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sábado, 3 de abril de 2010

As Narrativas Sobre os Últimos dias de Jesus

As narrativas sobre os últimos dias da vida de Jesus são uma invenção, segundo pesquisadores.

Se existe uma parte da Bíblia sobre a qual a arqueologia tem bem pouco a dizer é quanto à reconstituição histórica da vida de Jesus, já que dificilmente uma pessoa pobre e sem importância política deixa vestígios. E, dizem os especialistas, era exatamente esse o caso do fundador do Cristianismo. "Quem é que deixa vestígios? É quem tem poder. Se existem ruínas de uma cidade, o que vai sobrar: a choupana do camponês ou um pedaço do palácio? No Novo Testamento temos o mesmo problema. Jesus e seus seguidores eram andarilhos que iam de uma cidade para outra mendigando, portanto, dificilmente deixariam vestígios", explica Pedro Vasconcellos, professor de Teologia da PUC de São Paulo.

Dentre os raros indícios arqueológicos relacionados a Jesus, as citações feitas por dois historiadores, o judeu Flávio Josefo (37-100 d.C) e o romano Tácito (56 - 120 d.C), e pelo Talmude da Babilônia (tratados jurídicos, religiosos e filosóficos que definem o modo de ser judeu) são os mais diretos (todos se referem à sua morte). No livro "Excavating Jesus" (Escavando Jesus), ainda sem tradução no Brasil, o irlandês John Dominic Crossan, professor de estudos bíblicos da Universidade De Paul, nos Estados Unidos, relaciona cinco descobertas arqueológicas que fornecem indícios sobre os relatos da vida de Jesus descritos nos Evangelhos (veja quadro acima). Nenhuma delas faz referência direta a Jesus, mas a pessoas e objetos relacionados a ele, de acordo com as narrativas bíblicas.

Mesmo diante da falta de provas extrabíblicas consistentes, poucos estudiosos sérios colocam sua existência em dúvida atualmente. "Sobre outros personagens históricos, como Pitágoras e Sócrates, tivemos mais dúvidas no passado do que sobre a existência de Jesus", diz o professor de filosofia e teologia Gabriele Cornelli, da Universidade Metodista de São Paulo. Ele explica que as únicas certezas com relação a Jesus são as de que ele existiu e teve uma morte violenta, por motivos religiosos. Provavelmente, os últimos dias de sua vida não ocorreram da maneira relatada nos Evangelhos. "Nem quem os escreveu sabia o que aconteceu. Fica muito claro pela narrativa bíblica que os evangelistas fogem, eles não estão lá. Jesus fica sozinho em seus últimos dias. Não tenho a menor dúvida em afirmar que os detalhes da narrativa são ficcionais, são uma invenção", diz Cornelli.

Paixão nem sempre foi narrada

Esse ponto de vista polêmico é defendido por John Dominic Crossan, em um dos principais livros de referência sobre o assunto, "O Jesus Histórico". Segundo Crossan, a narrativa dos evangelistas é uma releitura do Antigo Testamento. Eles contam a história da morte de Jesus de modo que ela confirme as profecias sobre o Messias - que seria enviado por Deus para morrer e salvar os homens de seus pecados. Mas nem sempre essa história foi contada. Segundo Cornelli, no manuscrito original do apóstolo Marcos, que é a base de todos os Evangelhos, não havia a narrativa da Paixão. Mas então o que motivou o início dessa narrativa? "No meu ponto de vista é porque os primeiros cristãos estavam sendo perseguidos na época em que os Evangelhos foram escritos. Jesus se confronta com os romanos, com a elite religiosa judaica (Sinédrio) e com o poder civil da Palestina (Herodes). Toda essa estrutura dramática reproduz a situação das primeiras comunidades cristãs e diz a essas pessoas como deviam agir", opina Cornelli. "Hoje não conhecemos tão bem o contexto histórico no qual a Bíblia hebraica foi escrita, por isso achamos que aquilo tudo aconteceu mesmo. Quem o conhecia sabia fazer essas referências." Colaboram para essa visão o relato seco e objetivo das fontes extrabíblicas sobre a morte de Jesus e as contradições nos Evangelhos, como mostra o historiador André Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

É o caso da passagem em que Pôncio Pilatos lembra aos judeus que eles poderiam libertar um prisioneiro durante as festas pascais. "Se havia quatro condenados, por que a escolha fica somente entre Barrabás e Jesus? Também não há registro do costume de libertar um prisioneiro para satisfazer os desejos das multidões em outras partes do Império Romano", explica.

Até a crucificação já foi questionada, já que não era costume enterrar os corpos dessas pessoas. As dúvidas acabaram em 1968, quando arqueólogos encontraram o corpo de um judeu crucificado. "Isso comprovou que, em casos raros, essas pessoas eram enterradas. Jesus também poderia ter sido exceção. A maioria dos cientistas dá crédito a esse fato", diz Chevitarese.

Relatos verdadeiros

Existem oito momentos nos relatos bíblicos sobre a vida de Jesus que podem ser considerados reais, segundo os pesquisadores André Chevitarese, da UFRJ, e Gabriele Cornelli, da Universidade Metodista de São Paulo. Esses episódios foram escolhidos com base em dois critérios, o do constrangimento e o da múltipla confirmação. No constrangimento, as informações prejudicam a imagem da figura central da narrativa. Na confirmação, a situação é narrada por fontes diferentes, que nunca tiveram contato. Portanto, nos dois casos, é pouco provável que as histórias tenham sido inventadas.

Jesus é batizado por João

Aplica-se aqui o critério do constrangimento, pois o batismo realizado por João era o de arrependimento para remissão de pecados. Portanto, a atitude de Jesus não condizia com a de messias.

Jesus escolhe discípulos

Aplica-se novamente o critério do constrangimento. Na medida em que Jesus escolhe pessoalmente os 12, é de se perguntar: como ele, sendo o filho de Deus, não previu a traição de um deles.

Jesus e seus discípulos iniciam o ministério na Galileia

Critério da múltipla confirmação. A localização de Jesus e do seu movimento na Galiléia não deixa dúvida quanto à região onde começou o Cristianismo. O fato é citado pelos quatro evangelistas.

A visão negativa que seus parentes têm da sua missão

Dois critérios podem ser aplicados: do constrangimento e da múltipla confirmação. É constrangedor saber que nem os parentes mais próximos de Jesus acreditam nele, conforme demonstram Marcos e João.

Jesus é acusado de ter um demônio

A passagem de João mostra como os oponentes de Jesus viam suas ações. O seu poder reside em Satanás. Esta visão deve ter perdurado até a época do autor do quarto evangelho. O critério é o do constrangimento.

Jesus é traído por Judas

O episódio é constrangedor e citado pelos 4 evangelistas.

Jesus ameaça destruir o templo de Jerusalém

O critério aplicado aqui é o da múltipla confirmação.

Jesus é crucificado

Há dois critérios aplicados aqui: o da múltipla confirmação e o do constrangimento. Uma leitura de Paulo (Filipenses 2:6-8), um texto anterior às narrativas evangélicas, já deixa claro o quanto era difícil para o indivíduo grego ou judeu reconhecer como Messias alguém que morreu na cruz, já que se tratava de uma sentença reservada a escravos, criminosos perigosos e agitadores políticos. O episódio também é citado por todos os evangelistas.

Pistas arqueológicas sobre Cristo

1. Ossário que comprova a existência do sumo sacerdote Caifás, um dos articuladores da morte de Jesus.
2. Inscrição que confirma o alto cargo de Pôncio Pilatos como governador. É a primeira prova física da existência dessa figura-chave na narrativa evangélica.
3. Casa do apóstolo Pedro.
4. Barco de pesca usado no mar da Galiléia no tempo de Jesus e no qual cabiam 13 pessoas. É semelhante ao descrito como "Barco de Jesus" na Bíblia.
5. Esqueleto de Yehochanan, um judeu morto por crucificação, o que mostra que, em raras situações, um crucificado podia ser enterrado.