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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Bruce J. Malina e o “grupo do Jesus Messias”



Antes de tudo, é importante dizer que neste artigo procuraremos discutir a origem do movimento de Jesus, e não da religião cristã, que surgiu nas décadas que se seguiram à crucificação de Jesus. Essa distinção é importante, pois ao longo das próximas páginas tentaremos demonstrar que o movimento de Jesus pode ser entendido como um fenômeno popular de reação contra a pressão sofrida pelos camponeses da Galiléia do século I por parte do império romano. Embora a religiosidade não possa ser separada de qualquer outra área da vida dos antigos judeus, nós o faremos aqui, simplesmente para que os aspectos políticos e econômicos daquela sociedade que foram preponderantes para a ação de Jesus, não sejam obscurecidos pelos supostos planos divinos como tantas vezes tem acontecido ao longo da história.


Começaremos tratando do império romano e sua forma de governo; do choque cultural e econômico que sua chegara trouxe para a Palestina; e do papel das cidades no sistema administrativo deste império. Deixaremos para a segunda metade do trabalho o movimento de Jesus, quando nos voltaremos para a tradição cristã descrevendo alguns dos eventos que nos conduzirão a uma compreensão do projeto de Jesus e do significado do “Reino de Deus”.


É preciso, dizer que esta pesquisa não traz alguma descoberta revolucionária sobre Jesus. Na verdade, praticamente todos os tópicos aqui abordados estão bem desenvolvidos pela pesquisa de diversos outros pesquisadores. Todavia, esses resultados alcançados após séculos de pesquisa ainda são desconhecidos da maior parte dos interessados no tema, aos quais gostaría de dirigir o presente esforço; e além disso, não se pode dizer que o problema do Jesus Histórico seja um caso esgotado, o que torna necessário a contínua revisão e o aperfeiçoamento dos resultados através de novas tentativas como essa à qual nos propusemos, a fim de que vez ou outra, novos e importantes passos sejam dados.


PALÁCIOS ENTRE FAZENDAS


Sabe-se a princípio, que a agricultura era a base da economia dos povos da antiguidade, o que pode-se tranquilamente aplicar aos moradores da Galiléia, região norte da Palestina, que no primeiro século foi o palco do nascimento do cristianismo. Naturalmente, quando falamos dos galileus dentre os quais nasceu o cristianismo, geralmente nos referimos a camponeses que viviam em aldeias do norte da Palestina de modo bastante tradicional, envolvidos especialmente com a produção de grãos. Porém, esse simplório cenário agrícola não é capaz de explicar a vida das pessoas que escreveram o Novo Testamento. Décadas antes do nascimento de Jesus, toda a Palestina viu-se diante de uma drástica mudança de caráter político que mudaria significativamente a vida de todos daquele lugar, e também determinaria as condições de vida das gerações subseqüentes. Estamos nos referindo ao início da dominação do império romano sobre a Palestina na segunda metade de século I a.C., que impôs à região uma agressiva transformação.


Antes de Roma, a Palestina já conhecera a vida sob a dominação de impérios estrangeiros que usufruíam do trabalho dos seus habitantes principalmente através da extorsão de excedentes agrícolas. Todavia, a comercialização romana era bem mais agressiva. A unidade política do império era mantida pelo controle militar em centros urbanos espalhados pelas províncias (ainda que nas extremidades desse império a fragilidade dessa dominação forçada se deixasse ver por meio de províncias revoltosas), e destes pontos estrategicamente controlados Roma apropriava-se dos camponeses tirando deles não apenas os excedentes agrícolas, mas também a terra e a dignidade.


Ao tratar da antropologia de classe aplicada aos estudos do cristianismo primitivo, John Dominic Crossan aproveita o trabalho do antropólogo John Kautsky para definir o império romano como umimpério agrário mercantil, que se diferencia dos impérios agrários tradicionais que dominaram a Palestina antes de Roma, e ressalta o que temos dito com as seguintes palavras:


“... no império agrário tradicional, a aristocracia toma o produto excedente da classe camponesa; no império agrário mercantil, a aristocracia toma a terra da classe camponesa. O primeiro devora o esforço e o produto dos camponeses, o segundo a própria identidade e dignidade deles [...] No império agrário tradicional, a terra é herança familiar a ser conservada pela classe camponesa. No império agrário mercantil, a terra é mercadoria empresarial a ser explorada pela aristocracia”.


A dominação romana só poderia, portanto, ser recebida pela classe camponesa da Palestina como uma força opressora e “demoníaca”. Forçava-os pela superioridade militar a aceitar um sistema de troca nada recíproco, onde no fim das contas até mesmo o direito a terra, que com base na Lei de Deus era propriedade exclusiva de Javé e herança intransferível dos camponeses, era-lhes negado.


Essa primeira aproximação em relação ao problema da violenta transição pela qual passou a Palestina entre os séculos I a.C. e I d.C. pede que aprofundemos o tema, a fim de que compreendamos melhor como exatamente se dava essa expropriação do fruto do trabalho da classe camponesa, e como tudo isso relaciona-se com o surgimento do cristianismo. A tarefa é extensa, e não temos espaço para tratar dela com todos os detalhes possíveis, motivo pelo qual tentaremos restringir nossas observações sempre à Galiléia, terreno que deu origem aos textos que neste trabalho abordaremos, e às épocas que envolvem suas origens.


Durante a vida de Jesus o domínio romano na Galiléia foi exercido através do tetrarca Herodes Antipas (4 a.C. a 39 d.C.), que tratava de cuidar na região dos interesses próprios e do império. Tão logo assumiu o poder, Antipas investiu na reconstrução da cidade de Séforis (atacada após a morte de seu pai, Herodes Magno) para que servisse como capital da Galiléia, posto de administração e arrecadação tributária, e praça de comando militar. De Séforis eram enviados os cobradores de impostos e os soldados que mantinham por meio da violência a “ordem pública”.


Embora a principal função de cidades como Séforis fosse facilitar o controle sobre os excedentes produzidos nos campos, estas cidades também eram focos da disseminação gradual da cultura helenista, tendo o grego como idioma, cunhando moedas, construindo ginásios e teatros etc. A corte durante os governos de Herodes Magno (rei-cliente de Roma que governou toda a Palestina de 37-4 a.C.) e Herodes Antipas era, culturalmente, um retrato da dominação internacional. O primeiro Herodes era um idumeu que vivera e estudara em Roma por alguns anos, cuja esposa era uma mulher samaritana. Antipas deu seguimento ao caráter gentílico e cosmopolita da elite casando-se primeiro com a filha do rei Aretas da Nabatéia, e depois com uma mulher asmonéia.6 Além de Séforis, também foi Antipas quem também deu início à construção de outra cidade de grandes proporções a trinta quilômetros de Séforis, à beira do lado da Galiléia, para fazê-la sua nova capital. Esta cidade foi concluída entre os anos 18 e 20 d.C. e chamada Tiberíades, em homenagem ao imperador Tibério (14-37 d.C.). O historiador judeu Flávio Josefo escreveu sobre a população original de Tiberíades com evidente desprezo pela gente que Antipas implantou ali, vinda de todas as partes (Ant. 18.36-38).


Deveras, durante a revolta dos judeus contra os romanos em 66-70 d.C., provavelmente era grande o número de gregos que habitavam Tiberíades, e em Séforis Richard Horsley acredita que a maior parte dos habitantes eram não-judeus. Ainda que isso não seja prova da predominância gentílica de Séforis durante a revolta, sabemos que naqueles dias de crise os aristocratas citadinos adotaram uma posição pró-romana, buscando a proteção de Vespasiano contra as ameaças dos revoltosos camponeses galileus, destruindo as próprias defesas para demonstrar que não resistiam à invasão romana. Não por acaso, diferentemente de Jerusalém, a cidade de Séforis sobreviveu à guerra e continuou a ser uma cidade de influência na região por séculos.


Mesmo que as poucas informações compartilhadas acima não sejam suficientes para nos fornecer um retrato completo (se é que isso é possível) da presença citadina na Palestina durante o primeiro século, podemos concluir com certa segurança que as cidades eram edificadas para receber as elites e os sistemas de manutenção do seu poder. Eram núcleos de onde uma minoria controlava e explorava os arredores e a maioria da população. Mas lá também se reunia um grande número de pessoas não tão “nobres” que viviam para satisfazer das mais diferentes maneiras as necessidades da elite. Ekkehard e Wolfgang Stegemann nos dão uma relação breve dos vários tipos de profissionais que constituíam as populações citadinas da seguinte forma:


“Na população da cidade há, entre outros, “funcionários públicos”, sacerdotes, eruditos, escrivães, comerciantes, servos, soldados, artífices, trabalhadores e mendigos. Ao lado destes, existe uma pequena elite que obtém o seu sustento da posse da terra e/ou de cargos políticos”.


Dentre os trabalhadores mencionados, podemos incluir ainda os que trabalhavam com o transporte, alguns professores, artistas, os ocupados com a construção, as prostitutas etc.


Apesar disso tudo, há quem prefira referir-se ao cosmopolitismo das cidades galiléias com maior cautela. Este é o caso de Gerd Theissen, que vê o helenismo das cidades da Galiléia mais como uma expressão de uma forma “moderna” de judaísmo do que como uma invasão generalizada da cultura greco-romana na Palestina. Aqui podemos dizer que além das autoridades nomeadas pelo império para administrar a província, eram moradores das cidades sacerdotes e outros judeus que conseguiram algum poder e status social a partir de suas funções e posses em relação à aristocracia estrangeira. Mark Chancey, a partir de pesquisas arqueológicas, tem demonstrado que mesmo nesses ambientes urbanos ainda havia predominância da cultura judaica. Isso é algo valioso para nós, já que depois da revolta de 66-70 d.C. e da destruição do Templo de Jerusalém, foi nos ambientes citadinos da Galiléia que se deu início a uma coalizão de judeus em busca de unidade religiosa, criando um movimento que hoje muitos chamam de judaísmo formativo. O evangelho citadino de Mateus mostrar-se-á uma evidência disso.


Fiquemos, em relação às cidades de Séforis e Tiberíades, com a imagem de que eram pólos da opressão da elite sobre o campo, e que embora essa elite sirva a Roma e possua um caráter cosmopolita inquestionável, também fazia parte desse grupo opressor a aristocracia judaica. Tentando atender às pesadas exigências tributárias do violento governo herodiano e também às cobranças dos impostos religiosos, os camponeses galileus enredavam-se em empréstimos oferecidos principalmente por funcionários da administração herodiana e aristocratas sacerdotais, dando a própria terra, sua fonte de sobrevivência que devia ser inegociável, como garantia de pagamento. A pesada extorsão de excedentes unida à desonesta comercialização agrária gerou um previsível e gradativo processo de endividamento que conduziu grande parte da classe camponesa à completa miséria. Enquanto a aristocracia vivia luxuosamente e poucos proprietários enriqueciam acumulando posses, entre os camponeses o empobrecimento era desesperador. Em determinados momentos, quem conseguia ao menos uma ocupação arrendando a terra de algum fazendeiro tinha que dar-se por satisfeito, posto que tantos outros camponeses menos afortunados vendiam-se como escravos ou tornavam-se marginais, vendo-se obrigados a recorrer à mendicância ou mesmo ao banditismo, fenômeno que alcançou proporções epidêmicas em certos períodos da dominação romana na região.


Essa exposição sucinta sobre o impacto da dominação romana e de suas cidades administrativas sobre a classe camponesa da Palestina, não foi e nem poderia ser completa. Mas ainda não a concluímos; a partir daqui, continuaremos tratando desse tema juntamente com nossa investigação a respeito da origem do Movimento de Jesus e do primeiro cristianismo, o que ilustrará com um exemplo historicamente marcante o que até então pudemos dizer.


Imposições Urbanas num Cenário Agrícola: o Movimento de Jesus


Diante do que já vimos, imaginamos sob que condições adversas nasceu entre os camponeses da Galiléia o homem Jesus de Nazaré. Uma particularidade a seu respeito que merece consideração é que Jesus desempenhava alguma atividade profissional como artesão, o que não o põe à parte da classe camponesa. No evangelho de Marcos 6.3 ele é descrito pelo termo grego tekton, e em Mateus 13.55 como filho de um tekton. Embora o termo na maioria das vezes seja traduzido por “carpinteiro”, também pode ser uma designação mais genérica para um artífice do setor da construção, que podia trabalhar não só com madeira, mas também com metais ou como pedreiro.


Como camponês/artesão da aldeia de Nazaré (que ficava a aproximadamente uma hora de caminhada de Séforis), não é difícil imaginar que Jesus pudesse estar por algum tempo ligado profissionalmente a Séforis, a primeira capital do governo de Antipas.21 Deveras, boa parte da mão-de-obra para a edificação e manutenção das grandes cidades era fornecida por pessoas como Jesus, saídas das pequenas aldeias ou cidades satélites. Mas, para que não façamos confusões imaginando Jesus como um trabalhador privilegiado, citemos outra vez John D. Crossan, que a partir do trabalho de G. Lenski sobre sociedades agrárias como a do império romano, disse que “Quanto à classe social, os artesãos eram inferiores, não superiores, aos agricultores camponeses”. Em geral, cada família camponesa produzia suas próprias cerâmicas e instrumentos em vez de comprá-las, o que torna o comércio destes produtos nem sempre uma opção lucrativa. Além disso, para um artesão o acesso à comida era indireto, e conseqüentemente passível às imposições de mediadores que podiam encarecer o produto.


A conclusão de Crossan é que o artesanato como meio de sobrevivência só era, em geral, uma opção daqueles aldeões cuja terra não era suficiente, seja pela má qualidade ou pelo crescimento populacional. Exceção a esta regra podem ser os casos em que através da participação de alguém com capital para investir na produção de artesanato transformasse a produção numa verdadeira indústria, o que da mesma forma não implicava em qualquer benefício para a classe camponesa.


Não há motivos para supor que Jesus fosse um camponês privilegiado por sua atividade profissional bem sucedida. Aliás, há um dado histórico que habitualmente não é relacionado à vida de Jesus, mas que pode ser bastante relevante para compreender sua trajetória, principalmente se imaginamos que Jesus manteve alguma relação profissional com Séforis: Herodes Antipas decidiu aumentar seu controle sobre a região da Peréia e mudar sua capital administrativa para Tiberíades, fato que já mencionamos brevemente. Embora Séforis não tenha se mudado ou esvaziado, pode ter acontecido de profissionais como Jesus sofrerem com a queda no volume de negócios, regredindo à marginalidade dos camponeses pauperizados. Este dado histórico pode não ter nenhuma relação com a direção tomada por Jesus, mas coincidentemente, foi nalgum momento após este período de mudança, durante os anos 20, que Jesus deixou a Galiléia em direção à Judéia e aderiu ao movimento do profeta João Batista (Mc 1.9).


Não é possível precisar quanto tempo Jesus esteve na Judéia, mas como se não bastasse tanta desventura, outra vez Herodes Antipas interfere na sua trajetória prendendo João Batista. Lemos nos evangelhos que João foi preso por criticar o casamento de Antipas com Herodíades, que fora sua cunhada (Mc 6.17-18; Mt 14.3-4; Lc 3.19), mas Crossan tem ressaltado o sentido político da crítica do profeta como o fator principal de sua prisão. Ao ver que Antipas pretendia aumentar a popularidade do seu governo por meio do governo com uma rainha de descendências asmonéia como Herodíades, Crossan astutamente vê João Batista interferindo no âmbito político, e não apenas preocupado com o incesto de Antipas. De fato, a ação do tetrarca cala João Batista definitivamente e dispersa seus seguidores, o que leva Jesus a voltar para a sua terra, a Galiléia.


Desta vez Jesus se estabelece em Cafarnaum, aldeia alguns quilômetros acima de Tiberíades, também às margens do lago (Mt 4.12-13). Ali, nas aldeias da região, Jesus dá início ao seu movimento recrutando pessoas que provavelmente eram como ele, vítimas pauperizadas da política agressiva do império romano e da desonestidade da classe sacerdotal judaica. Jesus começa pregando exatamente o que aprendera de João Batista, mas não ficou isolado no deserto na expectativa de uma intervenção apocalíptica de Deus nem chegou ao extremo de organizar um grupo guerrilheiro para tomar à força o controle da situação. Jesus propôs o retorno à Torá, a restauração da dignidade da classe camponesa por meio da solidariedade entre famílias; não se trata aqui de obras de caridade auto-satisfatórias, mas da reestruturação da sociedade igualitária, de redistribuição justa de riquezas.


Jesus aproveitou a desestrutura patente da classe rural para arregimentar pregadores viandantes. Fazendo profetas de camponeses expropriados, ele formou um movimento que dedicava-se às curas, exorcismos, e à proclamação do Reino de Deus, que tinha uma perspectiva escatológica e também presente. Eles diziam que chegavam novos tempos, em que não haveria imperadores, tetrarcas ou centuriões, mas uma grande irmandade aldeã guiada pelo próprio Deus, e onde as injustiças seriam extintas através da perfeita prática da Lei. Também diziam que esse tempo já se aproximou (Lc 11.20), que o tempo já estava cumprido (Mc 1.15), dando sinais disso por meio de curas milagrosas. Quem cresse, deveria começar a experimentar o Reino de Deus imediatamente, fazendo ao próximo o que gostariam que também lhes fizessem (Mt 7.12), e não sujeitando-se a homens que no momento eram os primeiros, mas que logo seriam os últimos (Mc 10.31).


Apenas para ilustrar isso noutras palavras, vamos citar mais algumas linhas de Horsley e Silberman:


“Sob a pressão dos tributos e da expropriação de terras por parte de Herodes, eles haviam se afastado do espírito aldeão tradicional de cooperação mútua: a dissensão e a recriminação mútua precisavam ser apaziguadas [...] Portanto, as curas e os ensinamentos de Jesus precisam ser vistos nesse contexto, não como verdades espirituais abstratas, ditas entre um milagre extraordinário e outro, mas como programa de ação comunitária e resistência prática a um sistema que conseguiu transformar aldeias fechadas em comunidades muito fragmentadas de indivíduos alienados e amedrontados”.


Aproximadamente dois anos após dar vida a um movimento que adaptara a expectativa do Reino de Deus ao cotidiano dos camponeses, Jesus também é condenado como subversivo e assassinado. Independente das interpretações salvíficas ou cristológicas dadas à sua morte, não podemos nos esquecer que ela foi, assim como a do seu predecessor João Batista, um ato de contenção de uma ameaça política real. A igreja cristã nem sempre entende o que o império romano viu de pronto: que o Reino de Deus não era outra coisa senão a proposta de uma teocracia cujo estabelecimento exigia a destruição do império. Mesmo que talvez exagerem a importância da ameaça de Jesus ao poder imperial, Horsley e Silberman deixam claro que esta morte deve ser lida como sugerimos, como ato de importância política: “... o fato de Jesus de Nazaré ter sido crucificado é testemunho tão eloqüente quanto qualquer outro da profundidade e clareza da ameaça que ele representava [...] estavam em jogo o poder da administração romana e a ordem pública de Jerusalém”.


Felizmente, mais uma vez o extermínio violento do líder popular não foi capaz de dar cabo do seu projeto. Tem-se conhecimento de que em diferentes lugares homens e mulheres que haviam sido impactados pela proposta de Jesus dão sequência ao movimento trilhando caminhos diferentes. Na Judéia, parece que desde cedo surgiu a fé em torno do Jesus ressuscitado, formando o que Bruce J. Malina chama de “grupos do Jesus Messias”, que aos poucos transformaram o projeto social de Jesus numa busca pela salvação, ou pelo “... resgate cósmico das pessoas coletivistas do primeiro século do mundo mediterrâneo”. Na Galiléia, os camponeses que ouviram Jesus talvez só souberam de sua morte por ouvir falar, e mantiveram com maior fidelidade as características originais do programa de renovação social da comunidade camponesa por meio da Lei interpretada através do amor ao próximo.


É na Galiléia que o primeiro cristianismo parece mais ligado à atividade dos discípulos itinerantes. Estes itinerantes, porém, “ministros de Jesus” e proclamadores do Reino de Deus entre aldeias, foram aos poucos transformados em “missionários profissionais” arregimentados para a propagação do cristianismo. Estes “profissionais” eram itinerantes que não nasceram da despossessão material como os primeiros seguidores de Jesus, mas de uma vocação que os impulsionava a uma vida sem lar e bens, conforme a distinção que faz Rodney Stark nas palavras que citamos a seguir:


“Nos vinte anos depois da crucificação, o cristianismo foi transformado de uma fé da Galiléia rural em um movimento urbano que ultrapassou os limites da Palestina. No começo ele esteve a cargo de pregadores itinerantes e pelas bases cristãs que dividiam sua fé com seus parente e amigos. Logo eles foram alistados por missionários profissionais como Paulo e seus associados. Assim, enquanto os ministros de Jesus foram primariamente às áreas rurais e arredores das cidades, o movimento de Jesus rapidamente se alastrou para as cidades Greco-romanas”.