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quinta-feira, 8 de junho de 2017

Visões de Jesus: uma avaliação crítica da hipótese da alucinação segundo Gerd Lüdeman e William Lane Craig



A provocadora hipótese de Gerd Lüdemann segundo a qual a crença cristã primitiva na ressurreição de Jesus se tratava do produto de experiências alucinatórias originalmente induzidas por complexos de culpa em Pedro e Paulo é avaliada e contrastada com a hipótese tradicional da ressurreição do ponto de vista dos padrões comuns de verificação de hipóteses: força explanatória, escopo explanatório, plausibilidade, adequação, concordância com crenças aceitas e superioridade a hipóteses rivais.


Gerd Lüdemann se tornou um dos críticos mais destacados e mordazes da historicidade da ressurreição de Jesus. Depois de produzir uma tempestade de controvérsias em sua terra natal, Alemanha, os escritos de Lüdemann cruzaram o Atlântico para acender o debate neste país também. Suas conclusões são importantes não apenas para a pesquisa neotestamentária, mas também para a teologia dogmática. Como já defendi previamente a credibilidade histórica do evento da ressurreição de Jesus, proponho neste artigo avaliar criticamente a reconstrução histórica de Lüdemann dos eventos pascais.

Antes de começar, talvez valha a pena mencionar que há inúmeras questões dogmáticas em que concordamos, sim, algo que merece ser destacado. Primeiro, concordo, nas palavras de Lüdemann, que “a ressurreição de Jesus é o ponto central da religião cristã”. Segundo, concordo que, se alguém perguntar: “O que realmente aconteceu?”, não bastará lhe dizer: “apenas creia”. Terceiro, concordo que a tarefa do historiador é muito parecida com a do advogado de tribunal: examinar as testemunhas a fim de reconstruir o mais provável curso de eventos. Quarto, concordo que, se uma pessoa não crê na ressurreição literal de Jesus, deve ser honesta e dizer que Jesus simplesmente se decompôs, sem ser perseguida por sua coragem em dizê-lo. Quinto, concordo que, se uma pessoa não crê na ressurreição literal de Jesus, deve ser honesta e dizer que não é cristã, assim como Lüdemann o fez. Por fim, em sexto lugar, concordo que, se a pessoa crê na ressurreição literal de Jesus, deve admitir que crê na intervenção milagrosa de Deus no mundo natural.

A despeito destas áreas de concordância, obviamente temos diferenças abrangentes também. Sustento que qualquer hipótese histórica sobre a ressurreição deva explicar quatro fatos: o sepultamento digno de Jesus, a descoberta de seu sepulcro vazio, suas aparições pós-morte e a origem da crença dos discípulos na ressurreição. Primeiramente, resumirei parte dos indícios para cada um desses fatos e, em seguida, examinarei a abordagem de Lüdemann a eles.

Os indícios indutivos

O sepultamento

Fato n. 1: Após sua crucificação, Jesus foi sepultado por José de Arimateia no sepulcro. Minha afirmação deste fato representa o cerne da narrativa do sepultamento. Não incluo detalhes secundários, como a devoção cristã de José. Tais detalhes circunstanciais não são essenciais à historicidade do sepultamento digno de Jesus. O fato do sepultamento digno de Jesus é muitíssimo importante, pois implica que o local do sepulcro de Jesus era conhecido em Jerusalém. No caso, é extremamente difícil enxergar como os discípulos poderiam ter anunciado a ressurreição de Jesus em Jerusalém, se o sepulcro não estivesse vazio.

Podemos resumir parte dos indícios favoráveis ao fato n. 1 como segue:


1. O sepultamento de Jesus é atestado na tradição muito antiga citada por Paulo em 1Coríntios 15.3-5.

2. O sepultamento é parte do material original muito antigo usado por Marcos ao redigir seu evangelho.

3. Como membro do Sinédrio, que condenou Jesus, é improvável que José de Arimateia tenha sido uma invenção cristã.

4. A própria história do sepultamento não dispõe de rastos de elaboração lendária.

5. Nenhuma outra história rival do sepultamento existe.

Com respeito à primeira linha de indícios favoráveis, sabemos que, na segunda linha da fórmula pré-paulina de 1Coríntios 15.3-5, o sepultamento de Jesus é mencionado. Lüdemann reconhece esta antiga prova do sepultamento, mas questiona se o sepultamento mencionado seria o mesmo evento que o sepultamento por José de Arimateia. Uma comparação da fórmula quadrilinear de Paulo com as narrativas evangélicas, de um lado, e os sermões em Atos dos Apóstolos, de outro lado, deixa bem clara a resposta:

1Co 15.3-5 

Atos 13.28-31 

Marcos 15.37—16.7

Cristo morreu … 

E, mesmo não encontrando nele nenhuma acusação digna de condenação à morte, pediram a Pilatos que ele fosse executado. 

Mas Jesus, dando um alto brado, expirou.


foi sepultado … 

tirando-o do madeiro, o puseram numa sepultura 

Este [José], comprando um pano de linho, tirou o corpo da cruz, envolveu-o no pano e colocou-o num sepulcro aberto na rocha.


ressuscitou … 

Mas Deus o ressuscitou dentre os mortos ... 

“Ele ressuscitou! Não está aqui. Este é o lugar onde o puseram.”


apareceu … 

e ele apareceu durante muitos dias aos que haviam subido com ele da Galileia para Jerusalém, os quais agora são suas testemunhas para o povo. 

“Mas ide, dizei a seus discípulos, e a Pedro, que ele vai adiante de vós para a Galileia. Ali o vereis”


A correspondência notável de tradições independentes revela que a fórmula quadrilinear é um resumo em forma de esboço dos eventos básicos da paixão e ressurreição de Jesus, incluindo seu sepultamento no túmulo. Lüdemann sustenta que essa antiga fórmula remonta a apenas dois anos após a crucificação. Representa, assim, prova incrivelmente antiga do sepultamento digno de Jesus.

Com respeito à segunda linha de indícios favoráveis, tomo por certo que Marcos esteja trabalhando com uma narrativa pré-marcana da paixão e afirmo que o relato do sepultamento era parte daquela narrativa da paixão. Esta última afirmação é relativamente incontroversa, segundo penso, visto que o sepultamento é parte essencial daquele enredo, comum a todos os evangelhos, trazendo desfecho à narrativa da paixão. Mesmo que não postulemos uma narrativa pré-marcana completa da paixão, devemos, à luz da independência do evangelho de João em relação aos sinóticos, reconhecer uma tradição pré-marcana do sepultamento no enterro de Jesus por José de Arimateia. E, mesmo entre os sinóticos, a natureza esporádica e desigual das concordâncias verbais de Lucas e Mateus com Marcos, suas omissões de Marcos e suas numerosas concordâncias um com o outro, e não com Marcos, sugerem que a narrativa de Marcos não era sua única fonte, mas tinham fontes complementares para os relatos do sepultamento e do sepulcro vazio. A multiplicidade de fontes independentes é importante, porque, como explica Marcus Borg, “se uma tradição aparece em fonte antiga bem como em outra fonte independente, ela não apenas é antiga, mas é também improvável que tenha sido inventada”. É notável que, no caso do sepultamento, temos algumas das fontes mais antigas por trás do Novo Testamento (por exemplo, a fórmula pré-paulina e a história pré-marcana da paixão), além de inúmeras outras.

O terceiro ponto diz respeito à figura enigmática de José de Arimateia, que repentinamente aparece para oferecer a Jesus um sepultamento digno, em contraste com os dois criminosos crucificados consigo. Raymond Brown, já falecido, explicou este ponto vigorosamente em sua obra magistral The Death of the Messiah [A morte do Messias]:


Que o sepultamento tenha sido feito por José de Arimateia é muito provável, uma vez que criação ficcional cristã a partir do nada acerca de um membro do Sinédrio judaico que faz o que é certo é quase inexplicável, dada a hostilidade nos escritos cristãos antigos contra as autoridades judaicas responsáveis pela morte de Jesus... Conquanto alta probabilidade não seja certeza, não há nada no relato básico pré-evangélico do sepultamento de Jesus por José que não pudesse plausivelmente ser considerado histórico.

Dada sua condição como membro do Sinédrio, que votou unanimemente, conforme relata Marcos, para condenar Jesus, José é a última pessoa que alguém esperaria para cuidar dignamente de Jesus. Ademais, sua associação com Arimateia, cidade obscura sem qualquer importância teológica ou histórica, dá ainda mais credibilidade histórica à figura de José. Em certo sentido, esta terceira linha de indícios para o sepultamento é exemplo da aplicação do critério de dessemelhança. Pois, dada a hostilidade na igreja primitiva contra os líderes judaicos, que, na ótica cristã, arquitetaram a injusta condenação à pena de morte de Jesus, a figura de José é surpreendentemente dessemelhante à atitude prevalente na igreja em relação ao Sinédrio. Por isso, é improvável que José tenha sido criação ficcional da igreja primitiva.

A quarta linha de indícios diz respeito à falta de quaisquer rastos de elaboração lendária na história do sepultamento conforme transmitida por Marcos. A narrativa do sepultamento não é nada extraordinária, é sucinta e desprovida de reflexão teológica. A simplicidade absoluta do relato marcano contrasta com o que se espera encontrar em relatos lendários posteriores (como no Evangelho de Pedro). Dada a antiguidade da história pré-marcana da paixão, é implausível encarar o relato de Marcos como se fosse lenda a-histórica, tampouco ela evidencia qualquer sinal de ser isso.

Por último, a quinta linha de indícios favoráveis ao relato do sepultamento é que não existe nenhuma outra história rival do sepultamento. Se o relato marcano é em sua essência uma ficção lendária, é estranho que não encontremos nenhum rasto de relatos lendários alternativos rivais, sem falar de pistas do que realmente tenha acontecido ao cadáver. No caso, valeria a pena contrastar os mitos/lendas rivais sobre o que aconteceu com os corpos de figuras pagãs, tais quais Osíris e Empédocles. Na ausência de qualquer verificação por fatos históricos, relatos lendários alternativos podem surgir simultânea e independentemente. Se a narrativa do sepultamento é puramente lendária, por que não há nenhum relato rival do sepultamento de Jesus, digamos, por algum(ns) discípulo(s) fiel(éis) de Jesus ou por sua família ou por romanos sob liderança de um solidário Pilatos? De onde procede a unanimidade da tradição na ausência de um cerne histórico? Sentindo o vigor desta questão, Lüdemann acha que conseguiu discernir uma tradição separada do sepultamento pelos judeus em João 19.31-37; Atos 13.29. Como Broer indica, porém, não podem se tratar da mesma coisa, pois em um caso se pede aos romanos que despachem os corpos e, nos outros, afirma-se que os judeus o fizeram. Mais fundamental ainda, a atribuição em Atos do sepultamento aos judeus é parte de uma tendência mais ampla de Lucas de polemizar contra as autoridades judaicas, o que o leva a atribuir até a crucificação de Jesus aos judeus (Atos 2.23; 2.36; 4.10)!

Em conjunto, estas linhas de indícios mutuamente corroborantes oferecem uma forte defesa prima facie a favor da aceitação da historicidade do sepultamento de Jesus por José de Arimateia no túmulo. Por estas e outras razões, a maioria dos críticos neotestamentários concorda com o já falecido John A. T. Robinson que o sepultamento digno de Jesus é “um dos fatos mais antigos e bem atestados sobre Jesus”.

Observe que princípios historiográficos contrários a milagres sequer entram em jogo na avaliação da historicidade do relato do sepultamento, pois ele é tão pé-no-chão quanto o relato da crucificação. Qualquer historiador, enquanto historiador, pode perguntar: “O que foi feito com o cadáver de Jesus?”, assim como pode perguntar bem diretamente: “Como Jesus de Nazaré morreu?”. Se, pois, Lüdemann quiser negar a força dos indícios cumulativos favoráveis ao sepultamento digno de Jesus, ele precisará ter no mínimo indícios igualmente convincentes do contrário.

Em resposta a estes indícios, Lüdemann admite que seria “ir longe demais” negar que José de Arimateia seja histórico, mas, diz ele, “não podemos mais saber onde José (ou judeus que nos são desconhecidos) colocou o corpo”. Seu principal motivo para negar que José tenha colocado o corpo de Jesus no sepulcro é que evangelhos posteriores tendem a exaltar José, chamando-o de “bom e justo” (Lucas 23.50) ou até mesmo “discípulo” (João 19.38). Mesmo que os evangelistas posteriores exibam essa tendência, no entanto, este não parece ser bom motivo para negar o fato histórico relatado na fonte pré-marcana do enterro, feito por José, de Jesus no sepulcro. De fato, no mínimo, serve principalmente para sublinhar o ponto (4) acima, o primitivismo do relato pré-marcano. De fato, se Lüdemann está disposto a aceitar a historicidade de José, como é que ele pode negar seu papel no sepultamento, uma vez que a principal prova de sua historicidade é precisamente que um relato ficcional do sepultamento não teria ligado o sepultamento digno de Jesus com um membro do Sinédrio? É precisamente sua ligação com o sepultamento de Jesus que torna a historicidade de José plausível. Assim, a tendência de evangelistas posteriores de exagerar a devoção de José a Jesus não levou a maioria dos estudiosos a negar a confiabilidade geral da história do sepultamento.

O sepulcro vazio

Fato n. 2: No domingo após a crucificação, um grupo de discípulas encontrou o sepulcro de Jesus vazio. Entre as razões que levaram a maioria dos estudiosos a esta conclusão, estão as seguintes:


1. A história do sepulcro vazio é parte do material original muito antigo usado por Marcos.

2. A tradição antiga citada por Paulo em 1Coríntios subentende o fato do sepulcro vazio.

3. A história é simples e não contém sinais de adornos lendários.

4. O fato de que o testemunho de mulheres era insignificante na Palestina do século I conta a favor do papel das mulheres na descoberta do sepulcro vazio.

5. A alegação judaica mais antiga segunda a qual os discípulos roubaram o corpo de Jesus mostra que o corpo de fato tinha desaparecido do sepulcro.

A primeira linha de indícios favoráveis refere-se mais uma vez à narrativa pré-marcana da paixão e afirma que o relato do sepulcro vazio foi incluído naquela narrativa. Isto descarta que a história seja uma lenda desenvolvida posteriormente. Lüdemann, no entanto, elenca quatro razões por que Marcos 16.1-8 é, em sua opinião, “insignificante” enquanto argumento para a historicidade do sepulcro vazio: (1) Tal argumento pressupõe que o local do sepultamento fosse conhecido, o que é muito de se duvidar. (2) O argumento pressupõe, contrariamente ao v. 8, que as mulheres disseram, sim, algo. (3) A passagem, estritamente falando, não relata a descoberta do sepulcro vazio, mas, sim, anuncia a ressurreição no sepulcro vazio. E (4) como se evitará a inferência de Kirsopp Lake de que as mulheres tenham ido ao sepulcro errado? Estas objeções não são tão significativas quanto Lüdemann parece pensar. Primeiro, vimos bons motivos para aceitar a historicidade do sepultamento digno de Jesus por José de Arimateia, de modo que, a menos que Lüdemann ofereça alguma razão para avaliar negativamente a presença das mulheres na crucificação e sepultamento — o que ele, até onde eu saiba, não fez —, não há motivo para pensar que as mulheres não pudessem ir no domingo de manhã ao local do sepultamento. O silêncio e terror das mulheres reflete um motivo marcano de reação humana estupefata à presença do divino, não tendo de forma alguma a intenção de ser entendidos como silêncio permanente; do contrário, Marcos não teria nenhuma história para contar! A terceira objeção de Lüdemann faz uma distinção inane, visto que o anúncio da ressurreição de Jesus no sepulcro vazio implica um sepulcro vazio. O anúncio do anjo, na realidade, chama atenção para o vazio do sepulcro: “Ele ressuscitou! Não está aqui. Este é o lugar onde o puseram” (Marcos 16.6). Quanto à teoria de Lake, um dos motivos por que quase não foi adotada é que sucumbe à objeção óbvia de que as autoridades judaicas teriam o maior prazer de apontar o erro das mulheres, uma vez que os discípulos começassem a pregar ressurreição. É difícil, pois, enxergar como, com base em tais equívocos, o veredicto de Lüdemann possa ser justificado ao dizer que a narrativa do sepulcro vazio em Marcos é historicamente insignificante.

Com respeito à segunda linha de indícios favoráveis, Lüdemann espera evitar a implicação do sepulcro vazio negando que o sepultamento seja um evento autônomo. O texto grego, porém, contradiz esta afirmação, pois cada linha é prefixada por um ὅτι, gramaticalmente desnecessário, que serve para distinguir e ordenar em série os eventos distintos. É fantasioso pensar que ou o ex-fariseu Paulo ou a comunidade antiga de Jerusalém da qual a fórmula adveio poderia ter afirmado que Cristo “foi sepultado e ressuscitou” e, ainda assim, pensar que seu cadáver ainda jazia no sepulcro. Ademais, ainda outra comparação da fórmula quadrilinear com as narrativas evangélicas, por um lado, e com os sermões em Atos, por outro lado, revela que a terceira linha é um resumo da narrativa do sepulcro vazio, com “e ressuscitou” e “Ele ressuscitou!” em paralelo.

A terceira linha de indícios favoráveis refere-se mais uma vez à narrativa marcana do sepulcro vazio. Como o relato do sepultamento, é surpreendentemente direta e sem adornos de motivos teológicos ou apologéticos potencialmente característicos de relato lendário posterior. A própria ressurreição não é testemunhada ou descrita e não há nenhuma reflexão sobre o triunfo de Jesus sobre o pecado e a morte, nenhum uso de títulos cristológicos, nenhuma citação de profecia cumprida, nenhuma descrição do Senhor ressurreto. Mesmo que excluamos a figura angélica como se fosse, digamos, uma figura puramente literária que fornece a interpretação do sepulcro vago, temos uma narrativa que é ainda mais completa e sem adornos (cf. João 20.1-2). Isso sugere que a história não é em sua essência uma lenda. Para verificar como a narrativa de Marcos é contida, basta ler o relato no Evangelho de Pedro, que descreve a saída triunfante de Jesus do sepulcro, acompanhado de anjos, seguido de uma cruz falante, anunciado por uma voz do céu, e tudo isso testemunhado pela guarda romana, os líderes judaicos e uma multidão de espectadores!

A quarta linha de indícios favoráveis é essencialmente um apelo ao critério de constrangimento, de novo um dos importantes critérios de autenticidade. Dada a condição de segunda classe das mulheres na Palestina do século I e sua impossibilidade de servir de testemunhas em corte judaica, é incrível que elas apareçam aqui como as descobridoras e principais testemunhas do fato do sepulcro vazio de Jesus, pois uma testemunha assim sem qualquer confiabilidade seria um constrangimento ao anúncio cristão. Qualquer relato lendário posterior faria que discípulos do sexo masculino descobrissem o sepulcro vazio. De fato, críticos com frequência enxergam a história da inspeção de Pedro do sepulcro vazio (com outro discípulo) exatamente como uma progressão lendária desse tipo. O fato de que mulheres, cujo testemunho era insignificante, e não homens, que, logo no começo da narrativa, sejam identificadas como as descobridoras do sepulcro vazio é melhor explicado pelo fato de que a tradição aqui é confiável.

Por fim, temos indícios da polêmica judaica mais antiga contra a ressurreição, mencionada na história da guarda em Mateus, como prova do sepulcro vazio. Lüdemann admite que a polêmica judaica mostra, sim, crença judaica no sepulcro vazio, mas desconsidera os indícios porque, conforme ele afirma, os judeus vieram a crer que o sepulcro estava vazio somente por meio da tradição cristã. Podemos excluir a sugestão de que soubessem do sepulcro vazio enquanto fato histórico, afirma ele, porque Jesus não teve um sepultamento comum e, portanto, ninguém sabia o que ocorrera ao cadáver. Porém, sem considerar o fato de que temos boas razões para aceitar o sepultamento digno de Jesus, permanece a ideia de que, mesmo que o relato do sepultamento fosse uma lenda e ninguém soubesse o que ocorrera ao cadáver de Jesus, quando os discípulos começaram a anunciar em Jerusalém: “Ele ressuscitou dos mortos” (Mateus 27.64), seus antagonistas judaicos não teriam inventado para os cristãos o sepulcro vazio dizendo que o corpo fora roubado. Lüdemann tem de explicar por que, se ninguém soubesse onde o corpo fora colocado, os oponentes judaicos dos cristãos teriam alegado que o corpo fora roubado. Quanto à afirmação de que os judeus conheciam apenas a tradição cristã do sepulcro vazio, ela é incapaz de explicar a história da tradição subjacente à história de Mateus. Que a história não é criação fictícia mateana fica claro pelos diversos traços linguísticos não-mateanos na narrativa. Por trás da história, evidentemente se encontra um padrão em desenvolvimento de alegação e contra-alegação:


Cristão: “Ele ressuscitou dentre os mortos!”

Judeu: “Não, seus discípulos roubaram seu corpo”.

Cristão: “A guarda no sepulcro teria evitado um roubo desses”.

Judeu: “Não, a guarda caiu no sono”.

Cristão: “Os principais sacerdotes subornaram a guarda para dizer isso”.

Este padrão provavelmente remonta a controvérsias em Jerusalém após os discípulos anunciarem a ressurreição, pois, conforme observa John Meier, “os primeiros conflitos sobre a pessoa de Jesus que se travaram entre judeus comuns e judeus cristãos após a Páscoa centravam-se nas alegações cristãs de que um criminoso crucificado fosse o Messias, que Deus o tinha ressuscitado dentre os mortos...”. O vocabulário não-mateano e a evidente história da tradição por trás da controvérsia torna plausível esse pressuposto. Se Jerusalém, porém, é a fonte dessa controvérsia em andamento, a pergunta que não quer calar é por que os oponentes judaicos do caminho cristão, confrontados com alegações espúrias sobre um sepulcro vazio, teriam, em vez de denunciado tal ficção, afirmado, pelo contrário, que os discípulos tinham roubado o corpo de um sepulcro que não existia e que ninguém poderia averiguar.

Temos, pois, um argumento prima facie muito forte para aceitar a confiabilidade fundamental do relato do sepulcro vazio. Assim, nas palavras de Jacob Kremer, “de longe, a maioria dos exegetas se apega firmemente à confiabilidade das afirmações bíblicas relacionadas ao sepulcro vazio”. Lüdemann, entretanto, considera a história uma “lenda apologética”. Até onde consigo ver, porém, ele não fornece nenhuma informação positiva para tal afirmação. Deveras, é difícil enxergar como se pode sustentar uma hipótese dessas, tendo em vista a atestação independente e múltipla de que a narrativa do sepulcro vazio dispõe. Antes, o ceticismo de Lüdemann se fundamenta em quatro pressupostos, cada um deles me surpreendendo por ser muito dúbio. (1) Ele pressupõe que a única fonte primária que temos para o sepulcro vazio é o evangelho de Marcos, o que, porém, com quase toda certeza está errado. Pelo menos Mateus e João possuem fontes independentes sobre o sepulcro vazio; também é mencionado nos sermões em Atos dos Apóstolos (2.29; 13.36) e subentendido por Paulo (1Coríntios 15.4). De acordo com Klaus Berger, “os relatos do sepulcro vazio são feitos por todos os quatro evangelhos (e outros escritos do cristianismo antigo) independentemente uns dos outros... temos grande abundância de relatos transmitidos separadamente”. (2) Lüdemann pressupõe que, quando Jesus foi preso, os discípulos fugiram de volta para a Galileia; é por isso que mulheres aparecem como descobridoras do sepulcro vazio. A fuga dos discípulos, contudo, é descartada com razão pelo historiador Hans von Campenhausen como uma ficção acadêmica. Não apenas inexistem indícios para essa pressuposição, por si só inerentemente implausível, mas a própria teoria de Lüdemann contradiz a pressuposição, visto que é crucial para sua teoria que ao menos Pedro tenha permanecido em Jerusalém, onde ele negou Jesus. De todo modo, se a história da descoberta das mulheres do sepulcro vazio é pura lenda, por que não poderíamos ter um relato puramente lendário da descoberta do sepulcro vazio por discípulos do sexo masculino? (3) Lüdemann pressupõe que as autoridades judaicas, que, segundo ele entende, descartaram o cadáver de Jesus, sofreram uma espécie de amnésia coletiva sobre o que fizeram com o corpo de Jesus. Mesmo que José (ou as autoridades judaicas) tivessem oferecido apenas um sepultamento indigno, por que não indicaram seu local de sepultamento como a resposta mais fácil ao anúncio dos discípulos sobre a ressurreição? Lüdemann admite: “Os judeus mostraram interesse no local onde o cadáver de Jesus fora colocado e, obviamente, a proclamação de Jesus como o ressurreto... provocou questionamentos sobre seu corpo por parte de oponentes e descrentes”. Por que, então, quando os discípulos começaram a pregar a ressurreição de Jesus, as autoridades judaicas não disseram onde tinham colocado o corpo de Jesus?

A resposta de Lüdemann: eles esqueceram! Mais uma vez, isso está longe de ser convincente. (4) Por último, Lüdemann pressupõe que a crença no sepulcro vazio surgiu como inferência da crença de que Jesus ressuscitara dentre os mortos. Embora Lüdemann esteja bem certo, penso eu, em reconhecer, em contraste com estudiosos que sustentam que a crença na ressurreição de Jesus entre judeus ou cristãos do século I não subentendia que algo ocorrera ao cadáver, sua sugestão mesmo assim não pode ser a história toda, pois deixa sem explicar a inferência de que o cadáver de Jesus, contrariamente ao costume, tenha sido colocado em um sepulcro. A crença na ressurreição subentenderia, deveras, que o cadáver não estava mais por perto, mas isso não levaria, sem mais nem menos, à inferência de que havia um sepulcro vazio que o demonstrasse. Assim, Lüdemann ainda não explicou a crença no sepulcro vazio.

Em suma, temos bons motivos para acreditar que um grupo de discípulas encontrou o sepulcro de Jesus vazio.

As aparições pós-morte

Fato n. 3: Em múltiplas ocasiões e diversas circunstâncias, diferentes indivíduos e grupos de pessoas experimentaram aparições de Jesus vivo depois de morto. Este fato é quase universalmente aceito entre os estudiosos de Novo Testamento, pelas seguintes razões:


1. A lista de testemunhas oculares das aparições da ressurreição de Jesus citada por Paulo em 1Coríntios 15.5-7 garante que tais aparições tenham ocorrido.

2. As tradições da aparição nos evangelhos fornecem atestação independente e múltipla de tais aparições.

Com respeito à primeira linha de indícios favoráveis, é universalmente aceito com base na data antiga da tradição de Paulo bem como na relação pessoal do apóstolo com muitas das pessoas elencadas que os discípulos experimentaram, sim, aparições pós-morte de Cristo. Entre as testemunhas das aparições da ressurreição estão Pedro, o círculo imediato dos discípulos conhecido como “os Doze”, um agrupamento de 500 cristãos (muitos dos quais Paulo obviamente conhecia, uma vez que sabia que alguns já tinham morrido quando ele escrevia a esse respeito), Tiago, irmão mais novo de Jesus, e um grupo mais amplo de apóstolos. “E, depois de todos”, diz Paulo, “apareceu também a mim, como a um nascido fora do tempo certo” (1Coríntios 15.8).

A segunda linha de indícios favoráveis apela novamente ao critério de atestação múltipla. Os evangelhos atestam independentemente aparições pós-morte de Jesus, até mesmo algumas das mesmas aparições encontradas na lista de Paulo. Wolfgang Trilling explica:


A partir da lista em 1Coríntios 15, os relatos específicos dos evangelhos devem agora ser interpretados. Pode ser útil o que já falamos sobre os milagres de Jesus. É impossível “provar” historicamente um milagre específico, mas a totalidade dos relatos de milagres não permite nenhuma dúvida razoável de que Jesus tenha de fato realizado “milagres”. Isso se mantém analogamente nos relatos de aparições. Não é possível assegurar historicamente o evento específico, mas a totalidade de relatos de aparições não permite nenhuma dúvida razoável de que Jesus de fato testemunhou de si mesmo dessa maneira.

A aparição a Pedro é atestada independentemente por Paulo e Lucas (1Coríntios 15.5; Lucas 24.34), a aparição aos Doze, por Paulo, Lucas e João (1 Coríntios 15.5; Lucas 24:36-43; João 20.19-20), a aparição às discípulas, por Mateus e João (Mateus 28.9-10; João 20.11-17), e aparições aos discípulos na Galileia, por Marcos, Mateus e João (Marcos 16.7; Mateus 28.16-17; João 21). Tomadas sequencialmente, as aparições seguem o padrão de Jerusalém-Galileia-Jerusalém, correspondendo às peregrinações festivas dos discípulos, à medida que voltavam à Galileia após a Páscoa/festa dos pães asmos e viajavam novamente a Jerusalém dois meses mais tarde para o Pentecoste.

O próprio Lüdemann conclui: “Pode-se ter por historicamente certo que Pedro e os discípulos tiveram experiências após a morte de Jesus em que Jesus lhes apareceu como o Cristo ressurreto”. Estamos, assim, em concordância essencial de que, após a crucificação de Jesus, diversos indivíduos e grupos de pessoas experimentaram aparições de Cristo vivo depois de morto. O verdadeiro pomo de discórdia será como se deve explicar essas experiências.

A origem do caminho cristão

Fato n. 4: Os discípulos originais criam que Jesus ressuscitara dentre os mortos, a despeito de quase toda predisposição contrária. Três aspectos da disposição dos discípulos após a crucificação de Jesus colocam um ponto de interrogação na fé e esperança que depositaram em Jesus:


1. Jesus estava morto, e os judeus não esperavam por um Messias que morresse, muito menos ressuscitasse.

2. Conforme a lei judaica, a execução de Jesus como criminoso o expôs como herege, um homem literalmente sob a maldição divina.

3. As crenças judaicas sobre o além descartavam que alguém ressuscitasse dentre os mortos antes da ressurreição escatológica geral dos mortos.

É importante considerar, com respeito ao primeiro aspecto da situação deles, que, na expectativa judaica, o Messias conquistaria os inimigos de Israel e restauraria o trono de Davi, e não seria vergonhosamente executado por eles. A ignominiosa execução de Jesus nas mãos de Roma foi a refutação mais decisiva possível para um judeu do século I de que Jesus não fosse o Messias esperado de Israel, mas mais um pretendente fracassado. Movimentos messiânicos fracassados não eram nada novos no Judaísmo e deixavam seus seguidores com basicamente duas alternativas: voltar para casa ou encontrar um novo Messias. Sem dúvida, eram escolhas difíceis, mas, não obstante, eram as escolhas diante da pessoa. Depois de fazer um levantamento desses movimentos messiânicos fracassados antes e depois de Jesus, N. T. Wright observou:


Até onde sabemos, todos os seguidores desses movimentos messiânicos do século I estavam comprometidos fanaticamente com sua causa. Seria esperado que eles, dentre todas as pessoas, sofreriam com essa bendita doença do século XX chamada de “dissonância cognitiva”, quando suas expectativas não pudessem se materializar. Em nenhum caso, porém, por todo um século antes de Jesus e no século depois dele, ouvimos de algum grupo judaico dizendo que seu líder executado fora ressuscitado dentre os mortos e era, afinal, o Messias.

Wright suscita a interessante pergunta: se os discípulos não queriam simplesmente voltar para casa, por que, então, não escolher outra pessoa, como Tiago, para ser o Messias? Enquanto irmão mais novo de Jesus, ele seria a escolha natural. Embora Tiago, enfim, tenha se levantado como o líder mais forte na igreja de Jerusalém, ele nunca foi chamado de Messias. Quando Josefo se refere a ele, chama-o simplesmente de “o irmão do suposto Messias” (Antiguidades dos judeus 20.200). Com base na experiência típica de movimentos messiânicos fracassados, é de esperar que os discípulos tivessem voltado para casa ou se apegado a outra pessoa, mas sabemos que eles não o fizeram, o que exige uma explicação.

Quanto ao segundo ponto, a lei do Antigo Testamento ditava que quem quer que fosse executado pendurado no madeiro estava sob maldição divina (Deuteronômio 21.23), e os judeus aplicavam tal veredicto a quem fosse executado por crucificação também. Assim, vista pelos olhos de um seguidor judaico de Jesus do século I, a crucificação significava muito mais do que a morte do mestre querido, análoga à morte de Sócrates. Antes, tratava-se de uma catástrofe, pois significava que, longe de ser o ungido de Deus, Jesus de Nazaré fora, na realidade, amaldiçoado por Deus. Os discípulos seguiram um homem que Deus rejeitara da maneira mais categórica.

Por fim, a esperança judaica na ressurreição dos mortos era, invariavelmente, esperança coletiva e escatológica. A ressurreição de todos os justos mortos ocorreria depois que Deus tivesse encerrado com o mundo. Ao sondar a literatura judaica, Joachim Jeremias concluiu:


O judaísmo antigo não conhecia uma ressurreição antecipada como evento da história. Em lugar algum se encontra na literatura algo comparável à ressurreição de Jesus. Certamente, ressurreições dos mortos eram conhecidas, mas sempre diziam respeito a ressuscitações, o retorno à vida terrena. Em nenhum lugar na literatura judaica posterior se refere à ressurreição à δόξα como evento da histórico.

Mesmo que a fé dos discípulos tivesse de algum modo sobrevivido à crucificação, no máximo ficariam aguardando reunir-se novamente com ele na ressurreição final e teriam talvez preservado seu túmulo como santuário onde os ossos de Jesus jazeriam até a ressurreição escatológica. Era essa a esperança judaica.

Nós sabemos, porém, que não foi isso que aconteceu. Apesar de terem quase toda predisposição contrária, é fato indisputável que os primeiros discípulos repentina e sinceramente passaram a crer que Jesus ressuscitara Jesus de Nazaré dentre os mortos. O próprio Lüdemann declara que a análise histórica leva à “origem abrupta da fé pascal dos discípulos”. Qualquer historiador responsável desejoso de explicar a origem do cristianismo deve dar conta da origem dessa crença por parte daqueles que conheceram e seguiram Jesus. Quase todos concordarão com Luke Johnson, quando escreve: “Algum tipo de poderosa experiência transformadora é necessário para gerar o tipo de movimento que o cristianismo primitivo foi e o tipo de literatura que o Novo Testamento é”. A pergunta é como melhor explicar aquela experiência, pela ressurreição de Jesus ou por alucinações por parte dos discípulos.

Em suma, então, existem quatro fatos que qualquer hipótese histórica relacionada ao destino de Jesus deva explicar: seu sepultamento digno, a descoberta do sepulcro vazio, suas aparições pós-morte e a origem da crença dos discípulos em sua ressurreição.

A melhor explicação

Qual hipótese melhor explica os dados históricos relacionados ao destino de Jesus? Em seu livro, Justifying Historical Descriptions [Justificando descrições históricas], o historiador C. B. McCullagh elenca seis critérios que os historiadores utilizam para averiguar descrições históricas: escopo explanatório, força explanatória, plausibilidade, adequação, concordância com crenças aceitas e superioridade a hipóteses rivais. Ora, temos diante de nós duas hipóteses rivais, que chamarei de “Hipótese da Ressurreição” e “Hipótese da Alucinação”, respectivamente.

A Hipótese da Alucinação

Segundo Lüdemann, Pedro, ao negar Cristo, estava tão consumido com a culpa que encontrou um escape psicológico ao projetar uma visão de Jesus, o que o levou a crer que Jesus ressuscitara dentre os mortos: “Sob a impressão da proclamação e morte de Jesus, enfim despertou em Pedro o ‘E ainda assim...’ da fé. Por isso, o Jesus crucificado mostrou-se ser o Jesus vivo, de modo que Pedro pudesse novamente aplicar a si mesmo e a seu tempo com profunda clareza a palavra divina de perdão presente na obra de Jesus”. A experiência de Pedro foi contagiante na comunidade cristã primitiva e em breve ainda outros, que não partilhavam do trauma de Pedro, também viram alucinações do Senhor ressurreto. Quando oponentes judaicos objetaram e perguntaram onde estava o corpo, “poderia ser imediatamente relatado que as mulheres tinham encontrado o sepulcro vazio e, depois, que Jesus tinha até aparecido às mulheres no sepulcro”. Muito depois, surgiu a lenda da descoberta do sepulcro vazio de Jesus. Nesse ínterim, Saulo de Tarso lutava internamente com a culpa enquanto labutava sob jugo da lei, sendo seu zelo de perseguir cristãos uma manifestação de atração interior secreta à mensagem cristã. De acordo com Lüdemann, “... se alguém pudesse ter avaliado Paulo antes de sua visão de Damasco, a análise teria provavelmente mostrado uma forte inclinação a Cristo em seu subconsciente; deveras, a pressuposição de que ele era inconscientemente cristão não parece mais, então, tão forçada”. No caminho de Damasco, o conflito reprimido irrompeu em uma alucinação de Jesus, resultando na conversão total de Paulo à fé que outrora perseguira. “O complexo de culpa que surgira com a perseguição foi solucionado mediante a certeza de estar em Cristo”.

Examinemos como esta hipótese se sustenta enquanto explicação dos fatos, quando avaliada pelos seis critérios de McCullagh.

Critério 1: escopo explanatório. Esta é a falha central da Hipótese da Alucinação. Proposta apenas como uma forma de explicar as aparições pós-morte de Jesus, seu escopo explanatório é estreito demais, porque nada propõe como explicação do sepulcro vazio. A fim de explicar o sepulcro vazio, é preciso unir alguma hipótese independente à Hipótese da Alucinação. Pois bem, obviamente Lüdemann nega o fato do sepulcro vazio, mas isso é uma questão de estabelecer a própria base de dados indutiva, e vimos em nossa discussão que o tratamento que Lüdemann dá ao sepultamento e sepulcro vazio é menos que convincente. Em certo sentido, sua negação do sepultamento e sepulcro vazio de Jesus nasce da necessidade, pois, uma vez que se admitam esses fatos, o escopo explanatório inadequado da Hipótese da Alucinação se torna patente e a teoria fica em apuros. Por esse motivo, Lüdemann se encontra na estranha posição de negar um fato tão banal quanto o sepultamento digno de Jesus, reconhecido pela maioria dos estudiosos como histórico.

Critério 2: força explanatória. Aqui concedemos, para efeitos argumentativos, que Pedro teve, sim, uma alucinação de Jesus após sua morte, em razão dos fatores psicológicos postulados por Lüdemann. A questão, então, é se esta explicação tem força suficiente para explicar as aparições pós-morte e a origem da crença dos discípulos na ressurreição de Jesus. Existem duas razões para pensar que estes fatos não sejam bem explicados pela Hipótese da Alucinação.

Primeiro, com relação às aparições, a diversidade das aparições não é bem explicada por meio de tais visões. As aparições foram experimentadas muitas vezes diferentes, por diferentes indivíduos, por grupos, em diversos locais e em diversas circunstâncias, não somente por crentes, mas também por descrentes, como Tiago, irmão de Jesus, e o fariseu Saulo de Tarso.

Esta diversidade é muito difícil de explicar recorrendo a alucinações, pois alucinações exigem um estado psicológico especial por parte do perceptor. No entanto, como um complexo de culpa ex hypothesi se deu apenas em Pedro e Paulo, a diversidade de aparições pós-morte deve ser explicada como uma espécie de contágio, uma reação em cadeia. Lüdemann, porém, não consegue fornecer nenhum exemplo disso. É importante ter em mente que é a diversidade que está em jogo aqui, e não simplesmente incidentes individuais. Mesmo que se pudesse compilar dos livros de exemplos um amálgama consistindo de histórias de alucinações ao longe de um período de tempo (como as visões em Medjugorje), alucinações em massa (como em Lurdes), alucinações a diversos indivíduos e assim por diante, permanece o fato de que não há nem um único caso nos livros de exemplos que apresente a diversidade envolvida nas aparições pós-morte de Jesus. É somente compilando casos independentes que se pode elaborar algo análogo.

Pode-se mencionar três casos específicos que não são bem explicados pela Hipótese da Alucinação:


•Tiago: o irmão de Jesus não cria que seu irmão mais velho fosse o Messias ou mesmo alguém especial durante sua vida (Marcos 3.21, 31-35; 6.3; João 7.1-10). Supreendentemente, porém, encontramos os irmãos de Jesus entre aqueles reunidos no cenáculo em culto cristão após as aparições da ressurreição (Atos 1.14), e com o passar do tempo Tiago se levanta como líder na igreja de Jerusalém (Atos 12.17; Gálatas 1.19). Sabemos por Josefo que Tiago foi, enfim, martirizado por sua fé em Jesus Cristo durante um lapso no governo civil em meados de 60. Essa notável transformação se deve, com toda probabilidade, ao fato, registrado por Paulo, de que “depois apareceu a Tiago” (1Coríntios 15.7). O próprio Lüdemann chega ao ponto de dizer que é “certo” que Tiago tenha experimentado uma aparição da ressurreição de Jesus, mas fica estranhamente calado quando se trata de explicar como sua teoria dá conta daquela experiência. A Hipótese da Alucinação tem força explanatória débil com relação a essa aparição, visto ser improvável que Tiago, enquanto descrente e não participante da comunidade cristã, experimentasse uma “visão secundária” do Jesus ressurreto.

• Os 500 irmãos. A maioria dessas pessoas ainda estava viva em 55 d.C., quando Paulo escreveu 1Coríntios, e poderia ser questionada sobre a experiência. Lüdemann explica esta aparição como referência lendária ao evento de Pentecoste, que ele representa como uma experiência de “êxtase em massa”. Uma explicação dessas é fraca não apenas porque as testemunhas oculares ainda estavam presentes, mas porque o evento de Pentecoste foi fundamentalmente diferente de uma aparição da ressurreição. Como escreve Hans Kessler em sua crítica à sugestão de Lüdemann,

Equiparar essa aparição com o evento de Pentecoste é mais do que questionável, principalmente porque, em Atos 2.1-13, faltam todas as características de uma narrativa pascal (sobretudo, a aparição de Cristo) e, em contrapartida, nos primeiros textos pascais o Espírito não desempenha nenhum papel.

Seria muitíssimo implausível que um evento como Pentecoste (que, presume-se, deve ter sido preservado com mais ou menos precisão na tradição cristã encontrada em Atos 2) tivesse evoluído numa aparição da ressurreição, dado que o evento não tinha nenhum dos elementos básicos de uma aparição, especialmente a aparição de Cristo! Novamente, vale a pena sublinhar que, embora alucinações coletivas ocorram raramente, é a diversidade de todos esses diferentes tipos de aparições que esgota a força explanatória da Hipótese da Alucinação.

• As mulheres. Que mulheres tenham sido as primeiras receptoras de uma aparição pós-morte de Jesus é tanto atestado multiplamente quando estabelecido pelo critério de constrangimento. Por essa razão, conforme relata Kremer, existe uma tendência crescente na pesquisa recente de considerar essa aparição como “ancorada na história”. O próprio Lüdemann a chama de “historicamente certa”, embora sua teoria o force a gratuitamente negar sua primazia. Em lugar algum no Novo Testamento, contudo, nem mesmo em 1Coríntios 15.5, é dito que Pedro foi o primeiro a ver uma aparição da ressurreição de Cristo, a despeito do pressuposto comum de sua prioridade cronológica. Antes, as mulheres têm prioridade. Sem dúvida, são omitidas da lista em 1Coríntios 15.5-7, pois designá-las como testemunhas teria sido pior do que nada numa cultura patriarcal. Isto, porém, é fatal para a hipótese de Lüdemann, uma vez que a experiência das mulheres não pode ser considerada uma “visão secundária” provocada pela experiência de Pedro. Como não partilhavam da culpa de Pedro, por terem permanecido excepcionalmente fiéis a Jesus até o fim, faltava a elas as condições psicológicas especiais que levassem a alucinações de Jesus. Assim, a hipótese de Lüdemann não tem nenhuma força explanatória com relação a esta aparição.

Em suma, a Hipótese da Alucinação não tem força explanatória sólida com relação à diversidade das aparições da ressurreição.

Em segundo lugar, a Hipótese da Alucinação tem força explanatória débil com relação à origem da fé dos discípulos na ressurreição de Jesus. Visões subjetivas ou alucinações não têm correlatos extramentais, mas se tratam de projeções do cérebro do próprio perceptor. Assim, se, em surto de consciência culpada, Paulo ou Pedro tivessem de projetar visões de Jesus vivo, eles o teriam visualizado no Paraíso, onde os justos já falecidos aguardariam a ressurreição escatológica. Tais visões exaltadas de Cristo, porém, deixam sem explicação a crença deles em sua ressurreição. A inferência: “Ele ressuscitou dentre os mortos”, tão natural aos nossos ouvidos, seria totalmente antinatural a um judeu do século I. No pensamento judaico, já havia uma categoria perfeitamente adequada para descrever a experiência postulada de Pedro: Jesus fora assunto ao céu. Ascensão é categoria totalmente diferente de ressurreição. Inferir a partir de visões celestiais de Jesus que ele fora ressuscitado vai de encontro ao pensamento judaico em dois aspectos fundamentais, como vimos, ao passo que a ascensão de Jesus ao céu teria sido a conclusão natural. Até onde eu saiba, Lüdemann não toca em lugar algum na questão de por que as alucinações, caso tivessem ocorrido, teriam levado à conclusão de que Jesus ressuscitara dentre os mortos.

Assim, a teoria da alucinação tem força explanatória débil tanto por não poder explicar a diversidade das aparições quanto por não poder explicar a origem da crença dos discípulos na ressurreição.

Critério 3: plausibilidade. Há pelo menos dois aspectos em que a Hipótese da Alucinação segundo Lüdemann é implausível.

Primeiro, há pouca plausibilidade na psicanálise que Lüdemann faz de Pedro e Paulo. Dois pontos podem ser mencionados:


(a) Os dados são insuficientes para fazer uma psicanálise de Pedro e Paulo. Tudo que temos de Paulo são poucas passagens autobiográficas em suas cartas, enquanto que as informações sobre a psique de Pedro são, como o próprio Lüdemann admite, “incomparavelmente piores”. Não temos no Novo Testamento nenhuma narrativa da experiência de Pedro vendo Jesus, mas simplesmente um par de referências epigramáticas: “e apareceu a Cefas” (1Coríntios 15.5); “É verdade, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão” (Lucas 24.34). Toda a teoria de Lüdemann se baseia em conjecturas fantasiosas sobre o estado psicológico de Pedro, a respeito do qual não sabemos quase nada. A psicanálise é sabidamente difícil, mesmo com o paciente sentado bem diante de si no divã, mas é praticamente impossível com figuras históricas. É por isso que o gênero de psicobiografia é rejeitado por historiadores. Martin Hengel conclui acertadamente: “Lüdemann... não reconhece esses limites ao historiador. No caso, ele entra na esfera de explicações psicológicas, para as quais nenhuma verificação é realmente possível... as fontes são limitadas demais para tais análises psicologizantes”.

(b) Os indícios que temos sugerem que a psicanálise que Lüdemann faz de Pedro e Paulo está errada. Em primeiro lugar, a reconstrução fantasiosa que Lüdemann faz do estado emocional de Pedro após suas negações e a crucificação de Jesus não é capaz de diagnosticar o verdadeiro problema que Pedro encarava. Não era tanto que ele frustrara seu Senhor, mas que seu Senhor o frustrara! Lüdemann, pois, é incapaz de entrar na mentalidade de um judeu do século I que seguira um pretendente messiânico frustrado. Como Grass enfatizou em sua crítica incisiva da hipótese da visão subjetiva, uma das maiores fraquezas da teoria é que não pode levar realmente a sério a catástrofe que a crucificação foi para a fé dos discípulos em Jesus.  Ao ignorar o desastre da cruz, Lüdemann imagina sem a mínima prova um Pedro preocupado consigo mesmo em conflito com sua própria culpa e vergonha, e não em uma luta com expectativas messiânicas arrasadas. E, para que não se diga que tais expectativas estraçalhadas tenham levado Pedro a alucinar Jesus vivo dentre os mortos, permitam-me simplesmente recordar que nenhuma esperança desse tipo existia em Israel, seja com relação ao Messias, seja com relação à ressurreição final. Ligar estes dois conceitos é a consequência, e não a causa, da experiência dos discípulos.

Quanto a Paulo, os indícios que temos indicam que Paulo não lutou com complexo de culpa sob a lei judaica. Aproximadamente quarenta anos atrás, Krister Stendahl apontou que leitores ocidentais têm a tendência de interpretar Paulo à luz dos conflitos de Martinho Lutero com a culpa e o pecado, mas o fariseu Paulo não experimentou tais conflitos. Stendahl escreve:


Compare Paulo, judeu muito feliz e bem-sucedido, alguém que pode... dizer...: “quanto à justiça que há na lei, eu era irrepreensível” (Filipenses 3.6). É isto que ele fala. Ele não experimenta nenhuma dificuldade, nenhum problema, nenhum remorso da consciência. Ele é aluno virtuoso, do tipo que consegue a bolsa de pós-graduação de milhares de dólares no Seminário de Gamaliel... Em lugar algum nos escritos de Paulo, ocorre qualquer indicação... de que psicologicamente Paulo tivesse algum problema de consciência...

Lüdemann afirma que, em Romanos 7.7-25, a experiência paulina pré-cristã carregada de culpa sob a lei nos é revelada. Deve-se dizer, porém, que a interpretação autobiográfica de Romanos 7.7-25 do ponto de vista da experiência paulina pré-cristã versus cristã é esmagadoramente rejeitada por intérpretes e comentaristas paulinos contemporâneos. O uso paulino do pronome da primeira pessoa do singular e de verbos no passado não se trata de indicadores de reflexão autobiográfica; antes, o “eu” é o ego representativo pressuposto por Paulo (cf. Romanos 3.7; 1Coríntios 6.15; 10.29-30; 13.1-3; Gálatas 2.18-19) e os verbos no passado ligam sua exposição com a história do pecado no mundo descrita anteriormente (Romanos 5.12-14). Postular uma divisão pré- e pós-conversão significa criar uma falsa dicotomia no capítulo, pois a transição para o tempo presente no v. 14 não é acompanhada de mudança na atitude do falante (cf. v. 25). Assim, nas palavras de Kessler, “quase todos os expositores” de Romanos 7 desde a década de 1920 abandonaram a interpretação autobiográfica adotada por Lüdemann. Quando nos voltamos para passagens genuinamente autobiográficas nas cartas de Paulo relacionadas a sua experiência pré-cristã (Filipenses 3.4-14), então, conforme penso, encontramos um quadro bem diferente.

O procedimento de Lüdemann nesse quesito é clássico. Em resposta à objeção de que o próprio testemunho de Paulo indica que ele estava satisfeito enquanto judeu e não sentia nenhum conflito com a culpa, Lüdemann redargui que o conflito de Paulo era inconsciente. Esta típica jogada freudiana torna a psicanálise de Lüdemann infalsificável, visto que qualquer prova contra si é simplesmente interpretada do ponto de vista da própria teoria. A hipótese, portanto, revela-se estéril.

Assim, tanto por sua falta de dados quanto por sua interpretação errônea da experiência de Pedro e Paulo, a tentativa de Lüdemann de fazer psicobiografia tem pouca plausibilidade.

Segundo, existe também pouca plausibilidade na alegação de Lüdemann de que as aparições da ressurreição tenham sido meramente experiências visionárias. Novamente, pode-se mencionar dois pontos:


(a) A alegação de Lüdemann se baseia no pressuposto implausível de que a experiência de Paulo no caminho de Damasco seja paradigmática para todas as demais aparições pós-morte. Lüdemann admite que sua interpretação das aparições pós-morte como visões alucinatórias dependa do pressuposto de que aquilo que Paulo experimentou no caminho de Damasco tenha sido o mesmo que aquilo que todos os demais discípulos experimentaram. A hipótese de Lüdemann é, portanto, como uma pirâmide se equilibrando em sua ponta, pois, se esse pressuposto for falso, não haverá nenhuma razão para pensar que as experiências dos discípulos tenham sido visionárias, de modo que toda a teoria desmorona. No caso, não há nenhuma garantia para o pressuposto. John Dominic Crossan observa corretamente: “Paulo precisa em 1Coríntios 15 equiparar sua própria experiência àquela dos apóstolos precedentes. Equiparar, sim, sua validade e legitimidade, mas não necessariamente seu modo e maneira. Jesus foi-lhes revelado a todos, mas não se deve presumir que a própria revelação arrebatadora de Paulo sirva de modelo a todas as demais”. É de surpreender que o próprio Lüdemann reconheça que Paulo, em 1Coríntios 15, “não está preocupado em oferecer um relato preciso... de como foram suas aparições da ressurreição... A única coisa importante para Paulo... era que tinham ocorrido”. Uma vez, pois, que percebamos que a preocupação de Paulo em 1Coríntios 15.3-8 é com o fato da aparição de Cristo, e não com seu modo, e observemos a forte motivação de Paulo em seu contexto histórico para acrescentar seu nome à lista de testemunhas, não resta sequer uma razão para pensar que o testemunho de Paulo implique que todas as aparições pós-morte tenham sido como o encontro paulino pós-ascensão. Assim que a pressuposição se vai, simplesmente não há nenhuma razão para reduzir todas essas experiências a experiências visionárias.

(b) O Novo Testamento diferencia coerentemente entre uma visão de Cristo e uma aparição da ressurreição de Cristo. Paulo estava familiarizado com “visões e revelações do Senhor” (2Coríntios 12.1). Ainda assim, Paulo, como o restante do Novo Testamento, não equipara tais visões de Cristo a aparições da ressurreição. As aparições foram a um círculo limitado de testemunhas no nascimento do movimento cristão e logo cessaram, sendo a experiência paulina fora do tempo certo, “depois de todos” (1Coríntios 15.8). Visões do Senhor exaltado, todavia, continuaram a ser experimentadas por toda a igreja. A pergunta que não quer calar: qual diferença essencial existe entre uma visão de Cristo e uma aparição da ressurreição de Cristo? A resposta no Novo Testamento parece clara: uma aparição da ressurreição era evento extramental, ao passo que uma visão se passava meramente na mente do perceptor. Dizer que determinado fenômeno foi visionário não significa dizer que foi ilusório. Biblistas acharam necessário distinguir entre o que às vezes se denomina “visões objetivas” e “visões subjetivas”. Uma visão objetiva, ou de modo a causar menos equívocos, uma visão verídica, é visão causada por Deus. Uma visão subjetiva ou inverídica é produto da imaginação do perceptor. Visão verídica envolve ver uma realidade objetiva sem os processos normais da percepção sensorial. Visão inverídica não tem nenhum correlato extramental e é, portanto, alucinatória. Pois bem, visões do Cristo exaltado, como a de Estêvão (Atos 7.55-56), Paulo (Atos 22.17-21) ou João (Apocalipse 1.10-18), não foram consideradas alucinatórias, mas tampouco contavam entre as aparições da ressurreição de Cristo. Por que não? Porque aparições de Jesus, em contraste com visões verídicas de Jesus, envolviam realidade extramental que qualquer um presente poderia experimentar. Mesmo a experiência de Paulo no caminho de Damasco, que foi de natureza semivisionária, poderia contar como aparição real, pois a luz e a voz foram experimentadas pelos parceiros de viagem de Paulo (embora não tenham sido experimentadas por eles como revelação de Cristo). Conforme penso, isso parece a resposta coerente em todo o Novo Testamento à pergunta da diferença que havia entre uma visão e uma aparição de Jesus. E tal resposta é de caráter inteiramente judaico: os rabinos igualmente distinguiam entre uma visão angélica e uma aparição angélica com base, por exemplo, no fato de que alimento que fora visto sendo consumido pelo anjo tenha, na realidade, desaparecido quando a aparição tivesse cessado.

Pois então, se isso estiver correto, é devastador para a afirmação de que as aparições pós-morte de Cristo tenham sido experiências visionárias. Pois, assim, a distinção ao longo de todo o Novo Testamento entre uma visão de Cristo e uma aparição da ressurreição de Cristo se torna inexplicável. Lüdemann admite que a maioria dos exegetas reconhece essa distinção, mas, como ele se vê em apuros para explicá-la, simplesmente tem de negá-la.

Por isso, a alegação de Lüdemann de que as aparições da ressurreição de Jesus tenham sido eventos visionários é duplamente implausível, tanto em seu pressuposto de que todas as aparições se conformassem ao modelo da experiência de Paulo quanto em sua incapacidade de explicar a distinção neotestamentária entre uma aparição e uma visão de Jesus. Não apenas isso, mas também vimos que sua psicanálise de Pedro e Paulo tem, em diversos aspectos, pouca plausibilidade. A Hipótese da Alucinação, portanto, não se sustenta, quando avaliada pelo terceiro critério.

Critério 4: concordância com crenças aceitas. De acordo com este critério, a melhor hipótese é aquela que nos força a abandonar o mínimo de crenças geralmente aceitas. A hipótese de Lüdemann, contudo, caso aceita, nos obrigaria a abandonar inúmeras crenças geralmente aceitas por estudiosos de Novo Testamento. Por exemplo, as crenças que:


(i) Jesus teve um sepultamento digno (por José de Arimateia).

(ii) O sepulcro de Jesus foi achado vazio por algumas de suas discípulas.

(iii) Psicanálise de figuras históricas é inviável.

(iv) Paulo estava basicamente contente com sua vida sob a lei judaica.

(v) A aparição aos 500 irmãos foi distinta do evento em Pentecoste.

(vi) O Novo Testamento faz distinção entre uma visão de Cristo e uma aparição da ressurreição de Cristo.

Todas as afirmações acima são conclusões geralmente aceitas por estudiosos de Novo Testamento; todavia, para adotar a hipótese de Lüdemann, deveríamos rejeitá-las todas, o que pesa contra pelo menos a versão de Lüdemann da Hipótese da Alucinação.

Critério 5: adequação. Uma teoria se torna cada vez mais inadequada ou forçada, à proporção do número de pressuposições complementares que ela requer que adotemos. A Hipótese da Alucinação segundo Lüdemann envolve muitas pressuposições complementares desse tipo:


(i) Os discípulos fugiram de volta à Galileia na noite da prisão de Jesus. Lüdemann precisa desta pressuposição para separar os discípulos do local da sepultura de Jesus. Do contrário, fica difícil explicar por que não investigaram o sepulcro. Esta pressuposição, contudo, não tem a mínima prova a seu favor e, diante disso, é implausível ao extremo.

(ii) Pedro estava tão obcecado com a culpa que projetou uma alucinação de Jesus. Os relatos não nos dizem nada acerca do estado mental de Pedro após sua negação de Jesus. Não temos nenhuma razão para pensar que a preocupação primária de Pedro diante da execução de Jesus tenha sido sua incapacidade de ficar ao lado de Jesus, em vez da ruína total das pretensões messiânicas de Jesus.

(iii) O demais discípulos perderam tanto o controle que também alucinaram visões de Jesus. Não temos nenhum indício de que os outros discípulos, que presumivelmente não tinham o complexo de culpa de Pedro, estivessem emocionalmente preparados para alucinar visões de Jesus vivo. Simplesmente somos obrigados a pressupor isto.

(iv) Paulo tinha um conflito inconsciente com a lei judaica e uma atração secreta ao cristianismo. Uma vez que, segundo se diz, a luta era insconsciente e a luta, secreta, esta pressuposição resiste ao apoio mediante provas. É completamente inadequada e forçada.

Estas são apenas algumas das pressuposições complementares que devem ser adotadas para aceitar a Hipótese da Alucinação segundo Lüdemann. Assim, sua teoria tem um quê de artificialidade.

Critério 6: superioridade a hipóteses rivais. A Hipótese da Alucinação é coisa antiga na teologia alemã, já tendo sido celebremente exposta por Emmanuel Hirsch na década de 1920; a maioria dos críticos, porém, continua a não aceitá-la. Berger lamenta que o livro de Lüdemann seja composto quase exclusivamente de posições requentadas que dominam a escola de Bultmann por mais de 50 anos. Penso que podemos dizer com segurança que a Hipótese da Alucinação não conseguiu demonstrar sua visível superioridade a teorias rivais, incluindo a Hipótese da Ressurreição.

Muitas vezes, a avaliação de hipóteses históricas é difícil, pois uma hipótese pode ser forte em relação a certos critérios, mas fraca em relação a outros. A perícia do historiador envolve avaliar o peso relativo desses pontos fortes e fracos. A Hipótese da Alucinação, todavia, não se sustenta quando avaliada por nenhum de nossos critérios. Seu escopo explanatório é muito estreito, sua força explanatória é muito débil para dar conta dos fenômenos que ela busca explicar, ela é implausível em certos aspectos importantes, contradiz inúmeras crenças aceitas, é inadequada e forçada e não supera seus rivais em atender aos critérios acima. A única esperança que resta aos proponentes da Hipótese da Alucinação é que a Hipótese da Ressurreição fracasse ainda mais desgraçadamente em atender aos mesmos critérios, de modo que a Hipótese da Alucinação se levante vitoriosa.

A Hipótese da Ressurreição

A Hipótese da Ressurreição afirma que “Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos”. Conquanto a maioria dos estudiosos de Novo Testamento concorde com a base de dados indutiva esboçada acima, muitos, se não quase todos, terão sérias reservas quanto à Hipótese da Ressurreição conforme eu a formulei, pois, como historiadores, creem que não podem propor explicações sobrenaturais dos fatos. Fico incomodado com isso, porque, para começo de conversa, a questão do naturalismo metodológico, na história como nas ciências, é uma questão filosófica, fora do campo de competência de estudiosos do Novo Testamento. E há um bom número de filósofos de primeira linha que argumentam que o naturalismo metodológico é injustificado, principalmente para quem é teísta. Em segundo lugar, não tenho nenhum problema em admitir, se necessário por uma questão argumentativa, que minha hipótese não se trate de conclusão “estritamente histórica”. Podemos chamá-la de hipótese teológica, se assim quisermos. Mesmo que o historiador, enquanto historiador, seja impedido por algum obstáculo metodológico de tirar essa conclusão, não significa que nós (ou o historiador fora do horário de serviço) não possamos, enquanto homens e mulheres em busca da descoberta da verdade sobre a vida e o mundo, tirá-la. Proponho a hipótese teológica como a melhor explicação dos fatos e estou disposto a submetê-la aos mesmos critérios empregados para avaliar qualquer hipótese histórica. A Hipótese da Ressurreição parece, sim, atender com êxito aos critérios de McCullagh.


1. Tem grande escopo explanatório: explica por que o sepulcro foi encontrado vazio, por que os discípulos viram aparições pós-morte de Jesus e por que a fé cristã passou a existir.

2. Tem grande força explanatória: explica por que o corpo de Jesus desapareceu, por que pessoas viram repetidamente Jesus vivo, a despeito de sua execução pública anterior, e assim por diante.

3. É plausível: dado o contexto histórico da própria vida e afirmações sem paralelo de Jesus, a ressurreição serve como confirmação divina de tais afirmações radicais.

4. Não é excessivamente inadequada ou forçada: requer apenas uma hipótese complementar, a de que Deus existe. E mesmo isso não precisa ser uma hipótese complementar, caso já se creia na existência de Deus, como Lüdemann e eu o fazemos.

5. Está em concordância com crenças aceitas. A hipótese: “Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos” não entra de forma alguma em conflito com a crença aceita de que as pessoas não ressuscitam naturalmente dentre os mortos. O cristão aceita tal crença tão incondicionalmente como aceita a hipótese de que Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos.

6. Em muito ultrapassa qualquer de suas teorias rivais em atender às condições (1) e (5). Ao longo de toda a história, diversas explicações alternativas dos fatos foram propostas — por exemplo, a teoria da conspiração, a teoria da morte aparente, a teoria da alucinação e assim por diante. Tais hipóteses são quase universalmente rejeitadas pela pesquisa contemporânea. Nenhuma hipótese naturalista atraiu um grande número de estudiosos.

Assim, a Hipótese da Ressurreição se dá muito bem quando avaliada pelos critérios convencionais empregados para averiguar descrições históricas. Sua maior fraqueza é que força necessariamente que pressuponhamos que Deus existe. Para quem é teísta, porém, não se trata de problema insuperável.

Por que, então, podemos perguntar, Lüdemann rejeita a Hipótese da Ressurreição? A resposta é muito simples: a ressurreição é um milagre e Lüdemann nega a admissibilidade de milagres. Ele afirma: “A crítica histórica... não conta com a intervenção de Deus na história”. Por isso, a ressurreição não pode ser histórica; é jogada pela janela antes mesmo de você se sentar à mesma para analisar os indícios.

O problema no caso pode ser melhor entendido, segundo penso, como uma discordância sobre qual tipo de explicação constitui opção viável para melhor explicação dos fatos. De acordo com o padrão de raciocínio indutivo conhecido como inferência à melhor explicação, ao explicar um conjunto de dados, primeiramente reunimos um grupo de opções viáveis e, então, escolhemos desse grupo, com base em determinados critérios, aquela explicação que, se verdadeira, melhor explique os dados. O problema em jogo é que naturalistas científicos não permitirão que explicações sobrenaturais sequer estejam no grupo de opções viáveis. Em contrapartida, sou aberto a explicações científicas naturalistas no sentido de que incluo explicações naturalistas no grupo de opções viáveis, pois avalio tais explicações empregando os critérios convencionais para a melhor explicação, em vez de descartar de cara tais hipóteses. Lüdemann, no entanto, tem tanta certeza de que explicações sobrenaturais estejam erradas que se acha justificado ao não estar mais aberto a elas: não podem sequer ser permitidas no grupo de opções viáveis. Obviamente, se apenas explicações naturalistas são permitidas no grupo de opções viáveis, a afirmação ou prova de que a Hipótese da Alucinação seja a melhor explicação é vazia, pois eu poderia muito bem admitir que, de todas as explicações naturalistas à disposição, a melhor explicação naturalista é a Hipótese da Alucinação. Obviamente, a questão não é se a Hipótese da Alucinação se trata da melhor explicação naturalista, mas se ela é verdadeira. Afinal, estamos todos interessados em veracidade, e não ortodoxia (seja ela naturalista ou sobrenaturalista). Assim, para assegurar que não está excluindo a teoria verdadeira nem mesmo de consideração, é melhor que Lüdemann tenha razões muito boas para limitar o grupo de opções viáveis a explicações naturalistas.

Qual justificativa, então, o doutor Lüdemann oferece para esse pressuposto crucial da inadmissibilidade de milagres? Tudo que propõe é uma ou outra alusão proverbial a Hume e Kant. Ele diz: “Hume... demonstrou que um milagre é definido de tal maneira que ‘nenhum testemunho é suficiente para estabelecê-lo’”. O conceito milagroso da ressurreição, diz ele, pressupõe “um realismo filosófico insustentável desde Kant”. Ora, no caso, o procedimento de Lüdemann de simplesmente citar nomes de filósofos famosos é típico demais entre teólogos. O filósofo Thomas Morris comenta o seguinte em seu livro Philosophy and the Christian Faith [A filosofia e a fé cristã]:


O que é de particular interesse nas referências que teólogos fazem a Kant ou Hume é que, na maior parte das vezes, encontramos simplesmente a menção ao filósofo..., mas raramente — ou nunca — vemos uma explicação de quais de seus argumentos precisamente conseguiram causar a suposta demolição... De fato, devo confessar que nunca vi nos escritos de nenhum teólogo contemporâneo a exposição de um único argumento, seja de Hume, seja de Kant, ou então de que qualquer outra figura histórica, que chegue sequer um pouco perto de demolir... a doutrina cristã histórica ou... o realismo teológico...

O argumento de Hume contra os milagres já fora refutado no século XVIII por Paley, Less e Campbell, e a maioria dos filósofos contemporâneos também o rejeita como falacioso, incluindo filósofos tão destacados quanto Richard Swinburne e John Earman e filósofos analíticos como George Mavrodes e William Alston. Até mesmo o filósofo Antony Flew, ele próprio especialista em Hume, admite que o argumento de Hume é falho em sua forma existente. Quanto ao realismo filosófico, esta é, na realidade, a visão dominante entre os filósofos atuais, ao menos na tradição analítica. Assim, se Lüdemann deseja rejeitar a historicidade de milagres com base em Hume e Kant, tem muito a se explicar. Do contrário, sua rejeição da Hipótese da Ressurreição se baseia em pressuposto infundado. Rejeite o pressuposto, e fica muito difícil negar que a ressurreição de Jesus se trate da melhor explicação dos fatos.

Conclusão

Para concluir, então, vimos, primeiro, que qualquer hipótese histórica adequada no que diz respeito ao destino de Jesus deva explicar quatro fatos estabelecidos: o sepultamento digno de Jesus, a descoberta de seu sepulcro vazio, suas aparições pós-morte e a origem da crença dos discípulos na ressurreição. Segundo, quando avaliada pelos critérios convencionais empregados para averiguar descrições históricas, a Hipótese da Alucinação segundo Lüdemann aparenta ter escopo explanatório estreito, ter força explanatória débil, ser implausível, ser inadequadamente forçado, contradizer um número bastante razoável de crenças aceitas e não superar seus rivais em atender a esses testes. Em contrapartida, a Hipótese da Ressurreição, quando avaliada pelos mesmos critérios, consegue se dar muito bem. Portanto, devemos considerar esta última como uma melhor explicação dos fatos.