derramar suas bênçãos sobre todos que reconhecerem a ação de Israel.

Até mesmo na saída do Egito (Ex 1-17), vemos que isto acontece: se o faraó tivesse reconhecido a ação de Israel, Deus não teria mandado as pragas, que na Tradição Javista são 7, a saber: a água transformada em sangue (7,14-18.21a.24-25); as rãs (7,26-27; 8,4-5a.6.7a.8.9-11a); os mosquitos (8,16-28, exceto 18b); a peste dos animais (9,1-7); a chuva de pedras (9,13.17.18.23b.24b.25b.26.28-29.33-34); os gafanhotos (10,1a.3-11.13b14-19) e a morte dos primogênitos (11,4-7a.8b; 12,29-30).

Desta forma, Moisés torna-se sinal da bênção de Deus. De uma maneira bem clara vemos isto no Sinai/Horeb: o acontecimento sinaítico simboliza o derramamento das bênçãos de Deus sobre o povo de Israel.
Balaque, rei de Moab, procura o vidente Balaão para conseguir a maldição sobre Israel, entretanto, o vidente não pôde retirar a bênção de Deus que estava sobre o povo.
Mesmo para Israel receber a bênção de Deus, é preciso comprometer-se diante de Deus.
* * *
Concluindo, para ficar bem gravado, quero frisar que a palavra-chave da Tradição Javista é bênção e o texto-chave é Gn 12,1-3.
A temática da Bênção perpassa todos os textos da Tradição Javista, como vimos até aqui.
Quanto ao estudo do Javismo, centralizamos nossa atenção na Promessa de Deus a Abraão em Gn 12,1-3. Esta Promessa se estende, sem dúvida, na aliança de Isaque com o rei dos filisteus, na astúcia de Jacó junto de Labão, o arameu, na missão de José do Egito.
Vimos que o Século X é o século do Rei David, e Gn 12,1-3 se estende também a David e a todo o seu Império.
Podemos fazer uma leitura cristã e até mesmo Cristológica do Documento Javista: Abraão e Moisés prefiguram o Rei David, enquanto Israel espera por um "Novo David", que, para os cristãos, é Jesus Cristo.

TRADIÇÃO ELOÍSTA

- E -

O reino unido de David e Salomão, com a morte deste último em 933, divide-se em Reino do Norte e Reino do Sul.
No Século IX, os reis, suas famílias e seus funcionários começam a se distanciar de YaHWeH. Jezabel, segundo 1Rs 18,19, sustenta 450 profetas de Baal. O povo corria perigo de acompanhar o rei e de prestar culto a YaHWeH e a Baal ao mesmo tempo (1Rs 18,21).
O Documento Eloísta começa com um texto composto, ou seja, não é um texto eloísta puro - Gn 15 - Ciclo de Abraão. O primeiro texto eloísta puro está em Gn 20.
O fim do documento não é fácil de ser identificado, pois encontramos ainda fragmentos dele em Nm 25 e 32.
A redação eloísta foi feita no Reino do Norte, bem depois da divisão dos Reinos de Judá e de Israel.

A presença de Deus acontece através dos seus enviados: os homens de Deus, como Moisés ou Abraão ou os Profetas, como Elias, Eliseu, Oséias...
Nesta Tradição, Deus é chamado, inicialmente, como ELOHIM (Ex 3,6.9-15. No v. 15, Deus se apresenta como YaHWeH). Elohim era o nome usado para as divindades não israelitas.

Podemos situar a redação do Dcumento Eloísta na primeira metade do Século VIII aC e a palavra-chave dele é temor de Deus.

No ciclo de Abraão notamos: Abimelek é rei dos filisteus, enquanto Abraão é considerado profeta, portanto representa Israel. Surge um conflito entre os dois, provocado por uma afirmação de Abraão, que aponta Sara como sua irmã. Isto gera um problema moral entre povos que não têm a mesma fé. A intenção da Lei é incutir o temor de Deus no coração de todos os povos. A situação de Abraão é humilhante, haja visto o fato de ter que pedir perdão a Abimelek por ter duvidado que ele, apesar de não ser israelita, tenha o temor de Deus.

Naamã, rei de Arã, foi curado da lepra, apesar de ser inimigo de Israel, foi procurar a cura em Samaria e alcançou a cura por causa do temor de Deus. Apesar de Naamã ser rei, ele reconhece o poder de curar do "nabi" - profeta.

Da mesma forma, Abimelek, que tem o temor de Deus, deve reconhecer que o "profeta" Abraão é importante, porque é o único que pode interceder por sua cura (Gn 20,17).
Vemos que a questão do temor é um tanto complexa, pois até mesmo entre os não judeus pode existir este temor.
Temor de Deus designa a obediência às normas morais, que tem como guardiã a divindade, e que deve ser observada tanto por judeus como por não-judeus.

Abraão aparece aqui como alguém que se submete totalmente a Deus.

No ciclo de Jacó vemos muito forte também a temática do temor de Deus. Este tema é uma nota característica do eloísta. Pertencem à Tradição Eloísta também a estada de Jacó em Maanaim (Gn 32,2-3), o envio de presentes a Esaú (32,14b-22); elementos de combate a Jaboque (32,24.25a.26b.30a.31-32). Jacó chega a Siquém (33,19-20); e vai a Betel (35,1-4.14-15), onde nasce Benjamim (35,16-20).
Estudando a história de José do Egito vemos também muito forte a presença do temor de Deus: o próprio José disse que temia a Deus (Gn 42,18b). Aqui poderíamos acrescentar ao temor de Deus o tema da Salvação.
No que concerne à pessoa de Moisés vemos que o temor de Deus paira até mesmo antes do seu nascimento. As parteiras, temendo a Deus, não entregaram Moisés ao faraó. A obediência a Deus aqui passa pela obediência ao faraó, por isto as parteiras foram abençoadas por Deus.

Esta Tradição fala apenas de cinco pragas: a água transformada em sangue (7,15b.17b.20b.24); a chuva de pedras (9,22-23a.24a.25a.27b.31-32.35a); os gafanhotos (10,12b.14a.15), as trevas (10,21-23.27), os primogênitos (4,23), que é associada à partida dos israelitas e à Pascoa.
No acontecimento do Sinai/Horeb, Moisés é visto como um grande profeta e a Lei de Deus vai incutir no povo o temor de Deus. A ausência do temor de Deus é chamada de "pecado", questão do temor a Deus: aqui nesta relação entra a Arca.

O Decálogo (Ex 20,2-17; Dt 5,6-18) e o Código da Aliança (Ex 20,22-23,19). O primeiro texto é um texto vivo, marcado pelo uso no culto, o que o conservou. O Decálogo é qualificado como moral porque interpela o homem a respeito de suas atitudes para com Deus e o próximo.
O segundo texto recebe o nome de Código da Aliança por causa de Ex 24,3-5, onde Moisés lê ao povo o "Livro da Aliança".
Podemos reconhecer uma certa ordem neste código:
a) em todo lugar que Deus se manifestar deve ser erigido um altar a Deus;
b) nota-se que muitas sentenças começam por "Se...", indicando um direito casuístico muito parecido com as Leis Mesopotâmicas;
c) vemos as prescrições litúrgicas (Ex 23,14-19).
Assim, o Código se abre e se encerra com prescrições cultuais.

TRADIÇÃO SACERDOTAL

- P -

Apareceu em Jerusalém uma outra corrente judaica, que apresentou a "Lei de Santidade" (Lv 17-26), antes do Exílio, e a "História Sacerdotal" durante e após o Exílio. Uma figura muito forte nesta corrente é a pessoa do Profeta Ezequiel.
estrutura da Lei da Santidade se aproxima da estrutura do Código Deuteronômico. Ela se abre e se fecha com prescrições cultuais (Lv 17,1-16; 26,1-2); apresenta-se como um discurso de Moisés ao povo (17,1-2) e é seguida de bênçãos e maldições (26,3-45).

Quanto ao conteúdo, o texto se preocupa com o culto e suas observâncias. Esta lei trata de uma codificação de costumes e de práticas ligadas ao Santuário de Jerusalém e centradas no culto e na instituição sacerdotal. A Lei da Santidade se refere à santidade de Deus e à sua transcendência. Como Deus é Santo, o povo de Deus é santo (19,2).
Lv 19,2 é o versículo-chave desta corrente e as palavras-chaves são santo, santidade, aliança.
* * *
A Tradição Sacerdotal é designada pela letra P, pois vem de Priester Kodex, cuja tradução é Código Sacerdotal. A História Sacerdotal aconteceu na Babilônia, antes do final do Exílio, ou seja, antes de 538.

Em 587 o rei da Babilônia, Nabucodonosor, toma Jerusalém e deporta seus habitantes. Só conseguimos entender a História Sacerdotal quando compreendermos a relação com o choque produzido pela queda de Jerusalém e pelo Exílio. Os exilados estavam numa situação desastrosa: seu rei estava preso, o templo estava destruído, a terra - dom de Deus estava a centenas de quilômetros de distância. Em meio a tantas tribulações, houve quem visse tudo com desânimo e descrédito; por outro lado, muitos tentaram encontrar no passado de Israel uma motivação para uma fé e uma esperança capazes de enfrentar a crise pela qual estavam passando. Este papel de animar o povo a enfrentar toda a sua tribulação coube aos sacerdotes de Jerusalém exilados em Babilônia, entre os quais Ezequiel. Assim, antes do Exílio, portanto em 538, foi elaborada a História de Israel.

A Tradição Sacerdotal insiste em mostrar sempre que aquelas pessoas pertencem a um povo e se preocupa em manter a identidade de Israel em Babilônia a fim de evitar a dissolução do povo e permitir a Deus realização de suas promessas. O sábado se torna um tempo consagrado a Deus, já que o templo não existe; a circuncisão é o sinal que o povo pertence a Deus; a Palavra de Deus desempenha a função do templo. Já que o povo está vivendo em terra estranha, os sacerdotes procurar levar o povo a compreender o desígnio de Deus. É todo um ideal teocrático que existe e os exilados procuram guardar no coração, com a ajuda dos sacerdotes, a fé em Deus e em sua lei.
Vamos desenvolver agora alguns pontos sobre as características da História Sacerdotal: os textos sacerdotais caracterizam-se pelo uso de datas tiradas do calendário sacerdotal, que não é nem monárquico e nem babilônico; os meses são designados por números e não por nomes (Gn 7,11; 8,13; Ex 16,1; Nm 1,1).

O estilo é seco, sem detalhes e é recheado pelos números, pelas enumerações, pelas listas; já o vocabulário é preciso e técnico - alguns termos são próprios de P. A preocupação com as genealogias é exacerbada e nos desconcerta, mas demonstra quais são as raízes do povo. Neste sentido dá para entender as proibições do casamento com estrangeiros, pois isto colocava o povo em perigo. Há uma inserção enorme de leis nas narrações. Estas leis ou instituições realçam os valores religiosos: lei da fecundidade (1,28), do sábado (2,3), circuncisão (17,9-14), lei sobre a Páscoa (Ex 12,1-13).
Uma grande parte das leis e das prescrições está ligada à organização do culto, à construção do santuário e às questões relativas ao sacerdócio (Ex 25-31; 35-40). A obra que os autores sacerdotais criaram não é fruto de sua imaginação, mas da reflexão sobre a tradição do passado.

Parece certo que a obra de P vai da criação até a morte de Moisés (Dt 34,7-9).
Sabemos que a História Sacerdotal está permeada de aliança. Em Gn 9, Deus faz, através de Noé, uma aliança com seu povo. A única cláusula dessa aliança é o respeito à vida e ao sangue, também no abate não sacrifical de animais e a proibição de derramar o sangue de humanos, porque o homem é imagem de Deus. É uma aliança de Salvação.

Deus também fez uma aliança com Abraão (Gn 17) e o sinal desta aliança é a circuncisão.

Uma última aliança que Deus fez e não poderíamos deixar passar foi a aliança com Moisés. No monte Sinai/Horeb, Moisés recebe as leis que têm por finalidade a construção de um santuário (Ex 25,8; 24, 15-18) e a consagração a Araão: a perspectiva é cultual e institucional. Para Israel, o sinal desta aliança é exatamente ver o santuário repleto da glória de Deus (Ex 40,24-35).

A expressão "reino de sacerdotes" mostra que o poder real está não nas mãos de um rei, mas nas mãos dos sacerdotes que dirigiam o povo de Israel.
Depois de 587, os sacerdotes sabiam que a aliança mosaica não podia mais assegurar o futuro da comunidade no Exílio. O problema de Israel é o seu pecado, a sua revolta contra Deus. Diante desta situação, o sacerdócio de Araão (Nm 17,25), torna-se o ponto mais importante. O sinal desta aliança é a vara (do hebraico mathé, que significa tribo). Este sinal foi necessário por causa da murmuração do povo que não aceitava a função de Araão.


Em Gn 1,28 encontramos a fórmula-chave da compreensão da mensagem de toda a Tradição Sacerdotal. Essa proclamação foi dada a um povo exilado, sem raízes, longe de sua terra e sem esperança no seu Deus. A finalidade desta fórmula é fazer o povo entender que Deus não o esqueceu, mas novamente vai lhe dar uma terra. Isto aconteceu com o Edito de Ciro, em 538, acabando assim com o Exílio, o povo pôde voltar para sua terra e reconstruir o Templo - que aconteceu em 515.
Entre os textos legislativos anteriores a P, podemos citar a lei dos sacrifícios(Lv 1-7); a lei da pureza (Lv 11-16); e as prescrições sobre as festas (Nm 28-29).
{ a) YaHWeH é igual aos deuses não israelitas: Gn 1,1;
b) a Abrão, Deus se apresenta como El Shadai. No meio de tantos, YaHWeH é o mais poderoso: Gn 17,1;
c) para Moisés, Deus se apresenta como YaHWeH - o único: Ex 6,2-7.}

TRADIÇÃO DEUTERONOMISTA

- D -
O Rei Josias reina de 640 a 609 e se torna um rei segundo o coração de Deus. Ele manda fazer restaurações no Templo de Jerusalém e durante o trabalho, Hilquias descobre um livro "Livro da Lei", que faz chegar nas mãos do rei (2Rs 22,3-10).
Há uma grande probabilidade de ter sido encontrado em 622 este magnífico Livro da Lei ou Livro da Aliança (2Rs 22-23), que deve ter sido depositado no Templo durante o reinado de Ezequias - 722. Houve durante o reinado de Ezequias um grande desenvolvimento literário: a fusão de E, a coleção dos Provérbios (Pr 25,1).
Em 622 houve uma celebração solene da Páscoa e a partir deste ano, o Deuteronômio primitivo serviu de lei para o povo e entrou oficialmente para o patrimônio religioso de Israel.

No Século V, Neemias usou este livro de lei para resolver uma pendência entre israelitas; no Século IV, quando foi formado o Pentateuco, o Deuteronômio foi o livro que deu o desfecho do grupo dos cinco rolos que formaram aTorah.
Dentro do Deuteronômio encontramos o Código Deuteronômico (Dt 12-26). Este código começa e termina com prescrições cultuais (12,1-16,17; 26,1-15). A estrutura deste código lembra a do Decálogo, mas é inegável que é uma compilação de leis já existentes. Por outro lado, o código não pode ser separado de seu contexto: ele faz parte de uma estrutura mais vasta que é a da aliança.

Não só o código como todo o Deuteronômio é uma reflexão sobre a infidelidade de Israel. Infidelidade que levou ao desaparecimento do Reino do Norte. O código pode simbolizar até a Salvação do povo, pois se este tivesse obedecido as leis, nada lhe teria acontecido.
Sabemos que o Código Deuteronômico foi redigido em 722, depois da queda de Samaria e provém do Reino do Norte. O Código se impôs no Reino de Judá, antes do Exílio, mas não conseguiu a adesão popular. O Reino do Norte desapareceu e o único santuário de pé é o de Jerusalém e o povo que resta é o de Judá.

O Livro do Deuteronômio se aproxima muito da estrutura dos tratados de vassalagem que estavam em uso na época. A aliança instaura uma relação entre dois grupos humanos ou entre duas pessoas.De uma aliança entre tribos, reconhecendo YaHWeH como Deus de Israel, passa-se para uma aliança entre YaHWeH e Israel.
Parece que os autores do Deuteronômio estão preocupados em manter as características principais do povo de Israel: um povo, um Deus, uma terra, uma lei, um templo...

Há a experiência original de Deus e de sua Palavra transmitida por Moisés.
Deus escolheu o seu povo do meio do povo. Essa escolha faz de Israel o povo de Deus e o torna assim responsável pela figura de Deus neste mundo. Este povo escolhido é uma comunidade estruturada que vive em uma terra e é uma assembléia convocada por Deus no Horeb (5,22; 9,10; 10,4). Esta comunidade tenta viver a fraternidade, tendo no seu meio o juiz, o rei, o sacerdote-levita, o profeta (16,18-18,22). A Lei se torna o princípio desta vida em comunidade: a Torah deve estar no coração, o Nome de YaHWeH nos lábios e um só santuário nacional constituem o ideal do Deuteronômio.

CONCLUSÃO


O Pentateuco terminou então depois da fusão dos quatro documentos: Javista (P); Eloísta (E); Sacerdotal (P); Deuteronomista (D). Entre 722 e 700, houve a fusão dos dois documentos J-E. No final do Exílio, J-juntam-se ao Documento Sacerdotal (P). Por fim, o Documento Deuteronomista (D) encontrado no tempo de Ezequias, por volta de 716-687, junta-se ao processo formando a Torah.

A formação dos textos do Pentateuco é magnífica. Escrita por vários autores. No decorrer de vários séculos. Nota-se que são portadores de uma Tradição viva.
Torna-se claro que a estruturação do Pentateuco se realiza aos poucos - das origens até a morte de Moisés. A morte de Moisés vem mostrar que o povo não deve contentar-se com o que tem, mas deve permanecer disponível para uma ação de Deus sempre imprevista.

A leitura da Torah mostra seriedade que a fé exige do homem no trato com Deus, a necessidade do perdão numa relação que constantemente está ameaçada.
Finalmente, o Pentateuco está aberto para uma leitura cristã, onde as idéias determinadas de cada documento convergem para Jesus Cristo, filho de David.

Jesus se enquadra dentro dos quesitos do rei segundo o coração de Deus, que o Javista aponta. O caminho cheio de provações e sofrimento indicado pelos Eloístas prefigura o ministério e a paixão de Cristo.
No Deuteronômio, vemos o retrato de uma comunidade unida e unânime com relação ao serviço de Deus.
O Documento Sacerdotal leva o povo a refletir sobre seus erros e o leva à reconciliação com Deus, a exemplo de Cristo - único Sacerdote capaz de reconciliar o povo definitivamente com Deus.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Cristianismos: Questões e Debates Metodológicos. O estado Atual da Investigação Acadêmica.


Para se inscrever, você deverá enviar email para: jesushistorico@gmail.com 
O título do e-mail deve ser "Inscrição no curso 'Cristianismos". No corpo da mensagem deverá estar explícito: Nome, Instituição, e-mail, telefone. O pagamento será feito no primeiro dia do curso (25 de agosto), conjuntamente com a confirmação da inscrição. O certificado será entregue ao final do evento para aqueles regularmente inscritos e com frequência igual ou superior a 75% dos encontros. Atenção: número de vagas limitado! Somente os 40 primeiros a realizar inscrição poderão fazer o curso. Esse curso será ministrado pelos brilhantes doutores: Daniel Justi, Lair Amaro, Juliana Cavalcanti entre os dias 25 a 28 de Agosto. O curso ocorrerá no Instituto de História (UFRJ) e o tema será: Cristianismos. Questões e Debates Metodológicos. O estado Atual da Investigação Acadêmica.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

(Vídeo) André Chevitarese: O que Caracteriza uma Religião?

Acesse o Link

O juiz federal Eugenio Rosa de Araújo, da 17.ª Vara Federal do Rio, afirmou em uma sentença que "as manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões". Referindo-se à umbanda e ao candomblé, o magistrado afirmou que "não contêm os traços necessários de uma religião" por não terem um texto-base (como a Bíblia ou o Corão), uma estrutura hierárquica nem "um Deus a ser venerado". 
O episódio começou no início do ano, quando a Associação Nacional de Mídia Afro levou ao conhecimento do MPF, por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, um conjunto de vídeos veiculados na internet por meio do site YouTube.
Segundo essas gravações, as religiões de origem africana estão ligadas ao "mal" e ao "demônio". Um dos vídeos afirma que "não se pode falar em bruxaria e magia negra sem falar em africano" e outro associa o uso de drogas, a prática de crimes e a existência de doenças como a aids a essas religiões.
Embora as opiniões sejam atribuídas a grupos evangélicos, não foi possível identificar quem publicou ou divulgou essas gravações na internet.
Para o Ministério Público Federal, esses vídeos disseminam o preconceito, a intolerância e a discriminação a religiões de origem africana. Por isso, o órgão enviou recomendação ao Google no Brasil para que retirasse as gravações da internet. Mas a empresa se negou a atender o pedido, afirmando que o material divulgado "nada mais é do que a manifestação da liberdade religiosa do povo brasileiro" e que os vídeos discutidos não violam as regras da empresa. Diante da postura do Google, o MPF foi à Justiça para pedir a retirada dos vídeos. Mas o juiz não atendeu o pedido. "Os vídeos contidos no Google são manifestações de livre expressão de opinião", afirmou Araújo.
Solidariedade. O procurador da República Jaime Mitropoulos já recorreu da decisão ao Tribunal Regional Federal da 2.ª Região. "O ordenamento jurídico brasileiro estabelece que as relações sociais devem primar pela solidariedade, liberdade de crença e de religião, pelo respeito mútuo, pela consagração da pluralidade e da diversidade. A liberdade de expressar crença religiosa ou convicção não serve de escudo para acobertar violações aos direitos humanos, atacando ou ofendendo pessoa ou grupo de pessoas", afirma o procurador.
"Realmente, não há uma hierarquia nem um código canônico que oriente as religiões de origem africana, mas isso não faz com que elas não sejam religiões. Além de serem religiões, o candomblé e a umbanda são filosofias de vida e manifestações culturais enraizadas no Brasil", afirmou Manoel Alves de Souza, presidente da Federação Brasileira de Umbanda.

domingo, 11 de maio de 2014

A origem do deus de Israel


Como muitos devem saber Yahweh (ou Javé, Iavé ou Jeová) é o deus nacional da chamada Era do Ferro dos reinos de Israel e Judá. As origens da adoração de Yahweh são obscuras, mas o que se sabe é que sua veneração pode remontar o último período tardio da era do Bronze. Para saber mais sobre as chamadas "Era do Ferro" e "Era do Bronze" pesquise na Internet, ou em em livros especializados em história antiga da região conhecida como Levante.

O nome de Yahweh começa como um epíteto do deus cananeu El, que era a deidade chefe do panteão cananeu da era do Bronze de Canaã. "El, aquele que está presente, ou aquele que se manifesta pessoalmente". Há a hipótese de que Yahweh tenha sido um deus do Norte da Arábia (segundo a hipótese dos Queneus). Em qualquer um dos casos, o que é bem claro é que Yahweh aparece como nome único, tanto para Israel e para Judá. O que não está claro é se esse nome era conhecido fora destes dois reinos.

Na literatura bíblica antiga (cuja tradição remonta os séculos 12 ou 11 antes de Cristo), Yahweh é um típico deus guerreiro do Leste, e divindades desse tipo eram comuns naquela região. Yahweh conduzia o exército celestial contra os inimigos de Israel. O que diferencia a história de Yahweh e de Israel é que ambos tinham um pacto, um fato único naquela região. As condições é que Yahweh protegeria Israel, e Israel por sua vez não adoraria outros deuses. Em um período tardio a veneração à Yahweh funcionou como um culto dinástico (o deus de uma realeza), e a corte real o promoveu como um deus supremo acima de todos os outros deuses do panteão, incluindo Baal, El e Asherah. A deusa Ashera, segundo o que as escavações arqueológicas mostraram, e segundo a opinião de eruditos bíblicos, era venerada como a esposa de Yahweh. Em um dado momento o Javismo (como é chamado o culto exclusivo à Yahweh ou Javé) se tornou excessivamente intolerante aos rivais, e a realeza e o templo promoveram Yahweh como deus de todo o Universo, possuindo todas as qualidades previamente positivas de todos os outros deuses e deusas. Com os escritos do Dêutero Isaías (que é o segundo autor do livro de Isaías), a existência dos deuses estrangeiros foi negada, e Yahweh foi proclamado como criador do Cosmos, e deus de todo o Mundo.

Nos tempos bíblicos posteriores, a pronúncia do nome de Yahweh foi cessando. No Moderno Judaísmo, este nome foi substituído por "Adonai", que significa Senhor. Isso deve ser entendido como sendo o nome próprio de Deus, e que indica sua misericórdia. As bíblias cristãs seguem a tradição judaica, e usam o título Senhor. O Vaticano baniu o uso de Yahweh na adoração vernacular em 2008, e a chamada Congregação para a Adoração Divina e Disciplina dos Sacramento orienta que a palavra Senhor e seus equivalentes em outras línguas sejam usados. A despeito disso, o Movimento do Sagrado Nome, em atividade desde 1930, propaga o uso do nome Yahweh nas translações bíblicas e liturgia.

Na Bíblia hebraica, o nome do deus de Israel aparece como YHWH (forma latinizada), em virtude do hebraico bíblico usar apenas consoantes. A pronúncia original de YHVW se perdeu séculos atrás, mas as evidências disponíveis indicam que era algo parecido como "Yahweh", cujo significado aproximado é "Ele que causa ser" ou "Ele que cria (criação)". Como foi dito acima, as origens deste deus são incertas e obscuras, mas uma hipótese, que não é universalmente aceita, é que o nome originalmente formava parte de um título de El, que é o deus cananeu supremo. Este título era El Du Yahwi Saba'ôt, "El, aquele que cria os exércitos", significando que o exercito celestial acompanha El, quando ele marchava com os exércitos terrestres de Israel. Uma hipotese alternativa conecta o nome do deus de Israel como um nome de lugar ao sul de Canaã, que é mencionado em gravações egípcias da Idade do Bronze tardia.

As evidências arqueológicas sugerem que os israelitas surgiram internamente e pacificamente nas terra de Canaã. Nas palavras do arqueologista William Dever: "Muitos daqueles que se chamavam a si mesmo de Israelitas eram nativos ou aborígenes canaanitas". O que distingue Israel de outras sociedades e povos que surgir na Era do Ferro de Canaã é a crença em Yahweh como deus nacional, ao invés de, por exemplo, Quemós, o deus de Moabe, ou Milcom, o deus dos Amonitas. Como hoje se sabe, o hebraico, o moabita e o amonita são idiomas parecidos, e os moabitas talvez até falassem o hebraico.

Numerosas evidências conduziram os escolásticos e eruditos à conclusão de que El era o deus original de Israel. Por exemplo, a palavra "Israel" é baseada no nome de El ao invés de Yahweh. El era o deus chefe do panteão canaanita, com a deusa Ashera como sua consorte, e Baal e outras divindades também fazendo parte do panteão. Yahweh surgiu então como um deus guerreiro, originário da região de Edom ou Midiã, no sul de Judá, e foi introduzido ao norte e nas terras centrais das tribos por tribos tais como os Queneus. O erudito K. Van der Toorn sugeriu que o surgimento de Yahweh em Israel foi devido à influência de Saul, o primeiro rei de Israel, que segundo os próprios textos bíblicos tinha uma ascendência edomita. Em dado momento, Yahweh se identificou com El a tal ponto que a palavra El se tornou uma palavra genérica significando simplesmente "deus". Asherah então se tornou a consorte de Yahweh, com o mesmo Yahweh e Baal coexistindo à um primeiro momento, e rivalizando depois.
O culto de Yahweh e a Monarquia

No período monárquico, o rei funcionava como chefe da religião nacional. Os reis usavam a religião nacional para exercer a sua autoridade, mas outros deuses além de Yahweh continuavam a serem adorados. Evidências sugerem cada vez mais que muitos israelitas adoraram Asherah como consorte (esposa) de Yahweh.

Os arqueólogos e estudiosos históricos usam uma variedade de maneiras de organizar e interpretar a informação iconográfica e textual disponíveis. William G. Dever contrasta a"Religião / Religião de Estado / religião do livro oficial" da elite com a "religião popular" das massas. Rainer Albertz contrasta a "religião oficial" com a "religião da família", "piedade pessoal" e "pluralismo religioso interno". Jacques Berlinerblau analisa as evidências em termos de "religião oficial" e "religião popular" no antigo Israel.


Patrick D. Miller distinguiu três grandes categorias de Javismo:o Ortodoxo, o Heterodoxo e o Sincrético. O Javismo Ortodoxo exigia o culto exclusivo de Yahweh (embora sem negar a existência de outros deuses). Os poderes da bênção (saúde, riqueza, continuidade, fertilidade) e salvação (perdão, vitória, libertação da opressão e ameaça) residia totalmente em Yahweh, e sua vontade foi comunicada via oráculo e visão proféticas ou auditivas.Adivinhação e Necromancia  foram proibidos. O indivíduo ou comunidade poderia clamar à Yahweh e receberiam uma resposta divina, mediada por figuras sacerdotais ou proféticas.

Santuários foram erguidos em vários lugares e foram usados para expressar a devoção a Yahweh por meio de sacrifício, refeições festivas e celebrações, oração e louvor. Perto do final do século VII a.C. em Judá, a adoração a Yahweh era restrito ao templo em Jerusalém, enquanto os principais santuários do reino do norte estavam em Betel (perto da fronteira sul) e Dan (no norte). Certas épocas foram definidas para a reunião do povo para celebrar as dádivas de Yahweh, e os atos da divindade de libertação e redenção.

Tudo no reino moral era entendido como uma parte da relação com Yahweh como numa manifestação de santidade. As relações familiares e o bem-estar dos membros mais fracos da sociedade eram  protegidos pela lei divina, e a pureza de conduta, vestuário, alimentos, etc foram regulamentados. A liderança religiosa residia em sacerdotes, que foram associados com os santuários, e também nos profetas, que eram portadores de oráculos divinos. Na esfera política, o rei foi entendido como o delegado e agente de Yahweh.

O Javismo Heterodoxo é descrito por Miller como uma mistura de elementos do Javismo ortodoxo com as práticas particulares que conflitavam com o mesmo javismo ortodoxo, ou não eram habitualmente uma parte dele. Por exemplo, O javismo heterodoxo contou com a presença de objetos de culto rejeitados pelos expressões ortodoxas, como  Asherah, estatuetas de vários tipos (fêmeas, cavalos e cavaleiros, animais e pássaros, e os bezerros e touros do Reino do Norte. Os " lugares altos "como centros de culto parecem ter movido de um lugar aceitável dentro do Javismo a um estado cada vez mais condenado nos círculos oficiais e ortodoxos. Esforços para saber o futuro ou a vontade da divindade também pode ser entendidos como heterodoxos se fossem fora dos limites do Javismo ortodoxo, e até mesmo comumente aceito que o mecanismo revelador como sonhos poderia ser condenado se a mensagem resultante foi percebido como falsa. Consulta de médiuns, magos, adivinhos foram muitas vezes utilizadas por Javistas heterodoxos.

O Sincretismo inclui a adoração de Baal, os corpos celestes (sol, lua e estrelas), a "Rainha do Céu" e outras divindades, bem como outras práticas, como o sacrifício de crianças. Outros deuses eram invocados e servidos na hora da necessidade ou bênção e provisão para a vida, quando o culto de Yahweh parecia inadequado para esses fins. Evidências cada vez mais maiores sugerem que muitos israelitas adoravam Asherah como a consorte de Yahweh, e várias passagens bíblicas indicam que as estátuas da deusa eram mantidas em templos de Yahweh em Jerusalém, Betel e Samaria. Outra evidência inclui muitas figuras femininas descobertas no antigo Israel, apoiando a visão de que Asherah funcionava como uma deusa e consorte de Yahweh, e era adorada como a Rainha dos Céus.



                           Yahweh representado em inscrição hebraica (século VIII a.C.): 
                           “Eu te abençoou por Yahweh de Samaria e sua Asherah

  
O culto de Yahweh depois da monarquia

Após a destruição da monarquia e da perda da terra no início do século 6 (o período do exílio babilônico), uma busca por uma nova identidade levou a um re-exame das tradições de Israel. Yahweh agora se tornou o único Deus no cosmos.

Israel e Judá Antigos


Tem sido tradicionalmente acreditado que o monoteísmo era parte do pacto original de Israel com Yahweh no Monte Sinai, e a idolatria criticada pelos profetas era devido a apostasia de Israel. Mas durante o século 20, tornou-se cada vez mais reconhecido que a apresentação da Bíblia levanta uma série de perguntas: Por que os Dez Mandamentos declaram que não deve haver outros deuses "antes de mim" (Yahweh), se não há outros deuses em tudo? Por que os israelitas cantam na travessia do Mar Vermelho que "não há nenhum deus como tu, ó Yahweh?" [Ex 15:11] o que implica que existem outros deuses? Estas observações eventualmente derrubaram a crença de que Israel sempre tinha adorado Yahweh, e nenhum outro deus mais.

Evidências de adoração israelita de deuses cananeus aparecem tanto na Bíblia e no registro arqueológico. Referências respeitosas à deusa Asherah ou a seu símbolo, por exemplo, como parte do culto à Yahweh, são encontrados nas inscrições de Kuntillet Ajrud e Khirbet el-Qom, do século VIII, e as referências aos deuses cananeus Resheph e Deber ("peste" e "praga") aparecem sem críticas em Habacuque 3:05, como parte da comitiva militar de Yahweh. O "Exército do Céu" também é mencionado sem críticas em 1 Reis 22:19 e Sofonias 1:05. O deus El também é constantemente identificado com Yahweh.

Israel herdou o politeísmo do final do primeiro milênio de Canaã, e a religião cananéia, por sua vez, teve suas raízes na religião de Ugarit do Segundo Milênio. No segundo milênio, o politeísmo foi expresso através dos conceitos do Conselho Divino e Família Divina, uma entidade única, com quatro níveis: o deus principal e sua esposa (El e Asherah), as setenta crianças divinas ou "estrelas de El" ( incluindo Baal, Astarte, Anat, e provavelmente Resheph, bem como a deusa-sol Shapshu e o deus-lua Yerak), o ajudante chefe da família divina, Kothar wa-Hasis, e os servos da casa divina, incluindo os deuses-mensageiros  que mais tarde aparecem como os "anjos" da Bíblia hebraica.


No estágio inicial, Yahweh era um dos setenta filhos de El, cada um dos quais era o patrono de uma das setenta nações. Isto é ilustrado pelo Manuscritos do Mar Morto e pelos textos da Septuaginta de Deuteronômio 32:8-9, em que El, como o chefe da assembléia divina, dá a cada membro da família divina, uma nação de seu próprio ", de acordo com o número de os filhos divinos ": Israel é a parte de Yahweh. O texto massorético tardio, evidentemente desconfortável com o politeísmo expresso pela frase, alterou-o para "de acordo com o número dos filhos de Israel"  Os estudiosos Keil e Delitzsch observam que a interpretação da Septuaginta é de nenhum valor crítico, que se baseia sobre a noção judaica de anjos da guarda das diferentes nações (Sir. 17: 14), que provavelmente se originou em um mal-entendido de Deuteronômio 04:19, quando comparado com Daniel 10:13, Daniel 10:20-21 e Daniel 0:01.

Entre o oitavo para o sexto séculos El tornou-se identificado com Yahweh, e Yahweh-El se tornou o marido da deusa Asherah, e os outros deuses e os mensageiros divinos gradualmente tornaram-se meras expressões do poder do Yahweh. Yahweh está escalado para o papel do Rei Divino decidindo sobre todas as outras divindades, como no Salmo 29:2, onde os "filhos de Deus" são chamados a adorar Yahweh, e como Ezequiel 8-10 sugere, o próprio Templo tornou-se palácio de Yahweh, povoado por aqueles em sua comitiva.

É neste período que as primeiras declarações monoteístas claras aparecem na Bíblia, por exemplo,  aparentemente no Deuteronômio do século VII 04:35, 39, 1 Samuel 02:02, 2 Samuel 07:22, 2 Reis 19:15, 19 (= Isaías 37:16, 20), e Jeremias 16:19,20 e a parte do século VI de Isaías 43:10-11, 44:6, 8, 45:5-7, 14, 18, 21 e 46:9. Porque muitas das passagens envolvidas aparecem em trabalhos associados ou no Deuteronômio, a história deuteronomista (Josué a Reis) ou em Jeremias, trabalhos acadêmicos mais recentes têm sugerido que um movimento deuteronomista deste período desenvolveu a ideia do monoteísmo como uma resposta aos questões religiosas do seu tempo. 

O primeiro fator por trás desse desenvolvimento envolve mudanças na estrutura social de Israel. Em Ugarit, a identidade social foi mais forte no nível da família: documentos legais, por exemplo, eram feitos muitas vezes entre os filhos de uma família e os filhos de outra. A religião de Ugarit, com sua família divina liderado por El e Asherah, espelhavam esta realidade humana. O mesmo aconteceu no antigo Israel durante a maior parte da monarquia, por exemplo, a história de Acã em Josué 8 sugere uma família como a principal unidade social. No entanto, as linhagens familiares passaram por mudanças traumáticas começando no século VIII, devido à grande estratificação social, seguida por incursões dos assírios. Nos séculos VII e VI, começamos a ver as expressões de identidade individual (Deuteronômio 26:16, Jeremias 31:29-30, Ezequiel 18). Uma cultura com um sistema de linhagem diminuída, deterioração durante um longo período a partir dos nono ou oitavo século, menos embutido em patrimônios familiares tradicionais, podem ser mais predispostos tanto para manter o indivíduo responsável por seu comportamento, e ver uma divindade individual responsável pelo cosmos. Em suma, o surgimento do indivíduo como a unidade social básica levou ao surgimento de um único deus substituindo uma família divina.

O segundo fator importante foi o surgimento dos impérios neo-assírio e neo-babilônicos.Enquanto Israel foi, desde o seu próprio ponto de vista, parte de uma comunidade de nações pequenas e semelhantes, fazia sentido para ver o panteão israelita em pé de igualdade com as outras nações, cada uma com o seu próprio deus patrono, tal como no quadro descrito com Deuteronômio 32: 8-9. O pressuposto por trás dessa visão de mundo é que cada nação era tão poderosa quanto o seu deus patrono. No entanto, a conquista neo-assíria do Reino do Norte de Israel em  722 a.C. contestou isso, pois se o império neo-assírio era tão poderoso, então assim deve ser o seu deus, e, inversamente, se Israel poderia ser conquistado (e mais tarde Judá, em 586 d.C.), deu a entender que Yahweh era, por sua vez, uma divindade menor. A crise foi recebida pela separação do poder divino e reinos terrenos. Apesar da Assíria e Babilônia serem tão poderosas, o novo pensamento monoteísta em Israel fundamentado, isso não significava que o Deus de Israel e Judá era fraco. Assíria não tinha conseguido sucesso por causa do poder de seu deus Marduk, era Yahweh que estava usando a Assíria para punir e purificar uma nação que o próprio Yahweh tinha escolhido.

No período pós-exílico, o monoteísmo pleno surgiu: Yahweh era o deus único, e não apenas de Israel, mas de todo o mundo. Se as nações eram instrumentos de Yahweh, então o novo rei que viria redimir Israel poderia não ser um judeu, como ensinado na literatura antiga (por exemplo, o Salmo 2). Agora, mesmo um estrangeiro como Ciro, o persa,  poderia servir como o ungido do Senhor (Is 44:28, 45:1). Um deus estava por trás de toda a história do mundo.

Os Papiros de Elefantina e Anat-Yahu

Os papiros de Elefantina do quinto século a.C. sugerem que "Mesmo no exílio, e mais além, a veneração de uma divindade feminina foi mantida". Os textos foram escritos por um grupo de judeus que viviam em Elefantina, perto da fronteira Nubiancuja religião tem sido descrita como "quase idêntica à da Idade do Ferro II da religião judaica". O papiro descreveos judeus como adorando Anat-Yahu (ou AnatYahu). Anat-Yahu é descrita como a mulher (ouparedraconsorte sagrada) de Yahweh, ou como um aspecto hipostasiada de Yahweh.
 Yahweh nas religiões abraâmicas


Muitos judeus, cristãos e muçulmanos, sem dúvida são ofendidos pela idéia de que Yahweh apareceu historicamente como um outro deus entre muitos deuses pagãos:

     A ideia de Deus mudando parece uma contradição em termosporque Deus é suposto serabsoluto, eterno e sagrado, e no fato de que a realidade sagrada essencial não muda, mas a forma como as pessoas a expressam ao longo dos anos faz mudança.

     -Karen Armstrong, Uma História de Deus, A & E Television Networks2001


O uso do nome Yahweh na religião contemporânea

No judaísmo moderno

No judaísmo moderno, o tetragrama YHWH é convencionalmente substituído por Adonai ("Meu Senhor"), quando na leitura do texto da Bíblia. Os judeus deixaram de pronunciar o nome no período intertestamentário, substituindo-o pelo substantivo comum Elohim, "Deus", para demonstrar a soberania universal da divindade de Israel sobre todas as outras. Ao mesmo tempo, o nome divino era cada vez mais considerado como sagrado demais para ser pronunciado, e foi substituído no ritual falada pela palavra Adonai ("Meu Senhor"), ou com Hashem ("Nome") na fala cotidiana

Na Igreja Católica Romana

Tradicionalmente, na adoração e vernáculo em latim a palavra"Senhor" foi utilizada, seguindo o grego do Novo Testamento e da Septuaginta. Embora a representação do tetragrama YHWH como "Yahweh" seja encontrada no Antigo Testamento nas versões como a católica romana Bíblia de Jerusalém e Nova Bíblia de Jerusalém (1985), o uso litúrgico do Yahweh em adoração vernacular foi reprovado pelo Vaticano em 2008.  A Congregação vaticana para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos direção "que a palavra" Senhor" seja usada no lugar de Yahweh em adoração, e que o equivalente local ao latim Dominus (Senhor, Mestre) seja usado em toda a adoração vernacular, foi baseada no entendimento de que os judeus da época de Cristo (compare com o uso de “Kyrios” na Septuaginta, palavra grega para "Senhor") e também os primeiros cristãos usavam outras palavras, em vez de pronunciar este nome.

No Protestantismo

O estudioso da Bíblia e autor Charles Ryrie, autor do estudo do Ryrie Study Bible, diz que o nome "Yahweh" aparece 6.823 vezes no Velho Testamento, e também muitas vezes no Novo Testamento quando o é citado diretamente ou em passagens paráfrases do Antigo Testamento contendo o nome de Deus. Ele escreve que o nome "Yahweh" é particularmente associada com a santidade de Deus, [Lev 11:44,45] seu ódio ao pecado [Gênesis 6:3-7] e sua prestação de redenção. [Isa 53:1,5,6 , 10] Pode ser que as traduções contemporâneas da Bíblia não usam "Yahweh" por respeito à reverência judaica tradicional para este nome. 

Quase todas as Bíblias (KJV, DRC, RSV, ESV, NASB, NIV, NJPS, NRSV, NAB, NABRE, CCD, NEB, REB, NKJV, etc.), com exceção da Bíblia de Jerusalém e da Nova Bíblia de Jerusalém, e em algumas raras traduções, como o Rotherham Emphasized Bible, substituem os títulos de "Senhor" e "Deus" em Versalete (SENHOR, DEUS), onde o Tetragrama aparece no hebraico. A American Standard Version de 1901, que é uma revisão da English Revised Version de 1881, derivada da King James Version, sempre usou o termo Jeová. O nome "Javé" não aparece nos textos mais populares das traduções da Bíblia em inglês no mercado hoje. Estudiosos Judeus da Bíblia introduziram esta tradição em meados do século 2 a.C. na tradução Septuaginta, e tem continuado desde então. Em 1611, a edição inaugural da King James da Bíblia não incluía o nome "Yahweh",pois os editores não esta ciente de sua interpretação, embora Jeová não apareça também várias vezes.

Existem alguns casos contemporâneos, onde a ortografia Yahweh entrou em uso religioso. O Movimento do Nome Sagrado, que é um pequeno movimento cristão, ativo desde os anos 1930, que propaga o uso do nome Yahweh nas traduções da Bíblia e na liturgia. As chamadas "Bíblias com o Nome Sagrado" são bíblias que interpretam o tetragrama YHWH por transliteração (ou iconograficamente através da inserção de escrita hebraica na tradução). Uma das primeiras bíblias nesse estilo é a Rotherham's Emphasized Bible ,de 1902. 

A Tradução do Novo Mundo das Testemunhas de Jeová sempre usa o nome "Jeová", e até mesmo o insere incorretamente no Novo Testamento em lugar do grego "kyrios" em muitos lugares.