Nada se sabe sobre o histórico familiar de Hanina. O nome grego seu pai, Dosa, redução de Dositeu, era usado normalmente por rabinos, de modo que isso não necessariamente indica uma cultura helênica. Hanina não está ligado a qualquer acontecimento histórico datável, mas temos provas circunstanciais suficientes para situá-lo no século I d.c., e provavelmente no príodo anterior a 70. Ele está ligado a três personagens importantes: Iohanã ben Zacai durante o período de sua carreira na Galiléia; Neuniá, um funcionário do templo, portanto, por definição, um personagem anterior a 70; e Gamaliel. Se esse Gamaliel for Gamaliel, o Velho, professor de São Paulo, mais uma vez estamos antes da queda de Jerusalém. Seja como for, não há nada registrado sobre Hanina que exija uma data posterior a destruição do Templo.
Embora a tradição talmúdica posterior retrate Hanina como um pleno realizador de milagres, a descrição inicial dos rabinos o representa como um homem de impressionante devoção, um hasside com um talento extraordinário para a cura. Sua fé era baseada em uma absoluta concentração na oração. Dizia-se que nem a chegada de um rei ou a presença de uma cobra podia perturbar sua devoção. De acordo com a história contada sobre Hanina, ele continuou a orar sem ser ferido mesmo depois de uma serpente tê-lo mordido.
Na verdade, foi à serpente que morreu. Essa história originou o provérbio “lamente pelo homem que foi mordido por uma serpente, mas lamente pela serpente que mordeu Hanina ben Dosa” (Mishnah Berakhot 5:1; Tosephta Berakhot 2:20; Talmude de Jerusalém Berakhot 9a; Talmude Babilônico Berakhot 33a).
Sua reputação como curandeiro espiritual era tão alta que mesmo os líderes do farisaísmo do século I d.c teriam solicitado sua ajuda. Ele curou o filho de seu antigo mestre, Iohanã ben Zacai, fazendo seu pedido a deus em uma posição de oração mística com a cabeça apertada entre os joelhos, imitação do milagreiro profeta Elias. Em outra história, Gamaliel, provavelmente o Velho, enviou dois de seus discípulos de Jerusalém para a distante Galiléia a fim de pedir a intercessão de Hanina em benefício de seu filho doente. Hanina conseguiu a cura in absertia mesmo antes de ser ouvido o pedido de Gamaliel transmitido por seus enviados:
Acontece que, quando o filho de Gamaliel caiu doente, ele mandou dois pupilos a Hanina ben Dosa para que orasse pelo filho. Quando os viu, Hanina foi para o quarto de cima e orou. Ao descer, disse-lhes: “Partam, pois a febre o deixou.” Perguntaram ele: “Você é um profeta?” Ele respondeu: “Eu não sou profeta, nem sou filho de profeta, mas é assim que sou atendido. Se minha oração é fluente em minha boca, eu sei que o doente é atendido; se não, eu sei que sua doença é fatal.” Os pupilos de Gamaliel se sentaram e anotaram a hora. Quando voltaram, Gamaliel lhes disse: Pelos céus, vocês nem diminuíram nem aumentaram, foi assim mesmo que aconteceu. Foi nessa hora que a febre o deixou e ele nos pediu água pra beber” (Talmude Babilônico de Berakhot 34b, Talmude de Jerusalém Berakhot 9d).
Hanina também era conhecido como um homem que controlava demônios, incluindo a rainha dos espíritos maléficos, Ágrate, filha de Málate, e, como Honi e seus netos, Hanã e Abba Hilquiá, tinha a reputação de fazer chover. Seus contemporâneos acreditavam que ele tinha devolvido a fertilidade à natureza, e o honravam como alguém que tinha resgatado a humanidade. De acordo com a lenda rabínica, Hanina foi festejado como um “filho de Deus” com uma voz celestial proclamando diariamente:
“Todo o universo é mantido graças a meu filho Hanina”. (Talmude Babilônico Taanit 24b) A especulação religiosa foi ainda mais longe, afirmando que o mundo, e mesmo o mundo futuro, tinha sido criado por causa de Hanina ben Dosa (Talmude Babilônico Berakhot 61b), e que por causa de seus méritos o favor de Deus tinha sido concedido a todos os seus contemporâneos (Talmude Babilônico Hagigah 14a).Homem que vivia na mais completa miséria, Hanina era mais um milagreiro que um professor, e quando morreu os “homens de [maravilhosas] obras” desapareceram, de acordo com a mixná (Mishnah Sotah 9:15). Apenas alguns poucos de seus ditos sobreviveram. Ele exaltava o medo do pecado e as realizações devotas mais que as palavras de sabedoria, e pregava a gentileza para com as pessoas, pois “qualquer homem com quem os homens estão satisfeitos, Deus está satisfeito com ele” (Mishnah Abot 3:9-12).
Muitas das características de Hanina ben Dosa lembram as de Jesus, embora em menor escala. Especialmente a cura do filho de gamaliel faz recordar a cura à distância do servo do centurião Cafarnaum. A superioridade de Hanina em relação aos demônios é comparável ao retrato de Jesus como exorcista. Sua história com a serpente faz recordar um dos ditos de Jesus! “Dei-lhes o poder de pisar serpentes (...) e nada poderá lhes causar dano” (Lc 10,19). Mais interessante ainda, a voz celestial chamando Jesus, Hanina e outros, como o rabino Meir, de “meu filho”, dá uma excelente visão da utilização metafórica original do conceito de “filho de Deus” no pensamento religioso judaico-palestino.
Pelo lado negativo, representantes do judaísmo convencional tentaram procurar defeitos no comportamento heterodoxo de um carismático. Hanina foi criticado por negligenciar suas obrigações rituais, por se comportar inconvenientemente para um homem de Deus, como andar só pela rua à noite. Seu anúncio de uma cura à distância provocou a pergunta sarcástica: “Você é profeta?” E o efeito milagroso de sua oração foi atribuído aos méritos de Abraão, Issac e Jacó.No todo, o relato de Hanina ben Dosa lança uma luz valiosa sobre o retrato de Jesus nos Evangelhos e sobre as linhas de desenvolvimento teológico inicial do judeu-cristianismo palestino.
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