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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O Evangelho de Tomé

O Evangelho de Tomé, preservado em versão completa num manuscrito copta em Nag Hammadi, é uma lista de 114 ditos atribuídos a Jesus. Alguns são semelhantes aos dos evangelhos canônicos de Mateus, Marcos, Lucas e João, mas outros eram desconhecidos até a descoberta desse manuscrito em 1945. Tomé não explora, como os demais, a forma narrativa, apenas cita - de forma não estruturada - as frases, os ditos ou diálogos breves de Jesus a seus discípulos, contados a Tomé o Gêmeo, sem incluí-los em qualquer narrativa, nem apresentá-los em contexto filosófico ou retórico. Duas características marcantes do Evangelho de Tomé, que o diferenciam dos canônicos, são a recomendação de Jesus para que ninguém faça aquilo que não deseja ou não gosta e a ênfase não na fé, mas a descoberta de si mesmo.

Uma boa discussão, em língua portuguesa, sobre esse evangelho encontra-se no livro "Além de Toda Crença: O Evangelho Desconhecido de Tomé", da historiadora Elaine Pagels, que defende a tese de que o Evangelho de João teria sido escrito para refutar o de Tomé. Obtém-se nesse livro proveitosa aula sobre o início do Cristianismo e entende-se melhor a escolha dos evangelhos canônicos e a posterior rejeição aos demais, tratados como "heréticos".

O escritor brasileiro Isaque de Borba Corrêa defende uma interessante tese baseada em antigas cartas de jesuítas, nas quais se relata a presença desse apóstolo na América. Segundo Corrêa, mais de vinte jesuítas peregrinaram pelas Américas em busca das informações que o santo teria legado a seus sucessores. Isaque advoga a tese de que São Tomé teria não apenas viajado até a Índia, como teria estendido seu périplo às "Índias Ocidentais", atual América.

Segundo a tradição, São Tomé teria partido para as Índias acompanhado de João Crisóstomo. O escritor Panteno, segundo Eusébio, também esteve na Índia e conversou com Crisóstomo, mas não comentou sobre Tomé. O Padre Simón, na Colômbia, foi conduzido por um índio até uma gravura em pedra, na qual estavam gravadas as imagens de três homens, cada um contendo uma inscrição que Simón não teria conseguido traduzir. O ingênuo nativo traduziu-as para o jesuíta, explicando que as inscrições eram os nomes de cada um deles: João Crisóstomo, Tomé e Engélico. Eram figuras humanas que usavam barba, batina e sandálias. A figura central, Tomé, trazia na mão algo parecido com um livro. Isaque afirma que as pesquisas acerca da estada desse santo na América não prosperaram em virtude de um decreto emitido pelo Papa Urbano VIII, que considerou tal propósito uma heresia. Temendo um processo inquisicional por parte do Tribunal do Santo Ofício, os jesuítas recuaram em seu propósito e abandonaram as pesquisas.

Texto Gnóstico encontrado em Nag Hammadi, Egipto

Estas são as palavras secretas que Jesus o Vivo proferiu e que Dídimo Judas Tomé escreve:

(1) E ele disse: "Quem descobrir o significado interior destes ensinamentos não provará a morte."

(2) Jesus disse: "Aquele que busca continue buscando até encontrar. Quando encontrar, ele se perturbará. Ao se perturbar, ficará maravilhado e reinará sobre o Todo."

(3) Jesus disse: "Se aqueles que vos guiam disserem, ‘Olhem, o reino está no céu,’ então, os pássaros do céu vos precederão, se vos disserem que está no mar, então, os peixes vos precederão. Pois bem, o reino está dentro de vós, e também está em vosso exterior. Quando conseguirdes conhecer a vós mesmos, então, sereis conhecidos e compreendereis que sois filhos do Pai vivo. Mas, se não vos conhecerdes, vivereis na pobreza e sereis essa pobreza."

(4) Jesus disse: "O homem idoso não hesitará em perguntar a uma criancinha de sete dias sobre o lugar da vida, e ele viverá. Pois muitos dos primeiros serão os últimos e se tornarão um só."

(5) Jesus disse: "Reconheça o que está diante de teus olhos, e o que está oculto a ti será desvelado. Pois não há nada oculto que não venha ser manifestado."

(6) Seus discípulos o interrogaram dizendo: "Queres que jejuemos? Como devemos orar? Devemos dar esmolas? Que dieta devemos observar?"

Jesus disse: "Não mintais e não façais aquilo que detestais, pois todas as coisas são desveladas aos olhos do céu. Pois não há nada escondido que não se torne manifesto, e nada oculto que não seja desvelado."

(7) Jesus disse: "Bem-aventurado o leão que se torna homem quando consumido pelo homem; maldito o homem que o leão consome, e o leão torna-se homem."

(8) E ele disse: "O homem é como pescador sábio que lança sua rede ao mar e a retira cheia de peixinhos. O pescador sábio encontra entre eles um peixe grande e excelente. Joga todos os peixinhos de volta ao mar e escolhe o peixe grande sem dificuldade. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça."

(9) Jesus disse: "Eis que o semeador saiu, encheu sua mão e semeou. Algumas sementes caíram na estrada; os pássaros vieram e as recolheram. Algumas caíram sobre rochas, não criaram raízes no solo e não produziram espigas. Outras caíram em meio a um espinheiro, que sufocou as sementes e os vermes as comeram. E outras caíram em solo fértil e produziram bons frutos; renderam sessenta por uma e cento e vinte por uma."

(10) Jesus disse: "Eu lancei fogo sobre o mundo, e eis que estou cuidando dele até que queime."

(11) Jesus disse: "Este céu passará, e aquele acima dele passará. Os mortos não estão vivos e os vivos não morrerão. Nos dias em que consumistes o que estava morto, vós o tornastes vivo. Quando estiverdes morando na luz, o que fareis? No dia em que éreis um vos tornastes dois. Mas quando vos tornardes dois, o que fareis?"

(12) Os discípulos disseram a Jesus: "Sabemos que tu nos deixarás. Quem será nosso líder?"

Jesus disse-lhes: "Não importa onde estiverdes, devereis dirigir-vos a Tiago, o justo, para quem o céu e a terra foram feitos."

(13) Jesus disse a seus discípulos: "Comparai-me com alguém e dizei-me com quem me assemelho."

Simão Pedro disse-lhe: "Tu és semelhante a um anjo justo."

Mateus lhe disse: "Tu te assemelhas a um filósofo sábio."

Tomé lhe disse: "Mestre, minha boca é inteiramente incapaz de dizer com quem te assemelhas."

Jesus disse: "Não sou teu Mestre. Porque bebeste na fonte borbulhante que fiz brotar, tornaste-te ébrio. (128) E, pegando-o, retirou-se e disse-lhe três coisas. Quando Tomé retornou a seus companheiros, eles lhe perguntaram: "O que te disse Jesus?"

Tomé respondeu: "Se eu vos disser uma só das coisas que ele me disse, apanhareis pedras e as atirareis em mim, e um fogo brotará das pedras e vos queimará."

(14) Jesus disse-lhes: "Se jejuardes, gerareis pecado para vós; se orardes, sereis condenados; se derdes esmolas, fareis mal a vossos espíritos. Quando entrardes em qualquer país e caminhardes por qualquer lugar, se fordes recebidos, comei o que vos for oferecido e curai os enfermos entre eles. Pois o que entrar em vossa boca não vos maculará, mas o que sair de vossa boca – é isso que vos maculará."

(15) Jesus disse: "Quando virdes aquele que não foi nascido de uma mulher, prostrai-vos com a face no chão e adorai-o: é ele o vosso Pai."

(16) Jesus disse: "Talvez os homens pensem que vim lançar a paz sobre o mundo. Não sabem que é a discórdia que vim espalhar sobre a Terra: fogo, espada e disputa. Com efeito, havendo cinco numa casa, três estarão contra dois e dois contra três: o pai contra o filho e o filho contra o pai. E eles permanecerão solitários."

(17) Jesus disse: "Eu vos darei o que os olhos não viram, o que os ouvidos não ouviram, o que as mão não tocaram e o que nunca ocorreu à mente do homem."

(18) Os discípulos disseram a Jesus: "Dizei-nos como será o nosso fim."

Jesus disse: "Haveis, então, discernido o princípio, para que estejais procurando o fim? Pois onde estiver o princípio ali estará o fim. Feliz daquele que tomar seu lugar no princípio: ele conhecerá o fim e não provará a morte."

(19) Jesus disse: "Feliz o que já era antes de surgir. Se vos tornardes meus discípulos e ouvirdes minhas palavras, estas pedras estarão a vosso serviço. Com efeito, há cinco árvores para vós no Paraíso que permanecem inalteradas Inverno e Verão, e cujas folhas não caem. Aquele que as conhecer não provará a morte."

(20) Os discípulos disseram a Jesus: "Dizei-nos a que se assemelha o reino do céu."

Ele lhes disse: "Ele se assemelha a uma semente de mostarda, a menor de todas as sementes. Mas, quando cai em terra cultivada, produz uma grande planta e torna-se um refúgio para as aves do céu."

(21) Maria disse a Jesus: "A quem se assemelham teus discípulos?"

Ele disse: "Eles se parecem com crianças que se instalaram num campo que não lhes pertence. Quando os donos do campo vierem, dirão: “Entregai nosso campo”. Elas se despirão diante deles para que eles possam receber o campo de volta e para entregá-lo a eles. Por isso digo: se o dono da casa souber que virá um ladrão, velará antes que ele chegue e não deixará que ele penetre na casa de seu domínio para levar seus bens. Vós, portanto, permanecei atentos contra o mundo. Armai-vos com todo poder para que os ladrões não consigam encontrar um caminho para chegar a vós, pois a dificuldade que temeis certamente ocorrerá. Que possa haver entre vós um homem prudente. Quando a safra estiver madura, ele virá rapidamente com sua foice em mãos para colhe-la. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça."

(22) Jesus viu crianças sendo amamentadas. Ele disse a seus discípulos: "Esses pequeninos que mamam são como aqueles que entram no Reino." Eles lhe disseram: Nós também, como crianças, entraremos no Reino?" Jesus lhes disse: "Quando fizerdes do dois um e quando fizerdes o interior como o exterior, o exterior como o interior, o acima como o em baixo e quando fizerdes do macho e da fêmea uma só coisa, de forma que o macho não seja mais macho nem a fêmea seja mais fêmea, e quando formardes olhos em lugar de um olho, uma mão em lugar de uma mão, um pé em lugar de um pé e uma imagem em lugar de uma imagem, então, entrareis (no Reino).

(23) Jesus disse: Escolherei dentre vós, um entre mil e dois entre dez mil, e eles permanecerão como um só."

(24) Seus discípulos disseram-lhe: "Mostra-nos o lugar onde estás, pois precisamos procurá-lo."

Ele disse-lhes: "Aquele que tem ouvidos, ouça! Há luz no interior do homem de luz e ele ilumina o mundo inteiro. Se ele não brilha, ele é escuridão."

(25) Jesus disse: "Ama teu irmão como à tua alma, protege-o como a pupila de teus olhos."

(26) Jesus disse: "Tu vês o cisco no olho de teu irmão, mas não vês a trave em teu próprio olho. Quando retirares a trave de teu olho, então verás claramente e poderás retirar o cisco do olho de teu irmão."

(27) Jesus disse: "Se não jejuardes com relação ao mundo, não encontrareis o Reino. Se não observardes o sábado como um sábado, não vereis o Pai."

(28) Jesus disse: "Assumi meu lugar no mundo e revelei-me a eles na carne. Encontrei todos embriagados. Não encontrei nenhum sedento, e minha alma ficou aflita pelos filhos dos homens, porque estão cegos em seus corações e não têm visão. Pois vazios vieram ao mundo e vazios procuram deixar o mundo. Mas no momento eles estão embriagados. Quando superarem a embriaguez, então mudarão sua maneira de pensar."

(29) Jesus disse: "Seria uma maravilha se a carne tivesse surgido por causa do espírito. Mas seria a maior das maravilhas se o espírito tivesse surgido por causa do corpo. Estou realmente surpreso pela forma como essa grande riqueza fez morada nessa pobreza."

(30) Jesus disse: "Onde há três deuses, eles são deuses. Onde há dois ou um, estou com ele."

(31) Jesus disse: "Nenhum profeta é aceito em sua cidade; nenhum médico cura aqueles que o conhecem."

(32) Jesus disse: "Uma cidade construída e fortificada sobre uma montanha elevada não pode cair nem pode ser escondida."

(33) Jesus disse: "Proclamai sobre os telhados aquilo que ouvirdes com vosso próprio ouvido. Pois ninguém acende uma lâmpada e coloca-a debaixo de um cesto, tampouco coloca-a num lugar escondido, mas num candelabro, para que todos que venham a entrar e sair vejam sua luz."

(34) Jesus disse: "Se um cego guia outro cego, ambos cairão numa vala."

(35) Jesus disse: "Não é possível que alguém entre na casa de um homem forte e tome-a à força, a menos que lhe ate as mãos; então será capaz de saquear sua casa."

(36) Jesus disse: "Não vos preocupeis de manhã até a noite e de noite até a manhã com o que vestireis."

(37) Seus discípulos disseram: "Quando tu te revelarás a nós e quando te veremos?"

Jesus disse: "Quando vos despirdes sem vos envergonhardes e tomardes vossas vestes e, colocando-as sobre vossos pés, pisardes sobre elas como criancinhas, então (vereis) o filho daquele que vive e não tereis medo."

(38) Jesus disse: "Muitas vezes haveis desejado ouvir essas palavras que vos digo, e não tendes outro de quem ouvi-las. Pois virão dias em que me procurareis e não me encontrareis."

(39) Jesus disse: "Os fariseus e os escribas tomaram as chaves da gnosis. Eles não entraram nem deixaram entrar aqueles que queriam entrar. Vós, no entanto, sede sábios como as serpentes e mansos como as pombas."

(40) Jesus disse: "Uma parreira foi plantada fora do Pai, porém, não sendo saudável, ela será arrancada pela raiz e destruída."

(41) Jesus disse: "Quem tiver algo em sua mão receberá mais, e quem não tiver nada perderá até mesmo o pouco que tem."

(42) Jesus disse: "Tornai-vos passantes."

(43) Seus discípulos disseram-lhe: "Quem és tu para dizer-nos tais coisas?"

[Jesus disse-lhes:] "Não percebeis quem sou eu pelo que vos digo, mas vos tornastes como os judeus! Com efeito, eles amam a árvore e odeiam seus frutos ou amam os frutos, mas odeiam a árvore."

(44) Jesus disse: "Quem blasfemar contra o Pai será perdoado e quem blasfemar contra o Filho será perdoado, mas quem blasfemar contra o Espírito Santo não será perdoado nem na terra nem no céu."

(45) Jesus disse: "Não se colhe uvas dos espinheiros nem figos dos cardos, pois eles não dão frutos. O homem bom retira o bem do seu tesouro; o malvado retira o mal de seu tesouro malévolo, que está em seu coração, e diz maldade. Pois da abundância do coração ele retira coisas más."

(46) Jesus disse: "Dentre os que nasceram da mulher, desde Adão até João, o Batista, não há ninguém superior a João, para que não abaixe os olhos [diante dele]. Mas eu digo, aquele dentre vós que se tornar uma criança conhecerá o Reino e se tornará superior a João."

(47) Jesus disse: "É impossível para um homem montar dois cavalos ou retesar dois arcos. E é impossível que um servo sirva a dois senhores, pois ele honra um e ofende o outro. Ninguém bebe vinho velho e logo em seguida deseja beber vinho novo. E não se coloca vinho novo em odres velhos, para que não arrebentem; nem se coloca vinho velho em odres novos, para que não o estraguem. E não se cose pano velho em veste nova, porque ela está arriscada a rasgar."

(48) Jesus disse: "Se os dois fizerem as pazes nesta casa, eles dirão a montanha: ‘Move-te!’ e ela se moverá."

(49) Jesus disse: "Bem aventurados os solitários e os eleitos, pois encontrareis o Reino. Pois, viestes dele e para ele retornareis."

(50) Jesus disse: "Se vos perguntarem: ‘De onde vindes?’ respondei: ‘Viemos da luz, do lugar onde a luz nasceu dela mesma, estabeleceu-se e tornou-se manifesta por meio de suas imagens’. Se vos perguntarem: ‘Vós sois isto?’ digam: ‘Nós somos seus filhos e somos os eleitos do Pai vivo’. Se vos perguntarem: ‘Qual é o sinal de vosso Pai em vós?’, digam a eles: ‘É movimento e repouso’."

(51) Seus discípulos disseram-lhe: "Quando ocorrerá o repouso dos mortos e quando virá o novo mundo?"

Ele disse-lhes: "Aquilo que esperais já chegou, mas não o reconheceis."

(52) Seus discípulos disseram-lhe: "Vinte e quatro profetas falaram em Israel e todos falaram de ti."

Ele disse-lhes: "Omitistes aquele que vive em vossa presença e falastes dos mortos."

(53) Seus discípulos disseram-lhe: "A circuncisão é benéfica ou não?"

Ele disse-lhes: "Se ela fosse benéfica, os pais gerariam filhos já circuncisos de sua mãe. Mas a verdadeira circuncisão, a espiritual, tornou-se inteiramente proveitosa."

(54) Jesus disse: "Bem-aventurados os pobres, pois vosso é o Reino do céu."

(55) Jesus disse: "Aquele que não odiar (2) seu pai e sua mãe não poderá se tornar meu discípulo. E quem não odiar seus irmãos e irmãs e tomar sua cruz, como eu, não será digno de mim."

(56) Jesus disse: "Aquele que conseguiu compreender o mundo encontrou (somente) um cadáver, e quem encontrou um cadáver é superior ao mundo."

(57) Jesus disse: "O Reino do Pai é semelhante ao homem que tem [boa] semente. Seu inimigo veio durante a noite e semeou joio por cima da boa semente. O homem não deixou que arrancassem o joio, dizendo: ‘temo que acabeis arrancando o joio e também o trigo junto com ele. No dia da colheita as ervas daninhas estarão bem visíveis e serão, então, arrancadas e queimadas."

(58) Jesus disse: "Bem-aventurado o homem que sofreu e encontrou a vida."

(59) Jesus disse: "Prestai atenção àquele que vive enquanto estais vivos, para que, ao morrerdes, não fiqueis procurando vê-lo sem conseguir."

(60) Eles viram um samaritano carregando um cordeiro a caminho da Judéia. Ele disse a seus discípulos: "Por que o homem está carregando o cordeiro?"

Eles disseram-lhe: "Para matá-lo e comê-lo."

Ele disse-lhes: "Enquanto o cordeiro estiver vivo, ele não o comerá, mas somente depois que o tiver matado e que o cordeiro se tornar um cadáver."

Eles disseram-lhe: "Ele não poderia fazer de outro modo."

Ele disse-lhes: "Vós, também, buscai um lugar para vós no repouso, a fim de que não vos torneis um cadáver e sejais devorados."

(61) Jesus disse: "Dois repousarão sobre um leito: um morrerá, o outro viverá."

Salomé disse: "Quem és tu homem, e de quem és filho? Tu te acomodaste em meu banco e comeste à minha mesa?"

Jesus disse-lhe: "Eu sou aquele que existe a partir do indivisível. Recebi coisas de meu pai."

[...] "Eu sou seu discípulo."

[...] "Por isso digo que, se for destruído, ele estará pleno de luz, mas, se ele estiver dividido, estará pleno de trevas."

(62) Jesus disse: "Eu digo meus mistérios aos [que são dignos de meus] mistérios. Que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita."

(63) Jesus disse: "Havia um rico que tinha muito dinheiro. Ele disse: ‘Empregarei meu dinheiro para semear, colher, plantar e encher meu celeiro com o fruto da colheita, para que não me venha a faltar nada’. Essas eram suas intenções, mas naquela mesma noite ele morreu. Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça."

(64) Jesus disse: "Um homem tinha convidados. E quando a ceia estava pronta, mandou seu servo chamar os convidados. O servo foi ao primeiro e disse-lhe: ‘Meu mestre te convida’. O outro respondeu: ‘Tenho dinheiro aplicado com alguns comerciantes. Eles virão me procurar esta noite para que eu lhes dê minhas instruções. Apresento minhas desculpas por não ir à ceia. O servo foi até outro e disse: ‘Meu senhor está te convidando’. Este disse-lhe: ‘Acabo de comprar uma casa e precisam de mim hoje. Não terei tempo’. O servo foi a outro e disse-lhe: ‘Meu senhor está te convidando’. Este disse-lhe: ‘Um amigo vai se casar e coube-me preparar o banquete. Não poderei ir à ceia, peço ser desculpado. O servo foi a outro ainda e disse-lhe: ‘Meu senhor está te convidando’. Este disse-lhe: ‘Acabo de comprar uma fazenda e estou saindo para buscar o rendimento. Não poderei ir, por isso me desculpo’. O servo retornou e disse a seu senhor: ‘Os que convidaste para a ceia mandam pedir desculpas’. (134) O senhor disse ao servo: ‘Vai lá fora pelos caminhos e traze os que encontrares para que possam ceiar. Os homens de negócios e mercadores não entrarão no recinto de meu Pai’."

(65) Ele disse: "Um homem de bem tinha uma vinha. Ele a alugou a camponeses para que cuidassem dela e pagassem-lhe com uma parte da produção. Ele enviou seu servo para que os arrendatários entregassem-lhe o fruto da vinha. Eles pegaram seu servo e o espancaram, deixando-o à beira da morte. O servo voltou e contou a seu senhor o ocorrido. O senhor disse: ‘Talvez não o tenham reconhecido’. Ele enviou outro servo. Os camponeses também o espancaram. Então o proprietário enviou seu filho e disse: ‘Talvez eles tenham respeito por meu filho’. Como os camponeses sabiam que aquele era o herdeiro da vinha, pegaram-no e mataram-no. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça."

(66) Jesus disse: "Mostrai-me a pedra que os construtores rejeitaram; ela é a pedra angular."

(67) Jesus disse: "Se alguém que conhece o todo ainda sente uma deficiência pessoal, ele é completamente deficiente."

(68) Jesus disse: "Bem-aventurados os que são odiados e perseguidos. Mas os que vos perseguirem não encontrarão lugar."

(69) Jesus disse: "Bem-aventurados aqueles que foram perseguidos em seu interior. São eles que realmente conheceram o pai. Bem-aventurados os famintos, porque se encherá o ventre de quem tem desejo."

(70) Jesus disse: "Aquilo que tendes vos salvará se o manifestardes. Aquilo que não tendes em vosso interior vos matará se não o tiverdes dentro de vós."

(71) Jesus disse: "Destruirei esta casa e ninguém será capaz de reconstruí-la [...]"

(72) [Um homem disse-lhe]: "Dizeis a meus irmãos para que partilhem os bens de meu pai comigo."

Ele lhe disse: "Ó, homem, quem me institui partilhador?"

Voltando-se para seus discípulos, disse-lhes: "Eu não sou um partilhador, sou?"

(73) Jesus disse: "A colheita é grande mas os operários são poucos. Portanto, implorai ao senhor para que envie operários para a colheita."

(74) Ele disse: "Ó senhor, há muitas pessoas ao redor do bebedouro, mas não há nada na cisterna."

(75) Jesus disse: "Muitos estão aguardando à porta, mas são os solitários que entrarão na câmara nupcial."

(76) O Reino do pai é semelhante ao comerciante que tinha uma consignação de mercadorias e nelas descobriu uma pérola. Esse comerciante era astuto. Ele vendeu as mercadorias e adquiriu a pérola maravilhosa para si. Vós também deveis buscar esse tesouro indestrutível e duradouro, que nenhuma traça pode devorar nem o verme destruir."

(77) Jesus disse: "Eu sou a luz que está sobre todos eles. Eu sou o todo. De mim surgiu o todo e de mim o todo se estendeu. Rachai um pedaço de madeira, e eu estou lá. Levantai a pedra e me encontrareis lá."

(78) Jesus disse: "Por que viestes ao deserto? Para ver um caniço agitado pelo vento? E para ver um homem vestido com roupas finas como vosso rei e vossos homens importantes? Esses usam roupas finas, mas são incapazes de discernir a verdade."

(79) Uma mulher na multidão disse-lhe: "Bem-aventurado o ventre que te portou e os seios que te nutriram."

Ele disse-lhe: "Bem-aventurados os que ouviram a palavra do Pai e que realmente a guardaram. Pois virão dias em que direis: "Bem-aventurado o ventre que não concebeu, e os seios que não amamentaram."

(80) Jesus disse: "Aquele que reconheceu o mundo encontrou o corpo, mas aquele que encontrou o corpo é superior ao mundo."

(81) Quem enriqueceu, torne-se rei, mas quem tem poder que possa renunciar a ele."

(82) Jesus disse: "Aquele que está perto de mim está perto do fogo, e aquele que está longe de mim está longe do Reino."

(83) Jesus disse: "As imagens manifestam-se ao homem, mas a luz que está nelas permanece oculta na imagem da luz do Pai. Ele tornar-se-á manifesto, mas sua imagem permanecerá velada por sua luz."

(84) Jesus disse: "Quando vedes vossa semelhança, vós vos rejubilais. Mas, quando virdes vossas imagens que surgiram antes de vós, e que não morrem nem se manifestam, quanto tereis de suportar!"

(85) Jesus disse: "Adão surgiu de um grande poder e de uma grande riqueza, mas ele não se tornou digno de vós. Pois, se tivesse sido digno, não teria experimentado a morte."

(86) Jesus disse: "[As raposas têm suas tocas] e as aves têm seus ninhos, mas o filho do homem não tem nenhum lugar para pousar sua cabeça e descansar."

(87) Jesus disse: "Miserável do corpo que depende de um corpo e da alma que depende desses dois."

(88) Jesus disse: "Os anjos e os profetas virão a vós e darão aquelas coisas que já tendes. E dai vós também a eles as coisas que tendes e dizei a vós mesmos: ‘Quando virão tomar o que é deles?’"

(89) Jesus disse: "Por que lavais o exterior da taça? Não compreendeis que aquele que fez o interior é o mesmo que fez o exterior?"

(90) Jesus disse: "Vinde a mim, pois meu jugo é fácil e meu domínio é suave, e encontrareis repouso para vós."

(91) Eles disseram-lhe: "Dizei-nos quem tu és, para que possamos crer em ti."

Ele disse-lhes: "Vós decifrastes a face to céu e da terra, mas não reconhecestes aquele que está diante de vós e não soubestes perceber este momento."

(92) Jesus disse: "Buscai e encontrareis. No entanto, aquilo que me perguntastes anteriormente e que não vos respondi então, agora desejo vos dizer mas vós não me perguntais sobre aquilo."

(93) [Jesus disse]: "Não deis aos cães o que é sagrado, para que eles não o joguem no lixo. Não atireis pérolas aos porcos, para que eles..."

(94) Jesus [disse]: "Quem busca, encontrará, e [quem bate] terá permissão para entrar."

(95) [Jesus disse]: "Se tendes dinheiro, não o empresteis a juro, mas dai-o àquele de quem não o recebereis de volta."

(96) Jesus disse: "O Reino do Pai é como [uma certa] mulher. Ela tomou um pouco de fermento, [escondeu-o] na massa, e fez com ela grandes pães. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!"

(97) Jesus disse: "O Reino do Pai é como uma certa mulher que estava carregando um cântaro cheio de farinha. Enquanto estava caminhando pela estrada, ainda distante de casa, a alça do cântaro partiu-se e a farinha foi caindo pelo caminho atrás dela. Ela não se deu conta, pois não tinha percebido o acidente. Quando chegou em casa, colocou o cântaro no chão e percebeu que ele estava vazio."

(98) Jesus disse: "O Reino do Pai é como um certo homem que queria matar um homem poderoso. Em sua própria casa ele desembainhou a espada e enfiou-a na parede para saber se sua mão poderia realizar a tarefa. Então ele matou o homem poderoso."

(99) Os discípulos disseram-lhe: "Teus irmãos e tua mãe estão aguardando lá fora."

Ele disse-lhes: "Estes que estão aqui que fazem a vontade de meu Pai são meus irmãos e minha mãe. São eles que entrarão no Reino de meu Pai."

(100) Eles mostraram uma moeda de ouro a Jesus e disseram-lhe: "Os homens de César exigem-nos tributos."

Ele disse-lhes: "Dai a César o que é de César, dai a Deus o que é de Deus, e dai a mim o que é meu."

(101) [Jesus disse]: "Quem não odeia (3) seu [pai] e sua mãe como eu não pode se tornar meu [discípulo]. E quem não ama seu [pai e] sua mãe como eu não pode se tornar meu [discípulo]. Porque minha mãe [...], mas [minha] verdadeira [mãe] deu-me a vida."

(102) Jesus disse: "Ai dos fariseus, porque eles são como um cachorro dormindo na manjedoura dos bois, pois eles não comem nem permitem que os bois comam."

(103) Jesus disse: "Feliz do homem que sabe por onde os ladrões vão entrar, porque dessa forma [ele] pode se levantar, passar em revista seu domínio e armar-se antes deles invadirem."

(104) Eles disseram a Jesus: "Vem, oremos e jejuemos hoje."

Jesus disse: "Qual foi o pecado que cometi ou em que fui vencido? Porém, quando o noivo deixar a câmara nupcial, então que eles jejuem e orem."

(105) Jesus disse: "Quem conhece o pai e a mãe será chamado filho de prostituta."

(106) Jesus disse: "Quando fizerdes de dois, um, vos tornareis filhos do homem, e quando disserdes: ‘Montanha, move-te!’, ela se moverá."

(107) Jesus disse: "O Reino é como um pastor que tinha cem ovelhas. Uma delas, a maior de todas, extraviou-se. Ele deixou as noventa e nove e foi procurá-la, até encontrá-la. Depois de ter passado por todo esse incômodo, ele disse à ovelha: ‘Eu me interesso por ti mais do que pelas noventa e nove’."

(108) Jesus disse: "Quem beber de minha boca tornar-se-á como eu. Eu mesmo me tornarei ele, e as coisas que estão ocultas ser-lhe-ão reveladas."

(109) Jesus disse: "O Reino é como o homem que tinha um tesouro [escondido] em seu campo sem saber. Após sua morte, deixou o campo para seu [filho]. O filho não sabia [a respeito do tesouro]. Ele herdou o campo e o vendeu. O comprador ao arar o campo encontrou o tesouro. Começou então a emprestar dinheiro a juros a quem queria."

(110) Jesus disse: "Quem encontrou o mundo e tornou-se rico, que renuncie ao mundo."

(111) Jesus disse: "Os céus e a terra se dobrarão diante de vós. E aquele que vive do Vivo não conhecerá a morte. Jesus não disse: ‘Quem se encontra é superior ao mundo?’

(112) Jesus disse: "Ai da carne que depende da alma; ai da alma que depende da carne."

(113) Seus discípulos disseram-lhe: "Quando virá o Reino?"

[Jesus disse]: "Ele não virá porque é esperado. Não é uma questão de dizer: ‘eis que ele está aqui’ ou ‘eis que está ali’. Na verdade, o Reino do Pai está espalhado pela terra e os homens não o vêem."

(114) Simão Pedro disse-lhes: "Que Maria saia de nosso meio, pois as mulheres não são dignas da vida."

Jesus disse: "Eu mesmo vou guiá-la para torná-la macho, para que ela também possa tornar-se um espírito vivo semelhante a vós machos. Porque toda mulher que se tornar macho entrará no Reino do Céu."

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Richard Rubenstein: Quando Jesus Se Tornou Deus

Este livro mostra todo o processo de construção da trindade cristã, desde os primeiros momentos do cristianismo até o Concílio de Nicéia. Como o autor é um judeu que queria entender como se deu essa área do Cristianismo que marcou definitivamente a cisão do Judaísmo este livro pode ser considerado neutro no ponto de vista religioso.

De Jesus a Cristo

A divindade de Cristo foi afirmada no Concílio de Nicéia, em 325 d.C., e que a igreja cristã ocidental defendia uma ruptura com a herança judaica.

De fato, o imperador Constantino, que convocou o Concílio de Nicéia e se dizia convertido ao cristianismo, ajudou a introduzir muitos dogmas antibíblicos na Igreja, como a observância do domingo como dia sagrado (321 d.C.) em oposição ao sábado bíblico (Êxodo 20:8-11). Mas a divindade de Jesus certamente não é um desses dogmas e pode ser detectada mesmo no Antigo Testamento.

Textos veterotestamentários como Miquéias 5:2, Isaías 9:6, sem contar a profecia das 2.300 tardes e manhãs de Daniel 8 e 9 e inúmeros outros textos messiânicos, não só estabelecem a preexistência de Jesus, como reafirmam Sua divindade.

A base bíblica da doutrina da Trindade e, conseqüentemente, da divindade de Jesus, antecede ao Concílio de Nicéia. E faz isso recorrendo aos escritos dos primeiros cristãos que viveram entre os séculos II e III, isto é, imediatamente depois do período apostólico e antes do Concílio de Nicéia.

A lógica é simples: “Se o argumento antitrinitário estiver certo, ou seja, se a Trindade é mesmo uma doutrina forjada por Constantino, não encontraremos nesse período inicial nenhuma defesa à idéia de um Deus triúno. Ao contrário, o ensinamento da época deverá ser bem diferente, afirmando que Cristo é apenas um segundo ser gerado do Pai e o Espírito uma emanação impessoal de ambos.”

Antes de citar os chamados “Pais da Igreja”, faz-se necessário uma ressalva: “O proposito deste artigo não é endossar indiscriminadamente toda a doutrina dos Pais da Igreja, mas verificar, pelo seu testemunho, se a Trindade era crida na igreja primitiva ou se, como dizem alguns, seria fruto apenas do Concílio de Nicéia.“

Uma rápida verificação no index geral das obras Ante-Nicene Fathers e da Sources Chrétiennes, que formam a coleção de todos os escritores cristãos mais antigos (inclusive os anteriores a Nicéia), nos mostra que, muito antes do concílio, a crença na Trindade já havia sido sistematizada entre os cristãos. Aliás, o próprio termo “Trindade” foi usado em 212 d.C. por Tertuliano, ou seja, 113 anos antes de Nicéia! Falando da Igreja de Deus, ele menciona o Espírito “no qual está a Trindade de uma Divindade: Pai, Filho e Espírito Santo” (Tertuliano, Sobre a Modéstia, XXI).

“Inácio, o segundo sucessor de Pedro como pastor em Antioquia, também acreditava na doutrina da Trindade”. “Pelo que se sabe, foi martirizado no reinado de Trajano, em 105 d.C. Nessa época de perseguição à Igreja, ele escreveu uma epístola aos cristãos da Trália, dizendo-lhes que, a despeito do sofrimento, continuassem ‘em íntima união com Jesus Cristo, o nosso Deus’ (Inácio, Epístola aos Tralianos, VII [recensão curta]). Em outro manuscrito, onde uma versão mais longa é preservada, o mesmo autor adverte os irmãos contra aqueles que ensinavam doutrinas contrárias à fé dos apóstolos. Entre seus ensinos equivocados, estaria a idéia de que ‘o Espírito Santo não existe’ e que ‘o Pai, o Filho e o Espírito Santo seriam a mesma pessoa’ (Ibidem [recensão longa]).

Justino, cognominado “o Mártir”, foi outro que escreveu várias apologias em favor do Cristianismo e contra a filosofia grega. Num de seus textos, escrito por volta de 160 d.C., ele diz: “Já que somos considerados ateus, admitimos nosso ateísmo em relação a esses [vários] tipos de deuses [do politeísmo]. Mas, no que diz respeito ao verdadeiro Deus, o Pai da justiça e temperança ..., ao Filho, ... e ao Espírito Profético, [saibam que] nós os adoramos e reverenciamos” (Justino, I Apologia, VI).

Atenágoras, também respondendo à acusação de serem os cristãos chamados de ateus por não aceitarem o politeísmo pagão, ele escreveu em 175 d.C.: “Ora, quem não ficaria perplexo em ouvir chamar de ateus pessoas que pregam de Deus o Pai, de Deus o Filho e do Espírito Santo e que declaram serem um no poder, mas distintos na ordem?” (Atenágoras, Súplica pelos Cristãos, X). Continuando com Atenágoras, temos esta elucidativa declaração: “Os cristãos reconhecem a Deus e a Seu Logos. Eles também reconhecem o tipo de unicidade que o Filho tem com o Pai e que tipo de comunhão o Pai tem com o Filho. Ademais, eles sabem o que é o Espírito e que a unidade é [formada] destes três: o Espírito, o Filho e o Pai” (Ibidem, XI). “Nós reconhecemos um Deus, um Filho e um Espírito Santo, os quais são unidos na essência” (Ibidem, XXIII).

Hipólito (c. 205 d.C.), autor do mais antigo comentário de Daniel de que dispomos em nosso tempo, disse que “a Terra é movida por estes três: o Pai, o Filho e o Espírito Santo” (Hipólito: Fragmentos de Comentários, 10 [ANF, vol. 5, pág. 174]). Noutra passagem, depois de citar a fórmula batismal em nome do Pai, do Filho e do Espírito, ele demonstra que já no seu tempo havia os que negavam essa doutrina, pois diz: “Qualquer um que omitir um destes três, falha em glorificar a Deus de um modo perfeito. Pois é através desta triunidade que o Pai é glorificado” (Hipólito, Contra Noeto, 14).

Esses são apenas alguns exemplos de muitos que poderiam ter sido citados. Orígenes, Cipriano, Firmiliano e Dionísio de Alexandria são outros autores que também criam na Trindade muito antes da chegada de Constantino. Ao contrário do que muitos pensam, o próprio imperador não tinha interesse algum em ‘promulgar’ uma doutrina trinitária para a Igreja. Se este fosse o seu intento, ele não precisaria convocar um concílio. Bastava repetir o ato de quatro anos antes, quando promulgou o decreto dominical, e assinar um edito ordenando a todos que adorassem ao Deus triúno. Se quisermos ser honestos com a verdade dos fatos, devemos lembrar que Constantino nem possuía conhecimento bíblico suficiente para se posicionar diante daquela controvérsia. Aliás, a carta por ele enviada através do bispo Hósio de Córdova, dizia que o problema que estavam discutindo acerca da natureza de Cristo era ‘uma questão sem proveito’ (uma reprodução da carta de Constantino pode ser encontrada em Eusébio de Cesaréia, Vida de Constantino, II, 64-72.)”.

Foram os bispos que o convenceram a convocar o Concílio para resolver a questão. "Mas o que poucos sabem é que o partido de Alexandre, o partido trinitariano, era o mais fraco em termos políticos. Foi um verdadeiro milagre que o texto de Nicéia não favorecesse o arianismo. Tanto é que, embora os arianos tivessem sido derrotados no Concílio, os partidários de Eusébio de Nicomédia empreenderam uma verdadeira campanha, após Nicéia, para derrotar Atanásio e restaurar Ário ao poder.”

O mais surpreendente, é que, protegido pelo imperador, Ário começou aos poucos a reconquistar seu poder e a exercer influência em assuntos políticos. Eusébio, por sua vez, convenceu Constantino a enviar Atanásio para o desterro e a recolocar Ário no posto de líder da Igreja – o que, de fato, quase aconteceu, se não fosse o falecimento de Ário na noite anterior à da cerimônia de investidura, em 336 d.C. Assim, o plano era que o imperador convocasse um novo Concílio e desse ganho de causa aos arianos.

Sob tais circunstâncias, a fé trinitária parecia, se não oficialmente renegada, praticamente condenada, principalmente depois que Constantino declarou seu desejo de ser batizado por Eusébio, em um ritual antitrinitariano, evidentemente. A chamada fé nicena só não chegou ao fim porque Constantino acabou morrendo em 22 de maio de 337, poucos dias depois de ser batizado.

“Portanto, vê-se como infundada a declaração de que Constantino seria o pai da doutrina trinitariana usada para atrair o politeísmo para a Igreja”, arremata Rodrigo. “Pelo contrário, Ário e Eusébio é que traziam uma doutrina politeísta, pois apresentavam a Cristo como um ‘segundo’ deus, menor que o Pai, mas igualmente divino e que se assemelhava muito ao chamado ‘Demiurgo’, ou seja, um deus menor que, segundo o gnosticismo do Egito, fora usado pelo deus maior para trazer o mundo à existência. Isto, sim, pode ser classificado de politeísmo. Pena que muitos insistam em não entender!”

JESUS: HOMEM OU ANJO

A idéia de Elaine Pagels, autora de O Evangelho Desconhecido de Tomé, segundo a qual Marcos, Mateus e Lucas consideravam Jesus um ser humano. Mas basta uma consulta a esses evangelhos para se perceber exatamente o contrário. (Lembre-se, por exemplo, que quando Jesus Se apresenta a Tomé, este O chama de “meu Senhor e meu Deus”, e nenhum dos discípulos repreende o colega pela aparente “blasfêmia”.) Ademais, se os discípulos soubessem que Jesus Se tratava apenas de um ser humano, teriam dado a vida por essa ilusão – a de que Jesus era de fato Deus?

Uma coisa é certa: no fim das contas, ou se aceita Jesus como Deus ou como lunático, uma vez que Ele mesmo reclamava para Si a divindade. Com base na Bíblia, não existe outra possibilidade senão a de que “o Verbo era Deus” (João 1:1).

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Helmut Koester, Elaine Pagels sobre o Gnosticismo no cenário religioso do cristianismo primitivo

A descoberta

Em dezembro de l.945 um camponês árabe fez uma descoberta arqueológica espantosa em Nag Hammadi, vilarejo do Alto Egito a 500 km do Cairo: um pote de cerâmica de quase 1 metro de altura que continha 13 papiros encadernados em couro!

Foi o início de uma história dramática e policialesca que terminou com 10 destes livros - posteriormente chamados códices - confiscados pelo governo egípcio e depositados no museu copta do Cairo; os demais códices foram contrabandeados para fora do Egito, finalmente caindo nas mãos de estudiosos de várias linhas filosóficas e religiosas.

Hoje encontram-se todos traduzidos, permanecendo o centro da atenção dos historiadores para uma nova interpretação da história.

A língua e as datas

Os papiros estavam escritos em copta, que é uma língua camito-semítica do sec. III DC., com características gregas, e que hoje é usada apenas como língua litúrgica; eram traduções de originais escritos em grego ( a língua do Novo Testamento), entre os anos 400 a 500 D.C.

E quanto às datas dos textos originais, os estudiosos divergem: alguns não poderiam ser posteriores a 120 ou 150 DC, pois Irineu, o bispo ortodoxo de Lyon, escrevendo por volta de 180 DC, declarou que "os hereges dizem possuir mais evangelhos do que realmente existem ", e lastima que nessa época esses escritos tivessem atingido grande circulação - da Gália até Roma, e da Grécia até a Ásia Menor !

O pesquisador Quispel e seus colaboradores sugerem que os originais sejam datados por volta do ano 140 DC; um alemão, prof. Helmut Koester, de Harvard, sugeriu que uma das coletâneas, a do Evangelho de Tomé, talvez inclua algumas tradições ainda mais antigas que os evangelhos do novo testamento, contemporâneas ou anteriores a Marcos, Mateus, Lucas e João (escritos por volta de 50 a 100 DC).

O assunto dos textos

Um dos mais eminentes pesquisadores foi o professor Gilles Quispel, um historiador da religião em Utrech, Holanda. Ao examinar a primeira linha de um texto ficou estupefato e incrédulo com o que leu: "Essas são as palavras secretas que Jesus, o Vivo, proferiu, e que o seu gêmeo Judas Tomé, anotou " - O texto continha O Evangelho Segundo Tomé, que ao contrário do Novo Testamento, se apresentava como "secreto".

Quispel viu que o texto continha muitos ensinamentos presentes também no Novo Testamento; mas esses mesmos dizeres, colocados em contextos pouco familiares, sugeriam outras dimensões de significados!

Verificou, ainda, que algumas passagens diferiam totalmente de qualquer tradição cristã conhecida: Jesus, o Vivo, por exemplo, fala de maneira tão intensa e enigmática quanto os Koans Zen. Jesus disse: "Se manifestarem aquilo que têm em si, isso que manifestarem os salvará. Se não manifestarem o que têm em si, isso que não manifestarem os destruirá". O que Quispel tinha em mãos era apenas um dos 52 textos descobertos em Nag Hammadi.

Encadernado no mesmo volume do Evangelho de Tomé estava o Evangelho de Filipe. Em outro volume encontraram-se ensinamentos criticando crenças cristãs bastante comuns, como a concepção imaculada - ou a ressurreição corporal, considerando-as ingenuamente equivocadas!

Boa parte da literatura encontrada em Nag Hammadi é nitidamente cristã . Certos textos, contudo , mostram pouca ou nenhuma influência cristã; alguns provêm de fontes ditas pagãs, e outros fazem uso extenso de tradições judaicas.

Os Textos

LISTA DOS TEXTOS ELABORADA PELO PROJETO CANADENSE DA BIBLIOTECA COPTA DE NAG HAMMADI

Prece do Apóstolo Paulo Fragmento de A Republica

Epístola Apócrifa de Tiago Octoade e Eneade

Evangelho da Verdade Prece de Ação de Graças

Tratado sobre a Ressurreição Asclépio

Tratado Tripartite Paráfrase de Sem

Apócrifo de João Segundo Tratado do Grande Set

Evangelho de Tomé Apocalipse de Pedro

Evangelho de Filipe Ensinamento de Silvano

Hipóstase dos Arcontes As Três Estelas de Set

Escrito sem título Zostriano

Exegese da Alma Epístola de Pedro a Filipe

Livro de Tomé, O Atleta Melquisedec

Apócrifo de João Noréia

Evangelho dos Egípcios Testemunho de Verdade

Eugnosto, o Bem-aventurado Marsano

Sabedoria de Jesus Cristo Interpretação da Gnose

Diálogo do Salvador Exposição Valentiniana

Evangelho dos Egípcios Batismo A

Eugnosto, o Bem-aventurado Batismo B

Apocalipse de Paulo Eucaristia A

1o- Apocalipse de Tiago Eucaristia B

2o- Apocalipse de Tiago Alógeno

Apocalipse de Adão Hypsiphrone

Atos de Pedro e dos 12 Apóstolos Sentenças de Sexto

Bronté ou Trovão Evangelho da Verdade

Authentikos Logos Protenóia Trimorfe

Conceito de Nossa Grande Força Escrito sem título

Agrupamento de assuntos:

Coletânea das palavras de Jesus/diálogos com seus discípulos:

Evangelho de Tomé

Diálogo do Salvador Epístola de Pedro a Filipe

Relatos apócrifos sobre Jesus e seus discípulos:

Epístola Apócrifa de Tiago

Evangelho de Maria

Apocalipses:

• Adão

Pedro

Paulo

Tiago


Tratados sobre as origens do mundo visível/invisível:

Tratado Tripartite

Apócrifo de João

Origem do mundo

Tratados filosóficos sobre a alma/destino humano:

Exegese da Alma

Marsano

Zostriano

Tratado Hermético:

As Três Estelas de Set

Coletânea de sentenças de sabedoria (tipo monástico):

Sentenças de Sexto

Ensinamentos de Silvano


As origens do Gnosticismo

Hipólito, um cristão de Roma, escrevendo em grego por volta do ano 225, ouvira falar dos brâmanes indianos - e inclui a tradição destes entre as fontes de heresia: "Há, entre os indianos, a heresia daqueles que filosofam entre os brâmanes - que vivem uma vida auto-suficiente abstendo-se de ingerir criaturas vivas e todo alimento cozido. Eles afirmam que Deus é luz, não como a luz que se vê, nem como o sol ou o fogo. E para eles Deus é discurso; não o discurso que se expressa em sons distintos e inteligíveis, mas o do conhecimento (gnose) através do qual os mistérios secretos da natureza são apreendidos pelos sábios"!

Já Edward Conze, o estudioso britânico do budismo, sugere que "os budistas mantiveram contato com os cristãos tomistas (i.é., cristãos que conheciam e usavam escritos como o Evangelho de Tomé) no sul da Índia!". As rotas comerciais entre o mundo greco-romano e o extremo oriente estavam sendo abertas na época em que o gnosticismo floresceu (entre os anos 80 e 200 DC); missionários budistas vinham pregando em Alexandria já há gerações!.

O estudioso do Novo Testamento, Wilhelm Bousset, remontou a origem do Gnosticismo às antigas tradições babilônicas e persas, declarando que "o gnosticismo é antes de tudo um movimento pré-cristão cujas raízes estão em si mesmo. Deve, portanto, ser compreendido... em seus próprios termos, e não como uma ramificação ou sub-produto da religião cristã"! O filólogo Richard Reitzenstein concordou com este ponto, mas argumentou que o gnosticismo proveio da antiga religião iraniana, e que foi influenciado por antigas tradições do zoroastrismo.

Os atuais estudiosos e pesquisadores acima citados não fizerem mais do que corroborar o que HPB já revelara no final do século passado. Já havia um certo conhecimento sobre o gnosticismo em sua época, além da literatura católica que anatematizava os gnósticos, de alguns textos originais em grego descobertos em outras regiões: o próprio Evangelho de Tomé (descoberto em meados de 1895); e a Pistis Sophia, descoberto em meados do sec. 18), contendo muitas páginas onde o próprio Jesus instruía seus discípulos sobre a reencarnação, ensinamento comum nos primeiros tempos do cristianismo primitivo.

Helena P. Blavatsky escreveu vários artigos sobre "O Caráter Esotérico dos Evangelhos" destacando sempre que Jesus ensinava aos seus discípulos uma doutrina esotérica: "A vós vos foi dado o mistério do Reino de Deus; aos de fora, porém, tudo acontece em parábolas" (Marcos 4:11). Em Isis sem Véu, HPB menciona que no Evangelho de João e nos atos de São Paulo, o Novo Testamento apresenta um grande número de expressões gnósticas, como admitem os eruditos hoje.

George R.S. Mead, secretário particular de HPB entre os anos de 1887 a 1891, recebeu dela a incumbência de que "se dedicasse ao estudo e à pesquisa na área do Gnosticismo" (o que ele realizou com brilhantismo). Em um de seus trabalhos, O Hino de Jesus - Um Rito Gnóstico, encontramos o que segue: "Como está atualmente provado, e fora de qualquer dúvida, que a Gnosis é pré-cristã , estamos então tratando com uma gnosis cristianizada que existia demonstradamente no tempo de Paulo e que este encontrou já existindo nas igrejas". Sem dúvida, a gnosis era pré-cristã no sentido de que já existia no sec. I AC, especialmente na região da Samaria e da Síria.

A catedrática Elaine Pagels, da Universidade de Colúmbia, que escreveu "Os Evangelhos Gnósticos", diz que "a maioria dos estudiosos hoje concorda que o que nós chamamos - gnosticismo - foi um movimento muito difundido cujas fontes podem ser encontradas em diversas tradições".

O Gonosticismo e o cenário religioso da época

Elaine Pagels explora uma linha de pesquisa que busca a relação entre o Gnosticismo e o cenário religioso da época; ela mostra, em parte, como as formas gnósticas de cristianismo primitivo interagiram com as formas ortodoxas, que mais tarde deram origem ao Catolicismo.

Sendo este também um dos objetivos deste trabalho, podemos colocar as seguintes questões : por que esses textos foram enterrados? por que não foram usados pela igreja cristã , posteriormente institucionalizada? e por que os cristãos gnósticos foram chamados de "hereges", e perseguidos pelos cristãos ditos "ortodoxos" ( aqueles que pensam corretamente)?

As considerações abaixo apontarão algumas respostas a tão cruciais questões!:

No século IV, na época da conversão do Imperador Constantino e quando o cristianismo tornou-se religião oficial do Império Romano, os bispos cristãos, anteriormente perseguidos pela polícia da época, passaram a comandá-la! Possuir livros denunciados como heréticos tornou-se crime civil - assim, quase toda a literatura gnóstica preciosa foi destruída pelo fogo; mas, no alto Egito, possivelmente um monge do mosteiro de São Pacômio (próximo ao vilarejo de Nag Hammadi), teve a feliz inspiração de enterrar os textos, hoje estudados! Antes desta valiosa descoberta, tudo o que sabíamos daquela época é de origem ortodoxa. A supressão dos textos cristãos gnósticos é o resultado de toda uma disputa crítica para a formação da igreja católica.

Muitos autores gnósticos afirmavam apresentar tradições sobre Jesus que eram secretas, ocultas dos "muitos" (os que passaram a ser conhecidos como ortodoxos). A palavra "Gnósis" geralmente é traduzida por "conhecimento", mas a Gnose não é, primordialmente, um conhecimento racional; a língua grega distingue entre o conhecimento científico (ele conhece matemática) e, reflexivo (ele se conhece), experiência que é Gnose, percepção direta daquilo que é, percepção interior, um processo intuitivo de conhecer-se a si mesmo. Como um ensinamento dessa natureza poderia ser utilizado pela igreja?.

Aqueles que não participavam da mesma interpretação de "textos sagrados" (no mais das vezes simples interpolações dogmatizadas!) dada pelos padres, passaram a ser denunciados como "heréticos" ( aquele que pratica doutrina contrária ao que foi definido pela igreja em matéria de fé). No entanto, essa campanha contra a heresia envolvia um reconhecimento de seu poder de persuasão! ... e no entanto, foram os bispos que prevaleceram.

Traçaremos, agora, um paralelo entre o que acreditavam e o que falavam os cristãos ortodoxos e os gnósticos seguidores de Valentino, um dos líderes moderados da época, e que até pretendia a união entre as duas facções, pretensão esta repudiada por Irineu e outros bispos:

os cristãos ortodoxos:

-Uma distância abissal separa a humanidade de seu criador. Ele é inteiramente distinto de Sua criação.

os gnósticos valentinianos:

- Negam essa distância e afirmam que o conhecimento de si mesmo é conhecimento de Deus; o "eu" e o "divino" são idênticos.

-Jesus fala em "pecado" e "arrependimento".

- Jesus fala em ilusão e iluminação.

- Jesus é o Senhor e o Filho de Deus, de uma maneira única e singular; permanece eternamente distinto do resto da humanidade que veio "salvar".

- Jesus veio como um guia que abre o acesso para o entendimento espiritual, e quando o discípulo se ilumina, ele deixa de ser seu Mestre, pois ambos se tornam semelhantes.

- Seguindo os tradicionais ensinamentos judaicos, "todo sofrimento vem do pecado", que teria maculado uma criação originalmente perfeita .

- É a ignorância e não o pecado que leva uma pessoa a sofrer. No Evangelho da Verdade encontra-se: "...a ignorância...trouxe angústia e terror. E a angústia tornou-se espessa como uma neblina, de modo que ninguém conseguia enxergar. Por isso o erro é tão poderoso..." Isto significa que a maioria das pessoas vivem no oblívio, na inconsciência. Sem jamais se tornarem cientes de si mesmas, elas não têm raízes.Os que vivem deste modo sofrem "terror, confusão, instabilidade, dúvidas e desunião", sendo enredados por "muitas ilusões".

- A paixão e a morte de Jesus como um sacrifício que redime a humanidade da culpa e do pecado. E a única chave para abrir o Paraíso é "o nosso próprio sangue".

- A "crucificação" é o momento para descobrirmos a essência divina em nós mesmos. O "Testemunho da Verdade" declara que aqueles que se entusiasmam com o martírio não sabem "quem é o Cristo". O autor ridicularizava a crença de que o martírio assegura a salvação e diz que os ortodoxos o veem como uma oferenda a Deus e pensam que ele deseja sacrifícios humanos!". Cristo é um ser espiritual e apenas a sua natureza humana sofreu.

- A ressurreição de Jesus e do cristão.

A "Fé dos Tolos". A existência humana comum é morte espiritual. É necessário receber a ressurreição espiritual enquanto vivem!.

- A discriminação da mulher: Tertuliano, nos preceitos da "disciplina eclesiástica para as mulheres", especificava: "Não é permitido a nenhuma mulher falar na igreja, nem é permitido que ensine ou que batize, ou que ofereça a eucaristia’ ... para não falar em qualquer cargo sacerdotal. Em 1.977, o papa Paulo VI declarou que a mulher não pode ser padre "porque Nosso Senhor era homem".

- Entre alguns grupos gnósticos , as mulheres eram consideradas iguais aos homens; algumas ensinavam, outras evangelizavam e curavam.

- A fé ortodoxa diz que o ensinamento original dos apóstolos é a norma e o critério; aquilo que se afastar é heresia!

- Os escritos gnósticos previam que o futuro propicia um aumento ininterrupto do conhecimento!

- Os três evangelhos sinóticos do Novo Testamento, em sua maior parte, traçam uma biografia da vida de Jesus em ordem cronológica, fazendo dele o Messias esperado pelos judeus. O destino humano depende dos eventos da "história da salvação", particularmente da sua vinda, vida, morte e ressurreição como fato histórico.

- Os gnósticos aceitavam os acontecimentos históricos como secundários; interessavam-se, acima de tudo, pelo significado interior dos acontecimentos e parábolas. Tanto o gnosticismo como a psicoterapia valorizam sobretudo, o conhecimento - o autoconhecimento que é a percepção interior. De acordo com o "Diálogo do Salvador", quem não compreender os elementos do Universo, e de si mesmo, está fadado ao aniquilamento: "... quem não compreender como o corpo veio a existir, há de perecer com ele. Quem não compreender como veio, não há de compreender como irá...".!

- Os ortodoxos concebiam o "Reino de Deus" literalmente, como se fosse um lugar específico. Segundo Mateus, Lucas e Marcos, Jesus proclamou o advento próximo do Reino de Deus, quando "os encarcerados obteriam a sua liberdade, os doentes seriam curados, os oprimidos receberiam alívio, e a harmonia prevaleceria sobre todo o mundo". Marcos afirma "que os discípulos esperavam que o reino se instaurasse num evento cataclismico que ocorreria ainda durante suas vidas", pois Jesus dissera que alguns deles viveriam para ver "o reino de Deus chegando com poder".

- No Evangelho de Tomé, Jesus teria ridicularizado aqueles que concebiam o Reino de Deus literalmente:

"...antes, o reino de Deus está dentro de voces; e está fora de voces. Quando vierem a se conhecer, então se farão conhecidos, e perceberão que são os filhos do Pai Vivo. Mas se não conhecerem, existirão em pobreza". O "Reino" então simboliza um elevado estado de consciência.

- Os líderes criaram um arcabouço simples e claro, constituído de doutrina, ritual e estrutura política que provou ser um sistema extraordinariamente eficaz de organização. Criou-se uma hierarquia de três níveis - bispos, padres e diáconos, e a concepção: "Um Deus, um Bispo". Clemente diz que Deus delega sua autoridade para reinar a líderes e governantes na terra!. Separar-se do bispo é separar-se da igreja e de Deus ! Fora dessa igreja não há salvação - "Ela é a entrada para a vida!".

- Os gnósticos foram potencialmente "subversivos" quando diziam que os "muitos" (os ortodoxos) eram "canais sem água"! Afirmavam oferecer a todo iniciado um acesso direto a Deus, sem representantes ou intermediários. Em o "Testemunho da Verdade " encontramos que "obediência à hierarquia clerical exige que os fiéis se submetam a guias cegos"; a fé nos sacramentos demonstra um raciocínio mágico e ingênuo. Contra essas mentiras o gnóstico declara que, quando um homem se conhecer a si mesmo, e ao Deus que está acima da verdade, ele será salvo.

- A autoridade da igreja é incontestável e é a base para a "infalibilidade papal ". Concebiam Jesus como Senhor, identificando-o como alguém exterior e superior aos seus discípulos. Em Marcos encontramos: "E Jesus partiu com seus discípulos...No caminho perguntou-lhes: "Quem dizem os homens que eu sou?" Ao que replicaram: "João Batista; outros, Elias, outros ainda, um dos profetas" E ele perguntou: "Mas quem vocês dizem que eu sou?" Pedro respondeu: "És o Cristo". Mateus acrescenta que Jesus abençoou Pedro pela sua acuidade, e em seguida declarou que a igreja seria edificada sobre ele e sobre o seu reconhecimento de Jesus como o Messias.

- O Evangelho de Tomé narra o episódio de maneira diferente; Jesus disse a seus discípulos: "Comparem-me e digam-me com quem me pareço eu". Disse Simão Pedro: "És semelhante a um anjo justo". Disse-lhe Mateus: "És semelhante a um filósofo sábio". Disse-lhe Tomé: "Mestre, minha boca é totalmente incapaz de dizer com quem tu és semelhante". Jesus disse: "Não sou o seu Mestre. Porque vocês beberam, ficaram embriagados da fonte borbulhante da qual eu lhes servi". Jesus não nega aqui o seu papel de Mestre. Mas os discípulos e suas respostas representam um nível inferior de compreensão. Daí Tomé, que reconhecia a impossibilidade de atribuir qualquer papel específico a Jesus, transcendeu , naquele instante de reconhecimento, a relação discípulo/mestre.

O modelo gnóstico aproxima-se do modelo psicoterapeutico: ambos admitem a necessidade de orientação, como medida provisória apenas. O propósito de aceitar a autoridade é aprender a superá-la; aquele que se torna maduro não precisa mais de uma autoridade exterior.

Quem alcança a gnose torna-se "não mais um cristão, mas um Cristo" E quem esperava "tornar-se Cristo", dificilmente poderia admitir que as estruturas institucionais da igreja - seus bispos e padres, seu credo e cânone, e seus ritos - possuíssem a autoridade suprema.

- Aquele que confessasse o Credo, aceitasse o ritual do batismo, participasse do culto e obedecesse ao clero, pertencia à igreja.

- Os gnósticos afirmam que o que distingue a verdadeira da falsa igreja não é a sua relação com o clero, mas o nível de compreensão dos seus membros e a qualidade das relações que esses mantém entre si, unidos pela amizade e amor fraternal.

Conclusão

Vimos que a corrente filosófica e religiosa de nome Gnosticismo foi um movimento pré-cristão, cfe. os atuais estudiosos Bousset/Reitzenstein, que vieram a corroborar as pesquisas de George R.S. Mead, erudito secretário de HPB durante os últimos anos de vida desta grande iniciada.

Podemos dizer que essa grande corrente - O Gnosticismo - pode ser dividida em: uma popular (influenciada pelas antigas religiões, notadamente o Zoroastrismo - 1400 AC , que também veio a influenciar o Catolicismo contribuindo com as "crenças no céu, no inferno, na ressurreição dos mortos e no juízo final"); e outra esotérica, de origem grega (pelo Orfismo do VI sec. AC, e o Neoplatonismo, através de Plotino, entre 204 AC e 70 DC ) - doutrinas que professavam, entre outros aspectos, a purificação da alma para evitar futuros renascimentos.

Esta corrente helenística influenciou notavelmente os primeiros padres cristãos (que eram gregos), inclusive o conhecido São Paulo, que era um judeu helenizado e com uma visão universalista cristã, contrária ao segregacionismo judaico. Mas, aos poucos, o cristianismo puro de Jesus foi sendo dominado, com a emergente igreja católica assimilando cada vez mais, através dos concílios, ensinamentos do Velho Testamento, tornando-se, na realidade, uma igreja judaica-cristã. Muitas interpolações foram feitas nos evangelhos ditos canônicos, com evidente objetivo.

Ao estudarmos as origens do Catolicismo começamos a entender o por que da sua sobrevivência por quase 2000 anos! É a façanha de uma organização hierarquizada que se autodenominando representante de Deus na face da terra, através de seus clérigos, procurou nivelar as consciências por meio de dogmas. E tal organização jamais iria abrir mão da sua "representatividade", pois sem ela não haveria razão para a sua existência!

O dogmatismo e a intolerância advindas dessa imposição (como se o homem fosse um ser estático, não passível de evolução), castraram o desenvolvimento de muitas consciências, e as que se rebelaram sofreram restrições terríveis. Suficiente é nos lembrarmos da "Santa Inquisição" e dos "trabalhos" de catequese que tiraram de muitas sociedades o direito de seus membros à liberdade de culto! E em muitos casos, as suas riquezas materiais...

Sylvia Cranston, em sua recente obra Helena Blavatsky, relata que "o trabalho da Teosofia ... foi reconhecido na Encyclopaedia Britannica num artigo sobre o Cristianismo pelo historiador da religião, Ernst Wilhelm Benz... definindo-a (a teosofia) como "caracterizada principalmente por uma combinação de tradições e ensinamentos cristãos e elevadas religiões asiáticas" , concluindo a seção com um comentário surpreendente: ..."Muitos eruditos estão convencidos de que, no século vinte, é necessário um Cristianismo Esotérico para cumprir uma tarefa positiva como um contra movimento capaz de compensar a perda de substância espiritual na organização institucional, social e dogmaticamente estática da Igreja".

Em Isis Sem Véu, HPB cita Max Müller, que escreveu em l860: "A ciência da religião está só começando... Durante os últimos 50 anos, documentos autênticos das religiões mais importantes do mundo foram recuperados de maneira inesperada e quase miraculosa..." (e até então, nada se sabia de Nag Hammadi!) . E ela pergunta se a freqüente ocorrência dessas descobertas não obedece a algum propósito pré-determinado: "Será tão estranho pensar que os guardiões da sabedoria "pagã", vendo que chegou o momento certo, façam com que o documento, livro, ou relíquia necessários cheguem como que por acaso às mãos do homem certo?".

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Bibliografia:

Pagels, Elaine - Os Evangelhos Gnósticos ; Ed. Cultrix, 1979

Kuntzmann, R - Nag Hammadi - O Evangelho de Tomé ; Edições Paulinas, 1990

Mead, George R.S. - O Hino de Jesus - Um Rito Gnóstico ; Ed. Teosófica, 1994

Rodhen, Huberto - O Quinto Evangelho ; Ed. Alvorada

Le Cour, Paul - O Evangelho Esotérico de São João ; Ed. Pensamento, 1980

Hinnells, John R. - Dicionário das Religiões ; Ed. Cultrix, 1984

Cranston, Sylvia - Helena Blavatsky - A Vida e a Influência Extraordinária da Fundadora do Movimento Teosófico Moderno ; Ed. Teosófica, 1997