Mostrando postagens com marcador Profetas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Profetas. Mostrar todas as postagens

domingo, 24 de abril de 2011

Livros proféticos do Antigo Testamento

Os Livros Proféticos do Antigo Testamento subdividem em dois grupos na Bíblia cristã, o dos primeiros profetas (maiores) e o dos profetas menores.

Em graus diversos e sob formas variadas, as grandes religiões da antiguidade tiveram pessoas inspiradas que pretendiam falar em nome de seu deus. O sentido original da palavra profeta (nabî) em hebraico deriva de uma raiz que significa "Chamar, anunciar", portanto, o profeta seria aquele que é chamado ou que anuncia, um mensageiro e um intérprete da palavra divina, conforme se pode verificar em (Jr 1,9).

Pela sua coragem de questionar a situação presente e vislumbrar um futuro diferente para o seu povo, os profetas sempre exerceram atração fascinante. Muitos chegam até a confundir profeta com adivinhador do futuro. Outros chegam a pensar que eles ensinavam coisas absolutamente novas. O verdadeiro profeta, no entanto, é aquele que preserva a tradição autêntica do seu povo, perdida ou deformada em meio a tantas tradições criadas para defender interesses, legitimar poderes e sustentar sistemas.

O núcleo central da tradição autêntica é a lembrança da libertação contada no Livro do Êxodo, ou seja, o reencontro com o verdadeiro Deus revelado a Moisés: Eu sou Javé seu Deus, que fiz você sair da terra do Egito, da casa da escravidão (Ex 20,2; Dt 5,6). Portanto, profeta é aquele que se inspira na ação libertadora do Deus do Êxodo e, a partir daí, analisa a situação presente e mostra o projeto de Deus para o futuro do seu povo.

As atividades do profeta variam de acordo com seus ouvintes e com o momento histórico em que ele vive. Cada profeta tem o seu estilo próprio, e pronuncia anúncios e denúncias diante de situações bem determinadas. No entanto, podemos perceber duas grandes vertentes na atividade dos profetas:
● Exigência de conversão, para mudar o sistema social, a fim de que o julgamento de Deus não recaia sobre o povo. Esse tema é predominante nos profetas que exerceram sua atividade antes do exílio na Babilônia.
● Anúncio de esperança, para encorajar e estimular o povo, que tinha perdido sua terra e corria o perigo de perder a própria identidade. Esse anúncio fazia retomar a caminhada da reconstrução, recuperando a fé em Javé e os valores históricos alcançados em nome dessa mesma fé.

Os livros proféticos testemunham a vida e atividade de homens que possuem fé profunda e vigorosa; homens que procuram levar o povo a um relacionamento sempre renovado e responsável com o Deus que julga e salva.

A literatura profética pode ser dividida de várias maneiras. A mais tradicional e comum, entre os cristãos, é a divisão em profetas maiores e profetas menores. Não porque uns sejam mais importantes que outros, mas simplesmente pela extensão de seus escritos. Os profetas maiores são quatro: Isaías, Jeremias (que também teria escrito Lamentações), Ezequiel, Daniel.
Os menores são doze: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias, cabendo observar que o Livro de Baruc, que consta na Septuaginta e nas Bíblias adotadas pela Igreja Católica e pelas Igrejas Ortodoxas, próximo ao Livro de Jeremias, é Deuterocanônico, ou seja, não consta na Bíblia Hebraica e não é aceito pelas Igrejas que adotam a Bíblia proposta por Lutero.

Por sua vez, a Bíblia Hebraica agrupa os livros de Isaías, Jeremias, Ezequiel e os dos doze profetas sob o título de "Profetas Posteriores" e os coloca após os "Profetas Anteriores": (Josué, Juízes, I Samuel, II Samuel, I Reis, II Reis), enquanto que a Septuaginta (tradução do Antigo Testamento para o Grego Koiné, cuja a estrutura é utilizada por maior parte das Igrejas Cristãs) apresenta os livros proféticos depois dos Livros Históricos, destacando-se que a Bíblia Hebraica não incluí o Lamentações e Daniel entre os "Profetas Posteriores", mas entre os "Escritos" (Kethuvim) – (escritos).

NOTA: A consideração de um livro como apócrifo varia de acordo com a religião. Por exemplo, alguns livros considerados canônicos pelos católicos são considerados apócrifos pelos judeus e pelos evangélicos (protestantes). Alguns destes livros são os inclusos na Septuaginta por razões históricas ou religiosas. A terminologia teológica católica romana/ortodoxa para os mesmos é deuterocanônicos, isto é, os livros que foram reconhecidos como canônicos em um segundo momento (do grego, deutero significando "outro"). Destes fazem parte os livros de Tobias, Judite, I e II Macabeus, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico (também chamado Sirácide ou Ben Sirá), Baruc (ou Baruque) e também as adições em Ester e em Daniel - nomeadamente os episódios da História de Susana e de Bel e o dragão.

Cronologia dos Profetas de Israel

Profetas Narrativos: Elias (de 870 a 845) – reino do norte: Eliseu (de 850 a 800) – reino do norte

Profetas Pré-Exílicos (de 760 a 586)

Jonas ( 760 - provavelmente pós-exílico) – reino do norte

Amós (de 770 a 750) – reino do norte

Oséias (de 750 a 722) – reino do norte

Isaías (de 740 a 690) – reino do sul

Miquéias (de 740 a 685)- reino do sul

Sofonias (de 635 a 620) – reino do sul

Jeremias (de 626 a 586) – reino do sul

Habacuque (de 615 a 590) – reino do sul

Naum ( de 663 a 612 ) – reino do sul

Obadias (de 605 a 590) – reino do sul


Profetas Exílicos (586 a 538)

Ezequiel (de 593 a 571) – reino do sul

Daniel (século VI) – reino do sul


Profetas Pós-Exílicos (de 548 a 440)

Ageu (520) – reino do sul

Zacarias (de 520 a 518) – reino do sul

Malaquias ( de 450 a 400 ) – reino do sul

Joel ( ?) - reino do sul

1- Reino Dividido (933-587 AC)

O Reino de Israel, no tempo do rei Roboão, se divide, formando dois reinos: Israel, ao Norte, tendo como cidade principal Samaria, formado por 10 das 12 tribos; e forma-se ao sul o reino de Judá, tendo Jerusalém como centro político e religioso, formado pelas tribos de Judá/ Simeão e Benjamim. Após essa divisão ocorrem diversas investidas na região por parte do Egito, Assíria e Babilônia, que ao dominarem as regiões, tributavam-nas. As 10 tribos do Norte são tomadas pelos Assírios no séc. VIII a. C. e o reino do sul sofre com os egípcios tributando-os e no séc. VII e no séc. VI a. C. com os babilônicos.

Conseqüências da Queda:
a. Divisão causada pelo pecado de Salomão e pela dureza de Roboão, seu filho e herdeiro, na questão dos impostos.
b. Reino do Norte (Israel) começa com Jeroboão I (filho de Nebate) e todos os reis seguem seu exemplo de idolatria.
c. Reino do Sul (Judá) começa com Roboão, filho de Salomão (Roboão foi idólatra), mas o Reino do Sul teve alguns bons reis: Asa, Jeosafá, Joás, Jotão, Ezequias, Josias.

2- Dois Reinos: Norte e Sul (933-721 AC)

Livros sobre o período: I e II Reis, II Crônicas

Profetas do Reino do Norte: Elias, Eliseu, Jonas, Amós, Oséias

Profetas do Reino do Sul: Micaías, Joel, Isaías, Miquéias, Jeremias, Habacuque

3- IMPÉRIO ASSÍRIO – (880 a 612 a.C.)

Declínio E Queda Do Reinado

1. Queda do Reino do Norte e cativeiro israelita sob os assírios (722/721 AC) - ISRAEL

Profeta do período: Oséias

Livro sobre o período: II Reis

Cativos não mais voltam à sua terra.

Em 722 a.C. o RN é levado cativo pelos Assírios

2. Reino do Sul sozinho (721-587 AC) - JUDÁ

Profetas do período: Isaías, Miquéias, Jeremias, Sofonias, Habacuque

Livros sobre o perído: II Reis, II Crônicas

O Império Assírio durou até que Assur caiu em poder dos medos em 614 a.C. e Nínive foi destruída pelos medos e babilônicos em 612 a.C.

4. IMPÉRIO BABILÔNICO – (614 a.C. a 559/538 a.C.)

Queda e Cativeiro do Reino do Sul (606 AC em diante)

Profetas do período da Queda e Cativeiro: Jeremias, Habacuque, Daniel, Ezequiel, Obadias

Profetas em Babilônia, no cativeiro: Daniel, Ezequiel

Livros sobre o período: II Reis, II Crônicas, Daniel, Ezequiel
Reino do Sul (Judá) vencido pela Babilônia (Nabucodonosor): início do cativeiro de Judá (606 AC).

É nesse período que Nabucodonosor rei da Babilônia, por motivo de uma rebelião por parte dos judeus contra seu domínio tributário, em 605 a. C., leva cativo o rei de Judá e parte do povo da terra. Em uma segunda rebelião, Jerusalém é cercada por dois anos e num segundo cativeiro são levados mais de 10.000 habitantes. Uma terceira rebelião faz com que Jerusalém seja totalmente destruída, os muros são derrubados, o Templo destruído e seus tesouros roubados (que segundo relatos bíblicos eram muitos).

Jovens, donzelas, velhos, crianças são mortos pela fome dos cercos e tomadas da cidade. A tomada e a destruição de Jerusalém são detalhadamente contadas no final do segundo Livro dos Reis.[7]

5 - POR QUÊ O EXÍLIO? – PROPÓSITOS - 70 ANOS!

(Muito mais um Exílio que um cativeiro – foi um tempo de renovação e purificação do povo de Deus)Pela desobediência do povo. Moisés já havia advertido o povo sobre isto (Dt 28.15-68)

Cativeiro do Norte – Desobediência e idolatria (2 Re 17.6-20)

v.6-7 ARA No ano nono de Oséias, o rei da Assíria tomou a Samaria e transportou a Israel para a Assíria; e os fez habitar em Hala, junto a Habor e ao rio Gozã, e nas cidades dos medos. Tal sucedeu porque os filhos de Israel pecaram contra o SENHOR, seu Deus, que os fizera subir da terra do Egito, de debaixo da mão de Faraó, rei do Egito; e temeram a outros deuses.

Cativeiro do Sul – Desobediência e idolatria (Jr 25.7)

v. 7 ARA Todavia, não me destes ouvidos, diz o SENHOR, mas me provocastes à ira com as obras de vossas mãos, para o vosso próprio mal.(Ver também Ez 8-11)
Pelo não cumprimento da lei do sábado (Ano do Jubileu – Lv 25.2-7) Esta causa é narrada pelo cronista (2 Cr 36.21)
O povo precisava saber que só Yavé é Yavé (Ez 35.9,15; 38.23; 39.6).

Terra, Templo e Trono. Deus estava demonstrando que Ele não requeria a posse física da terra, o culto no templo de Jerusalém e um trono físico em Jerusalém. O exílio era, portanto, uma lição objetiva para a era do NT. A Terra, o Templo e o Trono, eram sombra de realidade que estavam por vir.

6 - Reis de Israel:
1- Jeroboão I (937 aC) 1Rs 11.282- Nadabe (915 aC) 1Rs 14.203- Baasa ( 914 aC) 1Rs 15.164- Elá (891 aC) 1Rs 16.85- Zinri (890 aC) 1Rs 16.156- Onri (890 aC) 1Rs 16.167- Acabe (876 aC) 1Rs 16.298- Acazias (856 aC) 1Rs 22.409- Jeorão ou Jorão (854 aC) 2Rs 1.1710- Jeú (842 aC) 1Rs 19.1611- Joacaz (814 aC) 2Rs 10.3512- Joás (797 aC) 2Rs 13.1013- Jeroboão II (781 aC) 2Rs 14.2314- Zacarias (741 aC) 2Rs 14.2915- Salum (741 aC) 2Rs 15.1016- Manaém (740 aC) 2Rs 15.1417- Pecalias (737 aC) 2Rs 15.2318- Peca (736 aC) 2Rs 15.2519- Oséias (730 aC) 2Rs 15.307 -
Reis de Judá:

1- Reoboão (937 aC) 1Rs 11.432- Abias (920 aC) 1Rs 14.313- Asa (917 aC) 1Rs 15.84- Josafá (878 aC) 1Rs 15.245- Jeorão (851 aC) 2Cr 21.16- Acazias (843 aC) 2Rs 8.257- Atalias (rainha) (842 aC) 2Rs 8.268- Joás (836 aC) 2Rs 11.29- Amazias (796 aC) 2Rs 14.110- Uzias ou Azarias (777 aC) 2Rs 14.2111- Jotão (750 aC) 2Rs 15.512- Acaz (734 aC) 2Rs 15.3813- Ezequias (727 aC) 2Rs 16.2014- Manasses (697 aC) 2Rs 21.115- Amon (642 aC) 2Rs 21.1916- Josias (640 aC) 1Rs 13.217- Joacaz ou Salum (608 aC) 2Rs 23.3018- Joaquim (608 aC) 2Rs 23.3419- Jeoaquim ou Jeconias (598 aC) 2Rs 24.620- Zedequias ou Matanias ( 598 aC) 2 Rs 24.17

●O Reino do Norte (Reino de Israel) foi levado cativo pela Assíria de 724 até 722 a.C. Houve 3 anos de cerco até o desfecho final. A duração do cativeiro foi de 150 anos. Seu último rei foi Oséias. Teve seus povos espalhados entre as nações e povos mistos passaram habitar Israel, daí, o surgimento da cisma contra os Samaritanos (povos misturados). Tiveram 9 dinastias e 19 reis, a duração do reino do Norte foi de 220 anos até o cativeiro. Sua capital política era Samaria e como capitais religiosas tinha Betel e Dã, assim como, dois templos com 2 bezerros para adoração construídos pelo rei Jeroboão.

●O Reino do Sul (Reino de Judá) foi levado cativo pela Babilônia em 586 a.c, foram deportados apenas os intelectuais, membros de família real, e deixados os pobres. Seu último rei foi Joaquim. A deportação para o cativeiro foi realizado em etapas. A duração do cativeiro foi de 70 anos. Tinha em Jerusalém sua capital religiosa e política. Teve apenas 1 dinastia (davídica) e 20 reis, a duração do reino do Sul foi de 350 anos, 130 anos a mais do que o reino do Norte.
PROFECIA PRÉ-CLÁSSICA

Podemos observar várias fases no desenvolvimento da instituição profética em Israel. No início da história israelita, os profetas, freqüentemente detinham a liderança. Moisés é o melhor exemplo disso; ele era qualificado para liderar o povo em virtude do ofício profético. Débora foi juíza em Israel por ter se destacado como profetisa. Depois de Moisés, o melhor exemplo de profeta anterior a monarquia é Samuel. O texto de 1 Samuel, capítulo 3 descreve o estabelecimento das credenciais proféticas de Samuel. Ele foi o grande líder na transição do período dos juízes para a monarquia.

A profecia pré-monárquica foi apenas um dos estágios da denominada profecia pré-clássica israelita. Quando Samuel ungiu Saul, o papel de profeta se tornou de conselheiro do rei. Esse tipo de profeta se assemelhava ao tipo predominante no Antigo Oriente Médio. Não existem livros que reúnam as profecias do período pré-clássico, mas oráculos dispersos surgem nos livros históricos. O serviço de Samuel para Saul é documentado no livro de 1Samuel, e o profeta Natã conselheiro oficial do rei Davi é evidente em 2Samuel. Embora não possamos considerar Elias um conselheiro do rei Acabe, ele serviu de porta-voz do Senhor no período desse rei.

Como o público do profeta pré-clássico era o rei, as mensagens eram adaptadas as circunstâncias da corte. Por isso as profecias consistiam na maioria dos casos em palavras de incentivo ou advertência ao rei.

O MINISTÉRIO PROFÉTICO DE ELIAS E ELISEU

Os relatos dos ministérios de Elias e Eliseu são importantes não só como biografias representantes do movimento profético pré-clássico, mas também como tratados de fé que celebram personagens centrais do drama religioso de Israel. Elias e Eliseu representam monumentos de fé inabalável em Javé como Deus dos israelitas. Eles serviram de testemunho vivo da fidelidade de Deus a Israel e a sua supremacia sobre o deus cananeu Baal.

O PROFETA ELIAS


Elias, o tesbita, era de Tisbe, na região de Gileade. O nome Elias significa “Jeová é meu Deus” e adaptava-se perfeitamente a ele. Foi o mais notável dos profetas.

Acabe, rei de Israel, casou com a princesa de Sidom, Jezabel. Seu reinado foi marcado pelas loucuras de sua esposa e pela adoração a Baal. Surgindo inesperadamente do deserto e pondo-se diante do rei corrupto, no esplendor de sua corte, o severo profeta falou-lhe ousadamente: “Tão certo como vive o Senhor, Deus de Israel em cuja presença estou, nem orvalho nem chuva haverá nestes anos, segundo a minha palavra” (1Rs 17.1). Fora-lhe dado por Deus poder para fechar os céus de tal modo que não chovesse durante três anos e meio. Ele também pediu que descesse fogo do céu diante dos profetas de Baal no monte Carmelo. Elias foi o grande evangelista do seu tempo, trazendo duras advertências aquele povo idólatra.

Segundo a pregação de Elias, apenas por intermédio de Deus viria a fertilidade da terra. Em tempos de seca e flagelos agrários, o povo era tentado a olhar para Baal, o deus da fertilidade cananita, e buscar socorro. Elias é veemente na sua mensagem contra essa crendice do povo, mostrando que só Deus pode socorrer.

Afora sua pregação principal, os textos conservados sobre Elias relatam uma batalha entre ele e os profetas de Baal (1Rs 18), a predição da seca (1Rs 17.1), as ações milagrosas de provisão e ressurreição (1Rs 17.2-24), sua fuga para a região de Berseba (1Rs 19). Também pregou contra a apropriação indevida de terras pelo rei Acabe (1Rs 21).
Elias foi arrebatado aos céus num redemoinho, diante de seu moço, Eliseu (2Rs 2.1-11).

O PROFETA ELISEU

Eliseu, filho de Safate. Era agricultor. O nome Eliseu significa "Deus é Salvação" ou "Deus salva". Ele foi o sucessor de Elias, seu ministério durou cinqüenta anos. Atou na política bem mais que seu mestre Elias. Foi Eliseu que ungiu Jeú, e mandou que ele exterminasse a família de Acabe. Eliseu, assim como, o seu mestre Elias mostrou-se zeloso pela adoração a Javé e foi contra o sincretismo religioso. Como Elias também realizou milagres, inclusive ressurreição (2Rs 4.32-36).
A maior parte de seus milagres foram atos de bondade e misericórdia. Teve grande influência sobre os reis de seus dias e, embora desaprovasse os atos deles, vinha sempre em seu socorro.

Eliseu apresentou acentuado contraste com Elias:
Elias foi profeta do julgamento, da lei, da severidade.
Eliseu foi profeta da graça, do amor, da ternura.

A PROFECIA CLÁSSICA

A fase mais conhecida da profecia israelita é denominada profecia clássica. Os livros proféticos da Bíblia são todos coleções de oráculos dos profetas clássicos. A profecia clássica começou no século VIII, durante a liderança de Jeroboão II, no Reino do Norte, Israel. Amós e Oséias foram os primeiros exemplos no Norte, e Miquéias e Isaías foram os primeiros profetas clássicos conhecidos no Reino do Sul, Judá. Apesar de muitos profetas clássicos continuarem a se dirigir ao rei e lhe transmitirem mensagens específicas, a maioria dos oráculos era dirigida ao povo. Os profetas pré-clássicos anunciaram o “programa divino” para o rei, os profetas clássicos anunciavam as intenções divinas para o povo. Os profetas clássicos tornaram-se críticos espirituais e sociais dos reis e povo da época, o que os profetas pré-clássicos jamais foram.
A mensagem ou discurso do profeta clássico iniciava sempre com a expressão: “Assim diz o Senhor” ou “Assim diz o Senhor dos Exércitos”.

OS PRINCIPAIS PROFETAS CLÁSSICOS

NO SÉCULO VIII


Os profetas do século VIII a.C. acompanharam os acontecimentos do Reino do Norte e os primeiros sinais de crise do Reino do Sul. Para eles era notório que tais fatos pudessem acontecer e ser explicados devido ao ressentimento de Deus com relação ao seu povo, que realizava práticas idólatras. A idéia de que Ele controlava a História colocava não só Israel, mas todo o Universo, submetido à sua vontade e autoridade. Esses profetas foram os primeiros a conceber tal conceito, que se tornou a base de sua religião.

Nesse período foram quatro os representantes proféticos, tendo dois atuado no Reino do Norte e dois no Reino do Sul.

AMÓS (760-750 a.C.) - sua ação se deu durante o reinado de Jeroboão II (783-743 a.C.). Suas palavras foram anunciadas contra o Reino de Israel devido ao desprezo pelo direito da justiça, ignorados pelos líderes, cujas atitudes atingiram diretamente a população mais fraca e mais frágil da sociedade. Além disso, o profeta denunciava as atitudes hipócritas de culto a Deus, não havendo mais tempo para uma remissão do povo, uma vez que a paciência de Deus se esgotara e o castigo breve viria.

OSÉIAS (750 a.C.) - seu trabalho profético também se deu durante o reinado de Jeroboão II, pouco depois de Amós. Sua missão desenvolveu-se a partir de ameaças e julgamentos seguidos de promessas. Criticou as influências dos cultos cananeus que interferiram no culto a Deus, levando o povo ao sincretismo religioso.

ISAÍAS (740-701 a.C.) - atuou no Reino do Sul e foi o terceiro a falar nesse século. Ele pregou o julgamento de Jerusalém, criticando a hipocrisia no culto, assim como Amós. Sob o reinado de Acaz, rei de Judá, o profeta se colocou contra a aliança feita por esse monarca com o rei da Assíria, Tiglate-Pileser, defendendo a crença incondicional em Deus. Por não ter sido ouvido ele se afastou da vida pública, tendo seu retiro terminado quando foi realizado durante o governo de Ezequias, uma coalizão patrocinada por Azoto, cidade filistéia, inspirada pelo Egito, cujo resultado foi a tomada da cidade e deportação de sua população. Sua posição contrária à política nacionalista ezequiana colocou-o em conflito com o governo. As críticas a política nacionalista continuaram, lembrando ao rei que Senaqueribe (704-681 a.C.), rei da Assíria, era um instrumento nas mãos de Deus para o exercício da vontade divina.

MIQUEIAS (740 a.C.) – foi outro profeta que atuou no Reino do Sul. Foi contemporâneo do profeta Isaías. Sua profecia condenava as atitudes sociais dos governantes contra o povo e anunciava o julgamento sobre Samaria e Jerusalém, capitais do Reino do Norte e do Sul, respectivamente. Semelhantemente a Amós, ele criticou a iniqüidade que estava instaurada no meio do povo e o fato de os governantes desprezarem a justiça, levando o país ao caos. Foram anunciadas medidas a serem tomadas por Jeová contra seu povo.

NO SÉCULO VII

Sobre os profetas do século VII a.C., eles viram a crise pelo qual passara o Reino do Sul, herdeiro legítimo do Reino do Norte, uma vez que este desaparecera. Dentre eles a figura mais importante foi a do profeta Jeremias. Além dele outros três profetas se destacaram: Naum, Sofonias e Habacuque.

NAUM (612 a.C.) - a atuação dele ocorreu durante o reinado de Manassés, rei de Judá. Seu texto se diferenciou dos outros profetas á medida que anunciava a felicidade de Judá. Segundo ele, uma vez que o reino pagava altos tributos à Assíria, seus pecados já estavam “pagos”, de tal modo que Deus não permitiria que seu povo passasse por mais humilhações. A Assíria era vista como instrumento de Deus, porém como teria passado dos limites quando de sua atuação com o Reino do Norte, essa nação deveria ser castigada. Sua missão foi marcada pela pouca fé do povo, uma vez que este estava sob o jugo assírio e assim não confiava em seu Deus, entregando-se à idolatria.

SOFONIAS (630 a.C.) - deve ter atuado durante o reinado de Josias. Suas palavras eram contra todas as práticas sincréticas, fornecendo provavelmente as bases para a reforma religiosa que viria a ocorrer. Essa reforma promovida por esse monarca não conseguiu extirpar a idolatria instaurada durante o reinado de Manassés, motivo pelos quais os profetas continuaram a anunciar o castigo divino. O profeta também atacou o domínio assírio, porém de modo mais tênue que Naum.
Uma de suas mensagens defendia a idéia de que como Deus morava em Jerusalém, apesar de todas as iniqüidades ela seria libertada do pecado. Uma parte da população de Judá sobreviveria e seria purificada. Sofonias também abriu a possibilidade para que outros povos do mundo tivessem felicidade futura, anunciando a vinda desse grupo para Sião.

HABACUQUE (605-601 a.C.) - foi o terceiro profeta desse período. Sua obra pode ser colocada no período do domínio babilônico em Judá. Foi composta por um conjunto de queixas para com seu Deus sobre as atitudes do seu povo, seguidas de respostas divinas. Em sua principal lamentação ele afirmou que Deus era puro demais e por essa razão não poderia ver o mal que havia em Judá. A resposta de Deus foi que Ele se utilizaria de uma nação para a realização de seus desígnios, fato já mencionado anteriormente pelo profeta Isaías, Outro oráculo anunciava um princípio onde o justo viveria por sua fidelidade a Deus. Assim, a visão do profeta mudou o que refletiu em seu cântico final, afirmando a fidelidade a Deus, mesmo sem compreendê-la.

JEREMIAS (626-586 a.C.) - sobre o profeta Jeremias, principal expoente da profecia desse século, suas primeiras pregações foram apelos para o retorno do povo do Reino do Norte para Jerusalém, à Casa de Davi, além de denunciar o pecado local e anunciar as condições necessárias para o estabelecimento de uma nova Aliança com Deus. Ocorreu então a reforma promovida por Josias.

O rei Jeoaquim teve o profeta Jeremias como opositor devido a sua política pró-Egito. Suas profecias passaram a ser ditadas a seu amanuense Baruque, incumbido de lê-las no templo, uma vez que a entrada de Jeremias havia sido proibida. O rei numa dessas leituras, tentou anular a Palavra de Deus, provocando a fuga de Jeremias e de Baruque que tiveram de se esconder.

A atuação de Jeremias ficou mais fácil quando subiu ao trono Zedequias, que confiava plenamente no profeta. Por volta de 594 a.C., revoltas da Babilônia eclodiram, além de um novo faraó no Egito, despertando a esperança de uma solução breve para o problema dos exilados de 597 a.C. O pseudo-profeta Hananias, de Gibeão, previu o retorno da população deportada dentro de dois anos (Jeremias 28.1-10), porém o profeta Jeremias se colocou contra tal discurso, afirmando que o retorno, apesar de ser uma vontade divina, não era para tão cedo e ordenou através de uma carta aos exilados, que se instalassem no país para onde foram enviados. Jeremias aconselhou Zedequias a ser submisso à Babilônia.

Porém, em 588 a.C. Nabucodonosor sitiou Jerusalém, que resistiu por um ano e meio. A cidade não suportou tal pressão e caiu em 586 a.C., e o profeta Jeremias foi protegido pelas autoridades babilônicas. A destruição foi anunciada por Jeremias, justificada pelas atitudes iníquas do povo, que não soube manter a aliança com o seu Deus. Nesse caso o profeta incluiu os homens que ocupavam desde os mais altos postos no Reino até o povo mais simples. Ninguém escapou. As maiores críticas foram aos que mais conhecimento possuíam, pois deveriam guiar o povo e não o fizeram. O exemplo retirado da destruição do Reino de Israel simbolizava um retorno ao caos, devido ao pecado cultivado no meio de toda a população.

NO SÉCULO VI
No século VI a.C. Daniel e Ezequiel foram os profetas da esperança. Daniel foi deportado muito jovem para a Babilônia, exatamente no ano 605 a.C., onde viveu mais de sessenta anos, servindo a seus governantes babilônios e dois persas. Ele e seus companheiros eram de linhagem real e pertenciam à nobreza de Judá. Já Ezequiel (593-571 a.C.) foi um mestre espiritual no exílio, e a partir dele uma nova concepção sobre as relações entre Israel e Deus se impuseram.
Não sabemos exatamente quando se iniciou seu chamado profético, entretanto sua voz se fez ouvir desde a Babilônia. O profeta anunciou o término do tempo da responsabilidade coletiva e de que cada um deveria responder por si a Deus.
A partir de todos esses acontecimentos o profeta Ezequiel os viu como provas de que o povo de Deus deveria viver isoladamente e marginalizado, pois como Ele é real e santo, deveria permanecer afastado de tudo comunicando-se apenas com algo que Ele tivesse santificado: o templo, Jerusalém, o território e o povo, sendo todo o restante considerado profano.

O privilégio do povo de Israel deveria ser manifestado através da obediência, uma vez que foi na ausência dela que o povo pecou e por isso foi castigado. Assim como muitos profetas anteriores, Ezequiel sempre relembrou os momentos de desobediência e as suas conseqüências.

CONCLUSÃO
Cada uma das mensagens tem relevância para o público do profeta e para nós, não tanto pela informação oferecida sobre o presente ou futuro, mas pela revelação a respeito de Deus. Devemos lembrar que a profecia fazia parte da auto-revelação divina. Encontra-se na mensagem do profeta, a proclamação do “programa” de Deus.

1. ADIVINHAÇÃO E PROFECIA
1.1. Os deuses e a adivinhação.
1.2. Adivinhação e magia.
1.3. As formas de adivinhação.

2. A COMPLEXA IMAGEM DO PROFETA
2.1. Diferenças entre os profetas.
2.2. Diversas imagens do profeta.
2.3. Os traços essenciais do profeta.

3. A PALAVRA PROFÉTICA
3.1. Força e fraqueza da palavra profética.
3.2. Os gêneros literários.

4. OS LIVROS PROFÉTICOS
4.1. Os livros proféticos.
4.2. A formação dos livros.
4.3. A palavra original do profeta.
4.4. A obra dos discípulos e seguidores.
4.5. As adições posteriores.

ADIVINHAÇÃO E PROFECIA - Há uma coisa que é comum aos jornais e revistas das ideologias mais díspares: o horóscopo. Em doze constelações e quatro segmentos (amor, trabalho, saúde, dinheiro) esboça-se o futuro imediato dos pobres mortais. Quase nada se acredita do horóscopo. Mas muitos o lêem. Porque aborda uma das coisas mais apaixonantes para o ser humano: seu futuro, esse futuro feito de sonhos e de incertezas, de planos grandiosos ou pequenas esperanças e projetos. Que é que nos reserva a complexa trama da vida? Quem conhece o nosso destino?

Também o presente às vezes nos angústia com a sua insegurança e com os problemas que nos apresenta. O que será o mais adequado no momento presente? Que devo fazer? Em uma época como a nossa se aceita a ignorância e a dúvida; ou, então se recorre, quando possível, a soluções lógicas e técnicas. Os generais romanos examinavam as vísceras das vítimas antes de iniciar uma batalha.

Para o desembarque na Normandia, os “adivinhos” da época foram os “meteorologistas”. Da informação deles dependia a escolha do momento. Saul foi eleito rei segundo uma tradição tirando-lhe a sorte. Atualmente elegem-se presidentes de governo depositando cédulas nas urnas. As terras de Israel foram distribuídas entre as tribos por sorteio.

Nosso mundo e nossa cultura têm mudado profundamente nos últimos séculos. Mas isto não deve impedir-nos de compreender a mentalidade do homem antigo, ainda bastante parecida à de alguns contemporâneos nossos. Muita gente não é capaz de encarar as incertezas da vida com atitude lógica e científica. Busca-se ajuda em um mundo diferente, o dos deuses, dos espíritos, dos astros, ou do destino. No mundo que cercava o Israel antigo, as religiões já estavam bem organizadas e difundidas naquela época, e, embora por vezes se recorra aos espíritos dos antepassados, acredita-se que são os deuses que podem transmitir a informação desejada. Todavia, estarão eles dispostos a revelar os seus conhecimentos?

1.1. Os deuses e a adivinhação – a maioria dos antigos endossaria as palavras que Heródoto coloca na boca de Ciro: “Os deuses velam por mim e me predizem tudo o que se trama contra mim”. Ou, como parece pensar o mesmo Heródoto: “Há que deduzir que, quando sobre uma cidade ou uma nação estão por abater grandes calamidades, a divindade costuma profetizá-las com antecedência”. No fundo está idéia nada difere do que o próprio Deus comenta antes de destruir Sodoma e Gomorra: “Posso ocultar a Abraão o que tenho em mente fazer? (Gn. 18,17). Ou o que se indica de passagem no livro de Amós: “O Senhor não fará nada sem revelar seu plano a seus servos os profetas” (Am 3,7). A vida pode apresentar-nos muitos sofrimentos e lágrimas, mas os deuses, sabem tudo, estão dispostos a evitar maiores males para nós se nos preocuparmos em consultá-los, sendo até possível que se adiantem em fazê-lo.

Inclusive em uma mentalidade como a grega, em que Zeus sempre tem ciúmes dos homens, haverá pelo menos outro deus disposto a conceder aos mortais o dom da adivinhação. Está é a idéia formulada genialmente por Ésquilo (Ésquilo foi um dramaturgo da Grécia Antiga. É reconhecido frequentemente como o pai da tragédia) em uma passagem do Prometeu acorrentado, ao qual constitui ao mesmo tempo uma curiosa enumeração das mais diversas práticas de adivinhação. Entre os dons que o deus se gloria de haver concedido aos homens, depois da medicina, se encontram: “Classifiquei as muitas formas de adivinhação e fui o primeiro a discernir a parte de cada sonho há de ocorrer na realidade. Dei-lhes a conhecer os sons que encerram presságios de difícil interpretação e os prognósticos contidos nos encontros pelos caminhos. Defini com exatidão o vôo das aves vorazes, quais são favoráveis por natureza e quais sinistros, que classe de vida cada uma tem, quais são os seus ódios, seus amores e companhias, a claridade das suas entranhas e que cor deve ter a bílis para ser agradável aos deuses, e a variegada beleza do glóbulo hepático. Encaminhei os mortais para uma arte na qual é difícil formular presságios, quando coloquei ao fogo os membros cobertos de gordura e o grande lombo. Fiz com que vissem com clareza os sinais que as chamas encerram, chamas essas que antes estavam sem luz para eles. Esta foi a minha obra”.

O que precede é formulação poética e mítica do dom divino da adivinhação. Há lugar para uma outra apresentação mais filosófica e cotidiana, talvez compartilhada por maior número de pessoas. Na Antiguidade, quem melhor formulou este ponto de vista foram os estóicos. O estoicismo é uma doutrina filosófica fundada por Zenão de Cítio, que afirma que todo o universo é corpóreo e governado por um Logos divino (noção que os estóicos tomam de Heráclito e desenvolvem). A alma está identificada com este princípio divino, como parte de um todo ao qual pertence. Este lógos (ou razão universal) ordena todas as coisas: tudo surge a partir dele e de acordo com ele, graças a ele o mundo é um kosmos (termo que em grego significa "harmonia"). Cícero expõe a mentalidade deles da seguinte maneira: “Se existem deuses e estes não dão a conhecer o futuro aos homens, ou não amam os homens, ou eles mesmos desconhecem o futuro, ou consideram que o conhecimento do futuro não nos interessa, ou pensam não ser próprio da majestade divina anunciar-nos as coisas que irão acontecer, ou, em último caso, os próprios deuses não podem comunicar-nos este conhecimento.

Mas nos amam, são benéficos e generosos conosco, não podem desconhecer o que está decretado segundo os seus próprios desígnios, sabem que nos interessa o futuro, e que a nossa prudência aumenta na proporção deste conhecimento, não podem considerar essas advertências impróprias da sua majestade, porque nada existe superior à benevolência, nem tampouco podem desconhecer o futuro. Se não existem deuses, não há sinais do futuro: mas existem deuses, portanto, nos instruem sobre o futuro”.

O próprio Cícero encarrega-se de refutar a teoria estóica. Para ele “é duvidoso e discutível” que os deuses se preocupem com os homens e sejam benévolos para com eles, por outro lado, muitas pessoas negam que os deuses imortais tenham estabelecido tudo e que possam modificá-lo segundo a convêniencia do homem.

Todavia, por mais que Cícero tenha razão, muita gente, na Antiguidade e desde tempos ancestrais, estava convencida de que os deuses ou os espíritos estão dispostos a revelar-nos o futuro ou resolver os nossos problemas presentes.

1.2. Adivinhação e magia – surge então uma das atividades mais antigas e misteriosas: a adivinhação, que no seu início estava intimamente ligada à magia. Efetivamente, o importante não era só conhecer o futuro, mas também modificá-lo em caso de necessidade. Quando o rei Ocozias de Israel, manda consultar o deus Belzebu de Ecron, não lhe interessa obter um simples diagnóstico médico, no fundo da consulta esconde-se o desejo de que o deus cananeu lhe conceda a saúde. Esta relação entre a adivinhação e magia é formulada muito bem por Luciano na petição que coloca na boca de Sexto, filho de Pompeu, quando vai consultar a necromante: “ Tu que podes desvendar aos povos os seus destinos e desviar do seu curso os acontecimentos do futuro...” O que ela possui não é só conhecimento do futuro, mas também poder de mudá-lo. Por isso, termina pedindo-lhe: “arranca à sorte o direito de abater-se sobre mim súbita e imprevisivelmente”. Episódios como estes, dos quais há numerosos paralelos, demonstram a estreita relação entre adivinhação e magia. O mago e o adivinho, eram um mesmo personagem na Antiguidade. Mesmo em tempos posteriores, o profeta hebreu revelará às vezes características mágicas evidentes.

1.3. As formas de adivinhação – a palavra latina “divinatio” (adivinhação) faz referência ao mundo sublime do “divino”. O termo equivalente grego, “mantiké”, é mais neutro. Há pouco mais de vinte séculos, Cícero distinguia duas fórmulas de adivinhação, a artificial e a natural. No final do século passado, passou-se a usar uma terminologia diferente, distinguindo entre a adivinhação indutiva ou técnica e a intuitiva ou natural.

A Adivinhação Indutiva: Ela utiliza uma grande variedade de recursos, que podemos catalogar da seguinte maneira:

A) A partir da observação da natureza: A observação dos corpos celestes (astrologia) e dos fenômenos atmosféricos (aeromancia) figura entre os procedimentos mais conhecidos em todas as culturas para adivinhar o futuro. Baseia-se na estreita relação que imagina existir entre o céu e a terra, o que acontece na terra é pressagiado no céu. Mt. 16:1 Então chegaram a ele os fariseus e os saduceus e, para o experimentarem, pediram-lhe que lhes mostrasse algum sinal do céu. 16:2 Mas ele respondeu, e disse-lhes: Ao cair da tarde, dizeis: Haverá bom tempo, porque o céu está rubro. 16:3 E pela manhã: Hoje haverá tempestade, porque o céu está de um vermelho sombrio. Ora, sabeis discernir o aspecto do céu, e não podeis discernir os sinais dos tempos?

Entre os corpos celestes, o que mais atrai a atenção é a lua, entre outras coisas, por ser mais fácil de examinar. O Antigo Testamento fala desses astrólogos babilônicos. Em Is 47,13, quando o poeta anuncia a grande catástrofe que se aproxima sobre a Babilônia, diz-lhe com ironia: “...que se levantem e te salvem os que estudam o céu, os que observam as estrelas, os que cada mês prognosticam o que vai suceder”.

Existe outra forma menos conhecida de investigar o futuro através da natureza. Refiro-me ao murmúrio na copa das árvores. Em 2Sm 5,24 encontramos essa curiosa tradição. Davi, antes de uma das suas batalhas com os filisteus, consulta a Deus, que lhe responde: “Não ataques. Cerca-os por trás, e logo os atacarás em frente às amoreiras. Quando ouvires ruído de passos na copa das amoreiras, lança-te para o ataque, pois então o Senhor sairá à tua frente para derrotar o exército filisteu.

Não fica claro se ouve um ruído, gritos, passos ou alguém que se aproxima. O importante é que algo se revela na copa das árvores, e é possível conhecê-lo ouvindo o seu ruído.

B) A partir da observação dos animais: o comportamento ou os movimentos dos animais também são usados com freqüencia para adivinhar. Em 1 Sm 6 narra-se um episódio curioso neste sentido. Depois de se terem apoderado da arca, os filisteus não sabem o que fazer com ela. Ela não cessa de provocar-lhes desgraças e epidemias. Os sacerdotes e adivinhos suspeitam que o culpado de tudo é Jave, o deus dos hebreus, a quem pretence a arca. Mas, não têm certeza. E aconselham o seguinte: “Fazei um carro novo, tomai duas vacas com cria, sobre as quais ainda não tenha sido posta canga, atrelai as vacas ao carro, e mandai os bezerros de volta ao estábulo. Depois tomai a arca de Deus e colocai-a no carro. Observai bem: se tomar o caminho da sua terra por Bet-Sames, foi este Deus que nos causou essa terrível calamidade, em caso contrário, saberemos que não foi a mão dele que nos feriu, senão que foi um acidente”.

Dentro dessa adivinhação do futuro através da observação dos animais, ocupa lugar especial o estudo dos pássaros (ornitomancia). O vôo deles, o aparecimento deles pela direita ou pela esquerda, os gritos que lançam, são considerados meios adequados de revelação. Na Mesopotâmia encontramos a seguinte oração: “Samas, senhor do juízo, Acad, senhor da adivinhação...para que N.N., filho de N.N., possa realizar com êxito o seu propósito, fazei com que este pássaro ou aquele outro voe do meu lado direito e (passe) para o meu lado esquerdo”.
Dentro do Antigo Testamento, houve quem quisesse relacionar com esta técnica o que se conta de Abraão no momento em que está oferecendo um sacrifício: “As aves de rapina desciam sobre os cadáveres e Abraão as espantava” (Gn 15,11). A fuga dos pássaros seria um indício de que Deus aceita a oferta dele e estabelacerá aliança com ele. Mas é preciso muita imaginação para ver no gesto do personagem um ato de adivinhação.

C) A partir dos sacrifícios: muito relacionada com o item anterior está a observação dos animais sacrificados. Alguns histioriadores acreditam que a função originária do sacerdote não era oferecer sacrifícios, mas observar e interpretar os possíveis sinais divinos através desses sacrifícios.

A forma principal de adivinhação nesta linha é o estudo das vísceras da vítima (aruspicação). Segundo a mentalidade popular, os deuses escreviam nelas a sua mensagem. Um hino ao deus Samas afirma: “Nas vísceras do cordeiro tu escreves o oráculo”. E diz, uma inscrição de Nabônides: “Fiz um ato de adivinhação, e Samas e Adad me respnderam com um “sim” seguro, colocando sobre as vísceras do meu cordeiro um sinal favorável a propósito da fundação deste templo de Eulmas”.

Nesta linha, a técnica mais desenvolvida e valorizada era a observação do fígado (hepatoscopia). Segundo Platão, é como um espelho no qual se refletem os pensamentos dos deuses. A hepatoscopia só se menciona na Bíblia como costume babilônico. em Ez 21,21.

Mas os sacrifícios prestam-se também para observar a chama, a forma como sobe a fumaça, a sua cor, (capnomancia). Ás vezes oferece-se incenso exclusivamente com esta intenção (libanomancia). É uma prática sobre a qual possuímos poucos dados. Dentro do Antigo Testamento, indica-se como exemplo Jz 13,19-23, pensando que a mãe de Sansão deduz, da forma como sobe a fumaça do sacrifício, que Deus será benévolo com eles e não morrerão. Mas esta interpretação parece rebuscada e desnecesária.

D) A partir da observação de alguns líquidos: em quase todos os povos antigos considera-se a água como elemento gerador e revelador. É possível que da simples observação das ondas formadas por uma pedra atirada a um lago ou ao mar certos adivinhos tentassem obter informação sobre o futuro. Esta técnica se desenvolverá em múltiplas possibilidades.

A mais simples consiste no uso de um só líquido, a água (hidromancia), em um recipiente ou um alguidar com água jogam-se pedrinhas, pedaços de metal ou de madeira, a fim de observar os círculos que se formam, ou os ruídos que tais objetos produzem. No Antigo Testamento, é possível que se relacione com ela o que se narra a propósito de José (Gn 44,5), e que vamos considerar no item que segue.

Uma técnica mais refinada consiste no uso de diversos líquidos, geralmente água e azeite (lecanomancia). Na Mesopotâmia costumava-se derramar umas gotas de água em azeite, ou uma gotas de azeite em água. Partindo dos círculos que se formam, do lugar do recipiente ou da taça em que se concentram etc., os adivinhos (barû) pretendem obter uma informação dos deuses. A técnica era usada em assuntos do Estado, nas consultas do rei e dos altos personagens, e também nos assuntos privados dos cidadãos.

E) Mediante diversos instrumentos: Taça (Gn 44,5); Flechas (Ez 21,26); (2Rs 13,14-19); Bastão (Os 4,12); Dados (Js 7,17-18); (1 Sm 10,19-21); (Js 14,2; 18,1 – 21,40).

A Adivinhação Intuitiva: três são as formas principais: a interpretação dos sonhos (oniromancia), a consulta aos mortos (necromancia) e a comunicação divina através de oráculos (cresmologia). Das três, a mais importante do ponto de vista bíblico é a terceira. Por outro lado, a Grécia contribui com um material bem abundante que ajuda a compreender algumas reações humanas diante das profecias. Por isso, a parte dos oráculos será muito mais desenvoldida do que as anteriores.

A) Oniromancia: “Tu fostes o primeiro a dar valor ao sinal divino encerrado em meu sonho”, diz a rainha ao Coro em Os Persas de Ésquilo. Efetivamente, desde tempos antigos se considerou que os sonhos encerram um sinal dos deuses.

No poema de Gilgamesh, uma das criações literárias mais poderosas e antigas da humanidade, é através de um sonho que Enkidu fica sabendo da sua morte iminente. Falando com Gilgamesh, diz-lhe:
“Ouve, amigo meu, o sonho que vi esta noite.
Os céus rugiam e a terra lhe respondia.
No meio estava eu, aí.
Havia um homem de rosto sombrio (...).
Pegou-me pela ponta dos cabelos, dominou-me.
Eu tentava golpeá-lo, mas ele pulava como uma corda(...).
Pegou-me e arrastou-me para a casa das trevas,
a morada de Irkalla, para a casa de se entrar e não sair,
para o caminho de ir e não voltar,
para a casa cujo os moradores estão privados da luz,
onde se alimentam de pó,
e o único alimento deles é o barro...

Dentro do Antigo Testamento o material é abundantíssimo, começando pelo Gênesis. Curiosamente, o primeiro caso que se registra não é de um sonho patriarca e sim o de Abimelec, o rei de Gerara, ao qual Deus avisa em sonho que deixe Sara (Gn 20,3). Um sonho levará Jacó, segundo a tradição, a fundar o santuário de Betel (Gn 28,11-16). E os sonhos de vários personagens ponteiam a história de José: os dele mesmo, que profetizam a superioridade dele sobre os irmãos (Gn 37), os do copeiro e do padeiro (Gn 40) e do Faraó (Gn 41).

Ver ainda, os casos de (Jz7,10); (Dn 2 e 4 e 7). Dentro do Antigo Testamento, o caso mais claro seria o de Salomão no começo do seu reinado. Quando este acode à ermida de Gabaão para oferecer sacrifícios, o Senhor aparece-lhe naquela noite em sonhos (1Rs 3,5).

B) Necromancia: A consulta aos mortos para obter deles a informação desejada é um fenômeno bastante difundido no mundo antigo. Segundo o testemunho da Bíblia, ela encontra-se entre os cananeus (1Sm 28,3-25; 2Rs 21,8; Is 8,19; 65,4). Encontra-se também entre os babilônicos, persas, gregos, romanos, e outros povos. Talvez essa prática se deva à crença popular de que os mortos não somente sobrevivem depois de mortos, senão que, também têm poderes sobrenaturais de conhecimento. Um dos exemplos mais célebres é o da consulta de Saul à pitonisa de Endor, para que evoque o espírito de Samuel. A batalha com os filisteus é iminente. Saul consultou a Deus por meio de sonhos, do Urim e de profetas. Nenhum dos três procedimentos serviu para obter resposta. Como último recurso, acode à necromancia, embora ele mesmo tivesse proibido essa prática anteriormente (1Sm 28,3).

C) Oráculos: Embora na Mesopotâmia se recorra habitualmente à adivinhação indutiva, que é de longe a mais estimada, em Israel e na Grécia as formas mais frequentes e dignas de conhecer a vontade divina é consultar o oráculo, onde sinais e portentos são substituídos pela palavra, sem dúvida às vezes enigmática, mas afinal de contas palavra, como a dos homens. Eis, algumas circunstâncias onde se consultava o oráculo:

●A eleição do chefe ou do monarca: Quando o povo de Israel deseja instaurar a monarquia, acode ao profeta Samuel para que escolha, em nome de Deus, a pessoa adequada, que será Saul.

●A guerra: Naturalmente, não em tempos de Moisés, de Josué e dos Juízes, pois estes tinham linha direta com Deus e não precisavam consultar ninguém. Mas os reis pertencem a uma época diferente, mais profana, de segunda categoria. Antes da batalha é preciso saber se Deus o permite. “Posso atacar os filisteus? Tu mos entregarás? (2Sm 5,19).

●Saúde e doença: Um rei de Israel, Ocozias, manda consultar Baal Zebub, deus pagão de Ecron (2Rs 1). E um pagão, o rei Benadad da Síria, manda consultar Javé através de Eliseu (2Rs 8,7).

●Outras desgraças: Muito relacionado com o tema da doença está o das outras desgraças que podem abater-se sobre os indivíduos ou sobre o povo. A mentalidade oficial é que elas se devem a alguma falta cometida. O problema é saber de que falta se trata, e como ela pode ser reparada. É aqui que intervém o oráculo. Na Bíblia nos deparamos com este caso. No reinado de Davi houve três anos de fome consecutivos. Isto não era raro naqueles tempos, por causa das típicas secas mediterrâneas. Mas este é o nosso ponto de vista moderno. Davi pensa que a causa pode ser algum pecado, e decide consultar o Senhor. A resposta não se faz esperar: “Saul e sua família ainda estão manchados de sangue por haver morto os gabaonitas” (2Sm 21,1). Um antigo pecado de Saul justifica a desgraça presente. A solução é ressarcir os prejudicados. E a indenização será sangrenta, pois os gabaonitas afirmam sem rodeios: “Um homem quis exterminar-nos, e pensou destruir-nos e expulsar-nos do território de Israel. Que nos entreguem sete de seus filhos varões e os penduraremos em honra de Javé, em Gabaão, na montanha do Senhor” (2Sm 21,5-6). Assim se fez, e “Deus se aplacou com o país” (2Sm 21,14).

Em outra ocasião, Davi teve uma idéia infeliz. De acordo com o segundo livro de Samuel, foi Deus quem lhe inspirou (2Sm 24,1). Segundo Crônicas, foi Satanás que lhe inspirou (1Cr 21,1). A idéia foi realizar um censo de todo o povo, para saber de quantos soldados podia dispor. Como conseqüência deste pecado de orgulho, o povo passa a ser vítima de uma epidemia de peste, que provoca a morte de 70 mil homens. Davi suplica que a mortandade acabe.

É então que fala Deus através do profeta Gad, ordenando ao rei que compre a eira de Areúna e construa ali um altar. Enquanto se oferecem nele holocaustos e sacrifícios de comunhão, “o Senhor se aplacou com o país e cessou a mortandade em Israel” (2Sm 24,25).

2. A COMPLEXA IMAGEM DO PROFETA _ Por mais que pareça estranho, não é fácil definir ou descrever um profeta. E a dificuldade provém das mesmas tradições bíblicas e dos dados que nos oferecem os livros proféticos. Não se tratam de pessoas talhadas pelo mesmo padrão, uniformes em todos os aspectos de sua personalidade, sua atividade ou sua mensagem.

2.1. Diferenças entre os profetas _ Chamaram profetas a Isaías, Jeremias, Eliseu, Obadias, Naum, entre outros. Mas existem notáveis diferenças entre eles. E, ainda que não sejam suficientes para negar os vínculos que os unem, é conveniente tê-las presentes para captar a complexidade da tarefa. Tais diferenças aparecem, sobretudo:

_ No tempo que dedicavam à atividade profética. A de Isaías durou muito provavelmente uns 40 anos, e, mesmo que em alguns momentos nada saibamos do que fez, podemos dizer que durante toda a sua vida exerceu o “ofício” de profeta. Algo parecido acontece com Jeremias e Ezequiel. Obadias está no extremo oposto: são lhe atribuídos 21 versículos (e os três últimos provavelmente não são seus). Para compor e proclamar esta breve mensagem basta algumas horas.

_ No modo de entrar em contato com Deus. Muita gente imagina que o profeta estabeleça essa relação de forma íntima, como sugerem algumas passagens de Jeremias, ou mediante manifestações surpreendentes da divindade, como acontece no capítulo 6 de Isaías. “Visões” e “Audições” são os termos mais freqüentes utilizados pelos profetas para se referirem aos canais de comunicação com o Senhor. Mas existe outro meio bem diferente, pelo menos nos tempos antigos: o transe, provocado pela música e pela dança (1SM. 10,10); 19,23-24).
Nossa sensibilidade aceita facilmente que o Espírito Santo venha sobre Zacarias e o faça profetizar, mas nos desconcerta que o mesmo espírito de Deus invada Saul e o ponha a dançar, chegando até a despir-se e atirar-se por terra, totalmente nu.

_ No modo de transmitir a mensagem. O modo mais comum é a palavra, utilizada nos mais diversos gêneros da sabedoria tribal e familiar, do culto, do âmbito judicial, da vida quotidiana. Em certas épocas
adquirem grande importância as ações simbólicas, que tornam a mensagem acessível aos olhos. Mas o mais surpreendente é que alguns profetas se expressam com tremenda sobriedade, sem concessões ao auditório nem a eles mesmos, enquanto outros parecem atores de teatro, compenetrados de seu papel, que usam os gestos mais desconcertantes. Ezequiel, protótipo desta forma de atuar, bate palmas e dança ao mesmo tempo que fala (Ez. 6.11), recordando o transe dos antigos grupos proféticos.

_ Na função que desempenham na sociedade. Os estudos mais recentes sobre o profetismo se concentraram no aspecto sociológico deste movimento, distinguindo dois tipos principais: o profetismo central e o periférico. Esta distinção, sobre a qual falaremos daqui a pouco, tem seu fundamento na tradição bíblica e é muito importante para se perceber as diferenças existentes entre os profetas.

O que hoje dizemos com um só termo “profeta” (de origem grega), os antigos designavam com vários títulos: homem de Deus, vidente, visionário, profeta. Esta diferença terminológica revela algo mais sério do que se pode parecer à primeira vista: diferentes concepções de profetismo, conforme o papel desempenhado pelo protagonista dentro da sociedade.

2.2. Diversas imagens do profeta _ Estas diferenças inegáveis não anulam a unidade do movimento profético, mas destroem uma concepção monolítica, que não leve em consideração as nuanças. E assim se explica por que, ao longo da história das investigações, se tenham proposto diferentes imagens do profeta que, sem serem falsas, provocam uma visão limitada e unilateral quando pretendem exclusividade. Essas imagens seriam a do adivinho, do anunciador do Messias, do solitário, do reformador social, do funcionário.

Para a maioria das pessoas, o profeta é um homem que “prediz” o futuro, uma espécie de adivinho.
Esta difundida concepção tem dois fundamentos: um falso, de tipo etimológico; outro, parcialmente justificado, de caráter histórico. No sentido etimológico o erro, basicamente, consiste em interpretar a partícula “pro” em sentido temporal (o que prediz). Na realidade deve interpretar-se em sentido local (o que fala em público). Quanto ao segundo, não resta dúvida de que certos relatos bíblicos apresentam o profeta como um homem capacitado para reconhecer coisas ocultas e adivinhar o futuro: Samuel consegue encontrar as jumentas que o pai de Saul havia perdido (1 SM 9,6 -7,20); Aías, já cego, sabe que a mulher que o vai visitar disfarçada é a esposa do rei Jeroboão, e prediz o futuro de seu filho enfermo (1 Rs 14,1-6); Elias anuncia a morte iminente de Ocozias (2 Rs 1,16-17); Eliseu sabe que seu criado, Geazi, ocultamente aceitou dinheiro de Naamã (2 Rs 5,20-27), indica ao rei o lugar do acampamento dos arameus (2 Rs 6,8), etc.

Inclusive nos tempos do Novo Testamento perdurava esta idéia, como o demonstra o diálogo de Jesus com a samaritana. Quando lhe diz que tinha cinco maridos, e que o atual não era o seu, a mulher reage espontaneamente: “Senhor, vejo que és profeta”.

2.3. Os traços essenciais do profeta _ É possível detectar um fundamento comum, que se possa aplicar a todos os profetas? Se por comum entendermos algo que apareça de forma indiscutível em todos eles, a resposta é “não”. As tradições sobre alguns profetas são tão escassas e limitadas, que não permitem afirmações de nenhum tipo. Mas, aplicando a alguns como hipótese o que em outros é plena certeza, podemos falar de umas linhas de força comuns ao movimento profético. Esta linha as resumiria nos seguintes pontos:

O profeta é um homem inspirado. No sentido mais estrito da palavra. Ninguém em Israel teve uma consciência tão clara de que era Deus quem lhe falava e de ser porta voz do Senhor como o profeta. E esta inspiração lhe vem de um contato pessoal com ele, que começa no momento da vocação. Por isso, quando fala ou escreve, o profeta não recorre a arquivos e documentos como os historiadores, tampouco, se baseiam na experiência humana geral, como os sábios de Israel. Seu único ponto de apoio, sua força e sua fraqueza, é a palavra que o Senhor lhe comunica pessoalmente, quando quer, sem que ele possa negar a proclamá-la. Palavra que às vezes se assemelha ao rugido de um leão (Am 1,2), e em outras ocasiões é “gozo” e alegria íntima” (Jr 15,16).

O profeta é um homem publico. Seu dever de transmitir a palavra de Deus o coloca em contato com os demais. Não pode retirar-se para um lugar sossegado de estudo ou reflexão, nem limitar-se ao espaço reduzido do templo. Seu lugar é a rua e a praça pública, lá onde o povo se reúne, onde a mensagem é mais necessária e a problemática mais aguda. O profeta se acha em contato direto com o mundo que o rodeia, conhece as maquinações dos políticos, as intenções do rei, o descontentamento dos camponeses pobres, o luxo dos poderosos, a despreocupação de muitos sacerdotes. Nenhum setor lhe é indiferente nada é indiferente para Deus.

Contudo, estas afirmações, por mais corretas que pareçam, precisam de precaução. Poderiam causar a impressão de que todos os profetas estão em contato com todos os problemas e grupos sociais, desde o rei até o último peão, das alianças políticas às rogações ou ladainhas pela chuva ou contra a praga de gafanhotos. Somente uma personalidade excepcionalmente rica (Jeremias, Isaías) poderia transitar por tantos ambientes e interessar-se por tal diversidade de questões. E, isto, não é a norma. Prova disto, é que se distinguem quatro tipos de profetas no Antigo Israel: profetas xamãs* (Samuel, Elias, Eliseu); profetas cultuais e do templo; profetas da corte (Gad, Natã); profetas livres.

Nota: O xamanismo é um termo genericamente usado em referência a práticas etnomédicas, mágicas, religiosas (animista, primitiva) e filosóficas (metafísica), envolvendo cura, transe, metamorfose e contato direto entre corpos e espíritos de outros xamãs, de seres míticos, de animais, dos mortos, etc.

O profeta é um homem ameaçado. Muitas vezes sentirão que Deus disse a Ezequiel:
“Dirigem-se a ti, em bando, sentam-se na tua presença e ouvem tua palavra, mas não a põem em prática. Tu és para eles como uma canção suave, bem cantada ao som de instrumentos de corda: eles ouvem as tuas palavras, mas não as praticam”. (EZ 33,31-33).

É a ameaça do fracasso apostólico, de perder-se numa causa que não encontra eco nos ouvintes. Mas isto é o mínimo que lhes pode acontecer. Há situações muito mais duras. Oséias é chamado de “louco”, “néscio”, Jeremias é acusado de traidor da pátria. E se chega também a perseguição, ao cárcere, e a morte. (Elias deve fugir do rei em muitas ocasiões, Miquéias termina na prisão, Amós é expulso do Reino do Norte, Jeremias passa na prisão vários meses de sua vida, Urias é apedrejado e jogado na fossa comum (Jr 26,20-23). Estas perseguições não vêm somente de reis e poderosos, mas também de sacerdotes e falsos profetas. E até o povo se volta contra eles, os critica, despreza e persegue.

No destino dos profetas fica prefigurado o de Jesus de Nazaré.

Silenciaríamos um detalhe importante se não disséssemos que a ameaça vem de Deus também. Muda-lhes a orientação da vida, arranca-os de sua atividade normal, como acontece com Amós (7,14) ou com Eliseu (1Rs 19,19-21), pede-lhes uma mensagem muito dura, quase inumana algumas vezes, tendo em conta a idade e as circunstâncias em que se encontram. É o caso de Samuel. Ainda menino, deve transmitir ao sacerdote Eli, que o tinha criado desde pequeno, sua condenação pessoal e a de seus filhos (1Sm 3). Com razão diz o narrador que, na manhã seguinte, Samuel “não se atrevia a contar a Eli sua visão” (v 16). Ou o caso de Ezequiel, que nem sequer no momento da morte da sua esposa a pode chorar tranqüilamente, mais importante que sua dor é a palavra de Deus, que o força a transmiti-la por meio de uma dolorosa ação simbólica (Ez 24,15-25).

Estes exemplos, que poderíamos multiplicar, bastam para demonstrar que a existência do profeta não é ameaçada apenas por seus contemporâneos, mas até por Deus. Não nos admira que alguns deles, como Jeremias, chegaram a rebelar-se contra esta coação em determinados momentos.

3. A PALAVRA PROFÉTICA
3.1. Força e fraqueza da palavra profética – os livros proféticos são talvez os mais difíceis de todo o Antigo Testamento. Para compreender uma mensagem tão encarnada na realidade de seu tempo é preciso conhecer as circunstâncias históricas, culturais, políticas e econômicas em que tais palavras foram pronunciadas. Os profetas, além disso, usam com freqüência uma linguagem poética, e todos sabemos que a poesia é mais densa e mais difícil que a prosa.

Deste modo, intervenções que em seu tempo provocaram calafrios, de tão blasfemas, hoje parecem insignificantes, para muitos leitores. E palavras de profunda significação humana e religiosa passam despercebidas para muitos cristãos. Imagino como soariam interessantes estes textos em nossos ouvidos, se os antigos profetas ressuscitassem. Com esta intenção, ofereço algumas adaptações de textos proféticos. Podem suscitar escândalo e mal-estar, parecer estúpidas e utópicas. Mas têm duas vantagens: podem ajudar-nos a entender a forma em que se expressam e os motivos por que foram perseguidos ou passaram por iludidos.

Comecemos com um pequeno e simples texto de Amós:

“Entrai em Betel e pecai!
Em Guilgal, e multiplicai os pecados!
Oferecei, pela manhã, os vossos sacrifícios,
e ao terceiro dia os vossos dízimos!
Queimai pão fermentado como sacrifício de louvor,
proclamai vossas oferendas voluntárias,
porque assim é que gostais, filhos de Israel,
Oráculo do Senhor ”(Am 4,4-5).

Se lermos este texto numa eucaristia Eucaristia (Eucaristia: do grego εὐχαριστία, cujo significado é "reconhecimento", "ação de graças") é uma celebração em memória da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Também é denominada "comunhão", "ceia do Senhor", "primeira comunhão", "santa ceia", "refeição noturna do Senhor") ou num ato penitencial, quase ninguém entenderá seu conteúdo. A maioria das pessoas não sabe o que é Betel, muito menos Guilgal, desconhecem a expressão “oferecer sacrifício” (só ouviram falar de “sacrificar-se” ou “mortificar-se”), ignoram o que são ázimos e os dons voluntários, e quanto ao dízimo, talvez lembrem que um antigo catecismo mandava “pagar dízimos segundo o costume”.

3.2. Os gêneros literários – muitos poderão pensar que os profetas comunicam sua mensagem mediante um discurso ou sermão, que são os gêneros mais habituais entre os oradores sacros do nosso tempo. Às vezes o fazem, mas geralmente empregam uma grande variedade de gêneros literários, extraídos de ambientes os mais diversos. Elenco aqui alguns exemplos, para que o aluno faça uma idéia da riqueza e da vitalidade da pregação profética.

3.2.1. Gêneros derivados da sabedoria tribal e familiar – desde tempos muito antigos, a família, o clã, a tribo empregaram os recursos mais variados para inculcar o bom comportamento, para refletir sobre a realidade que rodeia as crianças e adultos: exortação, interrogação, parábola, alegoria, benção e maldições, comparações. De todos eles há exemplos nos profetas.

Quando Natã vai denunciar o rei Davi pelo adultério com Betseba e o assassinato de Urias, não aborda o tema diretamente, começa com uma parábola (2Sm 12,1-7). Quando Ezequiel acusa o rei de Judá porque, depois de ter prometido fidelidade ao rei da Babilônia, violou o juramento e procurou aliança com os egípcios, o faz mediante uma alegoria (Ez 17,1-9). Ao ambiente sapiencial pertencem também a benção e a maldição que encontramos em (Jr 17,5-8). Outro gênero freqüente entre os sábios, a comparação, aparece em (Jr 17,11). A pergunta é uma forma de questionar, refletir e inculcar uma conclusão inevitável; Amós a emprega em 3,3-6.

3.2.2. Gêneros derivados do culto – podemos classificar aqui: hinos, orações, instruções e, talvez, os oráculos de salvação.

Em Amós nos deparamos com um fato curioso. Ao longo do livro há sinais do que nos parecem fragmentos de um hino ao poder de Deus (4,13; 5,8-9; 9,5-6). É possível que não tenha sido composto por Amós, mas por ele utilizado e distribuído ao longo do livro, em momentos – chaves, para sublinhar a onipotência divina. Em Isaías encontramos um hino de primeira mão, composto pelo profeta ou pelo redator do livro (Is 12).

A instrução é um gênero típico do culto. É usada pelo sacerdote para solucionar problemas concretos apresentados pelos fiéis. Os profetas também a utilizam, ainda que, como no caso de Amós, o façam com intenções distintas, em tom irônico (Am 4,4-5).

Como exemplo de oração citarei o de Jeremias, quando compra o campo de seu primo Hanameel. Em momentos difíceis, quando Jerusalém é assediada pelo exército babilônico, o profeta compreende que está compra absurda, o pior investimento econômico, é vontade de Deus. Depois de assinar o contrato, reza ao Senhor pedindo-lhe explicação do mistério (Jr 32,16-25). A resposta de Deus vem mais adiante (32,43).

Mais discutível é o oráculo de salvação, que alguns não consideram próprio do culto, mas de um contexto de guerra, quando um sacerdote ou profeta anunciava a vitória em nome de Deus e injetava animo e coragem nas tropas. Este gênero é muito usado pelo Dêutero-Isaías, (por exemplo, Is 41,8-16).

3.2.3. Gêneros derivados do ambiente judicial – Às vezes os profetas empregam o discurso acusatório, a formulação casuística, ou alguns elementos destes gêneros, para inseri-los num contexto mais amplo. Por exemplo, Ez 22,1-16 contém as acusações típicas do fiscal num processo.

Neste contexto judicial se situa também a enumeração de uma séria de comportamentos justos, que termina com a declaração da inocência de quem vive de acordo com eles (Ez 18,5-9). E este espírito jurídico, tão acentuado em Ezequiel, é o que o leva a outros exemplos de formulações casuísticas (Ez 18,10-17).

Entre os gêneros tomados do âmbito judicial, um dos que mais interessou os comentaristas é o do requisitório profético (Ez 18,10-17).

3.2.4. Gêneros derivados da vida diária – incluo aqui uma série de cantos que surgem nas mais diversas situações da vida: amor, trabalho, morte. O famoso “Cântico da vinha” de Isaías é uma canção de amor (Is 5,1-7). Ezequiel oferece um exemplo de canção do trabalho doméstico, realizado por uma dona de casa, que lhe servirá para comparar com o futuro de Jerusalém (Ez 24,3—5.9-10). Em outra ocasião pronuncia um oráculo que pode se chamar de canto da espada (Ez 21,13-21).

Entre estes cantos que surgem em diferentes momentos da vida, o mais importante e mais freqüente é a elegia, composta por ocasião da morte de um ente querido, e que os profetas utilizam para descrever a trágica situação do povo no presente ou no futuro. A mais antiga e concisa está em Amós (5,2-3). Elementos elegíacos e alegóricos se unem um no outro texto de Ezequiel para falar da situação dos últimos reis judeus (Ez 19,1-9).

Muitos relacionados com a elegia são os “ais. “Ai! “Ai!” são os gritos preferidos pelas carpideiras no acompanhamento de cortejos fúnebres. Os profetas os utilizam para indicar que determinadas pessoas ou grupos se encontram às portas da morte, por causa de seus pecados (Is 5,7 – 10.20; Hab 2,7-8).

3.2.5. Gêneros estritamente proféticos – dois casos merecem especial atenção: o oráculo de condenação dirigido a um indivíduo e o oráculo de condenação contra uma coletividade. Ambos constam de diversos elementos, mas são essenciais a denúncia do pecado e o anúncio do castigo.
Nas tradições de Elias há exemplos significativos do oráculo de condenação contra um indivíduo. Quando o rei Acab se apodera da vinha de Nabot, depois de assassiná-lo, o profeta vai ao seu encontro e o interpela:
“Mataste e ainda por cima roubas! Por isso, diz o Senhor: no mesmo lugar em que os cães lamberam o sangue de Nabot, os cães lamberão também o teu”. (1Rs 21,19).

Noutra ocasião, o rei Ocozias, enfermo, manda consultar um deus pagão. Elias intervém de novo:
“porventura não há um Deus em Israel, para mandares consultar a Baal Zebub? Por isso, diz o
“Senhor: não descerás do leito ao qual subiste, mas com certeza morrerás” (2Rs 1,3-4).

Esta formulação tão sucinta a encontramos também em Amós, quando enfrenta o sumo sacerdote de Betel, Amasias: “Tu dizes: “Não profetizarás contra Israel!”Por isso, assim diz o Senhor: Tua mulher se prostituirá na cidade, teus filhos e tuas filhas cairão pela espada, e tua terra será dividida com a trena e tu morrerás em terra pagã” (Am 7,16-17).

Nestes casos, embora as situações sejam distintas, se usa sempre a mesma estrutura. Denúncia (“assassinar e roubar”, “consultar Baal Zebub”, proibir profetizar”)e o anúncio do castigo (que sempre é a pena de morte), precedido pela chamada fórmula do mensageiro (“assim diz o Senhor”).

Do que se disse até aqui não se pode deduzir que o profeta, ao condenar um indivíduo, siga sempre este esquema, sem variantes. Às vezes ocorre a metáforas para anunciar o castigo, como faz Isaías em seu oráculo contra o mordomo do palácio Sobna (Is 22,15-18).
O oráculo de condenação individual é breve, direto e pronunciado na presença do interessado. O oráculo de condenação contra uma coletividade se dirige a todo o povo, ou a um grupo, ou ainda às nações estrangeiras, e se desenvolve como o anterior, apenas com um horizonte mais amplo.

A acusação abrange um grande número ou uma série de faltas. Geralmente consta de dois membros: primeiro a denúncia de forma geral, o segundo ataca um pecado concreto. Por exemplo:
“Por três crimes de Damasco, e por quatro, não a perdoarei; porque esmagou Galaad com debulhadoras de ferro” (Am 1,3).

O anúncio do castigo também tem duas partes: intervenção de Deus e conseqüências. No exemplo seguinte, os três primeiros versículos descrevem a ação de Deus; o último, as conseqüências:
“Quebrarei os ferrolhos de Damasco,
exterminarei os habitantes do Val-delitos
e o chefe da Casa do Prazer,
e o povo sírio será desterrado para Quir” (Am 1,5)

O oráculo individual é vivo, imediato, o coletivo se torna mais literário, extenso e livre. A criatividade do poeta produz mudanças na estrutura fundamental. Por exemplo, não é raro que inverta a ordem dos elementos, situando o anúncio do castigo antes da acusação, ou as conseqüências antes da intervenção de Deus. Esta mesma criatividade leva o profeta a ampliar o esquema primitivo, a tal ponto que em Jeremias e Ezequiel, às vezes, fica quase irreconhecível.

4. OS LIVROS PROFÉTICOS
4.1. Os livros proféticos - A Bíblia Hebraica inclui neste bloco os livros de Isaías, Jeremias, Ezequiel e os Doze (Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias).

A tradução grega dos Setenta (LXX) traz algumas mudanças na ordem dos Doze e os colocam antes de Isaías. Por outro lado, depois de Jeremias introduz Baruc, Lamentações e Carta de Jeremias. Estes acréscimos são compreensíveis: Baruc foi secretário de Jeremias, as Lamentações são atribuídas pelos LXX a este grande profeta. Não é raro que ambas as obras sejam colocadas depois de seu livro. Na realidade, o livro de Baruc não foi escrito pelo discípulo de Jeremias, e as Lamentações não são suas. Mas estes detalhes não eram conhecidos em séculos passados.

Nossas edições costumam incluir também entre outros livros proféticos Daniel, embora os judeus o coloquem entre os “outros escritos” (Ketubîm). A decisão atual parece certa, já que Daniel é, ao menos em parte, o representante mais genuíno da literatura apocalíptica, filha espiritual da profecia.

O principal problema que estes livros nos oferecem é o de sua formação. A questão é tão complexa, que cada livro mereceria muitas páginas. Para maior clareza, começarei resumindo de uma forma simples os diversos passos deste processo. E depois alguns dados mais detalhados sobre certos livros.

4.2. A formação dos livros – nós nos acostumamos a atribuir a um só autor uma determinada obra literária, sobretudo se no princípio nos dá seu nome, como ocorre com os livros proféticos. Neste caso, porém, não quer dizer que todo o livro proceda da mesma pessoa. Podemos começar recordando o exemplo mais simples: Obadias. Este profeta não escreveu um livro nem um folheto. Uma só página com vinte e um versículos resume toda a sua pregação. O normal seria que todas estas linhas lhe fossem atribuídas. Não obstante, os comentaristas coincidem em dizer que os versículos 19-21, escritos em prosa, foram adicionados posteriormente, o estilo e a temática os diferenciam dos anteriores. Quem enxertou estas palavras? Não sabemos. Talvez um leitor que viveu vários séculos depois de Obadias.

Se a mensagem mais curta de toda a Bíblia traz problemas insolúveis, imaginem a paciência de que vamos precisar para estudar os 66 capítulos de Isaías, os 52 de Jeremias, ou os 48 de Ezequiel. Limitando-nos a idéias gerais, e simplificando muito, podemos indicar as seguintes etapas na formação dos livros proféticos.

4.3. A palavra original do profeta – normalmente, o primeiro seria a palavra falada, proferida diretamente diante do público, e que depois seria documentada por escrito. Às vezes, entre a proclamação da mensagem e sua redação podem ter passado vários anos, como indica o cap. 36 de Jeremias, o mais sugestivo sobre os primeiros passos na formação de um livro profético. Depois de situar-nos no ano 605 a.C no ano quarto de Joaquim, filho de Josias, rei de Judá, nos diz que o profeta recebeu a seguinte ordem do Senhor:
“Toma um rolo e escreve nele todas as palavras que te dirigi a respeito de Israel, Judá e todas as nações, desde o dia em que comecei a falar-te, no tempo de Josias, até hoje (...). Então Jeremias chamou Baruc, filho de Nerias, que escreveu num rolo, conforme o ditado de Jeremias, todas as palavras que Javé lhe dirigira”. (Jr 36,1-4)

O homem moderno pode estranhar que se deixe passar tanto tempo entre a pregação e a redação. Se Jeremias recebeu sua vocação no ano de 627, como parece o mais provável, é curioso que só receba ordem de escrever o conteúdo essencial de sua mensagem vinte e dois anos mais tarde. A mentalidade da época era bem diferente. Jesus, séculos mais tarde, por exemplo, não deixará uma só palavra escrita.

Voltando a Jeremias, o volume redigido tem um destino fatal. Depois de ser lido na presença de todo o povo e de altos dignitários, termina jogado ao fogo pelo rei Joaquim. Deus não se dá por vencido e ordena ao profeta:

“Toma um rolo, escreve nele todas as palavras que estavam no primeiro rolo, que Joaquim, rei de Judá, queimou” (v28).
O capítulo termina com este dado interessante:
“Jeremias tomou outro rolo e deu ao escriba Baruc, filho de Nerias, que nele escreveu, ditadas por Jeremias, todas as palavras do livro que Joaquim, rei de Judá, tinha queimado. E ainda foram acrescentadas muitas palavras com estas” (v32).

Entre o primeiro volume e o segundo já existe uma diferença. O segundo é mais extenso. Contém o núcleo básico do futuro livro de Jeremias. Os comentaristas tentaram de todos os modos saber quais dos capítulos atuais se encontravam naquele volume primitivo. Não existe acordo entre eles, e não faz sentido, agora, perder-se em hipóteses. O importante é perceber que o livro de Jeremias é fruto de uma atividade pessoal do profeta. Algo parecido deve ter ocorrido com Isaías, Amós, Oséias, etc. É provável que a palavra falada desse lugar a uma série de folhas soltas.

4.4. A obra dos discípulos e seguidores – o seguinte passo será dado por um grupo muito complexo que, na falta de um termo mais preciso, chamaremos de discípulos e seguidores. Estamos acostumados a uma relação muito direta entre o mestre e o discípulo: contato físico, anos de companhia e aprendizagem.

Esta relação direta entre mestre e discípulo pode ter havido, talvez, com alguns profetas. Mas, na redação dos livros, intervirão não só este tipo de discípulos, como também pessoas muito afastadas temporalmente do profeta, embora dentro de sua influência espiritual.

Discípulos e seguidores contribuíram especialmente em três direções: 1) redigindo textos biográficos sobre o mestre; 2) reelaborando alguns de seus oráculos; 3) criando novos oráculos. Oráculos são seres humanos que fazem predições ou oferecem inspirações baseados em uma conexão com os deuses. No mundo antigo, locais que ganharam reputação por distribuir a sabedoria oracular também se tornaram conhecidos como "oráculos", além das predições em si mesmas.

1) Do primeiro temos um exemplo notável no episódio do conflito de Amós com o sumo sacerdote de Betel, Amasias (Am 7,10-17), o relato não foi escrito pelo profeta, já que se fala dele na terceira pessoa. O caso mais importante e extenso, porém, é o dos capítulos 34-35 de Jeremias, procedem ou não de seu secretário Baruc.
2) O segundo caso – reelaboração de antigos oráculos – pode acontecer em épocas muito distintas, até a séculos de distância do profeta primitivo. Às vezes basta uma pequena glosa final para que um antigo oráculo de condenação adquira um matiz de esperança e consolo.

Um exemplo iluminará este procedimento. Lá pelo ano de 725 a.C, o Reino do Norte (Israel) decidiu rebelar-se contra a Assíria. Para Isaías se trata de uma loucura que custará caro ao povo. Assim diz em 28,1-4. “A capital do norte, Samaria, é descrita pelo profeta como uma “coroa orgulhosa”, “flor caduca dos bêbados de Efraim”, que a estão levando à ruína. Ainda que o texto não fale expressamente de rebeliões nem de revoltas, dá a entender que o imperador assírio (“um homem forte e vigoroso”) acabará com o esplendor da cidade:

“Ele os atira ao solo com a sua mão, a orgulhosa coroa dos bêbados de Efraim será calcada aos pés”.

E assim aconteceu. No ano 725 Samaria foi assediada, conquistada em 722, deportada em 720. Com isso se cumpriu a palavra profética. Mas esta não era a última palavra de Deus, que permanece fiel ao seu povo. E um discípulo adiciona mais tarde dois versículos (5-6) recorrendo às metáforas da coroa e da flor, embora lhes dê um novo sentido:
“Naquele dia, o Senhor dos exércitos é que será uma coroa de esplendor e uma grinalda magnífica para o resto do seu povo, e um espírito de justiça para aquele que exerce o julgamento, e a força daqueles que repelem o ataque na porta”.

Agora dirige aos israelitas do norte uma palavra de consolo. O texto já não fala de “embriagados de vinho”, mas de homens responsáveis, capazes de julgar e defender seu povo. E seu timbre de glória não é uma cidade, mas o próprio Senhor, “coroa de esplendor e grinalda magnífica”.

Neste exemplo, a reelaboração não afetou diretamente o texto primitivo. Respeita-o em sua literalidade, ainda que o acréscimo modifique ou complete seu sentido. Em outras ocasiões, essas glosas têm uma intenção mais profunda. Como exemplo o discutido caso de Is 7,15. O profeta falando do rei Acaz, dá-lhe o famoso sinal do nascimento do Emanuel:

“Eis que a jovem concebeu e dará luz um filho
e pôr-lhe-á o nome de Emanuel.
Ele se alimentará de coalhada e de mel
até que saiba rejeitar o mal e escolher o bem.
Antes que o menino saiba rejeitar o mal e escolher o bem,
a terra, por cujos dois reis tu te apavoras, ficará reduzida a
um ermo” (Is 7,14-16).

Prescindindo de alguns intricados problemas de tradução na última frase, há algo que chama a atenção nesse texto. Os temas que se desenvolvem são os seguintes: nascimento e imposição do nome (v14), dieta do menino (v15), explicação do nome (v16). Parece claro que as frases relativas à dieta do menino (v15) interrompem a seqüência lógica e foram acrescentadas mais tarde. Ao menos, assim pensam muitos comentaristas. Quando nos deparamos com casos como este, não basta detectar a glosa, (Diz-se de um texto, em geral de poucas palavras, que não pertence à obra original do autor, mas foi acrescentado por outros (glosadores). A finalidade de uma glosa é explicar o texto existente. Inicialmente as glosas eram escritas à margem do texto. Mais tarde os copistas as introduziram no próprio texto. As modernas edições críticas dos textos originais, que são a base para as traduções vernáculas modernas, procuram eliminar tais glosas)é preciso descobrir seu sentido. Neste exemplo concreto, parece que pretende sublinhar as características portentosas do menino, já que se alimentará com uma dieta paradisíaca.

Rastrear as numerosas reelaborações do texto é uma tarefa interminável, que infelizmente se presta a muito subjetivismo. É fácil atribuir a um autor posterior o que na realidade procede do primeiro profeta.

4.5. As adições posteriores – ainda depois das etapas que temos descrito, os livros proféticos continuaram abertos a retoques, acréscimos e inserções. Tomando como exemplo Isaías, é possível que, depois de estar estruturado em seu bloco inicial, se tenham acrescentado os capítulos 40-66. Para alguns, inclusive, o último a entrar no texto de Isaías foi a “Escatologia” (24-27). Este processo se repete no livro de Zacarias, onde distinguimos o “Proto-Zacarias” (1-8) e o “Dêutero-Zacarias” (9-14), sem excluir a possibilidade que este último seja obra de outros autores.

Mas podemos assegurar que em torno do ano 200 a.C os livros proféticos já tinham a redação que possuímos atualmente. Assim se deduz da citação das cópias encontradas em Qumran.
-------------------------------------------------------------------------------------------------
GLOSSÁRIO:
Betel: Betel, em hebraico (בית אל)(Bêṯ-ʼĒl) pode se escrito também Beth El ou Beth-El, significa literalmente "Casa de Deus". É o nome de uma cidade cananéia da antiga região da Samaria, situada no centro da terra de Canaã, a noroeste da cidade de Ai, na estrada para Siquém, a 30 km ao sul de Silo e a 20 km ao norte de Jerusalém. A cidade de Betel é a mais mencionada na Bíblia, depois da cidade de Jerusalém.
Guilgal: Gilgal é um local mencionado na Bíblia Hebraica e está intimamente associado com a idéia da relação especial de Israel com Deus. Quando Josué conduziu o povo para a terra prometida, eles construíram um memorial em Gilgal (Josué 4:19-20). No mesmo lugar, os filhos de Israel foram circuncidados para mostrar que estavam deixando para trás toda a influência corrupta do Egito (Josué 5:1-9). O povo ficou em Gilgal para celebrar a primeira Páscoa na nova terra (Josué 5:10), e mais tarde vieram juntos a esse lugar para dividir a terra que Deus lhes havia dado (Josué 14:6). Gilgal, como Betel, representava a presença de Deus entre os israelitas. Gilgal é o lugar da Aliança, é o lugar de formar profetas. O primeiro lugar do acampamento Israelita após a travessia do Rio Jordão . Ele também foi um lugar de sacrificios (I Sam. 10:8, 11:15, 15:12)
Ázimos: Pão ázimo ou asmo, matzo (ídiche) matzá (hebraico), מַצָּה, é um tipo de pão assado sem fermento, feito somente de farinha de trigo (ou de outros cereais como aveia, cevada e centeio) e água. A preparação da massa não deve exceder 18 minutos para garantir que a massa não fermente. De acordo com a tradição judaico-cristã, pão ázimo foi feito pelos israelitas antes da fuga do Antigo Egito, por que não houve tempo para esperar até a massa fermentar.