domingo, 23 de fevereiro de 2014

NT Blog: Critérios sobre "O Jesus Histórico" - Podcasts

Critérios Jesus histórico Podcasts

Eu comentei aqui outro dia ( Neve e Podcasts ) sobre os últimos episódios da Pod NT , que está finalmente de volta depois de um hiato de vários meses. 
Eu lançaram mais um par de episódios desde então ( NT Pod 69 e NT Pod 70 ), também tanto na discussão sobre critérios históricos de Jesus. 

Agora parece ser um bom momento para reunir os links juntos em tudo isso: 



Ou, se for mais fácil, eu tê-los juntos sob o mesmo rótulo: Critérios de Jesus histórico

Eu sou um pouco entediado com a discussão sobre os critérios de agora, por isso vou deixá-lo por um tempo, talvez até eu ensinar histórico Jesus de novo no próximo ano. Episódio 71 será sobre algo diferente. Eu tenho um par de ideias e eu vou fazer a minha mente ao longo do dia seguinte ou assim. 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Evangelho de João e o Jesus histórico; "Onde é que vamos começar a Jesus Histórico Pesquisa? (NTblog)

Neve e Podcasts

Eu tinha a intenção de voltar para o podcast por um longo tempo e, finalmente, esta semana, aconteceu. Em primeiro lugar, eu gravei um novo episódio, NT Pod 67, no Evangelho de João e o Jesus histórico. Eu tenho ensinado o Jesus histórico aqui na Duke neste semestre e os temas são muitas vezes propício ao podcasting, e este correu ao lado de uma de minhas aulas sobre materiais para investigação Jesus (incluindo Paul, os Sinópticos, Thomas, John). Então ontem, Duke cancelado as aulas da tarde por causa da neve , e pela segunda vez neste semestre, isso afetou minha classe Jesus histórico. Em vez de apenas tentando re-jig o programa, eu decidi usar a ocasião para gravar um outro podcast. 

NT Pod 68 pergunta: "Onde é que vamos começar a Jesus Histórico Pesquisa?" O tema era menos agradável para podcasting, porque eu estava planejando, em sala de aula, a introdução de várias abordagens diferentes para o Jesus histórico, contrastando os pontos de partida de EP Sanders, John Dominic Crossan e NT Wright. Mas eu tinha um ir de qualquer maneira e gravou uma espécie de episódio híbrido, indo para 20 minutos, em vez dos habituais 10-12 minutos. 

A segunda metade da aula de ontem estava indo para começar a olhar para os critérios Jesus histórico. Isso é algo que começou em podcasting última vez que ministrou o curso, em 2012 (ver NT Pod 59: Critérios de Jesus histórico , NT Pod 60: o Critério de Constrangimento e NT Pod 61: o critério da múltipla atestação ). Estou planejando para continuar esta série agora com um episódio sobre o Critério de dissimilaridade. Espero ter esse episódio on-line, esta noite.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

William L.Craig e Fiódor Dostoiévski: sobre os argumentos do Sofrimento



Em 2008, o mundo ficou escandalizado ao saber dos crimes horríveis de Josef Fritzl de Amstetten, na Áustria. Em 1984, Fritzl atraiu a filha adolescente, Elisabeth, a quem ele já havia violentado sexualmente em ocasiões anteriores, ao porão da casa da família. O que Elisabeth não sabia era que seu pai havia convertido o porão em um calabouço, no qual Elisabeth seria mantida cativa pelos próximos 24 anos.
Durante este período, Fritzl violentou sua filha em inúmeras ocasiões, e Elizabeth deu à luz sete crianças: uma morreu ainda bebê e foi incinerada por Fritz, três foram criadas por Fritzl e sua esposa, as outras três permaneceram no calabouço com Elizabeth, sem terem visto a luz do sol até o dia em que a filha mais velha de Elizabeth, Kerstin, foi levada a um hospital local para tratamento médico, o que levou à descoberta das perversidades de Fritzl.
Por que isto aconteceu? Um secularista diria que Josef Fritzl era um homem vil e repugnante, e que usou sua autoridade como chefe de família para atingir um dos mais insidiosos objetivos. O fato de alguns humanos serem capazes de comportamento tão sórdido  é uma interessante e importante questão de um ponto de vista biológico e antropológico, mas os eventos trágicos não precisam ser investidos de qualquer significado cósmico.
Mas como poderia um apologista cristão como William Lane Craig explicar a situação de Elisabeth Fritzl e seus filhos? Se Deus, conforme a concepção teísta clássica, é sumamente bom, onisciente e onipotente, por que isto aconteceu? Craig possui somente duas opções de resposta. Ou ele pode dizer que o sofrimento da família Fritzl foi absurdo, o que é problemático, já que, se não havia uma razão necessária para sua ocorrência, não existe uma razão necessária para que Deus tenha permitido que acontecesse; ou ele pode dizer que Deus possui algum objetivo para o sofrimento dos Fritzl _  um objetivo que, presumivelmente, seres humanos são incapazes de discernir, pois os caminhos do Senhor são misteriosos. Na verdade, Craig está habituado a explicar as tragédias desta última forma.
Em seu livro “Deus? Um debate entre um ateu e um cristão”, publicado em 2004 em co-autoria com Walter Sinnot-Armstrong (que defendeu a posição ateísta), Craig escreveu:
“Pode muito bem ser o caso de que os males naturais e morais fazem parte dos meios que Deus usa para atrair as pessoas para Seu Reino … Estima-se que 20 milhões de chineses perderam a vida durante a Revolução Cultural de Mao. Cristãos permaneceram firmes no que foi provavelmente a mais abraangente e severa perseguição que a Igreja já experimentou. A perseguição purificou e autoctonizou a Igreja. Desde 1977, o crescimento da Igreja na China não tem paralelos na história. Os pesquisadores estimaram que havia entre 30 e 75 milhões de  cristãos em 1990. [Craig não indica como estes dados foram compilados embora em suas notas de rodapé haja referências a Patrick Johnstone e Operation World. De qualquer forma, a ampla margem de erro destes números é um indício contra sua confiabilidade]. Mao Zedong involuntariamente se tornou o maior evangelista da história.”[1]
Esta alegação, é óbvio, levanta uma importante questão: se o objetivo de Deus era expandir a comunidade cristã na China, poderia ele, em sua onipotência, ter atingido tal finalidade sem as mortes de tantos milhões?
Mas Craig tem uma resposta. No debate com Sinnott-Armstrong, ele escreveu:
 ”Nós, como filósofos, somos chamados, não apenas para expressar nossos sentimentos sobre determinado tema, mas para refletir rigorosa e desapaixonadamente sobre o tema. E apesar do inegável impacto emocional do problema do sofrimento, eu estou convencido de que como um problema estritamente racional, intelectual, o problema do mal não constitui uma refutação da existência de Deus. Assim, será útil distinguir entre o problema intelectual do sofrimento e o problema emocional do sofrimento. O problema intelectual diz respeito a como explicar racionalmente a co-existência de Deus e do sofrimento. O problema emocional diz respeito a como suprimir a repugnância emocional que as pessoas dirigem a um Deus que permitiria tal sofrimento. O problema intelectual encontra-se na província do filósofo, o problema emocional compete ao psicoterapeuta.”[2]
Sob uma leitura o mais indulgente possível, a definição de Craig do que ele chama de “problema emocional do mal” aparentemente implica que qualquer pessoa  revoltada com a idéia de que Deus tem de permitir o assassinato brutal de 20 milhões de chineses para alcançar seus objetivos simplesmente precisa de terapia.
Isto é bastante irônico, considerando que Craig frequentemente afirma que Deus é o fundamento de valores morais objetivos. Em um debate com Michael Tooley da University of Colorado at Boulder em 1994, Craig declara de maneira inequívoca: “Deus proporciona a melhor explicação para a existência de valores morais objetivos no mundo. Se Deus não existe, então valores morais objetivos não existem.[3]” Ele ainda diz que “os comandos de Deus não são arbitrários, mas enraizados em sua própria natureza moral. De maneira que tais comandos fluem necessariamente de sua própria natureza…”[4]
Alguém mais gostaria de perguntar ao Dr. Craig: a morte de 20 milhões de chineses diz algo sobre a natureza de Deus? Ficamos com a impressão de que tal Deus é limitado ou cruel.
Craig faz comentários similares sobre a situação em El Salvador. Aqui, passo a pena a Michael Martin:
“De acordo com Craig, sofrimento intenso provoca a aceitação de Deus. Isso explica porque Deus permite que as pessoas sofram. A alegação de Craig é baseada em exemplos de nações contemporâneas, tais como El Salvador, onde, segundo Craig, sofrimento intenso correlaciona-se com o crescimento no cristianismo evangélico.
No entanto, dificilmente isto constitui evidência adequada para a sua afirmação factual generalizada. Em primeiro lugar a amostra de Craig é muito pequena. Para se ter alguma confiança na sua hipótese alguém teria que examinar muitos casos históricos de intenso sofrimento em diferentes períodos históricos e em diferentes culturas e ver se a correlação postulada se mantém. A amostragem teria que incluir, por exemplo,  o sofrimento durante a Peste na Idade Média, o sofrimento infligido sobre os índios americanos pelos colonizadores brancos e pelo Governo dos EUA, e o sofrimento dos judeus durante o Holocausto. Nestes casos, é difícil ver como as hipóteses de Craig poderiam ser confirmadas ou até mesmo o que a confirmação significaria.” [5]
A distinção que Craig faz entre o problema intelectual e o emocional é gravemente defeituosa. A razão para isso é que emoções podem possuir conteúdo cognitivo. Para ilustrar este ponto, imagine que sou convidado a avaliar a vermelhidão de um objeto, mas sou completamente daltônico. Em tal caso, simplesmente não possuo a competência para avaliar corretamente. De maneira similar, para chegar a uma estimativa do significado do sofrimento, devo ter acesso a um tipo particular de dados. Neste caso, não são os dados derivados da ação de fótons sobre os cones e bastonetes de meus olhos, mas o tipo de compreensão empática que nunca pode ser entendido pela razão fria sozinha, desprovida de conteúdo emocional.
O papel das emoções na tomada de decisões confiáveis foi reconhecido até mesmo nos tribunais. Em seu livro Poetic Justice, Martha Nussbaum elucida o papel do que ela chama de “espectador judicioso.” Em seu capítulo intitulado “Emoções racionais”, Nussbaum cita um caso, Woodson v. North Carolina, “[que] havia estabelecido a importância da… emoção simpática de forma eloqüente, insistindo na ligação entre a simpatia e ser tratado como uma pessoa única, com uma história existencial própria.” [6]
Nussbaum, em seguida, cita o acórdão do caso, que envolveu uma potencial sentença de morte, e declara:
“Um processo que não atribui nenhum significado a aspectos relevantes do caráter e aos antecedentes do réu ou às circunstâncias do delito, exclui da consideração, ao fixar a pena de morte definitiva, a possibilidade de atuação de fatores compassivos ou atenuantes decorrentes das diversas fragilidades da humanidade. Ele trata todas as pessoas condenadas por um determinado delito não como seres humanos individuais, mas como elementos de uma massa sem rosto indiferenciada a serem sujeitadas à imposição cega da pena de morte.” [7]
Como podemos ver, há boas razões retóricas para Craig fazer essa distinção, porque inúmeros casos de sofrimento humano _ o caso de Josef Fritzl é apenas um exemplo _ são realmente terríveis, e se a sabedoria do coração está autorizada a trabalhar combinada com o conhecimento do cérebro, alguém certamente irá encontrar tais ocorrências desprovidas de qualquer significado global, e terminará concluindo que não há justificação para elas. O próprio Craig escreve: “É importante manter esta distinção [entre os problemas intelectuais e emocionais do mal] clara porque a solução para o problema intelectual tende a parecer árida, insensível e desconfortável para quem está passando por sofrimento.” [8 ]
De fato. Craig nos vê à humanidade como “membros de uma massa anônima e indiferenciada”.

E, de fato, o sofrimento de milhões de pessoas é difícil de compreender. Se podemos ficar aturdidos com o sofrimento de alguém _  digamos, o sofrimento de uma criança inocente _ o problema do sofrimento realmente se instalou em nosso íntimo.
Fiódor Dostoiévski provoca este efeito de forma bastante eficaz em seu grande romance Os irmãos Karamazov, e vários dos adversários que debateram com Craig usaram o romance de Dostoiévski como exemplo; o próprio Craig declarou que, em Dostoiévski “o problema do mal é apresentado … poderosamente.” [9 ] No décimo capítulo do livro, o ateu Ivan discute a existência do mal com seu pio irmão caçula, Aliocha. Ivan relata histórias de abusos horríveis, talvez tão medonhos como o caso de Josef Fritzl. Por exemplo, ele narra o conto sombrio de:
“Uma pobre menina de cinco anos [que foi submetida por seus pais educados] à todas as possíveis torturas. Eles bateram nela, açoitaram-na, chutaram-na, sem saber por quê, até que todo o seu corpo não fosse nada além de contusões; finalmente, atingiram o ápice da sutileza: no frio congelante, eles a trancaram por toda a noite na casinha, porque ela não iria “pedir para se levantar … [Para se aliviar ...] no meio da noite (como se uma criança de cinco anos dormindo seu sono angelical pudesse ter aprendido a perguntar naquela idade) _  por isso eles lambuzaram seu rosto com suas fezes e fizeram ingerir seus os excrementos, e foi sua mãe, sua mãe, que o fez! E essa mãe pôde dormir enquanto 
sua pobre filhinha gemia a noite toda naquele lugar vil! Você consegue entender que uma pequena criatura, que nem sequer compreende o que lhe está sendo feito, em um lugar vil, no escuro e no frio, bata no seu peito pequeno e tenso com suas mãozinhas e derrame lágrimas angustiadas, suaves, mansas para ‘querido Deus’ para protegê-la, você pode entender tal absurdo?”  [10]
Aliocha, é claro, foi incapaz de responder à pergunta. Mas e Craig? No debate com Tooley, Craig disse:
Nós não estamos em uma boa posição para avaliar a probabilidade de que essa premissa [que Deus não possui razões moralmente suficientes para permitir o mal] seja verdadeira. Tome uma analogia da teoria do caos. Na teoria do caos, os cientistas nos dizem que, mesmo a vibração das asas de uma borboleta pode desencadear processos que poriam em movimento causas que produziriam um furacão sobre o Oceano Atlântico. E, no entanto olhando para aquela palpitante borboleta em um galho, é impossível, em princípio, predizer o resultado desse evento. Do mesmo modo, um mal no mundo, digamos, uma criança morrendo de câncer ou o assassinato brutal de um homem, poderia desencadear uma cascata de efeitos na história tal que que a razão moralmente suficiente pela qual Deus o permitiu que não possa surgir até que séculos tenham se passado, ou em outro país.”  [11]
Então a menina trancada no depósito, ou, no caso, Elisabeth Fritzl, trancada em seu calabouço e estuprada repetidas vezes pelo próprio pai, tais eventos podem produzir um bem de magnitude suficiente para justificar estas atrocidades? Deixando de lado sua frieza e insensibilidade (e isso nos lembra novamente por Craig tenta separar o intelectual do emocional no problema do mal), esses argumentos não fazem sentido quando estamos falando de um Deus onipotente. Pois, se o bater de asas de uma borboleta pode iniciar um furacão _ um vínculo causal que, embora misterioso para o homem, deve ser clara e evidente para Deus _  não pode a Divindade alcançar seus propósitos através de outros meios que não o horrível abuso de crianças? Craig chega muito perto de dizer que o sofrimento de tipo descrito acima é necessário. Mas não coloca esta afirmação uma limitação à onipotência divina?
Em seu livro Fé Racional: Verdade Cristã e Apologética, Craig afirma que “se Deus não existe, então a nossa vida não é qualitativamente diferente da de um cão.” Mas que tipo de ser consentiria em tratar um cão da forma descrita acima?
No mesmo livro, em uma seção sobre o valor da vida, Craig escreve:
“O horror de um mundo desprovido de valor [Craig afirma que deve ser o caso se não há Deus] atingiu-me com nova intensidade há alguns anos, quando assisti a um documentário de televisão da BBC chamado “A colheita”. Tratava-se do reencontro de sobreviventes do Holocausto em Jerusalém, onde redescobriram amizades perdidas e compartilharam suas experiências. Uma mulher prisioneira, enfermeira, contou como fizeram dela a ginecologista de Auschwitz. Ela observou que as mulheres grávidas eram agrupadas por soldados sob a direção do Dr. Mengele e abrigadas nos mesmos barracões. Algum tempo se passou, e ela notou que não via mais nenhuma daquelas mulheres. Ela fez perguntas. “Onde estão as mulheres grávidas que foram colocadas naqueles barracões?” “Você não ouviu?” veio a resposta. “O Dr. Mengele as usou para vivisseção”.
Craig continua:
“Outra mulher contou como Mengele tinha ligado seus seios para que não pudesse amamentar seu bebê. O médico queria saber quanto tempo um bebê sobreviveria sem alimento. Desesperada, essa pobre mulher tentou manter seu bebê vivo dando-lhe pedaços de pão molhados no café, mas sem sucesso. A cada dia ele perdia peso, fato que era ansiosamente monitorado pelo Dr. Mengele. Então uma enfermeira veio em segredo dizer a essa mulher e lhe disse: “Eu tenho um jeito de você sair daqui, mas você não pode levar seu bebê com você. Eu trouxe uma injeção de morfina que você pode dar ao seu filho para acabar com sua vida. ” Quando a mulher protestou, a enfermeira foi insistente: “Veja, seu bebê vai morrer de qualquer jeito. Pelo menos, salve você mesma.” E assim aquela mãe tirou a vida de seu próprio bebê. O Dr. Mengele ficou furioso quando soube disto porque perdera sua cobaia, e procurou entre os cadáveres até achar o corpinho descartado do bebê para que ele pudesse realizar uma última pesagem.” [12]
Tal horror quase desafia nossa capacidade de descrição. E mais uma vez, Craig é forçado a dizer que isso aconteceu com um propósito ou sem propósito. Ele quer dizer que Deus é capaz de trabalhar um bem maior até mesmo através de um tão indizível mal. Mas, novamente, nós simplesmente perguntamos: se Deus é onipotente, ele não poderia ter trabalhado o seu propósito oculto de alguma outra forma?
Craig frequentemente afirma que o propósito da vida humana não é a felicidade neste mundo, mas “conhecimento de Deus, que acabará por produzir verdadeira e duradoura felicidade.”
Ele continua: “.. O que isto significa é que muitos males que ocorrem nesta vida podem ser completamente inúteis no que diz respeito à produção de felicidade humana. Mas eles podem não ser inúteis no que diz respeito à produção do conhecimento sobre Deus.”  [13]
Aqui, somos novamente lembrados por Dostoiévski:
“Você consegue entender por que esse absurdo é necessário e foi criado? Sem isso, dizem eles, o homem não poderia mesmo ter vivido na Terra, pois ele não teria conhecido o bem e o mal [nem teria conhecido a Deus, presumivelmente]. Quem quer conhecer estes malditos bem e mal a tal preço? Um mundo inteiro de conhecimentos não vale a pena pelas lágrimas que aquela criança derramou para seu “querido Papai do Céu”. Eu não estou falando sobre o sofrimento de adultos, eles comeram a maçã e para o inferno com eles, deixe que o diabo os leve a todos, mas estes pequeninos!” [14]
Na verdade, a idéia de que Deus iria exigir o sofrimento de uma menina a fim de promover o conhecimento de si mesmo é um absurdo, e esse Deus não seria o ser benevolente no qual Craig afirma acreditar.
Em um debate de 1998 com Craig, o professor Edwin Curley, discutindo o exemplo de Dostoiévski, apontou outro problema. Se alguém argumentar que menina de Dostoiévski teve de sofrer (ela é um personagem fictício, mas muito possivelmente baseado em uma pessoa real, e, em qualquer caso, poderíamos facilmente substitui-la por Elisabeth Fritzl), a fim de produzir um bem maior, um problema de justiça surge. Concedendo para fins da discussão que a liberdade humana é um bem maior que justifica uma grande quantidade de sofrimento, Professor Curley declarou:
“Para que o pai tenha a oportunidade de demonstrar a bondade moral, Deus deve dar-lhe a oportunidade de escolher o mal. Você não pode ter a oportunidade de um sem a do outro. E a oportunidade de o pai demonstrar a bondade moral é um bem tão grande que compensa o fato de que ele escolhe mal. 
Mas note quem obtém o bem aqui. É o pai. E notem quem sofre o mal. É a menina. Admitamos, para efeito de argumentação, que o benefício compensa o custo. A liberdade é um bem muito grande. Ainda faz alguma diferença quem paga o custo. A liberdade pode ser um grande bem, mesmo um bem tão grande que compensaria o sofrimento realmente horrível. Mas a justiça requer alguma atenção, não apenas para o montante líquido do bem, após a subtração do mal, mas também à maneira como os bens e os males são distribuídos. Algumas distribuições simplesmente não são justas.” [15]
Presumivelmente, Craig não se impressiona com isso. Em um debate com o Dr. Kai Nielsen, Craig disse: “o sofrimento humano inocente provê uma ocasião para aprofundar a dependência e confiança em Deus, tanto da parte de quem padece ou, talvez, daqueles que o rodeiam.”  [16]
O que Craig diz aqui apresenta um grande problema. Com efeito, ele argumenta que a menina de Dostoiévski ou Elisabeth Fritzl tiveram de sofrer para desencadear uma decisão livre em alguém para a versão de Craig do Deus cristão.
Mas isso se conforma a qualquer teoria da justiça? Certamente, podemos perguntar: Deveria Elisabeth Fritzl ter sido confinada em um calabouço por mais de duas décadas? Deveria ela ter sido estuprada por seu pai para aproximar alguma pessoa desconhecida de Deus? Será que a mãe que sobreviveu ao Holocausto, mas que teve que matar seu próprio filho realmente deveria suportar tal angústia para trazer alguém para a posição de Craig? De todas as teodicéias, esta parece ser a mais egoísta e a mais abominável.
Craig afirma com frequencia que o sofrimento é bom para o sofredor, _ essencialmente, que a dor constrói o caráter (isto é, por vezes referido como a teodicéia do aprimoramento espiritual). Por exemplo, ele escreve:
“O fato é que em muitos casos, nós permitimos que a dor e o sofrimento ocorram na vida de uma pessoa, a fim de trazer algum bem maior, ou porque temos alguma razão suficiente para permiti-lo [é claro, nós não somos onipotentes]. Todo pai sabe disso. Chega um ponto em que um pai não pode mais proteger uma criança de cada percalço, e há outros momentos em que a disciplina deve ser infligida sobre a criança, a fim de ensiná-lo a se tornar um adulto responsável. Da mesma forma, Deus pode permitir algum sofrimento em nossas vidas a fim de nos construir ou para nos testar, ou para construir e testar os outros, ou a atingir algum outro fim primário.” [17]
Embora seja verdade que alguma medida de dor pode, no contexto adequado, levar à melhoria _ pense nos membros de um time de futebol suportando dor durante o treinamento no acampamento que depois irá ajudá-los para a ganhar um campeonato _  existem outras formas de dor e sofrimento que, aparentemente, não levam a nada de bom. Alguém estaria sendo pouco mais do que insensível se sugerisse que de alguma forma Elisabeth Fritzl _  ou sua mãe, no caso _  estaria em melhor situação em seu calvário.
Em outra parte, Craig argumenta:
“Se o livre-arbítrio libertário é possível, não é necessariamente verdade que um Deus onipotente pode criar qualquer mundo possível que deseje … Deus ser onipotente não significa que ele pode fazer impossibilidades lógicas, como fazer um quadrado redondo ou fazer alguém escolher livremente fazer alguma coisa. Pois se alguém leva uma pessoa a fazer uma escolha específica, então a escolha já não é livre no sentido libertário. Assim, se Deus concede às pessoas a liberdade genuína de escolher como querem, então é-lhe impossível garantir quais serão suas escolhas livre. Tudo o que ele pode fazer é criar as circunstâncias em que uma pessoa é capaz de fazer uma escolha livre e, em seguida, por assim dizer, recuar e deixar a pessoa fazer essa escolha. Agora, isso implica que existem mundos que são possíveis em si mesmos, mas que Deus é incapaz de criar … Suponha-se, então, que, em cada mundo possível, onde Deus cria criaturas livres algumas dessas criaturas livremente optam por fazer o mal. Nesse caso, são as próprias criaturas que trazem o mal, e Deus não pode fazer nada para impedi-las, além de se recusar a criar qualquer de tais mundos. Assim, é possível que todo mundo possível para Deus, que contém criaturas livres é um mundo com o pecado e o mal. “ [18]
(Note-se que, na mesma obra, Craig, seguindo Alvin Plantinga, afirma que “males naturais” _ terremotos, tsunamis, e similares _ poderiam ser o resultado de atividade demoníaca. Na medida em que tal superstição grosseira mereça ser levada a sério, vale a pena apontar que, se esse argumento está a ser proposto, há pelo menos alguma necessidade de provar a existência dos demônios; mais adiante no texto Craig admite que a idéia de males naturais serem causados por demônios é “ridícula”). [19]
No entanto, uma questão importante tem sido levantada pelo apóstata e historiador do cristianismo Bart Ehrman. Ehrman pergunta se os cristãos pensam que terão livre-arbítrio no céu. Esta é uma questão de fundamental importância. Pois, se o cristão responder “sim”, então é possível para Deus criar um reino em que os humanos têm livre-arbítrio, e mesmo assim eles iriam escolher o bem em todas as ocasiões. Por outro lado, se os seres humanos não mais terão livre-arbítrio no paraíso, então, aparentemente,  Deus não se importa tanto com o livre-arbítrio em primeiro lugar.[20] Assim, o argumento de Craig segundo o qual Deus tem de criar um mundo que inclui o mal e o sofrimento, se ele também deve criar um mundo de criaturas livres, é exposto como infundado.
No que diz respeito ao livre-arbítrio, uma objeção final me vem à mente. Às vezes os seres humanos fazem escolhas livres com a melhor das intenções, mas com resultados trágicos. Craig pode argumentar que a felicidade humana não é o propósito da vida, mas certamente um Deus benevolente teria alguma consideração pela felicidade humana. Considere, então, o número de mulheres nas décadas anteriores que tomaram a droga talidomida como tratamento para as náuseas da gravidez. A droga foi administrada com a melhor das intenções, mas os resultados incluíram defeitos congênitos chocantes. Aqui, ao que parece, Deus poderia ter fornecido informações úteis e oportunas que teriam evitado muito sofrimento, sem violar o livre-arbítrio. Mais uma vez, Craig provavelmente afirmaria que pode haver algum propósito desconhecido para que isso aconteça _ uma teodiceia, ao que parece, deve se alicerçar em outra _  mas em última análise, tudo o que podemos fazer é supor, pois tal proposição não pode, de forma alguma, ser testada ou demonstrada.
Assim, a partir do que foi exposto acima, podemos concluir que as tentativas do Dr. Craig para explicar o mal e o sofrimento humano em conjunto com a existência do Deus do teísmo tradicional estão muito aquém do meramente satisfatório.
[1] Craig, William L. and Walter Sinnott-Armstrong. God? A Debate Between a Christian and an Atheist. Oxford and New York: Oxford University Press, 2004, 121.
[2] Ibid, 112.
[3] Tooley, Michael. “Debate on the Existence of God.”http://spot.colorado.edu/~tooley/Debate%20with%20Craig.html (accessed 3/25/2010).
[4] Ibid.
[5] Martin, Michael. “Human Suffering and the Existence of God.” 1997. http//www.infidels.org/library/modern/michael_martin/suffering.html (accessed 4/3/2010).
[6] Nussbaum, Martha. Poetic Justice: The Literary Imagination and Public Life. Boston: Beacon Press Books, 1995.
[7] Ibid.
[8] Craig, William L and J.P. Moreland. Philosophical Foundations for a Christian Worldview. Downers Grove, Illinois: Intervaristy Press, 2003.
[9] Ibid, 551.
[10] Dostoevsky, Fyodor. The Brothers Karamazov. Richard Pevear and Larissa Volokhonsky. New York: Farrar, Straus and Giroux, 1990, 242.
[11] Tooley, Michael. “Debate on the Existence of God.”
[12] Craig, William L. Reasonable Faith: Christian Truth and Apologetics. 2 ed. Wheaton, Illinois: Crossway Books, 1994, 66-67.
[13] Tooley, Michael. “Debate on the Existence of God.”
[14] Dostoevsky, Fyodor. The Brother’s Karamazov, 242.
[15] Craig, William L. “The Craig-Curley Debate: The Existence of the Christian God.” http://www.leaderu.com/offices/billcraig/docs/craig-curley01.html(accessed 3/29/2010).
[16] Craig, William L. “The Craig-Nielsen Debate: God, Morality and Evil.”http://www.leaderu.com/offices/billcraig/docs/craig-nielsen.html (accessed 3/27/2010).
[17] Craig, William L. and J.P. Moreland. Philosophical Foundations, 539-540.
[18] Ibid, 539.
[19] Ibid, 539-541.
[20] Ehrman, Bart D. God’s Problem,: How the Bible Fails to Answer Our Most Important Question—Why We Suffer. New York: Harper Collins, 2008

(Vídeo) Conspiração contra Jesus - Os anos perdidos de Jesus

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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

"veja.abril.com.br. Entrevista". André Leonardo Chevitarese: Entre a Fé e a Razão


Religião:  O que a história tem a dizer sobre Jesus

Pesquisas de historiadores ajudam a confirmar que, de fato, Jesus caminhou sobre a região da Galileia há 2.000 anos. As descobertas, no entanto, não devem satisfazer aqueles que levam a Bíblia ao pé da letra.

O pesquisador americano Joseph Atwill é categórico: Jesus não passa de um mito. O personagem, suas palavras e ações fazem parte de uma elaborada narrativa inventada por aristocratas romanos, com o objetivo de pacificar os judeus — um povo envolvido em sucessivas rebeliões contra o império. Atwill apresentou suas ideias em outubro, numa conferência realizada em Londres, na Inglaterra. "Os romanos perceberam que o melhor caminho para acabar com a atividade missionária fervorosa entre os judeus era criar um sistema de crenças que competisse com o deles", afirmou.

Joseph Atwill não é um acadêmico da área — sua formação é em ciências da computação. Ele não publicou suas pesquisas em periódicos científicos e suas ideias estão longe de ser apoiadas por seus pares. No entanto, sua teoria recebeu atenção mundial, e foi debatida entre pesquisadores, jornalistas e religiosos. Seu poder está no fato de ela ser o capítulo mais novo de uma antiga discussão — com quase 2.000 anos de idade — sobre qual é a verdade por trás de Jesus, seus feitos, milagres e mensagem.

Para Atwill, a ideia de que Jesus não passaria de uma montagem histórica deveria funcionar como um duro golpe aplicado pela ciência contra a ignorância propagada pela religião. "Embora o cristianismo possa ser um conforto para alguns, ele também pode ser muito prejudicial e repressivo, uma forma insidiosa de controle mental que levou à aceitação cega da servidão, pobreza e guerra ao longo da história", diz. Seu erro é que a existência de Jesus não é mais uma questão de fé, mas de ciência.

Os acadêmicos da área — historiadores das mais prestigiadas universidades do mundo — afirmam restar poucas dúvidas sobre a questão. "Volta e meia aparecem essas hipóteses sobre Jesus ser um mito. Mas, do ponto de vista metodológico, parece bastante claro que ele realmente existiu", diz André Chevitarese, professor do Instituto de História da UFRJ e autor dos livros Jesus Histórico - Uma Brevíssima Introdução e Cristianismos: Questões e Debates Metodológicos (Editora Kline), em entrevista ao site de VEJA.

Jesus histórico — Os historiadores deixam claro que o personagem estudado por eles não é o mesmo da religião. Eles estão em busca de informações sobre o homem chamado Jesus, que viveu na Galileia há 2.000 anos e em torno do qual foi criada a maior religião do mundo. “Os historiadores não buscam um ser divino, que é impossível de quantificar, medir e avaliar. O Jesus da história é estritamente humano“, afirma Chevitarese.

Nessa busca pelo Jesus histórico, a perspectiva dos pesquisadores lembra a de São Tomé, o apóstolo que duvidou de Cristo e exigiu provas de sua ressurreição. Do mesmo modo, os historiadores não podem acreditar cegamente no que dizem as religiões e seus líderes, mas devem embasar tudo que afirmam em evidências. Essas provas não precisam ser, necessariamente, físicas, como a descoberta de uma ossada ou um túmulo. "Se esse critério fosse adotado, 95% dos personagens históricos não seriam reconhecidos", diz o pesquisador.

Hoje, o critério mais importante que os pesquisadores possuem para atestar a existência de Jesus é o da múltipla confirmação: autores diferentes, que nunca se conheceram, afirmam fatos semelhantes sobre o personagem.

Os textos mais antigos sobre Jesus datam do século I, em sua maioria escritos por seguidores do cristianismo. A exceção é Flávio Josefo, um historiador judeu que tentou escrever toda a história do povo judaico, desde o Gênesis até sua época. Ele cita Jesus, João Batista e Tiago (irmão de Jesus) como exemplos de homens que lideraram movimentos messiânicos na região da Galileia.

No século seguinte, surgem mais textos de historiadores que citam Jesus e, principalmente, o movimento iniciado por seus seguidores. "Esses dados servem para mostrar que não estamos no campo da mitologia. São autores judeus e romanos, que nunca se tornaram cristãos, e permitem afirmar de modo muito seguro que Jesus é um personagem histórico."

O homem — A esses textos se somam descobertas recentes da arqueologia que fornecem informações precisas sobre o tempo e o espaço em que Jesus viveu. Os dados não são abundantes, mas permitem esboçar como se pareceria esse personagem histórico real. "Não podemos afirmar exatamente a cor de pele e cabelo de Jesus. A partir dos mosaicos e dos afrescos que retratam outros romanos, judeus e sírios que viviam no mesmo ambiente, a tendência maior é de vermos um Jesus de cabelos preto, com a pele queimada por causa de sol", diz Chevitarese.

Segundo a maior parte dos historiadores, Jesus não nasceu em Belém, como afirmam algumas passagens bíblicas, mas em Nazaré — uma pequena aldeia montanhosa da Galileia, cuja população era camponesa e girava em torno de 500 indivíduos. "A aldeia não tinha nenhuma relevância política, não possuía construções públicas ou sinagogas. Os escritores dos Evangelhos mudaram o lugar por razões teológicas, para que o nascimento de Cristo confirmasse algumas profecias do Antigo Testamento."

Jesus teria nascido na pequena vila em torno do ano 4 A.C., e teria passado a maior parte de sua vida na região, sem nunca pisar em uma cidade grande. A exceção acontece quando ele entra em Jerusalém — ato que teria como consequência sua crucificação pelas autoridades romanas. Sua morte deve ter acontecido por volta dos anos 35 e 36 D.C., pouco tempo depois de João Batista também ter sido morto pelos romanos, segundo a narrativa de Flávio Josefo.

A mensagem — Segundo os historiadores, tão importante quanto quem era Jesus é o que ele dizia — foi sua mensagem poderosa que repercutiu em todo o mundo e, séculos mais tarde, deu origem às diversas vertentes religiosas. "Ele era um camponês pobre que, diante das injustiças que o mundo apresentava, defendia a instauração do Reino de Deus — um reino de justiça e fartura, sem hierarquias sociais", diz Chevitarese.

A mensagem espiritual — e messiânica— de Jesus era voltada especialmente aos judeus de seu tempo. Ela, no entanto, adquiria caráter político ao afrontar o Império Romano e setores da elite judaica. Foi justamente a força dessa mensagem, e os rebanhos que ela poderia angariar, que levaram à sua crucificação e morte. Como aconteceu muitas vezes na história, no entanto, o assassinato de Jesus não conseguiu matar suas ideias.

Jesus teológico — Jesus nunca chegou a colocar suas ideias no papel (nem poderia, os historiadores afirmam que ele era analfabeto). A maior parte do que chega aos dias de hoje sobre o personagem e suas ideias foi escrito por seguidores das primeiras comunidades cristãs, duas ou três gerações depois de sua morte. Os autores não estão preocupados em transmitir uma versão fiel dos fatos, como uma biografia, mas em defender os pressupostos de sua fé. Assim, os primeiros cristãos que escrevem sobre Jesus — os evangelistas — já não estão fazendo história, mas teologia. 

Nessa época o cristianismo começava a se distanciar do judaísmo em que ele estava originalmente inserido, e a se aproximar do Império Romano — o que exigiu algumas mudanças em sua mensagem. "Ao serem escritas, suas ideias começam a ser diluídas, pois vários filtros são impostos. Primeiro, Jesus é um indivíduo de fala aramaica, mas quase tudo que conhecemos sobre ele está escrito em grego. Além disso, os textos são destinados a convencer um público urbano, muito diferente dos camponeses para quem Jesus pregava", diz Chevitarese.

Com o passar dos séculos, isso abriu margem para que vários teólogos interpretassem as escrituras de maneiras variadas, criando as inúmeras vertentes do cristianismo que se encontram nos dias de hoje. Assim, a depender de quem faz a homilia, Jesus pode ser visto como um personagem sagrado ou humano, santo ou falho, foco de paz ou de guerra, de fundamentalismo ou de liberdade.

É por isso que o estudo do Jesus histórico é importante. "Ele pode ajudar a colocar um freio naqueles que querem transformar pressupostos teológicos em verdades históricas", diz Chevitarese. Seu objetivo não é acabar com a teologia ou retirar da história de Jesus seu caráter espiritual. O que a ciência faz é descobrir o que, de fato, pode ser afirmado sobre o homem e sua época. As muitas lacunas que permanecerão abertas apresentam mistérios suficientes para que a religião possa se instalar. 

Oito perguntas e respostas sobre o Jesus histórico

1- Os autores dos Evangelhos conheceram Jesus?
A maior parte dos historiadores concorda que nenhum dos evangelistas foi testemunha ocular da vida de Jesus. Os Evangelhos, na verdade, faziam parte de uma grande variedade de textos que circulavam nos primeiros séculos depois de Cristo e representavam o que algumas das comunidades cristãs pensavam (os Evangelhos que foram deixados de lado pela tradição católica se tornaram conhecidos como apócrifos).

Os textos têm autoria anônima, e os pesquisadores possuem poucas informações sobre sua exata origem geográfica. O que se sabe é que eles foram criados a partir de relatos, memórias, tradições e textos mais antigos, que circulavam entre as primeiras comunidades cristãs. Eles teriam sido escritos entre o ano 60 e o 120, e só no século II é que seus autores foram atribuídos — o primeiro Evangelho a Marcos, e o último a João.

Com o passar dos séculos — e com a ortodoxia cristã tendo relações cada vez mais próximas ao Império Romano — surgiu a preocupação de delimitar exatamente quais os textos que guardavam a memória verdadeira sobre Jesus. Por volta do século IV, depois de sérias disputas teológicas, a Igreja finalmente escolheu quais haviam sido inspirados por Deus — criando o cânone do Novo Testamento. "Decidiu-se assim quais textos seria destruídos e quais preservados, e quais tradições cristãs seriam perseguidas e quais aceitas pela Igreja", diz André Chevitarese, professor do Instituto de História da UFRJ e autor dos livros "Jesus Histórico - Uma Brevíssima Introdução" e "Cristianismos: Questões e Debates Metodológicos" (Editora Kline), em entrevista ao site de VEJA.

Dentre os textos do Novo Testamento, aqueles que os historiadores atribuem, de fato, a alguém que conviveu com Jesus são as encíclicas escritas por Paulo — pelo menos sete delas teriam sido ditadas pelo apóstolo. "Na forma como o Novo Testamento está organizado, os quatro Evangelhos aparecem antes dos textos de Paulo. No entanto, as encíclicas foram escritas primeiro. O pesquisador tem de começar a ler por elas — assim fica mais fácil entender a evolução das primeiras comunidades cristãs."

2- Como era a família de Jesus?
A família de Jesus é citada em diversos pontos das escrituras, de Maria e José até seus irmãos e primos. No Evangelho de Marcos, o primeiro a ser escrito, seus parentes são mostrados de forma bastante distanciada. Em certo momento, eles tratam Jesus como maníaco, afirmando que suas atividades como pregador só poderiam ser fruto da loucura. Jesus se afasta, e passa a defender uma nova percepção de família, formada por aqueles que estão juntos dele, fazendo a vontade de Deus.

Nos outros Evangelhos, no entanto, a família é mostrada como sendo muito mais próxima do movimento de Jesus — com destaque especial para a figura de Maria, presente em momentos-chave da história. Em Atos dos Apóstolos, o livro bíblico que narra o que acontece com os discípulos após a ressurreição, a família recebe ainda mais destaque: os parentes de Cristo estão entre os principais pregadores da nova religião cristã que passa a ser construída. Dessa vez, o destaque fica para Tiago, irmão de Jesus e um dos principais líderes do cristianismo primitivo.

"Do primeiro texto, em que a família vê Jesus como um louco, ao último, onde são eles que levam adiante o cristianismo, parece haver uma contradição — mas não necessariamente. Pode ser que, com o passar do tempo, a família tenha se reaproximado de Jesus, e tomado seu lugar na Igreja", diz André Chevitarese.

A citação bíblica aos irmãos de Jesus é alvo de grandes discussões entre acadêmicos e teólogos, pois pode afrontar uma das principais crenças da igreja católica: a da virgindade de Maria. Ao longo dos séculos, os teólogos católicos esboçaram possíveis explicações para isso. Uma delas diz que eles seriam, na verdade, meios-irmãos de Jesus, filhos de um primeiro casamento de José. Outra explicação afirma que o termo grego utilizado no texto bíblico original pode significar tanto primo quanto irmão, e teria havido uma confusão nas traduções.

Essa segunda interpretação também pode estar correta. "A noção de família que se apresenta no contexto do século I mediterrâneo é muito diferente da atual. Ela é uma família extensiva, onde todos os parentes orbitam em torno de uma figura masculina mais velha. Nesse ambiente, o primo pode, sim, ser um irmão."

3- João Batista existiu?
Assim como Jesus, João Batista é um personagem histórico. Segundo diversas fontes da época, ele era um importante pregador judeu que viveu na Galileia durante o século I. O tipo de movimento messiânico comandado por João e Jesus era bastante comum na época. Esmagados pelo Império Romano, os camponeses judeus eram levados a esperar pela intervenção de um salvador que fosse mudar os rumos da história. O historiador judeu Flávio Josefo cita dezenas de candidatos a messias em seus textos.

Segundo as fontes históricas, o movimento liderado por João Batista chegou a ser, por certo tempo, mais importante que o de Jesus. "O número de páginas que Josefo dedica a Batista é muito maior do que o dedicado a Jesus. O historiador narra como Herodes reconhece sua força e manda matá-lo. Isso mostra que era Batista quem realmente desafiava Roma em sua época", diz André Chevitarese.

Na verdade, segundo os historiadores, Jesus pode ter sido um discípulo de João Batista — teria sido com ele que aprendeu a batizar, exorcizar e a desafiar as autoridades romanas. Acontece que, em algum momento, discípulo e mestre romperam. "As ideias dos dois eram muito diferentes. Enquanto João acreditava em preparar o caminho para um personagem divino intervir na história, Jesus dizia que essa personagem já veio, e era ele mesmo", diz o pesquisador.

Os próprios Evangelhos podem servir para mostrar o quanto João Batista era importante em seu tempo histórico. Segundo os pesquisadores, a necessidade que os evangelistas demonstram ter de citá-lo em seus textos se deve ao fato de sua memória ainda continuar forte no século I. Assim, os autores precisam mostrar que esse personagem, que até então permanecia independente do cristianismo, poderia ser amarrado à sua própria teologia. "Os cristãos tiveram a necessidade de mostrar que João Batista enxergou em Jesus o Messias. Assim, eles conseguiram demonstrar ainda mais o valor de Jesus."

4- Jesus sabia ler?
Jesus demonstra saber ler em dois momentos da Bíblia. O primeiro deles acontece no Evangelho de Lucas, quando ele entra em uma sinagoga na cidade de Nazaré e começa a ler textos escritos pelo profeta Isaías. O segundo é mostrado no Evangelho de João, onde Jesus aparece escrevendo. Logo depois de intervir no apedrejamento de uma mulher — usando o conhecido desafio de "quem nunca tiver pecado que atire a primeira pedra" — ele se abaixa e começa a escrever no chão.

O problema é que ambos os trechos apresentam problemas. Não existe nenhum indício de sinagoga em Nazaré e, mais importante, o verbo grego para ler é o mesmo para memorizar — Jesus poderia simplesmente ter decorado a passagem de Isaías. Ao mesmo tempo, o trecho tirado do Evangelho de João (capitulo 8, versículo 8) é bastante discutido entre os pesquisadores. Muitos deles vêm a passagem como uma alteração tardia feita à Bíblia, adicionada já no século V.

A verdade é que as estimativas dos historiadores mostram que entre 95% e 98% da população que vivia naquela região do mediterrâneo era analfabeta. Seria natural que Jesus, um camponês pobre que nasceu e nunca saiu daquele ambiente, estivesse dentro dessa estatística.

"Na verdade, o maior incômodo com o fato de Jesus ser analfabeto vem do mundo contemporâneo. Hoje, se assume que uma liderança — politica, religiosa ou econômica — precisa ter feito até faculdade, quanto mais saber ler. Mas essa não era uma demanda dos discípulos."

5- Qual era a religião de Jesus?
"Jesus nasceu judeu, viveu judeu, e morreu judeu", responde André Cheviterese. Foi só nos séculos seguintes à sua morte que a Igreja começou a se distanciar do judaísmo e a se aproximar do Império Romano. Nesse processo, a teologia cristã vai se tornando cada vez mais arredia aos judeus, resvalando até no antissemitismo — o que transparece nos Evangelhos, principalmente no de João.

"Acho que a base para se entender isso está na tensão que é criada entre a comunidade cristã joanina [que se pretendia seguidora do apóstolo João] e a religião judaica. A partir da década de 80 do século I, seu proselitismo se torna tão agressivo que eles são expulsos das sinagogas. A partir daí, se tornam muitos hostis", diz o pesquisador.

Assim, no Evangelho de João (capítulo 8, versículo 44), Jesus se refere aos judeus como Filhos do Diabo, adoradores de um Deus homicida e mentiroso. Do mesmo modo, a narração deixa de mostrar Jesus sendo morto de forma sumária pelos romanos. Segundo os textos, ele é assassinado a pedido dos judeus — Pôncio Pilatos até lava as mãos.

6- Jesus seria casado com Maria Madalena?
Maria Madalena é uma das figuras mais importantes e disputadas de todo o cristianismo. Ela costuma ser usada como a prova de que Jesus teria apóstolos e apóstolas — o que contraria a doutrina religiosa de só permitir padres do sexo masculino. Mais que isso, ela é uma personagem central dos Evangelhos, pois é a primeira a visitar o sepulcro de Jesus e perceber que seu corpo não estava lá — e a primeira a reconhecer o Cristo ressuscitado.

Do século I ao IV, houve uma grande disputa dentro do cristianismo para decidir se mulheres poderiam ou não assumir funções de proeminência nos ritos religiosos. "No ano 591, o papa Gregório Magno proferiu uma homilia onde juntava duas personagens diferentes citadas no Evangelho de Lucas. Ele afirma que uma mulher vista como pecadora (uma prostituta) e Maria Madalena eram a mesma pessoa. Desse modo, sugere que as mulheres são demoníacas", afirma Chevitarese. 

No século XIX, a Igreja finalmente voltou atrás: Maria Madalena deixa de ser prostituta e é promovida a santa. Mesmo assim, sua imagem como pecadora continua entranhada no imaginário cristão.

7- Jesus foi traído por Judas?
Os pesquisadores costumam concordar que Jesus foi traído e entregue por um de seus discípulos para o exército romano. Mas o traidor é desconhecido. A figura de Judas — desde seu nome até seus trejeitos — parece ter sido criada sob medida para objetivos teológicos.

"Ele é fruto de uma teologia evidentemente antijudaica. Seu nome remete a Judá, a Judeia. Suas características também vêm das caricaturas que se fazem dos judeus: ele ama o dinheiro, é traidor e ladrão. Do século 2 em diante, isso vai, de novo, ser usado como ferramenta antissemita. Quando pensado em seus efeitos de longo prazo, isso é muito cruel. É só lembrar da malhação de Judas, por exemplo", diz Chevitarese.

As próprias narrativas da morte de Judas servem como exemplo de que o personagem é mais fruto da teologia do que de história. No Evangelho de Mateus, ele se enforca. No Ato dos Apóstolos, ele tropeça, rasga a barriga e morre. E nos textos de Papias, um autor cristão contemporâneo ao Evangelho de João, ele come até explodir.

8- Jesus foi crucificado?
A crucificação é, sim, um fato histórico. Já o contexto que a cerca, como o julgamento de Jesus e a via-crúcis, não é.

Ser pregado em uma cruz era a penalidade aplicada pelos romanos aos escravos que matavam seus senhores, aos escravos que se rebelavam e aos rebeldes políticos — categoria onde Jesus poderia ser facilmente incluído. O historiador Flávio Josefo, por exemplo, cita uma cena onde milhares de judeus foram crucificados após uma rebelião em Jerusalém.

Quanto à Via Crúcis e ao julgamento, eles dificilmente seriam realizados pelo governo romano naquelas circunstâncias. Jesus foi preso em Jerusalém, na sexta-feira que antecede a Páscoa. Acontece que nessa época do ano a cidade estava lotada de judeus de todos os cantos, desde o Mediterrâneo até o Oriente Médio, vindos para as festividades. Além disso, a Páscoa judaica não é uma festa apenas religiosa, mas também política — ela celebra a passagem dos hebreus da escravidão para a liberdade.