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sábado, 15 de outubro de 2011

Raymond Brown, James Charleswort e o estigma da exclusão das Sinagogas


A comunidade joanina nasceu com pessoas que estavam sofrendo com a restauração do judaísmo depois da destruição do Templo (ano 70 d.C.) e o sínodo de Jâmnia (80 d.C.) Este grupo de fariseus/judeus refaz e reconstrói o judaísmo a partir exclusivamente da Lei, em perspectiva farisaica e deuteronomista, negando, portanto, que Jesus seja a “consumação perfeita” messiânica de Deus. Os textos de Jo 9,22; 12,42; 16,2 nos mostram o quanto o Jesus joânico reprova os judeus e seu desconhecimento de Deus (5,37-47; 8,19.55) e o quanto os judeus também tornam evidente sua não-aceitação a Jesus numa atitude agressiva: a exclusão da sinagoga judaica.


Embora os judeus ocupem um lugar de destaque no Quarto Evangelho, o evangelista parece ter uma aversão odiosa sem limites para com eles. Quem são afinal os judeus no Quarto Evangelho? O autor do evangelho era anti-semita? Neste artigo tentaremos distinguir e definir quem são os judeus do Quarto Evangelho e o que foi a exclusão da sinagoga para a comunidade joanina.


É indiscutível que “os judeus” desempenhem um papel importante. Assim o confirma o surpreendente dado estatístico segundo o qual o evangelho menciona “os judeus” em 70 passagens, 33 das quais eles aparecem como os inimigos de Jesus. Este dado é tanto mais chocante quando se tem em conta que esta expressão aparece muito raramente nos Sinóticos: 5 vezes em Mateus, 6 vezes em Marcos e 5 vezes em Lucas. A maior parte dos textos em que se fala dos judeus no Quarto Evangelho é para indicar os opositores de Jesus e seus discípulos. Por outro lado, encontramos textos que falam dos judeus de um modo geral, para se referir aos seus costumes, suas leis ou sua religião.


Tanto os personagens positivos quanto os negativos são judeus. Daí que o termo “judeu” no Quarto Evangelho não designa uma etnia, nem uma cultura, nem um povo. Quando usado por João com conotação adversativa, este termo não indica os judeus em geral – presentes tanto na Judéia como na Galiléia – para falar dos seus costumes, suas leis ou sua religião, mas se refere aos opositores de Jesus e seus discípulos: um grupo especial no ambiente judaico que tem peso político e social e até certo poder de decisão; uma ideologia que está tomando corpo numa estrutura de poder. Ao usar o termo “os judeus” em sentido hostil, o escritor joanino aponta o grupo judaico dominante, quer no tempo de Jesus, quer no tempo das comunidades joaninas (constituídas de judeus e não judeus). O problema é que João não distingue estes dois momentos e projeta anacronicamente a situação ulterior sobre a narrativa do ministério de Jesus. Funde em um só horizonte o ano 30 d.C. e o ano 90 d.C.4 Porém, não há razão para deduzir, do uso deste termo, que o Evangelho de João seja anti-judaico. É que João usa o termo para expressar: o povo judeu, os habitantes da Judéia, as autoridades judaicas; e meio século mais tarde, o novo judaísmo, enquanto oposto aos seguidores de Jesus.


Os textos que mencionam os judeus de forma pejorativa encontram-se, sobretudo, nos capítulos 5-10 e 18-19. As razões desta tomada de posição são claras: a messianidade de Jesus, sua origem, suas pretensões, sua conduta em relação ao sábado e, mais grave, Jesus se apresenta como “Um com o Pai” (8,52; 10,30.31).


Encontramos diversos grupos entre os judeus e dentre estes há um grupo opositor que não crê em Jesus (7,48; 9,39-41; 10,25; 12,37). Portanto, quando se diz que a “luz brilha”, sem que as trevas apreendam, que a luz veio ao mundo, sem que o mundo a conheça, ou que veio entre os seus e os seus não a receberam, está se falando de um grupo que recusa a verdade que Jesus veio proclamar. Embora o autor do evangelho não se refira explicitamente a um grupo concreto no tempo de Jesus, porque às vezes se fala do povo, outras dos judeus, outras dos fariseus e, finalmente, do Sinédrio. Podemos identificar este grupo como sendo o círculo de “judeus” e fariseus que estão em volta do Templo e do culto oficial, ou seja, as autoridades político-religiosas judaicas (1,19; 2,18; 5,10; 5,15; 7,13; 8,22; 8,59; 9,40-41). No fundo, o evangelho nos diz daqueles que levaram Jesus à cruz. Eles são exatamente os seus contemporâneos: os que não aceitam Jesus, os “judeus” de seu tempo, herdeiros do farisaísmo que se impôs depois da queda de Jerusalém, quando se reuniram em Jâmnia.


Com efeito, uma das políticas das lideranças de Jâmnia foi justamente a culpabilização do povo judeu, imperfeito no cumprimento da lei mosaica segundo os mesmos, pela destruição do Templo. A crença na messianidade de Jesus foi interpretada pelos fariseus como infidelidade à lei, como heresia. A reação da comunidade joanina se expressa em termos de desprezo pela autoridade farisaica e de rechaço ao “Judaísmo” por eles apregoado.


Este referencial da sinagoga com poderes políticos sobre a comunidade judaica e com possibilidade de mobilizar poderes civis e militares contra seus dissidentes, real no reinado de Agripa II faz com que o Quarto Evangelho deva ser examinado no contexto cultural – religioso da comunidade judaica siro-palestinense, profundamente marcada pelo trauma da Guerra Judaica, pela fragmentação ideológica, pela pressão do movimento unificador sediado em Jâmnia – enfim, uma coletividade marcada pelo medo.


Isso não implica em dizer que a comunidade joanina hauria todo seu conhecimento do judaísmo, daquilo que era ensinado e praticado nas sinagogas dos anos 80. Ao contrário: se houve conflitos entre ambas as instâncias, o motivo provavelmente terá sido a discordância a respeito da interpretação de pontos específicos da tradição judaica, realizada de forma diferente por judeus da sinagoga e por judeus da comunidade joanina. Deve-se tomar a sinagoga como referencial sócio-político, mas não necessariamente como seu referencial cultural – religioso. O substrato cultural possivelmente seria o mesmo, ou muito próximo, mas cada segmento fez sua leitura particular dos dados recebidos. Afinal, não teria a comunidade joanina compreendido a si mesma como um novo movimento religioso, autônomo tanto em relação à sinagoga quanto a outros grupos cristãos?


Os “judeus” representam, portanto, também a sinagoga judaica que sucedeu ao grupo do Templo. É aqui que se pode compreender a importância do momento histórico em que foi escrito o evangelho. A incredulidade descrita e as discussões de Jesus com os “judeus” estão mais centradas na problemática do tempo do autor do que na do tempo de Jesus.


Segundo J. Louis Martyn, temos que ler o Evangelho de João num nível duplo: o nível da vida de Jesus e o nível da presença poderosa deste Jesus no âmbito de sua comunidade. O Evangelho de João reflete um estágio inicial de banimento no judaísmo formativo. O ponto de partida do trabalho de Martyn é a expulsão dos cristãos da sinagoga, que ele classifica como dado anacrônico, pois esta medida contra os cristãos só foi executada a partir dos anos 90 d.C. Sua aplicação à vida de Jesus é um indício de que outros dados semelhantes podem ser mais um reflexo dos problemas e preocupações da comunidade joanina do que dados históricos sobre Jesus. É preciso ler o Quarto Evangelho à luz de vertentes outras do mundo e da cultura judaica, não representadas pelos fariseus nos anos pós-Guerra Judaica, mas sem deixar de se perguntar sobre a originalidade do cristianismo joanino em relação a estas outras formas culturas religiosas.


Para Klaus Wengst, ainda que o Jesus do Evangelho de João apresente as Escrituras, Moisés e a Lei a seu favor e ainda que o mesmo se qualifique como judeu, fala, no entanto, em “vossa Lei” (8,17; 10,34), como se tampouco ele não fosse judeu. Também chama seus antepassados do deserto de “vossos pais” (6,49). É indiscutível que esta distância que estabelece no evangelho e que apresenta o judaísmo como alheio a Jesus não concorde com a realidade do Jesus terreno. Este tipo de exposição é compreensível, em compensação, como expressão do contraste entre judaísmo e cristianismo da época do evangelista. A mesma distância acontece quando este fala da “páscoa dos judeus” (2,13; 6,4; 11,55), da “festa dos judeus” (5,1; 6,4) e da “purificação dos judeus” (2,6). O julgamento aparece aqui como um coletivo religioso bem definido frente a Jesus – e é, no plano do evangelista, frente à comunidade que aceita e crê – com sua Escritura, festas e costumes.


Para Harold Bloom, entre todos os evangelhos, o de João parece exibir o tom mais angustiado, e a modalidade dessa angústia apresenta uma natureza que ele consideraria tão literária quanto existencial ou espiritual. Sinal dessa angústia para ele é a diferença palpável entre a atitude de Jesus, em relação a si mesmo, no Quarto Evangelho, comparada àquela que observada nos outros três: “O Jesus de João demonstra certa obsessão com a própria glória, de modo especial, com o que deve constituir essa glória no contexto judaico.”


O evangelho, no entanto, não somente marca as distâncias da comunidade cristã frente ao judaísmo, como também fala de uma profunda hostilidade. Essa hostilidade põe em evidência o quanto o Jesus joânico reprova os judeus e seu desconhecimento de Deus (5,37-47; 8,19.55), o quanto os judeus também tornam evidente sua não-aceitação a Jesus com uma atitude agressiva. Por isso, a incredulidade é definida como fazer obras contra luz.


Quer dizer, a incredulidade e a hostilidade dos judeus não são simplesmente um não permitir que a revelação ilumine a vida deles, mas tendem a aniquilar a revelação ou, aniquilar Jesus. Daí a perseguição sistemática a Jesus até sua morte de cruz.


A comunidade joanina viveu forte conflito com o império romano e com as autoridades judaicas. Estes são os representantes supremos da oposição e do ódio contra Jesus. Ao romper com o sistema baseado no cumprimento rigoroso da Lei, ameaça a autoridade dos judeus/fariseus. Então, os cristãos são expulsos da sinagoga e começam a ser perseguidos. A primeira medida que os judeus tomaram em relação aos primeiros seguidores de Jesus parece haver sido a exclusão e a expulsão da sinagoga.


Embora não esteja claro que este seja um acontecimento produzido no tempo de Jesus, indica que aqui aflora um problema crucial que já delineava o tempo de Jesus. A primeira vez em que aparecem as autoridades judaicas excluindo e conseqüentemente expulsando alguém da sinagoga é em 9,22, no contexto da Narrativa da Cura do Cego de Nascença. Primeiro estas autoridades são mencionadas como fariseus e depois como judeus e aparecem ostentando um poder autoritativo. Estes judeus investidos de autoridade chamam a julgamento, segundo 9,18-23, os pais do ex-cego e os interrogam acerca de seu filho que fora curado por Jesus. Perguntam a eles sobre como o filho deles recuperou a visão. Os pais confessam sua ignorância dizendo que ele é maior de idade e pode falar por si mesmo. Os pais falaram assim porque temiam os dirigentes judeus, que já haviam combinado de expulsar da sinagoga quem a Cristo confessasse como o messias. Depois de sua confissão indireta de Jesus em 9,30-33, o cego curado aparece em 9,34 sendo expulso da sinagoga.


Segundo Schnackenburg, a expressão expulsão (9,34) poderia significar simplesmente um afastamento do lugar de reunião, porém, em relação a 9,22, por uma parte, e a confissão explícita posterior do ex-cego, por outra, prova que o evangelista se refere a uma exclusão da sinagoga. Também em 9,22 chama a atenção a frase de que os pais do ex-cego “temiam os judeus”, como se eles mesmos também não fossem judeus. Isto nos mostra por quanto o evangelista não apresenta os pais do ex-cego como seguidores de Jesus. Os judeus aparecem, pois, nesta passagem com poder autoritativo que procede severamente contra os dissidentes de seu próprio campo. Especialmente significativo é o advérbio “já”, que aponta que a pena já era aplicada no tempo de Jesus, porém não há nenhum documento que comprove esta expulsão. Contudo, a sanção era conhecida e aplicada no tempo do evangelista, como indica claramente o advérbio “já”.


Também no capítulo 20,19 se diz que os discípulos reunidos em uma casa ao anoitecer da páscoa tinham as portas fechadas por “medo dos judeus”. Esta frase referindo-se ao contexto histórico dos discípulos de Jesus mostra um resultado muito estranho: parece dizer que estes discípulos não eram judeus. A frase encontra todo o sentido quando se é transferido ao plano histórico do evangelista, se sua comunidade se viu realmente submetida à prepotência de um judaísmo hostil e excludente.


Uma segunda passagem em que encontramos a expressão expulsão é 12,42: “Contudo, muitos chefes creram nele, mas, por causa dos fariseus, não o confessavam, para não serem expulsos da sinagoga.” Neste texto aparecem os fariseus exercendo uma autoridade que não possuíam no tempo de Jesus. Tampouco esta frase é aplicada à época anterior ao ano 70 d.C. Tem sentido, em compensação, quando se aplica ao tempo do evangelista, pois sua comunidade contava com simpatizantes da classe dirigente que evitavam um reconhecimento público por medo dos judeus/fariseus e suas conseqüências.


Temos como exemplos judeus que acreditavam em Jesus (Jo 2,23; 8,31; 12,10-11), porém não têm coragem de manifestar sua fé publicamente por medo dos judeus e também porque não querem abrir mão de seus privilégios e status social. É o caso de Nicodemos e José de Arimatéia, pessoas importantes na comunidade judaica. A fé em Jesus é motivo para que o judaísmo de orientação farisaica decretasse a exclusão da sinagoga.


A terceira passagem é 16,2, uma predição que Jesus tem ao despedir-se de seus discípulos: “Expulsar-vos-ão das sinagogas.” Parece claro que a exclusão da sinagoga não é uma medida que faz referência à época de Jesus. O evangelista tem presente um problema instigado no seu tempo. O contexto o confirma: os versículos 1 e 4 assinalam que Jesus predisse a seus discípulos o ódio que iria desencadear sobre eles e conferem a esta predição um caráter de consolo: “Digo-vos isto para que não vos escandalizeis”. E conclui: “Mas vos digo tais coisas para que, ao chegar a sua hora, vos lembreis de que vô-las disse.” Porém, isto somente pode significar que a comunidade do evangelista seja objeto de ódio por reconhecer a Jesus como o messias e o evangelista trata de consolar-lhes fazendo-os compreender que as tribulações que os afetarão não são o fruto de uma cega fatalidade, mas que já foram preditas e anunciadas por Jesus. E o versículo 3 indica o verdadeiro motivo da conduta de seus perseguidores: “E isso farão porque não reconheceram o Pai nem a mim.” Agora, bem dentro das medidas concretas que afetam aos discípulos de Jesus: “Vos expulsarão da sinagoga.” Por isso, a expulsão da sinagoga é uma experiência dolorosa para a comunidade joanina. E porque a comunidade sofre com esta experiência, o evangelista assinala que Jesus a havia predito.


Além disso, 16,2 assinala outra medida complementar e ainda mais extrema: “virá a hora em que aquele que vos matar julgará realizar ato de culto a Deus.” Deixa claro, pelo contexto, que o evangelista tem presente uma experiência que a sua comunidade está vivendo. Essa experiência consiste em que o evangelista faz referência aos judeus enquanto sujeitos ativos, como, por exemplo, com poder de expulsar alguém da sinagoga. E isto, porque condenar os cristãos à morte pressupõe uma suposta obediência a Deus. Então, também fica claro que as vítimas são judeus cristãos e que a ocasião entendida como obediência a Deus só tem sentido – sob a óptica judaica – tratando-se de judeus renegados.


Na prática, a expressão expulsão deve significar uma excomunhão e ter sido uma medida disciplinar adotada pela sinagoga e que, portanto, tinha um limite temporal. Porém, as passagens do Quarto Evangelho mostram uma medida muito mais rigorosa. Trata-se de uma separação, de uma exclusão total da comunidade de fé judaica, como mostra claramente em 16,2, onde se fala inclusive de sentença de morte.


De acordo com Overmam, no período fluído que deu origem ao judaísmo formativo, uma série de facções competia por influência e controle. A possibilidade de excluir dissidente indica que aqueles que excluem possuem um grau de autoridade no ambiente em que o banimento é aplicado. O grupo que pratica a exclusão também precisa ter uma identidade suficientemente bem definida para poder entrar em um acordo quanto ao que constitui uma violação grave, a ponto de merecer exclusão. Porém, uma série de comunidades sectárias do judaísmo havia atingido claramente este estágio decisivo de definição e organização. Quando o banimento é praticado, significa que a comunidade, de uma forma ou de outra, atingiu um consenso quanto ao que ela é e o que ela representa. O judaísmo formativo desenvolveu a prática institucional do banimento, que protegia o grupo.


Um dos procedimentos adotados e que evoluiu no judaísmo formativo tem referência à recepção da birkat hamminin (a bênção dos hereges), eufemismo para designar a maldição dos dissidentes. Esta representa a décima segunda de dezoito bênçãos pronunciadas na sinagoga, as chamadas Amidah. Teve sua elaboração ligada ao concílio de Jâmnia e vai se consolidando no final do século I, porém sua redação, segundo autores modernos, é do século II. Esta bênção, que tradicionalmente incluía uma maldição dos inimigos de Deus (“que toda maldade pereça, de repente”), teve sua maldição assim reformulada: “Para os apóstatas, que não haja esperança. O domínio da arrogância elimine rapidamente em nossos dias. E deixa os nazarenos e os minim perecer em um momento. Deixa-os ser apagados do livro da vida. E que não sejam escritos junto com os justos”.


Os judeus cristãos, que tinham que ficar em silêncio enquanto a congregação recitava a nova fórmula, foram obrigados a retirarem-se. Não podiam beneficiar-se do “amém” comum da comunidade, ou sequer rezarem esta benção como recitadores nas assembléias da sinagoga. Porém, a remodelação do judaísmo não se inicia com a redação da birkat hamminin, que somente marca uma etapa neste processo. Por isso, as passagens expulsão da sinagoga do Quarto Evangelho se referem provavelmente à estigmatização dos judeus cristãos como hereges pela ortodoxia farisaica em processo de formação; pois esta estigmatização tinha como conseqüência a expulsão da comunidade sinagogal.


O desenvolvimento do judaísmo depois do ano 70 d.C., que atua contra a comunidade joanina e também contra outras correntes, explica a imagem que temos dos judeus no Evangelho de João como uma retrospecção desta época à época de Jesus. A expulsão da sinagoga não tinha somente conseqüências religiosas para os dissidentes, mas também era um ato que alterava substancialmente todas as circunstâncias da vida.


Por esse motivo, a exclusão e a separação do judaísmo era um momento de treva para quem proclamava Jesus como messias. Os dissidentes ficavam sem proteção, sem trabalho, sem relações sociais e comerciais, separados de sua tradição religiosa, dos serviços e ritos religiosos. Portanto, sem a religião judaica farisaica, permitida pela lei do império, os judeus cristãos deveriam assumir outra religião que fosse reconhecida pelos romanos, caso contrário, seriam vistos como inimigos. A situação da comunidade joanina era de muita insegurança. De um lado, as autoridades religiosas e do império mantinham sobre ela uma vigilância continua. De outro lado, a multidão passou a ver os dissidentes cristãos como pessoas suspeitas, gente perigosa.


Quanto à “expulsão dos cristãos joaninos da sinagoga” (9,22; 12,42; 16,2), há muito tratada como causa polêmica anti-judaica, podemos dizer que não temos como datar semelhante “expulsão”, uma vez que as sinagogas já existiam antes do ano 70 a.C. Também aludir à oração das dezoito bênçãos (birkat hamminin), ligada ao sínodo de Jâmnia, com oração aos Minim (cristãos), como é usual fazer, parece-nos não ser o mais correto. Assim sendo, a expressão expulsar da sinagoga dos textos supracitados refere-se possivelmente a um conflito local entre a comunidade joanina e os seus vizinhos judeus. No contexto histórico de Jesus, somente cabe pensar em expulsão simples da sinagoga, que tinha duração de 30 dias. Mas de modo algum se deve compreender como decreto de excomunhão de todo o cristianismo por parte do novo judaísmo de Jâmnia. Assim sendo, o judaísmo não pode ser responsabilizado exclusivamente pela ruptura entre judaísmo e cristianismo. Na compreensão dos textos joaninos anti-judaicos, há que não se confundir entre a intenção do autor e respectivos destinatários reais e implícitos e a compreensão dos mesmos textos ao longo do tempo.