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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O Polêmico Bispo John Shelby Spong

Spong é bispo aposentado da Igreja Episcopal da diocese de Newark, nos Estados Unidos. Autor, dentre outros, de “A New Christianity for a New World: Why Traditional Faith Is Dying and How a New Faith Is Being Born”, recém publicado na Itália com o título “Un cristianesimo nuovo per un mondo nuovo. Perché muore la fede tradizionale e come ne nasce una nuova” .

Sou um cristão.

Por 45 anos, eu servi a Igreja cristã como diácono, padre e bispo. E continuo servindo essa Igreja hoje em uma ampla variedade de formas em minha aposentadoria oficial. Eu acredito que Deus é real e que eu vivo profunda e significativamente em relação com essa divina realidade.

Proclamo Jesus como meu Senhor. Eu acredito que ele mediou Deus de um modo poderoso e único para a história da humanidade e para mim.

Eu acredito que a minha vida pessoal foi impactada intensa e decisivamente não apenas pela vida de Jesus, mas também pela sua morte e certamente pela experiência pascal que os cristãos conhecem como ressurreição.

Parte da vocação da minha vida foi gasta na busca de uma forma de articular esse impacto e de convidar outros àquilo que eu só posso chamar de “a experiência de Cristo”. Eu acredito que, nesse Cristo, descobri uma base para o sentido, a ética, a oração, o culto e até para a esperança para a vida além das fronteiras da minha mortalidade. Eu quero que os meus leitores saibam quem é que escreve estas palavras. Não quero ser culpado de violar qualquer ato de empacotamento da verdade. Eu me defino, acima de tudo e principalmente, como um crente cristão.

Porém, não defino Deus como um ser sobrenatural. Eu não acredito em uma divindade que possa ajudar uma nação a vencer uma guerra, intervir para curar a doença de uma pessoa amada, permitir que uma equipe esportiva em particular derrote o seu oponente ou modificar as condições climáticas em benefício de alguém. Eu não considero apropriado para mim fingir que essas coisas são possíveis, quando tudo o que conheço sobre a ordem natural do mundo em que eu habito proclama que elas não são.

Como eu não vejo Deus como um ser, não posso interpretar Jesus como a encarnação terrena dessa divindade sobrenatural, nem posso assumir crivelmente que ele possuiu poder divino suficiente a ponto de fazer coisas milagrosas como acalmar a tempestade, expulsar demônios, caminhar sobre a água ou multiplicar cinco pães para fornecer alimento suficiente para alimentar cinco mil homens, mais mulheres e crianças. Se proclamo a natureza divina desse Jesus, devo fazer isso sobre bases diferentes dessas. Os milagres sobre a natureza, estou convicto disso agora, dizem uma grande quantidade de coisas sobre o poder que as pessoas atribuíam a Jesus, mas não dizem nada sobre o que ocorreu literalmente.

Tudo em que não acredito

Eu não acredito que esse Jesus possa ou tenha, em sentido literal, ressuscitado os mortos, vencido uma paralisia física ou restaurado a visão a uma pessoa que nascera cega ou a alguém cujas capacidade de ver havia sido fisiologicamente destruída. Nem acredito que ele tenha tornado capaz de ouvir uma pessoa muda e profundamente surda desde o nascimento. As histórias de curas podem ser lidas de vários modos. Lê-las como eventos sobrenaturais e milagrosos é, em minha opinião, a menos crível dessas possibilidades.

Eu não acredito que Jesus entrou neste mundo por meio do milagre de um nascimento virginal ou que um nascimento virginal ocorra fora da mitologia. Eu não acredito que, literalmente, uma estrela tenha guiado homens sábios que levavam presentes a Jesus ou que literalmente anjos tenham cantado aos pastores do topo de uma colina para anunciar o seu nascimento.

Eu não acredito que Jesus nasceu em Belém ou que fugiu para o Egito para escapar da cólera do Rei Herodes. Eu considero tudo isso como lendas que foram posteriormente historicizadas enquanto a tradição crescia e se desenvolvia e as pessoas procuravam entender o significado e o poder da vida de Cristo.

Eu não acredito que a experiência celebrada pelos cristãos na Páscoa foi a ressuscitação física do corpo de Jesus morto há três dias, nem acredito que alguém literalmente falou com Jesus depois do momento da ressurreição, que lhe deu alimento, tocou em sua carne ressuscitada, ou caminhou de alguma forma física com o seu corpo ressuscitado. Acho interessante que todas as narrações que relatam esses encontros se encontrem só nos evangelhos, que foram escritos mais tarde.

Eu não acredito que a ressurreição de Jesus foi literalmente marcada por um terremoto, pela declaração de um anjo ou por um túmulo vazio. Também considero essas coisas como tradições lendárias de um sistema religioso em maturação.

Eu não acredito que Jesus, no fim da sua estadia terrena, voltou para Deus, ascendendo em sentido literal a um paraíso localizado em algum lugar acima do céu. O meu conhecimento das dimensões do universo reduz esse conceito ao absurdo.

Eu não acredito que esse Jesus fundou uma Igreja ou que estabeleceu uma hierarquia eclesiástica que começou com os 12 apóstolos e que perdura até os nossos dias. Eu não acredito que ele criou os sacramentos como meios especiais de graça ou que esses meios de graça sejam, ou possam ser, de alguma forma controlados pela Igreja e, assim, presididos apenas pelos ordenados. Todas essas coisas representam para mim tentativas, por parte dos seres humanos, de aumentar o poder a si mesmos e à sua instituição religiosa em particular.

Eu não acredito que os seres humanos nasceram no pecado e que, a menos que sejam batizados ou de alguma forma salvos, serão banidos para sempre da presença de Deus. Eu não considero que o conceito mítico da queda da vida humana em um estado negativo constitua uma visão correta das nossas origens ou da origem do mal. Concentrar-se sobre a queda da humanidade em um estado de pecado e sugerir que essa pecaminosidade possa ser superada só por meio de uma iniciativa divina que restabeleça a vida humana a um estado de pré-queda que jamais existiu são, para mim, conceitos verdadeiramente estranhos, que servem acima de tudo, mais uma vez, para construir o poder institucional.

Eu não acredito que as mulheres são menos humanas ou menos santas do que os homens e, por isso, não consigo me imaginar como parte de uma Igreja que discrimine as mulheres de qualquer forma ou até sugira que uma mulher é inapta a qualquer vocação que a Igreja geralmente oferece ao seu povo, do papado ao mais humilde papel de serviço. Eu considero a tradicional exclusão eclesiástica das mulheres das posições de liderança não como uma tradição sagrada, mas sim como uma manifestação do pecado do patriarcado.

Eu não acredito que as pessoas homossexuais são anormais, mentalmente doentes ou moralmente depravadas. Além disso, considero todo texto sagrado que afirme o contrário como errado e mal informado. Os meus estudos me levaram à conclusão de que a sexualidade como tal, incluindo todas as orientações sexuais, é moralmente neutra e pode ser vivida tanto positiva quanto negativamente. Eu considero que o espectro da experiência sexual humana é verdadeiramente amplo. Nesse espectro, um certo percentual da população humana é, em todas as épocas, orientado a pessoas do seu próprio gênero. Esse é simplesmente o modo como a vida é. Eu não posso me imaginar como parte de uma Igreja que discrimine gays ou lésbicas com base em seu “ser”. Nem quero continuar participando de práticas eclesiais que eu considero baseadas em nada mais do que preconceito e ignorância.

Eu não acredito que a pigmentação da pele ou a origem étnica constituam uma questão de superioridade ou de inferioridade e considero toda tradição ou sistema social, incluindo qualquer parte da Igreja cristã que age sobre esse pressuposto, indignos de continuar a viver. Os preconceitos dos seres humanos baseados na raça ou na eticidade são, para mim, nada mais do que uma manifestação de um passado tribal. São preconceitos negativos que os seres humanos desenvolveram em sua luta pela sobrevivência.

Eu não acredito que toda a ética cristã foi inscrita em tábuas de pedra ou nas páginas das Escrituras cristãs e, portanto, está definida de uma vez para sempre. Sou consciente de que “o tempo torna estranho o bem antigo” e que o preconceito baseado em definições culturais negativas ofereceu aos cristãos, ao longo dos séculos, a base para oprimir as pessoas de cor, as mulheres e aqueles cuja orientação sexual não era heterossexual.

Eu não acredito que a Bíblia é a “palavra de Deus” em qualquer sentido literal. Não a considero a fonte primária da revelação divina. Eu não acredito que Deus ditou ou mesmo inspirou integralmente a sua produção. Eu vejo a Bíblia como um livro humano que mistura a profunda sabedorias dos sábios ao longo dos séculos com as limitações das percepções humanas da realidade em um determinado tempo da história humana. Essa combinação marcou as nossas convicções religiosas com testemunhos ambivalentes, combinando escravidão e emancipação, inquisições e progressos teológicos, liberdade e opressão.

O caminho mais árduo

Poderia alongar essa litania de acredito e não acredito ainda por mais páginas, mas esses poucos enunciados deveriam ser suficientes para indicar as questões que quero desenvolver. A questão básica que busco levantar neste livro é a seguinte: pode uma pessoa declarar honestamente ser cristã e, ao mesmo tempo, abandonar, como eu fiz, muito daquilo que foi tradicionalmente definido como o conteúdo da fé cristã? Seria mais sábio e honesto se fizesse aquilo que muitos da minha geração fizeram, isto é, renunciar a ser membro desse sistema de fé dos meus antecessores? (…)

Seguramente, uma escolha dessas tornaria a minha vida muito mais simples e menos complicada, em muitos aspectos. Aos olhos de muitos, seja na Igreja cristã, seja na sociedade secular, representaria também um ato de integridade. Porém, não seria honesto, nem seria conforme às minhas convicções mais profundas. O meu problema jamais foi a minha fé. E sempre foi a forma literal com que os seres humanos optaram por expressar essa fé.

Escolhi, por isso, o caminho mais árduo, o mais complicado, embora em muitas ocasiões isso tenha ameaçado lacerar a minha própria alma. Percorrer o meu caminho me expôs a uma enorme hostilidade religiosa por parte de assustados aderentes à minha própria tradição de fé, assim como a uma apressada despedida por parte de muitos dos meus amigos seculares, que parecem olhar-me como a um resíduo irremediavelmente religioso da Idade Média.

Diante da hostilidade religiosa, de um lado, e do desconfiado desprezo pela minha recusa a rejeitar a minha fé tradicional, de outro, eu continuo insistindo que sou um cristão. Atenho-me resolutamente à verdade da afirmação que Paulo fez por primeiro: “Deus estava em Cristo” (2 Coríntios 5,19).

Eu busco a experiência de Deus que acredito está por trás das explicações bíblicas e teológicas que, através dos tempos, tentaram interpretar Jesus. Penso que é possível separar a experiência da explicação e reconhecer a sempre maior inadequação das palavras antigas para captar a essência de uma experiência qualquer para todos os tempos. Por isso, apelo à Igreja para que faça uma reviravolta radical no modo em que tradicionalmente proclamou a sua mensagem, no modo em que se organizou para ser a depositária dessa reserva de poder espiritual e no modo em que pretendeu falar em nome de Deus na história humana.

A morte do Deus teísta

Eu estou quase certo de que a revisão do cristianismo que estou procurando desenvolver deve ser tão completa que provoque em algumas pessoas o medo de que o Deus que tradicionalmente venerou está, de fato, morrendo.

A reforma que é necessária hoje deve ser, a meu ver, tão global que, em comparação com a Reforma do século XVI, irá parecer uma brincadeira de crianças. Vista retrospectivamente, aquela Reforma enfrentava principalmente os temas da autoridade e da ordem sacra. A nova reforma será profundamente teológica e desafiará necessariamente todo aspecto da nossa história de fé.

Por acreditar que o cristianismo não pode continuar sendo o irrelevante espetáculo religioso ao qual foi reduzido, estou buscando envolver nessa reforma as melhores mentes do novo milênio. Eu espero que nós, cristãos, não vacilemos diante da audácia do desafio. Nós enfrentamos hoje, como procurarei documentar, uma mudança total no modo de perceber a realidade por parte das pessoas modernas. Essa mudança proclama que o modo pelo qual o cristianismo foi formulado tradicionalmente não é mais crível. Esse é o motivo pelo qual o cristianismo como o conhecemos mostra sinais crescentes de “rigor mortis”.

O cristianismo postula um Deus teísta que faz coisas sobrenaturais, muitas das quais não são consideradas morais pelos nossos princípios. Esse Deus, por exemplo, é descrito nas nossas Escrituras ao castigar os egípcios com uma praga depois da outra, uma das quais comporta a morte do primogênito masculino de todas as famílias egípcias, em uma campanha divina para a libertação do povo eleito da escravidão ( Êxodo 7-10).

Depois, esse Deus abriu o Mar Vermelho para permitir que os hebreus fugissem da sua vida de escravidão e o fechou justo em tempo para afogar o exército egípcio que os perseguia (Êxodo 14). É essa a obra de uma divindade moral? Essas ações refletem talvez um Deus que os egípcios pudessem venerar? Qualquer um de nós poderia venerá-lo? Queremos verdadeiramente acreditar em uma tal divindade?

Do Deus teísta das Escrituras, diz-se também que parou o sol no céu (como se o sol girasse verdadeiramente ao redor da terra) para conceder a Josué luz suficiente para fazer um massacre de amorreus em batalha (Josué 10). Esse é um motivo que pode justificar a ação divina? Colocando de lado toda especulação sobre o que poderia ter acontecido com a força da gravidade em resposta a essa mágica alteração do universo, resta saber se os amorreus poderiam venerar um Deus como esse. Poderiam afirmar que a vida humana tem um valor infinito quando os preconceitos tribais eram confundidos a tal ponto com a vontade divina? Quem de nós, hoje, defenderia isso?

Foi esse mesmo trecho bíblico do livro de Josué que permitiu que a hierarquia da Igreja Católica obrigasse, no século XVII, o cientista Galileu a retratar, sob pena de morte, a sua afirmação “inconforme à Escritura” de que a terra não era o centro do universo e que, na realidade, girava em torno do sol. Embora tenham sido as intuições de Galileu que possibilitaram a moderna exploração do espaço, iniciada nos anos 1950, só em 1991 a Igreja cristã, com a voz do Vaticano, admitiu enfim publicamente que Galileu tinha razão e a Igreja estava errada ao condená-lo. Mas nesse ponto nem Galileu nem a maioria da comunidade científica mundial estavam particularmente interessados com aquilo que as vozes oficiais da Igreja declararam acerca do seu trabalho.

Como bservou o físico Paul Davies, ganhador do Prêmio Templeton, o Deus rude que havia conhecido na Igreja não era mais suficientemente grande para ser o Deus do seu mundo. Alguém tem dúvida sobre quem levará a melhor nesse particular conflito com o passar do tempo?

O cristianismo, tomando emprestado o conceito judaico do Dia da Expiação, Yom Kippur, tradicionalmente interpretou a morte de Jesus como um sacrifício oferecido a Deus em reparação dos nossos pecados. Ele se deliciou ao se referir a Jesus como o “cordeiro de Deus que com o seu sangue lava os pecados do mundo”. Um Deus semelhante – que requer o sangue de um sacrifício humano – ainda é digno de veneração hoje, quando finalmente a nossa consciência considera repugnante tal ideia? (…)

O ritual vagamente antropófago de comer a carne de uma divindade morta é cheio de antigas nuances psicológicas que colocam em dificuldades a sensibilidade moderna. A prática litúrgica de reatualizar o sacrifício da cruz e de proclamar que a nossa participação nessa reatualização é necessária para a salvação muito dificilmente pode ser uma moderna fórmula vitoriosa.

Analogamente, a pretensão eclesiástica de que só pessoas propriamente autorizadas e ordenadas podem presidir esses atos soa ridícula aos ouvidos modernos. Esperamos verdadeiramente que essas pretensões ganhem a lealdade das mentes modernas? E se essas pretensões fossem removidas do culto cristão, o que restaria?

Separar o essencial dos acréscimos

Eu acredito que todos esses problemas e dificuldades acima mencionados precisam ser enfrentados abertamente pelos cristãos hoje e, assim, superados com novas imagens. Para aqueles cristãos que identificaram Deus com essas bizarras interpretações primitivas da divindade, a transição não será fácil. Porém, certamente chegou o momento em que todos nós devemos ir além da desconstrução desses símbolos inadequados e rejeitáveis, que historicamente foram tão significativos na vida da Igreja cristã,e voltar a nossa atenção à tarefa de delinear uma visão daquilo que a Igreja pode e deve ser no futuro.

A tarefa apologética básica que a Igreja cristã deve enfrentar hoje é a de separar o essencial dos acréscimos, a experiência de Deus sem tempo das explicações de Deus do passado condicionadas pelo tempo. A desconstrução certamente é um caminho muito mais simples de ser percorrido quando se busca descrever por que alguns modos de compreensão de um sistema religioso do passado são inadequados. É decisivamente mais difícil delinear a visão de algo novo, algo que as pessoas jamais viram, algo que o mundo jamais provou. Mas os reformadores não podem se limitar a combater contra o moinho de vento da antiguidade. Eles devem desenvolver novas visões, propôr novos modelos, traçar novas soluções. Essa é, agora, a tarefa que eu procuro realizar.

Não espero que essa tentativa encontre um público eclesiástico particularmente interessado ou reativo. Não é algo com o qual me preocupe, no entanto, porque as pessoas com as quais procuro me comunicar constituem um público muito específico e é a eles que dirigirei minha mensagem o mais diretamente possível.

Não estou interessado, por exemplo, em confrontar-me ou desafiar aqueles elementos do cristianismo conservadores ou fundamentalistas que são tão predominantes hoje. Acredito que morrerão por causa da sua própria irrelevância, sem nenhuma ajuda de minha parte. Eles legaram a sua compreensão do cristianismo a disposições do passado que estão simplesmente envelhecendo. Em nenhuma parte isso é mais visível do que ao observar o modo com o qual a palavra cristão é usada no nosso mundo contemporâneo. Perguntem-se que imagem lhes vem à mente quando vocês veem um negócio com a frase “livraria cristã” ou quando ouvem um cronista político fazendo referência ao “voto cristão” em uma determinada eleição. (…)

Permitam-me, portanto, ser claro. Eu não procuro me dirigir a esses crentes conservadores, que considero fora da realidade. Eu não quero convertê-los, discutir com eles ou mesmo só procurar contestá-los, a menos que ameacem se tornar voz de uma maioria que busque impôr o seu próprio programa ao nosso mundo. Eu acredito que a difusão do conhecimento irá tornar definitivamente irrelevantes as seus posturas no debate sobre o futuro do cristianismo.

Ao mesmo tempo, não espero que esses esforços de reforma ou a exposição de uma nova visão cristã sejam saudados com algo mais do que um bocejo de indiferença daqueles membros da nossa sociedade que já decidiram que qualquer religião é uma superstição a serviço dos fracos. Essas pessoas que optaram pela vida na cidade secular, mesmo que pertençam membros das suas instituições religiosas, não estão propriamente interessados nos meus esforços, que consideram como uma tentativa de embelezar um cadáver. (…)

Nas principais tradições religiosas, também não será fácil para mim conquistar um ouvido disposto a me ouvir ou a me conceder um ponto de apoio significativo. As principais Igrejas estão muito mais dedicadas a conservar o seu poder institucional do que a se confrontar com esses problemas “de vida ou morte”. O medo que os membros dessas Igrejas sentem lhes levará a dizer coisas do tipo: “Desta vez, ele foi muito longe”. (…)

Cabeça e coração juntos

O público ao qual procuro me dirigir é menor, mais definido e mais específico. São pessoas que se sentem espiritualmente sedentas, mas sabem que não podem mais beber nas fontes tradicionais do passado. Em substância, esse grupo será uma pequena minoria da população, mas se acrescentará a ele um grupo muito mais amplo de companheiros de viagem que irão reagir se lhes for dada a oportunidade de serem ouvidos.

Essas pessoas irão aplaudir, expressando a sua profunda e real apreciação. Algumas delas dirão: “Finalmente alguém me deu a permissão”, como se algum tipo de permissão fosse verdadeiramente necessária, “de olhar as coisas a partir de uma nova perspectiva, além das formulações tradicionais em que as minhas aspirações religiosas foram até agora constrangidas”.

Essas pessoas irão assimilar a ideia de que as suas próprias dúvidas e perguntas sobre Deus ou a religião não as qualificam como loucas ou malvadas. As suas dúvidas e perguntas significam simplesmente que elas respiram o ar do século XXI. Serão felizes por ter finalmente encontrado um modo de unir a sua cabeça e o seu coração.

Esse grupo foi o meu público primeiro durante toda a minha carreira. Possuem ainda uma profunda consciência de Deus, que, porém, não se adapta quase em nada àqueles modelos que as instituições religiosas dizem ser os únicos modos de pensar Deus. Se devemos obter uma nova reforma do cristianismo, então ela começará e encontrará as suas raízes nesse grupo de pessoas: um grupo geralmente não só não visto, mas também nem ouvido pelos líderes religiosos do nosso mundo.

Quando esses vários públicos reagiram e interagirem com as minhas sugestões e as minhas propostas, valerá a pena ter presente a questão decisiva que espero abordar com este livro e que foi posta no início do texto. O cristianismo radicalmente reformado que estou desejando estará suficientemente unido e será suficientemente identificável com o cristianismo do passado a ponto de poder ser reconhecido não só como seu herdeiro, mas também como parte integrante da mesma tradição de fé? (…)

A minha esperança profunda é que a Igreja, nas suas inumeráveis formas institucionais, não faça juízos apressados, mas permite que o tempo decida se eu sou um amigo ou um inimigo, profético na minha visão ou enganado pela arrogância.

Jesus é o Senhor

Permitam-me, porém, declarar desde o começo tanto o meu desejo consciente quanto a minha convicção. Estou procurando reformar e repensar algo que amo. Não tenho a intenção de criar uma nova religião. Eu sou um cristão e descerei ao túmulo como membro dessa família de fé. Eu penso que todas as tentativas de construir novas religiões inevitavelmente se destinam a fracassar desde o início. Nenhuma religião, incluindo o cristianismo, jamais começou a sua existência como algo de novo. Os sistemas religiosos representam sempre um processo evolutivo. O cristianismo, por exemplo, floresceu do judaísmo, que, por sua vez, havia sido em parte moldado pelos cultos do Egito, de Canaã, da Babilônia e da Pérsia. A marcha do cristianismo rumo ao predomínio no mundo ocidental foi marcada pela incorporação de elementos dos deuses do Olimpo, do mitraísmo e de outros cultos misteriosos do Mediterrâneo.

Na medida em que o cristianismo se move atualmente no mundo moderno, começa a espelhar intuições recolhidas pelas outras grandes religiões humanas. A evolução é a modalidade do percurso religioso através da história. O que eu procurarei fazer é simplesmente esboçar a evolução futura dessa tradição de fé. Deixarei que os fiéis ou os críticos de amanhã decidam se o cristianismo que sobreviverá a este século XXI ainda estará ou não em ligação com o cristianismo que irrompeu na cena da Judeia no século I e dali se moveu para conquistar o Império Romano no século IV, dominar a civilização ocidental no século XIII, sofrer a restauração pela Reforma no século XVI, seguir a bandeira da expansão colonial europeia no século XIX e se encontrar drasticamente com o século XX.

Eu permanecerei radicado na minha convicção de que a palavra de Deus representa e significa algo real. De algum modo, continuarei afirmando que a figura de Cristo era e é uma manifestação daquela realidade que eu chamo de Deus, e que a vida de Jesus abriu a todos nós um caminho para entrar nessa realidade. Isto é, buscarei defender que Jesus foi um momento bem definido no caminho humano rumo ao significado de Deus. Delinearei uma visão de como eu acredito que essa força pode transcender as épocas para permitir que as pessoas hoje sejam tocadas por ela e também entrem nela, com a necessária criação de comunidades de culto e de liturgias vivas.

Por fim, para cumprir tal tarefa, foi-me pedido que eliminasse desse cristianismo do futuro toda tentativa de tomar ao pé da letra os mitos interpretativos e as lendas explicativas do passado. Tentarei libertar o cristianismo das suas pretensões de exclusividade e da sua necessidade de poder, que distorceram totalmente a sua mensagem. Tentarei andar dentro do sistema religioso desenvolvido institucionalmente, que caracterizou o cristianismo, e lá explorar o poder que esse mesmo sistema buscou justificar e organizar. Embora deseje fugir desses limites, não tenho nenhum desejo de fugir da experiência que obrigou as pessoas de todas as épocas, até hoje , inclusive eu, a dizer: “Jesus é o Senhor!”.

Esses são os meus objetivos. Podem ser alcançados? Ou essa é a fantasia de uma pessoa que está vendo as brasas moribundas de uma tradição de fé e também de uma vida de trabalho, mas é incapaz de admitir que não podem ser reacesas?

Deixarei que os meus leitores decidam isso. No que se refere a mim, acredito que esse é o único modo para se poder continuar sendo fiel às promessas batismais que eu fiz há muito tempo: “Seguir Cristo como meu Senhor e Salvador, procurar Cristo em todas as pessoas e respeitar a dignidade de todo ser humano”.