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sábado, 28 de maio de 2016

A Guerra dos Judeus contra os Romanos

“E, quando Jesus ia saindo do templo, aproximaram-se dele os seus discípulos para mostrarem a estrutura do templo. Jesus, porém, lhes disse: Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada”. (Mt 24:1-2)

Quando lemos esta passagem é difícil vislumbrar aquilo que de fato aconteceu. Como teria o Templo sido destruído, uma vez que um dos pilares do império romano era o respeito às instituições religiosas dos povos conquistados?
São comuns várias explicações sobre o assunto, uma delas que diz que correu um boato entre os soldados romanos de que havia ouro escondido entre as pedras, e, desta forma, no meio da agitação da guerra o Templo foi literalmente desmontado. É interessante e facilmente credível a estória, mas não é verdade. Parece que alguém quis fazer um gol de mão para dar consistência à profecia de Jesus, coisa absolutamente desnecessária, uma vez que a história real é por si mesma muito mais impressionante que isto.
Conforme os dados históricos, não só não ficou no Templo pedra sobre pedra, como também foi destruída toda a cidade de Jerusalém, onde, segundo o historiador Flávio Josefo, um milhão e cem mil pessoas perderam a vida. Você consegue imaginar isto? O Novo Testamento não faz referência a este fato, de maneira que, partindo do panorama político dos dias de Jesus, é difícil imaginar como isto pode ter acontecido. A obra de Flávio Josefo “Guerra dos Judeus Contra os Romanos” nos conta em detalhes mínimos como tudo aconteceu. Josefo estava presente quando caiu Jerusalém.
A destruição de Jerusalém é consequência de uma revolta que durou 7 anos, entre seu início em 67 DC e  a reconquista da fortaleza de Massada em 73 DC pelos romanos. No meio deste tempo caiu a cidade de Jerusalém. Mas vejamos antes alguns antecedentes:
Jesus foi crucificado durante o império de Tibério. Tibério foi sucedido por Caio Calígula, que reinou sobre Roma entre 37 DC a 41 DC. Não fosse detido pela morte, teria ele mesmo destruído Jerusalém muito antes do ano 70, isto porque este imperador ordenou que fossem colocadas estátuas no Templo, e que fossem mortos ou escravizados todos os judeus que se opusessem à idéia. De fato o povo se opôs à ideia e a sua destruição foi detida pelo assassinato de Calígula.
Calígula foi substituído por Cláudio, que é mencionado em  At 11:25-28, no tempo em que Paulo levou o Evangelho à Antioquia. Cláudio reinou por cerca de 13 anos, entre 41 DC e 54 DC, e foi sucedido por Nero, seu filho, que reinou entre 54 DC e 68 DC.
Foi Nero quem nomeou Félix governador da Judeia. É a este Félix que Paulo foi enviado, na cidade de Cesareia, quando os judeus conjuraram sua morte em Jerusalém, conforme o registro dos capítulos 23 e 24 de Atos.
Josefo, no capítulo 22, § 177-178, da obra “Guerra dos Judeus Contra os Romanos”, nos dá uma ideia de a quantas andava a Judeia neste tempo: “177 – Ele (Félix) apenas tomou posse do cargo, fez guerra aos ladrões que devastavam todo o país há vinte anos, prendeu Eleazar, seu chefe, e vários outros, que mandou presos à Roma, além de mandar matar um número incrível de outros ladrões. 178. Depois que a Judeia ficou livre desses ladrões, apareceram outros em Jerusalém, que de uma maneira diferente exerciam uma profissão infame e crimi­nosa. Chamavam-nos de sicários, e não era de noite, mas em pleno dia e particu­larmente nas festas mais solenes, que eles mostravam o seu furor. Apunhalavam, no meio do aperto, àqueles aos quais haviam deliberado matar e misturavam em seguida seus gritos com os de todo o povo, contra os culpados de tão grande crime; tudo lhes saía tão bem, que ficavam muito tempo impunes, sem que deles se desconfiasse. O primeiro que eles assassinaram dessa maneira, foi Jônatas, o sumo sacerdote, e não se passava um só dia, sem que não matassem a outros, do mesmo modo. Dessa forma, toda Jerusalém estava tomada de pavor, pois semelhante perigo só existira durante a guerra mais sangrenta. Todos esperavam a morte a cada instante; tremia-se à aproximação de qualquer pessoa; não se confiava nem mesmo nos amigos e embora se vivesse sempre alerta, todas essas desconfianças e sus­peitas não eram capazes de garantir a vida àqueles aos quais tais celerados ti­nham decretado a morte, tão astutos e espertos eles eram num ofício tão execrável.”
É interessante observar que cerca de 25 anos depois da crucificação de Jesus, não só a cidade de Jerusalém, como também o resto do país haviam perdido a sua paz, bem de acordo com a sentença pronunciada pelos próprios judeus, um raro caso em que  “Vox Populi, Vox Dei”  (Voz do povo, voz de Deus) é de fato verdadeiro, conforme lemos em Mateus 27:25: “Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso. E, respondendo todo o povo, disse: O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos”. Caiu mesmo!
Félix foi substituído por Pórcio Festo, a quem se refere  Atos 24:27 e capítulos subsequentes. Festo, por sua vez, já na altura que Paulo fora transferido para Roma, morreu, e Nero o substituiu no governo da Judeia por Albino, a quem Josefo classifica de um homem de maus princípios.
Josefo registra um acontecimento importantíssimo para nós, que ocorreu no intervalo entre estes dois governos. Entre a morte de Festo e a chegada de Albino transcorreram cerca de cinco meses, e neste intervalo, o rei Agripa tirou o sumo sacerdócio de José para dá-lo a Anano. Pode-se observar aqui que o sumo sacerdócio era desde há muito tempo um cargo de confiança de quem governava o estado, o que começou praticamente no período de Judas Macabeu dois séculos antes disto.
Conforme Josefo, Anano, o recém nomeado sumo sacerdote, que era saduceu, “aproveitou o tempo da morte de Festo, e Albino ainda não tinha chegado, para reunir um conselho, diante do qual fez comparecer Tiago, irmão de Jesus, chamado Cristo, e alguns outros; acusou-os de terem desobedecido às leis e os condenou ao apedrejamento… Agripa tirou-lhe o sumo sacerdócio, que exercera somente durante quatro meses, e a deu a Jesus, filho de Daneu.” (Antiguidades Judaicas § 856)
Não se pode precisar o ano em que Festo começou a governar a  Judeia,  mas sabe-se que ele morreu em 62 DC, sendo este, portanto, o ano da morte de Tiago. 
Albino, o novo governador, era homem corrupto e de maus princípios. Josefo diz acerca dele: “Não houve mal que ele não fizesse. Não se contentou em se deixar subornar por presentes, nos negócios civis, mas tirava os bens de todos e oprimia os judeus com novos tributos; pôs em liberdade, por meio do dinheiro, os que os magistrados das cida­des tinham condenado ou que os governadores precedentes tinham detido por seus roubos, e só julgava culpados aqueles que nada tinham para lhe dar”. (Ibid § 184)

Sobre esta questão de Albino receber dinheiro para libertar criminosos, Josefo relata no § 861 da História dos Hebreus que “quando Albino soube que Géssio Floro fora nomeado para substituí-lo, pareceu querer obsequiar os habitantes de Jerusalém. Assim, mandou trazer todos os prisioneiros, condenou à morte todos os que realmente eram culpados de crime capital, mandou para a prisão os que lá tinham sido postos por faltas leves e depois lhes deu a liberdade, a troco de dinheiro. Assim esvaziou as prisões, e ao mesmo tempo todo o país ficou cheio de ladrões”. Veja-se nisto o pano de fundo dos acontecimentos que virão a se abater sobre toda a Judeia.
Se este Albino era mau e corrupto, foi substituído por Gessio Floro, a quem comparado, segundo Josefo, Albino poderia ser até chamado de bom homem: ” Seus roubos não ti­nham limites, bem como outras violências; ele era cruel para com os aflitos e não se envergonhava das ações mais vis e infames; nenhum outro jamais traiu mais atrevidamente a verdade, nem usou de meios mais sutis para fazer o mal.” (Ibib § 185)
Foi durante o governo deste Gessio Floro que começou a revolta que culminaria, no ano 70 DC, na destruição do Templo.

A revolta começou com uma banalidade, em Cesareia, onde um grego possuía um terreno perto de uma sinagoga, terreno este que os judeus desejam comprar e se dispunham a pagar por ele bom preço. Josefo conta que o grego não somente não se contentou em em não vendê-lo, “mas também resolveu, para aborrecê-los ainda mais, mandar construir neste ter­reno uns armazéns e deixar assim uma passagem muito estreita para se ir à sina­goga”.
Os judeus tentaram impedir a construção e levaram o caso a Floro, o governador recém empossado, que recebeu destes uma certa soma de dinheiro ,prometendo, desta forma, parar a obra. Não fez nada e deixou a coisa toda ao acaso.
Para piorar a situação, conta Josefo, que o grego, num dia de sábado, enquanto os judeus estavam na sinagoga, começou a sacrificar aves com o claro propósito de irritá-los, e foi assim que tudo começou, com enfrentamento de ambas partes, gregos e judeus, de maneira que em pouco tempo a escalada de violência tomou  toda a cidade, e como um rastilho de pólvora, uma simples ocorrência local, se espalhou por todo o país
Floro, governador da Judeia, ao invés de apaziguar a situação, viu ali a oportunidade de fustigar os judeus, mandando atirar muitos à prisão como também executar outros. Os judeus procuraram então, por todas as maneiras resolver a questão de maneira legal e pacífica. Floro, considerando-se sua influência regional como governador da Judeia, pode ser visto e entendido neste ponto da história como um mini Hitler, como alguém que não poupou qualquer esforço para incentivar uma guerra dos judeus contra os romanos com o fim de exterminá-los.
Conforme Josefo, qualquer pequena ocorrência era motivo para que ele agisse com exagerada força contra o povo desarmado, e assim, Floro  atirou muitos à prisão e executou centenas de pessoas sem uma razão justa. O excesso de injustiça pelo lado de Floro propiciou que florescessem diversos grupos de revoltosos pelo lado dos judeus. Um destes grupos, por exemplo, atacou e tomou a fortaleza de Massada, degolando toda a guarnição romana que cuidava do local.
Josefo registra uma ocorrência que revela um interessante costume que florescera naquele tempo: os romanos costumavam levar ao Templo animais para serem sacrificados em nome do imperador Nero. Incentivados por  Eleazar, filho de Ananias, sumo sacerdote naquele ano, os sacerdotes passaram a recusar tais ofertas, causando assim um mal estar na relação com os romanos. Os sacerdotes e fariseus bem tentaram dissuadir o povo de provocar os romanos com tal atitude, mas foram incapazes de controlar a multidão, e assim, enviaram um pedido de ajuda ao rei  Agripa, que por sua vez enviou a Jerusalém três mil homens co­mandados por Dario. Quando estes chegaram, o Templo já estava tomado pelos revoltosos, aos quais se uniram um grande número de assassinos e malfeitores, que tomaram conta da cidade alta. Vejamos o relato de um episódio: “Os amotinadores puseram fogo na casa do sumo sacerdote Ananias e no palácio do rei Agripa e da rainha Berenice. Cercaram também arquivo dos atos públicos para queimar todos os contratos e as obrigações que lá estavam, trazendo as­sim ao seu partido todos os devedores, que não mais temiam atacar seus cre­dores, porque não existiam mais os títulos em virtude dos quais eles os pudes­sem perseguir, e atiraram assim os pobres contra os ricos. Os que tinham esses títulos sob custódia fugiram e os revoltosos incendiaram todos os documentos, reduzindo a cinzas os títulos que bem se poderiam chamar do bem público e continuaram a perseguir seus inimigos.” (Ibid § 202)

Como se vê, instalou-se em Jerusalém uma verdadeira guerra civil. Estaríamos, aqui, situados por volta do ano 66 DC, conforme Josefo, o décimo segundo ano de Nero. (Ibid § 221)
A revolta não tardou a se espalhar para a Samaria e Galileia, e mesmo por outras províncias fora da Palestina. Em Damasco, por exemplo, a notícia de que os judeus lutavam abertamente contra os romanos deu lugar à justificativa para que judeus fossem perseguidos e mortos por seus inimigos por se tratar de inimigos de Roma.
Conforme dissemos, a fortaleza de Massada foi conquistada pelos judeus, que liderados por um tal Manahem, mataram toda a guarnição romana encarregada da segurança, e tomaram posse do arsenal que Herodes guardava naquele lugar. Manahem armou um grande número de homens e marchou contra Jerusalém, fazendo-se assim rei, e tornando-se chefe da revolta. Uma vez em Jerusalém matou Ananias, o sumo sacerdote, vindo, depois disto, ser ele próprio morto por uma gente liderada por Eleazar, filho do sumo sacerdote. (Ibid § 204)
Eleazar contava com o apoio popular, uma vez que todos desejavam o fim da revolta, e imaginavam que a morte de Manahem faria cessá-la.  Mas a troca de Manehem por Eleazar só fez piorar as coisas, pois este desejava ardentemente lutar contra os romanos e se libertar da dominação estrangeira. Toda esta espécie de insensatez nos força a pensar que Eleazar, bem como outros que se destacaram nesta guerra,teriam possivelmente vivas em suas mentes a memória dos feitos heroicos de Judas Macabeu, e desta forma, sonhavam também se tornar heróis, reeditando contra os romanos a vitória de Judas Macabeu contra os “gregos”.
Ao mesmo tempo em que se passaram estas coisas em Jerusalém, cerca de vinte mil judeus foram mortos por seus inimigos na cidade de Cesareia. Esta cidade era um importante centro da Samaria, sendo assim, habitada, como outras cidades da região, por maioria gentílica, ou seja, não judeus. A perseguição e morte dos judeus de Cesareia contou com a ajuda do governador Floro. Josefo conta que  “…tão grande morticínio excitou tal furor à nação judaica, que eles devastaram todas as cidades e aldeias na fronteira da Síria, a saber: Filadélfia, Gebonite, Gerasa, Pella e Citópolis; tomaram de assalto Gadara, Hipoim, Gaulanite, destruíram umas, incendiaram outras e avançaram até Cedasa, que pertence aos tirios, Ptolemaida, Gaba, Cesareia, sem que Sebaste e Ascalom fossem capazes de os deter. Incendiaram-na e destruíram Antedom e Gaza. Saquearam também vári­as aldeias da fronteira e mataram a todos os que puderam apanhar.” 
Houve também na mesma época um massacre de muitos judeus na Síria, em Alexandria, no Egito, e por todos os lados, de maneira que, Céstio Galo, governador da Síria, interveio na situação enviando à Judeia, conforme Josefo, “a décima segun­da legião, que ele tinha inteira em Antioquia, dois mil homens escolhidos das outras legiões, seis coortes de outra infantaria, quatro regimentos de cavalaria e três mil soldados de infantaria do rei Antíoco, armados de flechas, mil cavaleiros e três mil soldados do rei Soheme, um terço dos quais era de cavalaria”. (Ibid § 217)
O rei Agripa contribuiu com Céstio no esforço de sufocar a revolta enviando em seu auxílio numerosa tropa de soldados, de maneira que Céstio conseguiu um certo êxito em seu intento, dominando vários focos da revolta pelo país, chegando a Jerusalém, forçando assim os revoltosos a abandonar a cidade e o Templo que haviam tomado. Teve neste ponto da situação a oportunidade de tomar por completo a cidade e por fim à revolta, caso atacasse os poucos focos de resistência que ainda subsistiam, mas aconselhado por seus generais não o fez. Diz Josefo que “se esse general tivesse continuado o cerco, teria logo se apoderado da cidade; mas Deus, irritado contra aqueles malvados, não permi­tiu que a guerra acabasse logo”, e assim, ao abrandar o ataque ao invés de massacrar os revoltosos, Céstio deu oportunidade para que a situação se revertesse, de maneira que os revoltosos se reorganizaram e conseguiram expulsá-lo de Jerusalém, matando centenas de soldados romanos. Conforme Josefo, isso aconteceu no oitavo dia de novembro do décimo segundo ano do reinado de Nero (65 DC).
É aqui que começa a Guerra dos judeus contra os romanos, ao fim da qual  Templo será destruído, conforme as palavras de Jesus. Implantou-se por toda a região um clima de guerra inimaginável, de forma que na constatação de que o controle político sobre a Palestina havia sido perdido, e que o mesmo poderia vir a ocorrer nos países vizinhos, Nero deu a Vespasiano o comando das legiões romanas na Síria, e a incumbência de massacrar os judeus para fazer cessar a revolta. Vespasiano, viria a ser imperador de Roma (entre 69 DC a 79 DC), bem como seria sucedido no trono por  seus dois filhos, Tito (79 DC e 81 DC) e Domiciano (81 DC e 96 DC).