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quinta-feira, 28 de julho de 2011

O Bispo John Selby Spong e as narrativas tardias da ressurreição de Cristo

Em seu último livro, “Por que o Cristianismo deve mudar ou morrer: um bispo fala com os crentes no exílio”, o Bispo Spong estabeleceu um programa claro para o futuro da teologia anglicana e da teologia cristã. Ele acredita que o Cristianismo morrerá, a não ser que sejam feitas mudanças radicais que redundem numa nova Reforma.

Se nós devemos reformular uma visão da futura teologia anglicana, como acredito que devemos, cabe a nós faze-lo, em diálogo com o Bispo Spong. O seu desafio merece ser levado a sério e não considerá-lo como disparates violentos de um bispo herege. As questões e os debates que ele coloca são inevitáveis, mas suas respostas são problemáticas para nós que temos feito esforços para combinar, numa síntese aceitável, o tratamento crítico destemido do Novo Testamento com uma adesão fiel à sua mensagem como ela é formulada no quérigma apostólico e resumida nos credos (em outras palavras, uma ortodoxia crítica).

A necessidade dessa abordagem dual foi impressa em mim pelas minhas sucessivas experiências nos estudos do Novo Testamento em Cambridge e em Tubinga, na Alemanha. Em Cambridge aprendi métodos críticos, em Tubinga mergulhei na Igreja da Alemanha e na sua resistência teologicamente fundamentada aos desafios do Socialismo Nacional, um desafio que pode ser enfrentado por uma adesão fiel à palavra de Deus testemunhada nas Santas Escrituras. Em lealdade a essa dupla inspiração que entro aqui no exame da chamada para a mudança feita pelo Bispo Spong.

Teísmo

O Bispo Spong argumenta que, se o Cristianismo deseja ter o futuro, devemos abandonar o que ele denomina de “teísmo”. Por essa afirmação ele não quer dizer que todos nós devamos ser “ateus”, mas devemos abandonar uma espécie particular de teísmo, a visão de Deus como “uma divindade personalista”, localizada num lugar externo, “lá em cima”. Tal Deus foi pensado como Deus que intervém no processo cósmico e na história humana. É o argumento do Bispo Spong de que a visão do mundo sucessiva e cumulativamente moldada por Copérnico, Galileu, Newton, Darwin, Freud e Einstein não podem possivelmente acomodar a visão tradicional da divindade. Em lugar do “teísmo” assim entendido, o Bispo Spong propõe que o substitua com a idéia tillichiana de Deus como “fundamento do Ser”.

Todavia, aqui se recomenda certo cuidado. A visão do mundo como um sistema fechado de causa e efeito não é quase tão seguro hoje como tem sido desde o Iluminismo. Há uma crescente abertura para a possibilidade de dimensões da realidade não suscetíveis à observação científica. Marcus Borg chama a atenção para isso, quando ele diz que “a visão do mundo que rejeita ou ignora o mundo do Espírito é não só relativa, mas está em processo de ser rejeitada. Não há nenhuma razão intelectual para supor que essa segunda ordem da realidade seja irreal e há muitas evidências experimentais para sugerir a realidade do Espírito.” Borg não está falando de um outro mundo lá em cima, mas de uma dimensão ou profundidade da realidade observável, que transcende à observação científica e que é perceptível somente a uma visão espiritual.

Muito do que o Bispo Spong trata como teísmo tradicional é denominado de “mitologia” por Rudolph Bultmann. Isso é verdade, por exemplo, com o conceito “Deus lá em cima” e “Deus que desce lá de cima”. Tal linguagem mitológica deve ser, certamente, “demitologizada”. Por essa operação, Bultmann quis dizer que essa linguagem não deve ser interpretada literalmente nem ser eliminada, mas antes interpretada existencialmente. Embora questionemos a adequação da interpretação existencial de Bultmann da mitologia bíblica, concordaríamos inteiramente que quando a Bíblia diz Deus está “lá em cima” e “está descendo”, não faríamos nem uma interpretação literal nem sua eliminação, porque essa linguagem estaria dizendo alguma coisa de muita importância sobre Deus. Ela está atentando uma experiência de Deus como uma realidade que transcende o nível ordinário da realidade. Os textos bíblicos tais como esses dão testemunho disso: “Assim diz o Alto e Sublime que vive para sempre, e cujo nome é santo: Habito num lugar alto e santo, mas habito também com o contrito e humilde de espírito, para dar novo ânimo ao espírito humilde...” (Is 57.15). A passagem fala no mundo do Espírito como a dimensão do ser de Deus. Ela se refere a uma outra dimensão da realidade não acessível à observação científica. Não fala na localização de Deus, mas da qualidade do ser de Deus.


A Bíblia fala por meio da linguagem mitológica sobre o “Deus que desce”, especialmente em um ponto crucial na história de Israel, o Êxodo: “De fato tenho visto a opressão sobre o meu povo no Egito, tenho escutado o seu clamor, por causa dos seus feitores, e sei quanto eles estão sofrendo. Por isso desci para livra-los das mãos dos egípcios e tira-los daqui para uma terra boa e vasta, onde manam leite e mel” (Ex 3.7-8).

Noutra vez, no retorno do Exílio: “Ah! Se rompesses os céus e descesses!” (64.1); no evento de Cristo: “Aquele que desceu é o mesmo que subiu acima de todos os céus” (Ef 4.10), ou “Aquele que vem do Alto está acima de todos” (Jo 3.31).

A linguagem da “descida” é indispensável para a visão bíblica de Deus. Esta linguagem não deve ser tomada literalmente, mas ela fala da condescendência divina, o que Lutero denominou de Herablassung, a permissão divina de se humilhar. Nesses eventos cruciais da história da salvação, Deus se envolveu graciosamente com o sofrimento do seu povo. Rejeitando isso, rejeita-se o que a Bíblia quer dizer quando ela declara que, em última instância, Deus é amor. Certamente, o Bispo Spong não deseja negar isso.

Quanto à linguagem tillichiana de Deus como o fundamento do Ser, tal conceito é bom até certo ponto. Mas é precisamente a divindade transcendente – o Deus que está “acima de todos os céus”, o qual “desce” no êxodo e se revela no evento de Cristo – que é o fundamento de nosso Ser. É uma questão de isto e aquilo mantido em tensão paradoxal, e não de Deus só lá em cima ou Deus ou só Deus nas profundezas de nosso ser. Em síntese, o teísmo não deve ser abandonado, se devemos ser fiéis à mensagem bíblica, mas deve ser expandido para incluir tanto o “hiper-panteismo” e o “panteísmo” (Deus acima de todas as coisas e em todas as coisas).

Denominamos este Deus de Deus pessoal, não porque Deus é uma pessoa como nós, mas porque o Deus bíblico volta-se para as pessoas em sua Palavra. Por essa palavra, Deus nos chama numa relação de “eu e tu” com Deus. O conceito da Palavra de Deus, tão central através da Bíblia, nos proíbe negar a imagística da pessoa atribuída a Deus como o Bispo Spong negaria.

Porém pode esta alegação de que Deus interferiu na história do seu povo, Israel, ser sustentada, diante de uma visão do mundo como um sistema fechado de causa e efeito? Alguns argumentam hoje em dia que a concepção moderna do mundo foi modificada pela descoberta de um fator de indeterminação no processo cósmico e alguns apologistas cristãos não se têm mostrado vagarosos em explorar essa revisão. Entretanto, essa indeterminação parece estar confinada ao nível das partículas subatômicas e devemos fazer uso disso com cautela antes de aplicar a possibilidade de indeterminação aos eventos históricos. Seria mais proveitoso ao teólogo apelar a dois níveis de realidade já mencionados. Em nível de observação histórica-crítica, todos os eventos históricos são, em princípio, explicáveis em termos de causa e efeito. Isto é verdade mesmo a respeito dos eventos bíblicos centrais. Porém esses eventos podem ser vistos de uma perspectiva diferente, num nível diferente. Os grandes eventos bíblicos são acompanhados de declarações proféticas. Moisés afirma ser o Êxodo uma intervenção de Deus; o deutero-Isaias afirma que o retorno é um ato de Deus e os apóstolos dão testemunho de Jesus Cristo como ato redentor de Deus. Em cada caso, a Palavra é proclamada e recebida em fé ou rejeitada em desconfiança. É a Palavra e a fé que possibilitam à teologia cristã falar dos atos de Deus, da intervenção divina na história, nos eventos que, ao nível ordinário, são entendidos em termos de causa e efeito.

Pecado humano e a Lei

Está correto o Bispo Spong ao rejeitar como um todo o conceito da condição humana pecaminosa, que a teologia tradicional tem denominado de “pecado original”? É verdade como argumenta o bispo, que a nossa visão da conduta humana é muito diferente do que a de cinqüenta anos atrás, para não dizer nada sobre o Novo Testamento? Entendemos muito mais sobre a conduta humana desde Marx, Freud e Jung, entretanto os seres humanos ainda exploram e matam uns aos outros.

Essas considerações trazem questões sobre a Lei. Naturalmente, a estória de Moisés, que sobe à montanha para receber o Decálogo nas tábuas de pedra é um mito, como o bispo reconhece corretamente. Como todos os grandes mitos bíblicos, este expressa uma verdade importante. Os seres humanos têm, geralmente, alguma espécie do senso do certo e errado. Eles sentem, no geral, estar debaixo do que Kant denominou de “imperativo categórico”. Esse senso do certo e errado foi moldado pela experiência de Deus por parte de Israel. Eles reconheciam ser responsáveis a Yahweh e que tinham de prestar contas de sua conduta. Eles compreenderam que o senso deles sobre o certo e o errado não era sua imaginação. Naturalmente, suas formulações dos Mandamentos foram culturalmente condicionadas, como o bispo bem ressalta. Isso foi verdade com respeito ao mandamento que ordena a observação do sábado. Também, é verdade que a proibição do adultério tinha muito mais a ver com o direito da propriedade do que com a moralidade sexual. Porém devemos interpretar os Dez Mandamentos (ou, pelo menos, a segunda tábua) nos termos da radicalização que Jesus fez deles no Sermão do Monte, e nos termos do mandamento duplo do amor. Mesmo o quarto (ou terceiro) mandamento não é inteiramente irrelevante: o sábado encontra sua realização escatológica na vinda do Reino de Deus e celebramos a vinda do Reino e nela participamos na observância semanal do Dia do Senhor. Por conseguinte, para os cristãos o domingo não é o sábado, mas sua realização escatológica.

Há uma outra razão para insistir na origem divina do imperativo moral: o pecado é visto como pecado só à luz da exigência divina. Paulo percebeu isso quando se referiu à lei como convocação para o arrependimento (Rm 7.7-25). Só se for a transgressão de um imperativo divino será exposta como pecado, isto é, rebelião contra Deus e perversão de nossa relação com Deus. Até que isso aconteça, não será percebida a necessidade da libertação que vem de Deus. É em resposta a essa situação que o ato redentor em Jesus Cristo aconteceu. Para isso voltemos a nossa atenção.

Evento de Cristo

Podemos concordar com o Bispo Spong que partes da estória de Jesus nos evangelhos não devem ser tomadas literalmente. Isto é verdadeiro, especialmente, com respeito às narrativas da infância e às narrativas da ressurreição.

Tenho argumentado alhures que as estórias de nascimento em Mateus e Lucas são essencialmente expressões narrativas de Cristologia e que a crença cristã significa a aceitação da cristologia que elas expressam. O bispo está no caminho certo quando ele as trata como “midrash”, embora midrash – que, no geral, é entendido como interpretação expandida de um texto do Antigo Testamento – provavelmente não seja um termo técnico correto nesta conexão. Talvez as estórias do nascimento contenham um pouco mais de história factual do que o bispo está pronto a admitir. Certos pontos de concordância entre Mateus e Lucas esclarecem que alguma coisa das tradições factuais entesouradas nas estórias são de origem pré-evangelho e podem, de fato, ser históricas. Tais itens incluem os nomes de Maria e José, a alegação de que José é de origem davídica e a datação do nascimento de Jesus pelo fim do período do reinado de Herodes e, talvez, o curioso timing da concepção e a localização do nascimento em Belém. Ao ler essas estórias, devemos, todavia, ouvir a proclamação que elas entesouram – que Jesus Cristo é a intervenção de Deus, cumprimento da esperança da restauração de Israel.

O Bispo John Spong tem alergia em alto grau para com a “teologia do sangue”, isto é, a interpretação da morte de Jesus como sacrifício. (É irônico que esteja enfastiado com este tópico, considerando que este século pode ser o mais sanguinolento da história humana!) Podemos concordar com ele que a linguagem do sacrifício que ocorre no culto não tem sentido na cultura contemporânea. Entretanto os seguintes pontos devem ser considerados:

1. O sacrifício no culto se supre de apenas uma de várias imagens com que o Novo Testamento apresenta o sentido da morte de Cristo. Para Paulo, essa imagem tem apenas um papel menor e nas citações das tradicionais fórmulas de hinos outras importantes imagens são tomadas das relações pessoais e internacionais (reconciliação), tribunal (justificação) e campo de batalha (vitória sobre os poderes cósmicos do mal).

2. A Cruz é central para a mensagem cristã, o coração do ato de Deus em Jesus Cristo. Os teólogos não devem abandoná-la como incompreensível, mas devem descobrir uma imagística adequada para a sua compreensão contemporânea.

3. “Sangue” no pensamento hebraico significa, não simplesmente uma realidade física, mas a própria vida, especialmente, a vida entregue à morte.

4. A idéia do amor doador, derramado até a morte, não é certamente estranha para a nossa cultura ou para qualquer outra cultura. Podemos apreciar o sentido paulino quando ele se refere a Cristo, que “me amou e deu a si mesmo por mim” (Gl 2.20).

Estórias (narrativas) da Páscoa

A proclamação da Páscoa resumida em 1Coríntios 15.3-8 é, geralmente, reconhecida pelos estudiosos como sendo pré-paulina e, provavelmente, seja uma tradição muito antiga. As pessoas constantes da lista nessa formulação tiveram experiências visionárias que podem ser suscetíveis à explicação psicológica, num certo nível. Entretanto, no nível da proclamação e da fé, o Novo Testamento afirma que elas são encontros de revelação. Por meio dessas revelações os receptores vieram a crer que Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos e o exaltou ao modo transcendente de ser Deus. As narrativas de aparição no fim dos evangelhos são, no entanto, tardias. Em analogia com as estórias de nascimento, elas são expressões narrativas da mensagem da Páscoa entesouradas na tradição mais antiga. Elas põem ao público o caráter revelador das aparições e suas implicações: a inauguração da quérigma, a fundação da Igreja e sua missão e a origem do batismo cristão e alguns aspectos da eucaristia.

Muito mais está em debate a estória do túmulo vazio. Muitos estudiosos concordariam com o Bispo Spong e, na esteira de R.Bultmann, a abandonam como uma “lenda tardia”. Eles podem estar certos. Todavia tenho dito alhures que há um núcleo histórico da estória, a partir do qual a “lenda posterior” se desenvolveu. Este é o fato de que Maria Madalena, talvez, com outras mulheres, descobriram o túmulo, no qual Jesus foi sepultado, inexplicavelmente vazio. Como todos os outros fatos históricos é suscetível de explicações naturais e um certo número dessas possibilidades é mencionado ou sugerido nos evangelhos. Por exemplo, Marcos se esforça em ressaltar que as mulheres anotaram o local do túmulo na tarde da Sexta-feira, portanto, elas foram ao túmulo errado na manhã da Páscoa. Mateus fala no rumor de que os discípulos roubaram o corpo. João sugere que alguma outra pessoa (um jardineiro, por exemplo) removeu o corpo. Não há dúvida que há outras explicações naturais possíveis, mas as narrativas dos sinóticos oferecem expedientes literários de um anjo que faz a interpretação. Aqui aparece a comunidade da fé propiciando uma categoria de interpretação da revelação a um fato histórico. Um outro argumento mencionado, freqüentemente, contra a historicidade do túmulo vazio é sua ausência no quérigma pré-paulino de 1 Coríntios 15.3-8, e no debate subseqüente de Paulo nesse capítulo. Entretanto, é não só defensável que a seqüência “foi sepultado – foi ressuscitado” implica na inversão do sepultamento, porém, mais importante é o argumento subseqüente de Paulo de que a ressurreição dos fiéis implica numa ressurreição do corpo. A ressurreição de Jesus e a ressurreição geral dos fiéis envolvem a transformação do corpo. Naturalmente, isso não significa – como se insiste freqüentemente hoje em dia – a ressuscitação do cadáver, mas a transformação do físico. A tradição do túmulo vazio é um lembrete de que o cristão deve abraçar a glorificação da matérias do cosmos.

Ascensão

A ascensão é contada apenas duas vezes no Novo Testamento e só nos escritos de Lucas 24.50-51 (texto mais longo) e Atos 1.6-11. A segunda versão é claramente o que o Bispo Spong chamaria de midrash baseada numa estória semelhante acerca de Elias em 2 Reis 2.1-12. Ela coloca na forma de estória uma crença que foi, geralmente, mantida na Igreja primitiva, isto é, que – sendo ressuscitado dentre os mortos – é agora exaltado ao modo transcendente do ser de Deus. O bispo, na minha opinião, está muito certo em insistir que a estória não deve ser tomada literalmente. Porém não deve ser eliminada a verdade que ela enuncia. A “ascensão” é uma linguagem mitológica para a verdade-fé essencial de que Jesus é Senhor, removido das restrições do espaço e tempo e constantemente acessível e presente na Palavra e sacramento.

Parusia

Do mesmo modo, a parusia não deve ser considera como evento literal, no qual Cristo desce com seus anjos sobre nuvens do céu no fim da história. É uma expressão simbólica do que Teilhard de Chardin denominou de “ponto ômega”, o alvo da história humana e do processo cósmico. Mais uma vez, o Bispo Spong é correto em insistir que esse evento não pode ser tomado literalmente. Entretanto, mais uma vez, deve ser interpretado e não eliminado.

Jesus como pessoa de Espírito


O bispo tomou de Marcus Borg a descrição de Jesus de Nazaré como “pessoa do Espírito”. Esta idéia tem sua atração, certamente. Jesus pode ser apresentado inteligivelmente ao mundo contemporâneo como uma figura de uma classe de gente que teve uma experiência fora do comum daquelas dimensões elevadas da realidade, do sagrado, do mundo do Espírito. Porém essa compreensão não consegue captar o que é único sobre Jesus. É como a descrição dele como mestre e profeta, o que é verdade.

É interessante que, em apoio a essa visão sobre Jesus como pessoa do Espírito, Marcus Borg cita a versão de Lucas do discurso inaugural de Jesus na sinagoga de Nazaré, (Lc 4.18-19), no qual Jesus menciona Isaías 61. Tão impressionado, por ser tão oportuna essa citação para a situação, Borg está tentado a aceitar a sua autenticidade, a despeito de ser uma expansão de Marcos 6.1 por parte de Lucas e, portanto, provavelmente seja mais redacional, (isto é, aditamento editorial). Seja como for, há outras passagens para apoiar a noção de que Jesus é a figura plena de Espírito, por exemplo, Marcos 3.28-29; Lucas 7.22, que ressoam Isaias 61. Há passagens cuja autenticidade está menos aberta à dúvida do que a versão de Lucas do sermão em Nazaré. Por conseguinte, podemos concordar que Jesus entendeu a si mesmo como estando habilitado para a sua missão pelo Espírito e neste contexto, há algo mais preciso: o poder escatológico de Deus que vem de um modo único sobre seu único agente escatológico. Aqui, na interpretação que Jesus faz de si mesmo, encontramos a gênese pré-Pascal da cristologia pós-pascal, pós-ressurreição.

Conclusão

A teologia anglicana tem sempre se esforçado em ser fiel ao quérigma e ao credo, e aberta aos novos conhecimentos. Alcançar tal síntese é uma tarefa árdua e um constante desafio. É sempre mais fácil aderir rigidamente ao sentido literal da Bíblia e rejeitar qualquer novo conhecimento. É igualmente mais fácil se capitular sem reserva ao pensamento contemporâneo e comprometer a verdade do evangelho. Porém, desde a publicação de Lux Mundi, o anglicanismo tem demonstrado a preferência por “isto e aquilo”, ao invés de “ou isto ou aquilo” – tanto a fidelidade para com a revelação quanto para com a abertura para novas descobertas da verdade. Continuar nesse caminho será o desafio para a teologia anglicana no terceiro milênio.