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quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Joseph Ratzinger e as tentativas de associar a concepção virginal de Cristo



Dentre os ataques que são desferidos contra a fé cristã por esses dias, o mais alardeado centra-se nas objeções ao nascimento virginal do Messias, cabendo-nos, com isso, tentar dar cabo dessa grande polêmica, favorecendo pelo conhecimento aqueles que tentam perpetuá-la e os que se perturbam com ela.     

O tema é complexo, portanto o texto que segue não pôde ser claro em todos os pontos. O artigo resulta de uma pesquisa em diversas fontes, deixando expostas algumas das contradições presentes entre os teóricos, pois o autor que vos fala não está em posição de inferir sem bases - cabe, então, ao leitor a capacidade de lidar com as lacunas e de perceber o quadro geral do trabalho. Objetivei com esse esforço, o oferecimento da resposta mais completa possível dentro das minhas limitações. Os textos fundamentais: A tradução utilizada é a Almeida Corrigida e Revisada Fiel.

Dos quatro Evangelhos, Mateus e Lucas dão evidência ao nascimento virginal, conforme segue:         "Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, E chamá-lo-ão pelo nome de EMANUEL, Que traduzido é: Deus conosco." 
Mateus 1:23 "E disse Maria ao anjo: Como se fará isto, visto que não conheço homem algum? E, respondendo o anjo, disse-lhe: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; por isso também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus." Lucas 1:34-35.

O texto veterotestamentário fundamental para essa perspectiva neotestamentária se encontra em Isaías 7:14, explícita base do texto de Mateus: "Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel." 

Alguns estranham a parca sustentação do nascimento virginal no Novo Testamento, já que só aparece em Mateus e Lucas, ausentando-se de Marcos e João e dos escritos de Paulo. Isso, contudo, não deve ser visto como um problema. É necessário, primeiramente, avaliar as intenções dos autores: Mateus (entre décadas de 50 e 60 d.C.) estava escrevendo para um público hebreu1, familiarizado com o profeta Isaías, tornando a indicação do cumprimento profético de Isaías 7:14 especialmente poderosa para esse público, que esperava algum sinal especial na concepção e no nascimento do Messias que pudesse servir de evidência para a sua messianidade. Ainda que a concepção virginal não fosse uma expectativa evidente, grandes heróis do povo hebreu vieram ao mundo de maneiras miraculosas, como Isaque (Gn 18:1-15; Gn 21:1-3), Jacó e Esaú (Gn 25:21), José e Benjamim (Gn 29:31 a 30:24), Sansão (Jz 13:2-24), Samuel (1 Sm 1) e João Batista (Lc 1:5-25).    

Lucas, por sua vez, realizou densa pesquisa histórica, como ele mesmo declara (Lc 1:1-4), tendo redigido os documentos a ele atribuídos até a primeira metade da década de 60 do Primeiro Século, já que Atos dos Apóstolos, continuidade do Evangelho de Lucas, termina com Paulo na prisão, esperando seu julgamento. Lucas conheceu o apóstolo Paulo em 35 d.C., com quem, juntamente com Pedro, passou duas semanas, como fica claro em Gálatas 1:18 - ele foi companheiro de viagem do apóstolo Paulo (At 16:10-16, 20:6-28; Cl 4:14; Fm 24; 2 Tm 4:11). O fato de o evangelista ter conhecido Pedro também se justifica por suas raízes em Antioquia, centro da primeira igreja gentílica, que foi visitada pelo discípulo do Mestre (Gálatas 2:11). O famoso historiador também conheceu Tiago, irmão de Jesus, o que indica a possibilidade de ele ter tido contato outros membros da Sagrada Família, inclusive porque viveu dois anos na Palestina ou nas circunvizinhanças.

Erwin E. Lutzer sugere que Lucas tenha entrado em contato com Maria, mãe de Jesus, com quem obteve informações de primeira-mão sobre a concepção e o nascimento de Cristo5 - essa possibilidade é real, uma vez que Maria estava sob os cuidados do apóstolo João (Jo 19:26), parte do círculo dos Doze, com quem Lucas teve contato, e o autor desenvolve textos da perspectiva de Maria. 

O Evangelho de Marcos, comumente tido como mais antigo que Mateus, Lucas e João, datado por volta dos anos 50 e 60 d.C.6, é mais sucinto do que os demais: seu público era romano, um povo que não estava familiarizado com os discursos judaicos e nem com a tradição profética dos hebreus - a ação caracterizava Roma, e a sua conquista do Mediterrâneo foi realizada, fundamentalmente, pela marcha das legiões. Não havia interesse entre os romanos por longos discursos semíticos - até porque a literatura semita não era valorizada em Roma -, fazendo do apelo à ação, com ênfase na Ressurreição, um recurso evangelístico eficaz. Disso se compreende a razão que levou Marcos a não abordar o nascimento virginal, inclusive porque, se o romano não estava familiarizado com a profecia veterotestamentária, poderia associar o nascimento virginal às tradições mitológico-pagãs, que sugerem a relação sexual entre deuses e mulheres, gerando, com isso, semideuses - como foi com Zeus e Diana, de quem nasceu Perseu. A ausência em Marcos, portanto, desqualifica a alegação de que o nascimento virginal foi copiado de mitos pagãos para dar sustentação ao cristianismo: se o fosse, o público romano deveria ser o primeiro a receber tal "informação". Apesar de Lucas ter em vista um público grego, também gentílico, seu leitor primeiro era Teófilo, reconhecido como homem de posto elevado, erudito interessado nas evidências da nova fé e, portanto, capacitado, pelo contato com Lucas, a discernir adequadamente a questão do nascimento de Cristo.  

Cabe ressaltar, ainda, que Marcos conhecia todos os Doze, pois acompanhou-os durante o ministério de Jesus, tendo sido testemunha ocular. Ele teve contato com Mateus e João, e, sugere-se, também conheceu Lucas. Além disso, João Marcos foi companheiro de Barnabé e do apóstolo Pedro, tendo confeccionado o seu evangelho essencialmente com base naquilo que ouvira das pregações petrinas9. Isso indica que João Marcos e Lucas compartilharam dos mesmos círculos e que os seus registros não apontam para contradições, mas para seleções de interesse - João Marcos, assim como os apóstolos Paulo e João, deveria conhecer os pormenores do nascimento virginal. Inclusive, está evidente que Mateus e Lucas tinham ciência da existência do Evangelho de Marcos, tendo-o utilizado como uma das fontes da redação dos seus evangelhos - a essência de 606 dos 661 versículos de Marcos aparece em Mateus e 380 em Lucas; dos 1068 versículos de Mateus, aproximadamente 500 possuem o mesmo conteúdo de Marcos; dos 1149 versículos de Lucas, cerca de 380 reforçam a leitura de Marcos; só 31 versículos de Marcos não são aludidos em Mateus e em Lucas. Mateus e Lucas, por sua vez, têm 250 versículos de material comum que não aparece em Marcos, mas há 300 versículos que só aparecem em Mateus e 520 exclusivos de Lucas, sugerindo o uso de mais fontes10. 
Há, portanto, um arcabouço comum de conhecimentos, juntamente com o uso de fontes orais e escritas exclusivas entre os Evangelhos, o que reforça a autenticidade do todo.     

O Evangelho de João, o mais tardio, concluído nos últimos anos do Século Primeiro, tinha como público original a própria Igreja, objetivando ser lido pelo corpo universal de Cristo. Como um escrito um pouco mais tardio, João estava consciente de que seus leitores cristãos já conheciam as minúcias da vida de Cristo e não precisava repetir exaustivamente questões pertinentes à credibilidade histórica e profética das ações do Mestre, enfocando, portanto, na teologia propriamente dita, com ênfase na sustentação da divindade do Filho- nessa altura, a Igreja carecia de maior solidez teológica, especialmente para confrontar as ideias gnósticas, que começavam a despontar.

Como presbítero de Éfeso, pode-se sugerir que João já tinha fornecido oralmente os conhecimentos fundamentais sobre a vida do Messias aos membros das igrejas da Ásia Menor, levando-o a não enfatizar alguns desses pontos em seu evangelho. O mesmo acontece com o apóstolo Paulo que, com exceção de Romanos, redige suas cartas para igrejas que já haviam sido visitadas pessoalmente por ele, de modo que ele não precisava repetir em texto tudo o que já lhes falara audivelmente.

Contudo, Paulo não deixa de fazer algumas alusões interessantes, como a de Gálatas 4:4 ("Deus enviou seu Filho, nascido de mulher"), que aponta para o proto-evangelho de Gênesis 3:15, e a de Romanos 1:3-4 ("nasceu da descendência de Davi segundo a carne, declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação").            

É digno de nota, ainda, que questões pertinentes à concepção de Cristo não eram conhecimentos populares, mas, possivelmente, memórias íntimas preservadas dentro do círculo familiar do Mestre - apesar disso, relatos de difamações feitas com relação à paternidade de Jesus indicam que os locais sabiam que ela não tinha sido normal. Acrescenta-se a isso que não era necessário aos discípulos o apontamento do nascimento virginal do Messias para o convencimento de seu público leitor, uma vez que nem os rabinos esperavam que o Cristo nascesse de uma virgem - o entendimento de Isaías 7:14 sugeria uma jovem mulher que é virgem até a consumação do casamento, quando coabita com seu marido.      

O desconhecimento público do nascimento virginal até, possivelmente, a revelação escriturística de Mateus e Lucas, ajuda a entender as razões de tal tema não ter sido abordado em Paulo e Marcos, já que não havia uma elevada expectativa quanto à virgindade de Maria e nem quanto à confirmação de "boatos", levado-nos ao assimilação de que, se esses relatos foram apresentados, não tinham como motivação a necessidade de dar mais peso argumentativo ao cristianismo ou de responder às expectativas de um determinado público - o fundamento de sua exposição reside na sua historicidade. Não era vantajoso aos cristãos a invenção de tal história, uma vez que a mesma gerou uma série de embaraços a serem resolvidos com os próprios cristãos, com os judeus e com os gentios.    

Para sustentar essa posição, é importante verificar que a ideia de um nascimento virginal quase não existe na Palestina judaica do período ligeiramente próximo do Mestre - no judaísmo, não há paralelo ao nascimento de Cristo. O próprio texto de Isaías 7:14, ao falar da virgem que conceberá e dará à luz a um filho, não foi suficiente para formar um amplo imaginário palestino acerca da concepção virginal: esperava-se uma moça jovem, virgem até seu casamento - esse era o uso comum de "almah", a palavra hebraica para "moça", traduzida para o grego "parthenos", que significa "virgem". Nesse sentido, não havia urgência alguma de se inventar o advento da concepção virginal do Messias. 

Contudo, para Cousin, quando os rabinos que redigiram a Septuaginta no Séc. II a.C., usando de "parthenos" para traduzir "almah" em Isaías 7:14, deixaram em evidência que, ao menos uma parte dos judeus, especialmente os gregos, viam a concepção virginal como um indicativo de messianidade - disso, conclui-se que a ideia da concepção virginal, embora pouco provável no ambiente judaico da Palestina, aparece, em algum nível, entre os judeus helênicos, que, mesmo não a tendo por unanimidade, teriam uma facilidade maior de entender a opção interpretativa de Mateus15.

Fique claro, com isso, que Mateus não estava isolado ao ter o nascimento de Jesus como cumprimento de Isaías 7:14. A natureza do relato: Muitos alegam que a questão do nascimento virginal fora tomada de mitos pagãos. Zeus relacionou-se com mulheres e, delas, teve Perseu e Hércules. Diana engravidou de Zeus, por exemplo, por meio de uma chuva de ouro. Havia rumores de que Platão era filho do deus Apolo e sugeria-se que Alexandre, o Grande, tivera um nascimento extraordinário - o útero de sua mãe fora lacrado e, mesmo assim, ela concebeu, ou, conforme outra lenda, Olímpia engravidou após comer um romã. 

Joseph Ratzinger aponta para as tentativas de associar a concepção virginal de Cristo às alegações egípcias de que os faraós eram gerados pelo divino a às percepções de Filo de Alexandria (falecido depois de 40 d.C.). Segundo o papa emérito, contudo, não há semelhanças entre a perspectiva pagã e de Filo e a cristã: no caso dos faraós, há uma aproximação física entre a divindade e a mãe, servindo como via para legitimar a soberania política do governante, e a abordagem de Filo é essencialmente alegórica, impossibilitando a consideração de que os dois casos sejam paralelos ao de Cristo. Não há semideus no cristianismo: a distância entre a criatura e o Criador segue infinita, não há um ente intermediário resultante de uma associação entre Deus e a mulher. Jesus não é percebido como nada menos do que totalmente Deus, enquanto é totalmente homem, conforme o Credo da Calcedônia, 451 d.C., deixa explícito.      

Ratzinger também sustenta que os relatos de Mateus e de Lucas não são resultantes do desenvolvimento de mitos, mas se assentam na perspectiva inteiramente bíblica de Deus como Criador e Redentor, tendo sido guardada na tradição familiar - como memória íntima do seio da Sagrada Família, a concepção virginal conserva aquilo que realmente aconteceu. Para Bento XVI, a cristologia desenvolveu-se dessa percepção primeira da concepção virginal. Só depois da morte de Maria, sugere, é que esse mistério foi tornado público, fazendo-se objeto de reflexão, instigando profundos estudos para a sua correta compreensão.   

Na continuidade de seu raciocínio, Raztinger fala de Virgílio, romano que escreveu alguns versos em cerca de 40 a.C. falando de uma linhagem que desceria do céu, de um menino que iniciaria uma nova era ("Iam redit et virgo" - "Já retorna a virgem"), parecendo ir de encontro com Isaías 7:14, mas as pressuposições do autor pagão são bem diferentes: seu dizer se assenta na doutrina do ciclo das eras, no poder do destino, numa perspectiva de que logo haveria uma grande mudança das eras - nos tempos do Imperador Augusto, findando períodos de calamidades, eleva-se uma esperança messiânica de paz, de uma nova ordem mundial. A figura da virgem, que indica pureza, e do menino, o rebento divino, parecem propícias para ilustrar o que se estava esperando. Para o papa emérito, no entanto, há uma divergência muito grande entre esses alardes romanos e o texto bíblico: nem em Lucas e nem em Mateus os versos da concepção virginal acenam para uma guinada cósmica ou para o contato físico entre Deus e os homens - o relato, na verdade, é profundamente humilde. O desinteresse de João Marcos na divulgação desse evento aos romanos, se ele o conhecia, pode indicar, por conseguinte, que o autor não queria que ele fosse associado precocemente às expectativas messiânicas pagãs, com as quais não se relacionava.               

Com relação às supostas similaridades entre os mitos pagãos e a concepção virginal de Cristo, Lutzer acrescenta: os relatos sobre Hércules, Perseu, Platão e Alexandre se fundam no politeísmo pagão, com suas divindades luxuriosas, ciumentas e repletas de ódio, que interagiram sexualmente com mulheres num contexto de fertilidade - esses deuses, ao manter relações sexuais com humanas, o faziam também para obter prazeres. É loucura sugerir que os evangelistas tomariam de empréstimo histórias dessa natureza para sustentar a divindade e a perfeição de Cristo, indo em total desencontro com as prescrições morais e teológicas do Antigo Testamento e firmemente assentadas no imaginário dos judeus e dos cristãos - Jesus, para cumprir a Lei, não poderia ser fruto do Pecado, e Deus, conforme evidenciado nas páginas veterotestamentárias, diverge infinitamente do tipo de deus expressado pelo politeísmo. De nada caberia aos interesses cristãos fazer o Mestre ser visto como uma espécie de herói e semideus pagão. Quanto aos relatos sobre Platão e Alexandre, a associação com a divindade foi cogitada depois de os indivíduos já estarem famosos, enquanto, sobre Cristo, há profecias mais antigas. Acrescento aqui que nenhum herói da mitologia pagã é reconhecido como resultado de um nascimento virginal - de qualquer modo, para o judeu o Primeiro Século seria inconcebível construir uma história mitológica.     

"Mas há uma diferença enorme entre a atmosfera das histórias pagãs e a de Lucas 1-2; e um paralelo que seja adequado à história cristã pode ser alcançado apenas por certas reconstruções bastante especulativas e complexas de fontes antigas. Paralelos não são necessariamente fontes!"     

Há, ainda, alegações de que o relato da concepção virginal fora cogitado para proteger Maria de uma condenação por adultério ou, ainda, para fazer cumprir a profecia do Antigo Testamento. Todavia, Lucas era um historiador experiente, e perceberia se o testemunho da parte de Maria fosse mentiroso, assim como o perceberia José, se este também não tivesse recebido a visita do anjo, e outras muitas pessoas de Nazaré, além de Isabel, prima de Maria, e João Batista, filho de Isabel, se por Deus não tivessem sido visitados - de qualquer maneira, não era largamente disseminada a espera do Messias por vias virginais, como já foi dito. Os primeiros cristãos, especialmente os Doze, muitos deles martirizados, dificilmente teriam pregado tão apaixonadamente a fé cristã, e morrido por isso, conscientes de uma gritante mentira. Cabe, ainda, ressaltar a simplicidade e moderação dos versículos que falam da concepção virginal: não há chuva de ouro, não há floreios, não há a apresentação de complexas interpretações teológicas, há apenas a breve indicação de que Maria conceberia do Espírito Santo. Temos, com isso, relatos diretos do que aconteceu, escritos para serem lidos e entendidos literalmente, sem ambiguidades, sem mensagens secretas.

Problemas textuais: O problema fundamental quanto ao uso de Isaías 7:14 em Mateus 1:23 está na palavra "virgem": no hebraico de Isaías, "almah" significa "jovem", mas no grego da Septuaginta essa palavra foi traduzida por "parthenos", que significa "virgem". O texto grego de Mateus usa, portanto, "parthenos", designando Maria como virgem no advento da concepção, indicativo, segundo alguns, de um entendimento errado do original de Isaías. Cabe-nos, com isso, dedicar o espaço que for necessário para a resolução dessa questão.           

No Dicionário Strong do Antigo Testamento, "almah" significa, além de "jovem" - "moça", "donzela" -, "virgem". Essa palavra geralmente é utilizada, no AT, para moças que estão "em idade para casar" (Gn 24:43), subentendendo sua virgindade - e foi assim que Mateus leu o versículo de Isaías 7. No Dicionário Strong do Novo Testamento, "parthenos" se aproxima de "almah", indicando uma moça jovem, uma donzela, uma filha não casada e, portanto, virgem.  

"Almah", conforme o hebraico de Isaías 7, aparece também em Gênesis 24:43, Êxodo 2:8, Salmos 68:25, Provérbios 30:19 e Cântico dos Cânticos 1:3 e 6:8, mirando, em todas essas passagens, uma moça solteira e casta - são 9 usos no AT, tendo sido traduzida por "parthenos" em dois lugares da Septuaginta, Gn 24:43 e Is 7:14. De fato, "almah" era usada no AT como indicativo de virgindade - é notável que "almah" se aplica apenas antes de a moça consumar seu casamento, coabitando com seu marido. Do uso comum da palavra, dentre as possibilidades de significação, fica evidente que Isaías 7 falava de uma virgem e que, portanto, Mateus não cometeu um erro de interpretação, sendo "parthenos" uma palavra adequada para traduzir "almah". Os tradutores responsáveis pela Septuaginta tiveram "almah" por "parthenos" justamente porque "almah" é propícia para falar de virgindade26 - não foi algo que eles tiraram do nada e não havia razão alguma para, no contexto de 2 a.C., fazer a profecia de Isaías 7:14 significar outra coisa.  

Os judeus costumam levantar objeções quanto ao uso de "almah" em Isaías 7, que subentende "virgem". Segundo eles, a palavra que melhor combinaria com a proposta de Isaías seria "b'atulah", indicativo de "mulher virgem", que aparece 51 vezes no Antigo Testamento hebraico (Gn 24:16; Lv 21:13; Dt 22:14, 23 e 28; Jz 11:37; 1 Rs 1:2) e é traduzida 44 vezes por "parthenos" na Septuaginta. Contudo, "b'tulah" se aplica à mulher casada, não solteira (Jl 1:8). Em oposição a isso, porém, W. E. Vine afirma que o termo "b'tulah" tem significação pouco exata: não é possível saber se ele indica uma mulher de fato virgem, uma mulher desposada ou uma mulher que já perdeu a virgindade. Disso, Vine conclui que "almah" é a palavra mais correta para falar de uma mulher que não está casada - tanto que, enquanto Rebeca é chamada de "b'tulah" em Gênesis 24:43, é chamada de "almah" em Gênesis 24:16. Disso entendemos a razão de Isaías não ter feito uso de "b'tulah": era necessário ao contexto tratar de uma moça que, além de virgem, fosse jovem, em idade para casar. A tradução da Septuaginta sugere que os rabinos entendiam Isaías 7 como "virgem", uma vez que era essa a significação de "almah" naquela época, e só depois do advento do cristianismo é que tentaram procurar alternativas. Assim, nos textos rabínicos gregos, "parthenos" passou a ser substituído por "neanís", que significa "jovem". O uso cristão de "parthenos" não foi inovação cristã, mas brotou do próprio entendimento judaico.     

É interessante notar o uso de "parthenos" no Novo Testamento como uma via de entendimento para Mateus 1:23 e Lucas 1:27: Mt 25:1, 7 e 11; At 21:9; 1 Co 7:25, 28 e 33; 2 Co 11:2. Temos em "parthenos", sem dúvida, a ideia de uma virgem, jovem, em idade para estar casada, estando esposada ou não. Para McDowell, esta é uma evidência que os redatores da Septuaginta esperavam o Messias de uma virgem.  

Para os que entendem que o Antigo Testamento não fornece luz suficiente para o real significado de "virgem", cabe-nos apontar para o estudo de Gerard Van Groningen, que cita cinco autoridades no assunto, observando o uso da palavra ugarítica "galmatu", encontrada em Rã Shamra. H. Wolf, uma dessas autoridades, alega que nos três lugares onde "galmatu" ocorre, o equivalente exato de "almah" é usado com referência a uma jovem que procura se casar, concluindo que, tanto em ugarítico quanto em hebraico, "almah" significa "virgem".

 A antiguidade da doutrina: Há alegações de que o entendimento de Mateus 1:18 e Lucas 1:26-38 sobre a virgindade de Maria não passa de um embuste cristão tardio, visando reforçar os dogmas cristológicos. A análise cuidadosa dos textos em questão, contudo, anula essa possibilidade: a teologia e a linguagem dos capítulos neotestamentários que contém as passagens sobre a concepção virginal se assemelham mais ao AT do que ao NT. Como já dito anteriormente, o nascimento virginal não era uma prerrogativa popular de messianidade do imaginário e das expectativas judaicas do período de Cristo - Isaías 7:14 não era considerada uma passagem messiânica -, e o seu apontamento, portanto, não tinha como razões primeiras a sustentação de uma cristologia já desenvolvida: para respaldar o caráter messiânico de Jesus, ele foi entendido como o Messias do AT, o filho de Davi. Além disso, nem Lucas e nem Mateus redigem alguma inferência a respeito da divindade de Cristo com base no nascimento virginal, que apresentam como um fato histórico e, no caso de Mateus, como o cumprimento de Isaías 7. 

É digno de nota, ainda, que a questão da concepção virginal não fazia parte da pregação de Jesus, não fazia parte dos discursos dos apóstolos e não fazia parte da mensagem da Igreja Primitiva - não se tratava de um assunto controvertido, que merecesse ser debatido naquele período. Essa realidade se altera no Século II d.C., período fértil de material trabalhando as nuances dessa temática.       

O fato de ser uma ideia disseminada na Igreja já no início Séc. II é notável, pois indica a antiguidade de sua aceitação nos círculos mais amplos - Inácio, por exemplo, defende essa doutrina contra os docéticos. O nascimento virginal só era negado pelos docéticos gnósticos e pelos ebionitas.30                
Nos relatos de Lucas e Mateus, devemos conceber a intenção de se atestar a concepção virginal como vias de confirmação profética e de descrição histórica dos eventos ligados ao nascimento de Cristo - apenas posteriormente a cristologia incorporou a ideia, bastante lógica, por sinal, de que um Salvador sem Pecado só poderia ser gerado de Deus, sem ter herdado a Maldição Adâmica. Cabe ressaltar que a comunidade cristã do Primeiro Século, provavelmente em respeito à privacidade da família de Jesus, especialmente para preservar Maria, tratava desse assunto com reservas. Isso faz sentido quando se percebe que a messianidade de Cristo poderia ser defendida sem se observar a concepção virginal e que a sua exposição pública daria margem para acusações sobre a ilegitimidade de Jesus - e tais acusações realmente foram desferidas. Não havia necessidade de inventar esse milagre, pois existiam outros meios de fundamentar a ideia da divindade do Messias - meios menos arriscados. 

O problema com "parthenos": Há uma antiga acusação pagã contra o cristianismo que afirma que Maria engravidou de um soldado romano chamado "Pantera" - quem disse isso pela primeira vez foi Celso, no final do Século II d.C. A literatura rabínica repetiu essa afirmação posteriormente. Mais recentemente, o arqueólogo James Tabor citou a inscrição encontrada num túmulo de soldado romano encontrado em 1859, na Alemanha, como evidência da declaração de Celso: "Tuberius Julius Abdes Pantera, de Sidom, 62 anos de idade, soldado em serviço há 40 anos, da primeira coorte de arqueiros, jaz aqui." 

Tabor argumenta que "Abdes" é uma variação de "ebed", que significa "servo" em hebraico. O arqueólogo também percebe Sidom, razoavelmente perto da Galileia, como evidência de esse Pantera ter sido um legionário romano atuante nas vizinhanças da cidade de Maria. Fica em questão, porém, se esse soldado pôde ter tido contato com Maria na data certa, entre 5 e 6 a.C. - ele precisaria ter a idade certa, estar no lugar certo e no momento certo.    
            
É evidente que a acusação de Celso foi digna de ser trabalhada por cristãos dos primeiros séculos. Epifânio (315-403 d.C.) sugere que Jacó Pantera fosse o pai de José, e temos Celso preservado por apologetas como Orígenes, em meados do Século III d.C. Gente como Epifânio, porém, não estava sustentando uma tradição vigente nos círculos cristãos, mas apenas procurando meios de desqualificar a sugestão maldosa de Celso. Refutações do Século IV d.C. em diante não oferecem nenhuma evidência de que o "Pantera" de Celso tivesse existido antes de Celso o citar.   

A melhor resposta às propostas de Celso e Tabor está na própria palavra "parthenos": "Pantera", segundo Craig Evans, seria uma alteração maldosa do grego "parthenos". Não seria nada surpreendente que pagãos e judeus opositores do cristianismo daquele período sugerissem e disseminassem esse tipo de calúnia33. F. F. Bruce corrobora Craig Evans: "Ben Panthera" é indicativo, não de um soldado romano chamado "Pantheras", mas da concepção virginal de Cristo, sendo "pantera" uma corrupção do grego "parthenos". O nascimento virginal contradiz outros textos bíblicos?              

Os textos sobre a concepção virginal entram em conflito com aqueles que falam de José como pai de Jesus (Jo 1:45 e 6:42; Lc 2:27, 33, 42, 43 e 48; Mt 13:55)? Perceba como Mateus e Lucas, que falam do nascimento virginal, também falam da paternidade de José - e eles não tinham a intenção de negar nenhuma das duas verdades. Aos que alegam acréscimos posteriores ao texto original, fica a ausência de evidências: não há nada que indique que os relatos da Natividade foram acrescentados aos autógrafos. Além disso, no contexto judaico, a paternidade, além de biológica, podia ser legal: se o pai aceitasse o filho, ele era legalmente tido como seu descendente, herdeiro - assim, as indicações de José como pai de Jesus estão postas nos termos da lei, não da genética. O fato de ter sido José quem deu o nome ao menino Jesus (Mt 1:21) fundamenta a aceitação do Messias como filho, adotando-O formalmente e, com isso, O tornando descendente de Davi. Ao que parece, o povo de Nazaré reconheceu José como pai legítimo. Como Maria pertence a uma linhagem levita, é possível que a sua genealogia também estivesse associada a de Davi.     

"A filiação era garantida pelo pai legal e, uma vez que um homem se apresentava, servia para lembrar de quem a criança era filha do ponto de vista legal." 

Christiane Rancé Notas sobre as genealogias de Mateus e de Lucas: A genealogia de Mateus aparece em Mt 1:1-17 e a de Lucas está descrita em Lc 3:23-38. A primeira objetiva a herança legal dos direitos reais ao Messias, enquanto a segunda O liga biologicamente às figuras de destaque da história de Israel. De Abraão até Davi as duas genealogias se combinam, desse ponto em diante, porém, Lucas segue a linhagem sacerdotal, pois descreve a linhagem de Maria - Mateus, por sua vez, fala da linhagem real de José. É interessante notar que as famílias real e sacerdotal se fundiram diversas vezes por meio de casamentos - Arão uniu-se à realeza ao casar com Eliseba (Êx 6:23), cujo irmão, Naassom, era de linhagem real (Mt 1:4); Bate-Seba, esposa de Davi, também pertencia a uma família sacerdotal; José, por fim, de família real, uniu-se a Maria, de família sacerdotal, descendente de Arão (Lc 1:5 e 36). Disso podemos sugerir que Maria também poderia ter alguma ligação com Davi.

Outra observação importante sobre a genealogia de Mateus, é que o termo "gerou", em grego "egennesen", indica ancestralidade, e não paternidade real.        

A genealogia de Mateus, que enfatiza a linhagem de José, termina afirmando que José foi marido de Maria, "da qual nasceu Jesus". Nesse texto, fica em evidência o entendimento do autor de que Cristo tinha nascido apenas de Maria, não de José, o que ia de desencontro com as genealogias correntes: geralmente se ligava o filho ao pai, não à mãe - no caso de Jesus, porém, o pai não teve envolvimento na concepção, não podendo ser genitor biológico, apenas pai adotivo. Essa singularidade do texto de Mateus é evidência clara de sua consciência da concepção virginal.    

A origem incomum de Jesus: É relevante perceber que João Marcos, no texto que equivale a Mt 13:55 (Mc 6:3), retira qualquer referência a José, pondo a maternidade de Maria em total evidência - "filho de Maria" -, o que é um modo bastante incomum de falar da ascendência na cultura judaica, indicando, segundo alguns, que Marcos tinha conhecimento da concepção virginal e, ainda, que o público tinha noção de alguma anormalidade no que se referia às origens de Jesus. Em Jo 8:41 os oponentes de Cristo deixam explícito esse conhecimento, acusando-O de ilegítimo, o que foi feito até mesmo durante o Séc. II. Evidentemente, tal ofensa não foi proposta pelos cristãos, assim como dificilmente teria sido inventada pelos não-cristãos: ela precisava encontrar raízes em fatos primeiros acerca dos eventos incomuns relacionados à Natividade.    

José era noivo de Maria no advento da concepção de Cristo. Naquele período, o noivado judaico tinha bases legais firmadas, só podendo ser rompido mediante divórcio, e os noivos não mantinham relações sexuais. Ao receber a visita do anjo, em Lucas, Maria deixa claro que é virgem (Lc 1:34). Apesar de estarem legalmente unidos, era possível, nessa etapa pré-nupcial, que o noivo, José, revogasse o noivado com uma carta de rejeição, se tivesse suspeitado de traição e adultério. 

José, homem justo, contudo, não o fez, confiando em Maria e na visão que também tivera. A profecia de Isaías 7:14: É necessário, ainda, que analisemos com alguma atenção os pormenores da profecia de Isaías, para entendermos corretamente o seu uso em Mateus. Num primeiro momento, a promessa do "filho da jovem virgem" se referia ao contexto imediato de Israel nos tempos do profeta Isaías, que redigiu seu livro entre 740 e 680 a.C. Nesse período, a Síria e Efraim (o Reino do Norte de Israel) se rebelaram contra o rei da Assíria e se colocaram a forçar Judá a se aliar a eles, mesmo que isso custasse a retirada de Acaz do trono. Por volta de 735 a.C., Acaz confrontou os exércitos de Rezim, rei da Síria, e Peca, rei de Israel, que avançaram sobre Jerusalém para castigá-lo, uma vez que ele negou as propostas de aliança contra o assírio Tiglate-Pileser III. O contexto imediato da profecia de Isaías, portanto, é de temor e ansiedade nas terras de Acaz. 

A profecia foi proferida pelo profeta ao rei de Judá como uma forma de incentivá-lo a crer antes em Deus do que na Assíria, uma vez que o Criador já havia decretado o fim dos reinos que o atormentavam. 65 anos depois, Esar-Hadom (681-668 a.C.) cumpriu cabalmente a profecia, tomando a Síria e Israel e assentando estrangeiros em suas terras. Como sinal de Deus para confirmar a mensagem profética, uma virgem (do harém de Acaz ou a mulher com quem Isaías casou-se e teve um filho) iria conceber um filho que teria entre 12 e 14 anos, idade suficiente para a realização de escolhas morais, quando a Síria e Israel fossem inicialmente capturados pela Assíria, o que começou a acontecer em 732 a.C.42.

Há, contudo, algumas complicações nessa passagem. Segundo a Bíblia de Estudo Defesa da Fé, nos comentários de Gary Smith, a ideia da vinda desse "Emanuel", que significa "Deus Conosco", não se aplica ao rei Acaz, pois seu bom filho Ezequias já era nascido na época da profecia, e nem ao profeta Isaías, que já tinha filhos e, portanto, sua esposa não era mais virgem. Com base nisso, muitos entendem que o texto faz referência apenas ao futuro nascimento do Messias, o verdadeiro "Deus Conosco"43. Charles C. Ryrie, por sua vez, fala de Isaías tendo um filho com sua segunda esposa - ele se casou com uma profetiza (Is 8:3) depois dessa profecia, tendo com ela o filho Maher-Shalal-Hash-Baz. A primeira esposa de Isaías, supõe-se, morreu depois de ter Sear-Jasube, o filho que acompanhou o profeta diante do rei Acaz. No espaço de doze anos após desferida a profecia, Damasco foi capturada pela Assíria (732 a.C.) e Israel caiu (722 a.C.)

Merril F. Unger observa, porém, que a profecia de Isaías 7:14 evidencia um contexto muito mais abrangente do que o do mero nascimento de uma criança, indicando a aplicação do sinal para além da casa de Acaz, ligando-o a toda a casa de Davi - o uso de "vos", plural, sugere isso. F. Derek Kidner, no Comentário Bíblico Vida Nova, deixa claro que, enquanto Acaz pretendia participar dos jogos políticos humanos, Deus providenciaria Seu próprio sinal, mas para um público maior do que o círculo próximo do presente rei, abarcando toda a dinastia davídica. Esse "Emanuel", que é Deus gerando uma criança enquanto o rei busca um exército, tem a sua identidade esclarecida posteriormente, em Isaías 9:6-7 e 11:1-5. 

O fato de a vinda de Cristo ter acontecido muito tarde para a profecia ter aplicação completa no tempo de Acaz, não implica em erro profético, uma vez que ela referia-se a toda a casa de Davi, isso num período na qual ela estava ameaçada - considere que os tempos verbais hebraicos para "conceberá" e "dará à luz" são indeterminados, não havendo distinção entre presente e futuro, podendo, portanto, aplicar-se à casa de Davi de uma maneira atemporal, servindo para o tempo de Isaías e para o tempo de Jesus, por meio de José. Apesar disso, é possível que Isaías 7 tenha tido um cumprimento imediato: a cronologia da concepção até a idade da consciência moral, 12-14 anos, carregava forte simbolismo, Emanuel pode ter sido o nome que alguma criança daquele tempo realmente recebera, ou, em termos hierárquicos, se enraizou na esperança associada ao nascimento de uma criança da casa real, ainda que Ezequias não estivesse ligado a esse sinal.     

Diante desse quadro, percebemos que a profecia de Isaías 7 possui duplo cumprimento: foi pensada para se consolidar de alguma maneira já nos dias de Acaz, mas também para apontar para o Messias que estava por vir, Aquele que restauraria a casa de Davi - a Aliança Davídica, descrita em 2 Sm 7:8-16, afirma que a dinastia de Davi duraria para sempre, liderando um Reino sem fim. Esse Messias seria, de fato, o "Deus Conosco", o Deus Encarnado. A ligação da profecia de Isaías 7:14 com outras do mesmo livro, reconhecidamente messiânicas, aponta com maior precisão para Jesus Cristo: Isaías 9:1-6 está falando explicitamente que o menino será o próprio Deus, como fica claro no versículo 5 - "Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, ele recebeu o poder sobre os seus ombros, e lhe foi dado este nome: Conselheiro-Maravilhoso, Deus-forte, Pai-para-sempre, Príncipe-da-paz" (Bíblia de Jerusalém) -, e Isaías 11:1-9, historicamente entendido como indicativo de que o Messias seria descendente de Jessé, pai de Davi. Considero relevante atentar para a natureza messiânica de outras passagens de Isaías: o capítulo 61, que Jesus começa a ler em Lucas 4:18-19, era entendido, no período próximo do nascimento de Cristo, como messiânico, , "Jesus Afirmou ser o Messias? Declarou ser Deus?", e o capítulo 53, referente ao Servo Sofredor e historicamente ligado a Cristo, também era tido como uma profecia referente ao Messias, "Isaías 53 Fala de Cristo?"           

J. M. Frame ajuda a sustentar a perspectiva do duplo cumprimento de Isaías 7:14: segundo ele, para Mateus a ideia de "cumprimento profético" poderia assumir dimensões estéticas, indo além do relacionamento claro entre "predição" e "evento predito", conforme se evidencia no uso de Zc 9:9 em Mt 21:1-4 - nesse sentido, o "cumprimento" chama a atenção do leitor à profecia de uma maneira surpreendente ou estranha, possivelmente fora do que o próprio profeta sabia acerca de sua predição. Acontece, então, de o nascimento virginal espantosamente se acomodar como um segundo cumprimento ao que proferiu Isaías47. De todo modo, se juntarmos as exigências de textos como Isaías 7:14, 6:1-9, 11:1-9, 61:1-3 e 53, não podemos pensar em ninguém contemporâneo ao profeta - e só podemos olhar para o Filho de Deus. 

Perceba, leitor, como Mateus não teria dificuldades de associar imediatamente o que ouvira sobre o nascimento virginal de Cristo ao texto de Isaías 7:14. Essa passagem só não havia se tornado base para uma expectativa messiânica numa perspectiva de nascimento virginal, pois tal ideia quase não estava presente no judaísmo palestino e não era unânime entre os judeus helênicos, mas não haveria nenhuma complicação, avaliando o contexto geral do livro de Isaías, para um judeu instruído remeter-se ao versículo 14 do capítulo 7 ao ouvir falar da concepção e do nascimento virginal do Mestre. Evidentemente, nenhum judeu estaria disposto a se entregar a boatos infundados: o que se dizia acerca dos milagrosos eventos associados ao nascimento de Cristo só teria valor como sinal de messianidade se viesse como complemento a outros eventos e ações messiânicas de conhecimento público, como a ligação com o rei Davi, os reconhecidos milagres, a profunda sabedoria e autoridade, a exposição de uma Nova Aliança, a Crucificação e, especialmente, a Ressurreição e a Ascensão aos céus - esses eventos últimos estão registrados no mais antigo credo cristão de que temos conhecimento, formulado entre os primeiros meses e anos após o término do ministério de Jesus, "Quão Antigas Podem Ser as Tradições Cristãs?". Está claro que ninguém acreditaria que uma pessoa irrelevante teria nascido sobrenaturalmente - acreditaram no singular nascimento do Mestre porque Ele levou uma vida extraordinária. 

Conclusão:            

Não há razões bíblicas para duvidar da concepção e do nascimento virginal de Cristo. Não há erro de tradução ou de interpretação, não há um embuste tardio da parte dos cristãos, não há razões para os cristãos terem inventado a ideia de que Maria era virgem quando concebeu - a simplicidade e literalidade do texto não deixam dúvidas sobre a sua autenticidade. A ideia não veio de mitos pagãos, também não brotou de interesses de proteger Maria de um suposto adultério, tampouco nasceu de uma relação de Maria com um legionário romano. O que temos é uma história familiar, que ficou restrita ao círculo mais próximo da Sagrada Família até a morte da mãe de Jesus, vindo a desenvolver a cristologia quando exposta publicamente e difundido-se largamente entre a absoluta maioria dos cristãos já no Séc. II. Ninguém pode levantar contestações substanciais em termos históricos e bíblicos contra a doutrina do nascimento virginal - o que podem fazer é partir da pressuposição de que milagres não acontecem e, disso, formular argumentos.       
          
Considere, leitor, que acusações baseadas em pressuposições e preconceitos, como a impossibilidade de que a normalidade da natureza possa ser burlada por um elemento externo, sobrenatural, não se justificam. Nesse assunto, o opositor do cristianismo é obrigado a pensar a partir da pressuposição, enquanto nós, cristãos, somos levados a refletir partindo de elementos sólidos, firmemente enraizados na coerência histórica e textual.     

C. S. Lewis magistralmente nos informa que os primeiros cristãos creram no milagre do nascimento virginal não por serem ignorantes acerca de como uma mulher engravida, mas justamente por terem consciência de como uma gravidez normalmente começa e se desenvolve - a crença no milagre pressupõe o entendimento da normalidade da natureza, pois só se pode atribuir extraordinariedade a algo se conhecermos o seu funcionamento ordinário. Ninguém se maravilharia com o nascimento virginal se não conhece o básico sobre a concepção e a gravidez natural. 


Se os primeiros cristãos se maravilharam, por qual razão não devemos nós, no Séc. XXI, nutrir igual espanto diante do inquestionável toque do Eterno na realidade humana? Não estamos falando de um mito deslocado do tempo, estamos falando da figura história de Jesus de Nazaré! Estamos falando do Deus Conosco, do Redentor, do Deus que se fez carne, dAquele que nasceu sem Pecado para que pudesse pagar o preço de sangue pelas nossas faltas, cobrindo com Seus méritos todos quantos ouvirem Seu chamado ao arrependimento, dando fim à Maldição Adâmica. Ele é o Perfeito que, feito homem, pode nos levar ao Pai, ao Perfeito! E é esse o significado da Encarnação, é esse o significado do Natal!