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segunda-feira, 23 de maio de 2011

IGNORÂNCIA: Mãe de Todas as Devoções

1- Como os textos bíblicos chegaram até nós?

Os textos bíblicos do Antigo Testamento começaram a serem escritos por volta do ano mil antes de Cristo. Os judeus sempre mantiveram e ainda mantém até hoje, uma tradição de copiar textos rigorosamente. Quando o Cristianismo surgiu, no século I, os textos bíblicos foram sendo escritos e copiados. Por volta do ano 90 depois de Cristo, os textos do Novo Testamento foram terminados e ao longo dos séculos, foram sendo escritos e copiados.

Vale destacar que, em tempos medievais, os livros eram extremamente caros, tanto pelo altíssimo custo do material para escrever, como pela ausência de imprensa. Depois do colapso do Império Romano, o papiro que era o único material barato de escrita, embora fosse perecível, desapareceu dos mercados da Europa. Ficou o pergaminho, que era produzido com o couro de ovelhas e cabras. Um rebanho de mais de uma centena de ovelhas tinha que ter seu couro extraído, para se produzir uma só Bíblia. Tanto o conhecimento científico, como a literatura antiga, história, leis, peças teatrais e demais coisas da antiguidade só chegaram até nós pelo imenso esforço de monges medievais, que dedicaram as suas vidas a ficarem copiando livros.

No século IX, o papel que havia sido inventado mais de 500 anos antes na China, passou a ser produzido na Espanha muçulmana. Logo a seguir o papel foi mecanizado e melhorado na Europa católica de então. O papel era muito mais barato que o pergaminho e os livros passaram a serem mais baratos. No entanto, somente com a imprensa de tipos móveis de Gutenberg, no século XV é que a Bíblia passou a ser acessível, à maioria das pessoas.

Com a Bíblia impressa chegamos, aos novos tempos, pois uma impressora pode fazer centenas ou milhares de Bíblias sem erros. Ademais, uma Bíblia impressa não somente é mais barata, como também é melhor que uma Bíblia manuscrita. E ainda por cima ela é uniforme.

2-Como foi feito o cânon bíblico?

Ainda no século I, já havia inúmeras formas de Cristianismo. Antes da chegada do ano 100 D.C. já existia Cristianismo na Índia, Egito, Itália, Grécia, Etiópia, Sudão, etc. Por óbvias dificuldades de comunicação, era impossível que tivessem uma única relação de livros inspirados. Os textos que fazem parte do que hoje chamamos de Bíblia, já estavam prontos no ano 100 de nossa era, mas não existia uma Bíblia única cristã. Se alguém procurasse uma Bíblia para comprar na Europa ou qualquer outro lugar do mundo, nos séculos I e II não acharia nenhuma à venda.

Uma proposta de cânon do Novo Testamento apareceu no século IV e supostamente datava do século II. Ela não listava como canônicos os livros Apocalipse, II Pedro, II e III João e Judas. O Cânon Muratori não cita a Epístola aos Hebreus como livro canônico. Por outro lado este mesmo Cânon Muratori cita como canônico, o livro O Pastor de Hermas como canônico. O mesmo Cânon Muratori cita o livro da"Sabedoria" como canônico.

Quando o Cristianismo foi legalizado pelo Imperador Constantino no século III, este mandou que as diferentes correntes do Cristianismo fizessem uma escritura de livros comum. Por meio de um Concílio, os bispos decidiram que o Cânon seria de 76 livros. Este Concílio não teve unanimidade. No caso do livro do Apocalipse, por exemplo, os delegados do Bispo de Roma foram contra a sua inclusão no Cânon bíblico. Somente no Concílio de Cartago de 397 é que o livro do Apocalipse foi colocado no Cânon bíblico.

Esta primeira Bíblia cristã foi chamada de Bíblia de São Dâmaso, nome do Papa sob a qual foi escrita. Evidentemente que os cristãos da Índia, Etiópia, etc. em nada, sequer, puderam saber desta primeira Bíblia cristã. Mesmo na Europa, a esmagadora maioria do povo era analfabeto e ignorante. Uma Bíblia no século IV custava muito mais caro que o patrimônio de mais de 98% da população européia de então.

O Cânon ou a relação dos livros bíblicos foi estabelecido por Concílios. Tudo por decisão humana. Nenhum livro bíblico diz quais livros devem ser parte do Cânon. Por outro lado, a história mostra que homens é que decidiram que livros fariam parte do Cânon. Basta lembrar que o livro Macabeus 4 está escrito no Códice Sinaiticus e não faz parte nem da Bíblia Católica e nem da Bíblia Protestante.

Na Europa católica, o Concílio de Florença em 1442 manteve esta mesma bíblia, com 76 livros. O Concílio de Trento, no século seguinte, reduziu a bíblia católica a 73 livros, decisão ainda mantida até hoje, pela Igreja Católica. No Concílio de Jerusalém em 1672, a Igreja Ortodoxa Grega reduziu a sua Bíblia para 70 livros.

No século XVIII, as várias denominações Protestantes concordaram que a Bíblia deveria ter 66 livros. Todas estas decisões quanto ao Cânon bíblico foram tomadas por pessoas, em Concílios. Tudo por decisão humana. Nem preciso dizer que os cristãos etíopes têm, desde o século I, seus próprios escritos sagrados.

3-Por que alguns livros não foram aceitos entre os oficiais?

Tanto a aceitação, como a rejeição de um dado texto para o Cânon foi influenciada por decisão humana. Isto vem desde que os Concílios existem e acontece até os dias de hoje. No século XIX apareceu o famoso "Livro de Mórmon”, que só foi aceito por um ramo do Protestantismo e foi e ainda é ignorado ou criticado, por todos os demais. Isto vem de longe.

O Cânon aceitou por exemplo, a Epístola aos Hebreus, que todos os entendidos sabem há mais de mil anos, não foi escrito por Paulo. Uma forjadura óbvia e de autor desconhecido, mas esta obra de autor desconhecido está em todas as Bíblias. Todos os entendidos sabem que Mateus não escreveu o Evangelho a ele atribuído, pois ele morrera há muito, mas ainda assim, existe o Evangelho segundo Mateus. Todos os entendidos sabem que os quatro Evangelhos são relatos de segunda ou terceira mão. João não escreveu o seu Evangelho.

O livro do Apocalipse teve a feroz oposição dos Papas em Roma, que sempre pressionaram para a sua retirada do Cnon. Ele chegou a ser retirado, mas o Concílio de Cartago, em 397, o recolocou de volta ao Cânon. Sim, o livro do Apocalipse foi colocado, depois retirado e depois recolocado na Bíblia.

O livro "Pastor de Hermas" foi considerado por Clemente de Alexandria, Tertuliano, Santo Irineu e Orígenes como inspirado. Os entendidos acham que Hermas é o homem citado por S. Paulo na Epístola aos Romanos, no seu final. Este livro era largamente lido nas igrejas cristãs da Grécia. No século V, o Papa Gelásio coloca tal livro entre os apócrifos. Uma decisão que ainda perdura.

No século XVI, Martinho Lutero exigiu a retirada da "Epístola de São Tiago", do Cânon bíblico. Lutero chamou tal livro de "Carta de palha". Também no século XVI, João Calvino exigiu a retirada do livro do Apocalipse do Cânon bíblico. Ao contrário da decisão do Papa Gelásio, estas exigências tanto de Lutero, como de Calvino deram em nada. A colocação de um texto na Bíblia, de um dado ramo do Cristianismo depende, da tradição e das necessidades terrenas.

4-Por que as Bíblias Protestantes têm menos livros que as Bíblias Católicas?

O citado Concílio de Florença em 1442 manteve a decisão já do século IV, no Concílio de Cartago, em 397 D.C. de ter uma Bíblia católica com 76 livros. Com a chamada Reforma Protestante, no século XVI, a Igreja Católica através do Concílio de Trento reduziu a Bíblia católica para 73 livros, decisão ainda em vigor nos dias de hoje.

Nesta redução da Bíblia, a Igreja Católica pelas mãos de seu clero, mostrou que o mundo é quem decide o Cânon. Assim, saiu da Bíblia Católica o livro 2 Esdras, que condena fortemente a reza pelos mortos ou o pedido de coisas vindas dos mortos. Uma clara condenação do culto aos santos e reza pelos mortos no purgatório. Por outro lado, o mesmo Concílio de Trento manteve no Cânon da Bíblia Católica, o livro 2 Macabeus, que claramente fala em rezas e sacrifícios pelos mortos. Não tem o menor sentido a idéia, que o Concílio de Trento tenha colocado livros na Bíblia Católica. Livros como 1 e 2 Macabeus já estavam na Bíblia Católica, muito antes do Concílio de Trento. Há mais de mil Bíblias do século XV hoje em museus e que foram impressas e elas todas tem Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, por exemplo.

Quanto aos Protestantes, apenas no século XVIII é que eles passaram a ter um relativo entendimento, sobre qual Bíblia afinal defendiam. Eles cortaram a sua Bíblia para 66 livros. No caso do Novo Testamento, eles mantiveram a mesma lista de livros estabelecida no Concílio de Cartago em 397. Os Protestantes ignoraram as sugestões de Lutero e Calvino e simplesmente seguiram o mesmo Cânon, que a Igreja Católica usava desde 397.

Quanto ao Antigo Testamento, as denominações Protestantes decidiram adotar o mesmo Cânon estabelecido pelo Sínodo judaico de Jamnia em 100 D.C. Este Sínodo judaico não teve a presença de nenhum cristão das várias correntes de Cristianismo, que já existiam no ano 100 D.C. Tal sínodo rejeitou como apócrifos todos os livros escritos após o ano 300 A.C. ou que não tivessem sido escritos originalmente em hebraico ou que não tivessem sido fora da Palestina. Na verdade, os judeus até o citado Sínodo de Jamnia usavam uma variedade de textos canônicos.

Nas cavernas de Cunrãm há escritos do livro de Tobias, que é canônico segundo a Bíblia Católica. Nas mesmas cavernas de Cunrãm encontraram-se fragmentos dos livros Enoque e Testamento de Levi, que jamais fizeram parte do Cânon, quer Católico quer Protestante. Não tem sentido se dizer, que os judeus nos tempos de Jesus rejeitavam Macabeus, Judite, Enoque. Isto só aconteceu no citado Sínodo Judaico de Jamnia, que só foi realizado no ano 100 D.C.; quando o Cristianismo não só estava já consolidado, como também já dividido.

A rejeição de 1 Macabeus e Judite também foi influenciada pela política mundana. Ambos os livros citados colocam a rebelião armada, contra um opressor, como sagrada e abençoada por Deus. No século XVIII, as nações Protestantes queriam seus povos dominados quietos. É notório que na luta pela independência americana, os Católicos tiveram uma participação na luta, muito maior que a sua participação na população americana. As sucessivas rebeliões na Irlanda tinham sempre católicos, que diziam seguir o dito nos livros 1 e 2 Macabeus. Tanto uma necessidade de ter uma sanção dos judeus, como necessidades políticas mundanas levaram ao fato das bíblias protestantes, desde a segunda metade do século XVIII terem 66 livros.

Em suma, a primeira Bíblia cristã tinha 76 livros. Isto foi estabelecido por um Concílio. O Concílio de Trento reduziu a bíblia católica para 73 livros, retirando do Cânon livros que condenassem explicitamente orações para os mortos. Ao mesmo tempo o mesmo Concílio manteve 2 Macabeus que apóia rezas pelos mortos.

Os Protestantes não tinham uma Bíblia única que seguir. Levou mais de 300 anos, para os Protestantes terem uma Bíblia única. A redução tanto se deveu a fatores políticos, como uma busca de sanção judaica, como a rejeição de orações pelos mortos que são apoiadas por 2 Macabeus.

Pouco ou nada houve de busca por verdade em tal redução. Os entendidos sabem que a Epístola aos Hebreus é uma farsa, pois não foi escrita pelo apóstolo Paulo. Ela segue no Cânon Católico e Protestante. No mesmo Novo Testamento foi excluído "Pastor de Hermas", que não foi uma forjadura e foi de fato escrito por Hermas.

No Antigo Testamento, a mesma coisa se repete. Os Protestantes alegam rejeitar 1 Macabeus por ele ser supostamente falso. No entanto 1 Macabeus tem indiscutível base histórica. O evento descrito no livro, a invasão de Israel de fato aconteceu. Judas Macabeus de fato existiu. Nem por ser pelo menos em parte verdade, 1 Macabeus faz parte das Bíblias Protestantes. Por outro lado, nessa mesma Bíblia protestante, há o livro de Gênesis que tem figuras como Adão, Eva, Caim, Abel, Noé; todas tão “verdadeiras” quanto os heróis de ficção científica.

A invasão de Israel descrita em 1 Macabeus de fato aconteceu, mas ela não faz parte das Bíblias Protestantes. O Dilúvio universal e sua arca de Noé com mais de 1.000.000 de espécies de plantas cuidadas apenas pela pequena família de Noé nunca aconteceu, mas mesmo assim, Gênesis está tanto nas Bíblias Protestantes, como nas Bíblias Católicas. Na Bíblia, Jonas, fica por 3 dias vivo dentro de um peixe, mas Judas Macabeus que de fato existiu não aparece nas Bíblias Protestantes.

Aonde há busca pela verdade?

Como escrevi antes, o cânon depende da tradição e das necessidades terrenas. A Igreja Católica manteve 2 Macabeus na Bíblia pois ele mantém a base bíblica para o purgatório e as missas pelos mortos. A mesma Igreja Católica excluiu do cânon o livros 2 Esdras, pois ele condenava rezas pelos mortos. Os Protestantes excluíram 1 Macabeus pois ele supostamente apoiava rebeliões, mas mantiveram as cartas de Paulo com seu apoio à escravidão e submissão de mulheres e fizeram o mesmo com uma farsa, como a Epístola aos Hebreus.

O Cânon tanto Católico, como Protestante é de origem e necessidade humana. Ambos os cânones foram feitos pensando neste mundo. Os Protestantes simplesmente não precisavam de uma Bíblia que tivesse livros apoiando rebeliões, como 1 Macabeus ou apoiando rezas pelos mortos, como 2 Macabeus. Por outro lado, os Católicos não precisavam de livros que condenassem orações pelos mortos, como 2 Esdras. Por isto, a Bíblia Católica saiu de 76 para 73 livros e a Bíblia protestante caiu ainda mais, para 66 livros.

Conclusão:

No momento em que pastores protestantes aparecem na TV garantindo que doenças mentais e físicas se devem à ação de demônios ou eufemisticamente "encostos", não se pode deixar de notar o quanto a Bíblia pode ser mal usada. A Bíblia é trabalho humano e como tal, não está isenta de críticas. Como livro de ciência, a Bíblia é absurda e falha, mesmo considerando o tempo em que foi escrita. Como livro de história, a Bíblia mistura fatos com fantasias, não sendo nem de longe infalível. Como livro religioso, a Bíblia tem sido a fonte suposta ou real de dezenas de milhares de seitas, que não raro são apenas negócios fantasiados de religião. Devemos sim ler a Bíblia, mas nunca com fé cega e falta de espírito crítico.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O Jesus Oculto

Apesar de existir um imenso debate sobre a interpretação dos evangelhos apócrifos encontrados, na sua grande maioria, em 1945, em Nag Hammadi (no Egito), poucas pessoas tiveram tempo de entender o que acontece de fato no meio religioso.

Novas interpretações de uma descoberta de cinco décadas atrás estão questionando dogmas de fé do catolicismo, como a existência do pecado original, e até confirmando outros, como o da assunção de Maria aos céus, narrada com detalhes nos evangelhos apócrifos que tratam sobre a mãe de Deus. Ela aparece nos textos não como intercessora, mas como apóstola de seu filho e liderança no cristianismo. A leitura de gênero aplicada nos apócrifos evidencia a disputa de poder entre Pedro e Madalena. Esta última não é vista como prostituta, mas apóstola e amada de Jesus. Outra revelação é a de Jesus Cristo como líder político – uma nova imagem tão forte quanto a propagada pela igreja como homem místico com seus poderes de filho de Deus. Segundo o apócrifo de Tomé, Cristo era revolucionário político.

Estes evangelhos, em parte, estão no Vaticano e apenas estudiosos do assunto têm o direito da consulta completa. Na internet proliferam interpretações dos textos que tratam dos apócrifos. Se existe polêmica em religião, esta é a maior delas. Frei Jacir de Freitas Faria, que estudou no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, informa ao Diário da Manhã que estes textos datam do ano 50 d.C até século VI e VII. “Eles ficaram escondidos por muito tempo. A igreja mandou para a fogueira esses textos por considerá-los heréticos, não aptos para a fé cristã”, diz frei Jacir.

O estudo consiste num comentário aos evangelhos de Madalena e Tomé e na apresentação da história de Maria, a mãe de Jesus, de José e da infância de Jesus nos apócrifos. Jacir é um dos maiores pesquisadores sobre o tema no país. Para ele, o assunto fascina, pois inverte muitos aspectos tidos como certos ao longo do cristianismo.

Ele indica que a forma com que a tradição cristã tratou Madalena está toda equivocada. “A interpretação feita pela Igreja de Lc 7, 36-50, que identificou a pecadora citada como sendo Maria Madalena, fez dela uma prostituta. Fato que ninguém mais ousou duvidar”, diz. No evangelho de Madalena e em outros apócrifos, ela é apresentada como liderança forte e que ameaçava Pedro ao ponto dele tramar contra ela, pedindo a Jesus que a expulsasse do grupo dos apóstolos. “Com a divulgação destes evangelhos, é possível perceber também um outro perfil de Pedro, um homem misógino, machista”, diz o frei.

A pesquisa de frei Jacir retorna aos primórdios do cristianismo. Desvenda uma época pré-igreja Católica, pois mostra as origens dos seguidores de Cristo e o modo como entenderam Jesus e sua mensagem. O que temos na Bíblia é a versão que se tornou oficial, canônica. O teólogo Antônio Maria diz que conhece os evangelhos narrados pelo frei Jacir, mas prefere acreditar na Bíblia tradicional. “Nada impede de se discutir estes temas, mas o mais valioso, com certeza, se encontra na Bíblia”, diz o pesquisador goiano.

Jacir explica que não existiu um só cristianismo. Ou seja, não existiu apenas uma versão dos fatos daquele período. A importância de saber que existiam diversos seguidores de Cristo ajuda a entender como uma única visão integrada surgiu. Com estas pesquisas pode-se descobrir que a Igreja dos séculos que se seguiram aos fatos narrados com Jesus acabou escolhendo uma verdade em seu interior, a que adequava aos seus objetivos. “Podemos falar de vários cristianismos, aquele da comunidade de Marcos, de Mateus, de Lucas, de João, de Tiago, irmão de Jesus, de Maria Madalena, de Tomé, de Paulo, dos Atos dos apóstolos”, afirma.

Cada comunidade deu o seu tom ao seu escrito. Mateus enfocou o lado judeu de Jesus. Marcos, o Jesus missionário; Lucas, o Jesus salvador da humanidade; Atos dos Apóstolos, o Jesus da apostolicidade; Paulo, o Jesus ressuscitado. Maria Madalena procurou traçar o perfil de Jesus ressuscitado, humano e revelador de ensinamentos divinos. Tomé revelou o Jesus judeu revolucionário, anti-romano e místico. Tiago, o irmão de Jesus, anunciou o Cristo revolucionário, mas foi abafado.

O cristianismo subseqüente, mesmo sendo perseguido por Roma, foi se adequando ao império. O gnosticismo, outra corrente de pensamento nas origens do cristianismo, considerada herética, resistiu à institucionalização da religião. O cristianismo, que deu o tom aos ensinamentos vindouros sobre Cristo, foi o da apostolicidade, liderado por homens que impediram a liderança das mulheres. Isso não acontecia com grupos gnósticos, onde as mulheres eram mestras, profetisas e sacerdotisas. Houve disputas teologais entre os primeiros cristãos.

“Apontadas como heresia, as idéias de grupos, como os Gnósticos e Docetas, foram expulsas do cristianismo. Esses grupos criaram uma literatura alternativa, a apócrifa. Os gnósticos acreditavam que a salvação estava no conhecimento de Deus e em si mesmo e que não era necessário uma hierarquia eclesial para chegar a Deus. Cada um pode percorrer o seu caminho de Salvação. Isso criou problemas."

Assim, as narrativas que falam de Jesus e do nascimento dos cristianismos são relatos sobre como os cristãos, judeus e não-judeus entendiam Jesus. Os relatos bíblicos são narrativas primeiro repassadas de forma oral. Pelos estudos de frei Jacir e outros estudiosos da religião, é possível identificar como chega até nós uma Bíblia que muito bem poderia ter outro conteúdo. Jacir afirma que o estudo desses evangelhos suscita opiniões divergentes entre os estudiosos.

Existe uma corrente que defende a falsidade destes textos, os quais foram escritos por pessoas não confiáveis – e que por isso exageraram nas narrativas ou escreveram ‘verdades’ não-inspiradas. Outros, no qual ele se inclui, defendem que esses textos devem ser estudos de modo crítico e ecumênico. Respeitar a diversidade de pensamento na origem do cristianismo é um caminho salutar. Isso não significa, explica Jacir, proclamar a inspiração desses textos, mas dialogar com eles e descobrir, por exemplo, que a mulher tinha papel importante no início do cristianismo, que Deus era visto com Pai e Mãe, mas vingou a idéia de Deus-Pai.

Além disso, nascemos em estado de graça, sem pecado ‘original’. “Não há pecado! Somos nós que criamos o pecado, quando agimos conforme os hábitos de nossa natureza adultera”, diz, segundo o evangelho de Maria Madalena. “É bem certo que os exageros nos apócrifos devem ser compreendidos no contexto da piedade popular que queria enaltecer Jesus e seus seguidores”, afirma Frei Jacir.

Ideias adormecidas:
O que os apócrifos elucidam:

A partir do séc. III, Maria Madalena foi interpretada como prostituta, impura e pecadora. O que fez dela modelo para o cristianismo: a pecadora redimida, em contraposição a Maria, mãe de Jesus, virgem santa. Os apócrifos revelam que Maria Madalena era a mulher amada por Jesus e liderança apostólica. No texto apócrifo Pistis Sofia, ela conversa com Jesus e mostra ser sábia em seus apontamentos. No evangelho de Maria Madalena, após ter ouvido dela os ensinamentos de Jesus, Pedro questiona: ‘Será que nós devemos dar ouvidos ao que essa mulher diz? Devemos mudar nossos hábitos? Será que o Mestre a preferiu a nós?’ “Maria Madalena ameaçava a liderança dos homens. Fazer dela uma prostituta significou minimizar o seu papel de liderança no início do cristianismo, assim como tantas outras mulheres que caíram no ostracismo. Estudar os apócrifos é resgatar também o papel da mulher na primeira hora do cristianismo”, afirma Frei Jacir.

Jesus beijava Maria Madalena:
Segundo o apócrifo de Felipe, Jesus beijava Madalena na boca. Jacir afirma que os documentos pesquisados apontam para grande ciúme dos discípulos em relação a esse amor. E ainda explica que o beijo, na visão semita, tem sentido de comunicar o espírito, o saber. Por outro lado, concorda que Jesus poderia ter beijado Maria Madalena em outro sentido. “Onde está o problema?”, questiona Frei Jacir. Este seria, assim, um Jesus mais humano e, por isso, divino, afirma.

Pedro e as mulheres:
O líder maior nos textos canônicos é Pedro. Mas nos apócrifos, é visto como um homem que tem aversão às mulheres. “Não chega a ser uma questão de homossexualismo, mas de raiva, de ser intolerante com as mulheres”, afirma frei Jacir. No evangelho Pistis Sofia, Pedro fala com Cristo, pedindo a expulsão de Madalena. Para ele, Madalena conversava demais, impedindo que outros também falassem. Ela, por sua vez, diz a Cristo que também não mais suporta Pedro e que ele detesta o sexo oposto. O ódio de Pedro às mulheres é um dos pontos mais polêmicos dos novos estudos. No evangelho de Tomé, Jesus chega a dizer ironicamente a Pedro que faria Madalena transformar-se homem para que ela pudesse entrar no reino.

Não existe pecado:
O dogma de que os seres humanos já nascem com pecado original foi formado pela Igreja ao longo da história. O estudo desses textos indica que o homem nasce, de fato, puro. “Depois, com o tempo, conforme nossas práticas, é que chegamos a uma situação pecaminosa”, conta frei Jacir. Em uma conversa entre Madalena e Pedro, no Evangelho de Maria Madalena, que não está na Bíblia, ela diz que o Mestre revelou: “Não há pecado.” Além de não adotar o que diz Madalena, a Bíblia e a própria igreja insistiu muito no pecado moral, se esquecendo dos pecados sociais. “Somos nós que fazemos existir o pecado, quando agimos conforme a nossa natureza adúltera”, diz o evangelho de Maria Madalena. Entre os cristãos havia a discussão sobre o pecado. Mais tarde, a idéia do pecado original ganhou força de dogma de fé: quando uma pessoa nasce já estará concebida em pecado. “Os antigos até ensinavam que quando uma criança morria sem ser batizada, ela vomitaria o leite do pecado que a sua mãe lhe havia oferecido. Que absurdo! Uma criança não pode nascer em pecado. Ela é totalmente graça. Pecado original entendido desse jeito só pode ser original na cabeça de quem o inventou.

Tomé apresenta um Jesus revolucionário:
Nos evangelhos canônicos, Tomé é aquele que não acreditou, por não ter uma fé suficiente. Nos apócrifos, Tomé recebe ensinamentos secretos de Jesus e não os revela aos discípulos. Seu evangelho alternativo apócrifo traz duas novidades: a dimensão mística do cristão, influenciada pelo gnosticismo, e a visão revolucionária do projeto de Jesus. Por exemplo, a parábola do semeador também está em Tomé, mas não a sua interpretação, isto é, a alegoria.