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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Muçulmanos: Allah, Trindade, e Cristianismo e Judaísmo

Alguns dos maiores equívocos que muitos não-muçulmanos cometem sobre o Islã têm a ver com a palavra “Allah.” Por várias razões, muitas pessoas passaram a acreditar que os muçulmanos adoram um Deus diferente dos cristãos e judeus. Isso é totalmente falso, uma vez que “Allah” é simplesmente a palavra árabe para “Deus” – e só existe Um Deus. Para que não haja dúvidas, os muçulmanos adoram o Deus de Noé, Abraão, Moisés, Davi e Jesus – que a paz esteja sobre todos eles. Entretanto, é certamente verdade que os judeus, cristãos e muçulmanos têm conceitos diferentes de Deus Todo-Poderoso. Por exemplo, os muçulmanos – como os judeus - rejeitam as crenças cristãs da Trindade e da Encarnação Divina. Isso, entretanto, não significa que cada uma dessas três religiões adore um Deus diferente - porque, como já dissemos, existe apenas Um Verdadeiro Deus. O Judaísmo, o Cristianismo e o Islã reivindicam ser “Fés Abrâmicas”, e todas elas são classificadas como “monoteístas.” Entretanto, o Islã ensina que outras religiões têm, de um jeito ou de outro, distorcido e anulado uma crença pura e correta em Deus Todo-Poderoso ao negligenciar Seus ensinamentos verdadeiros e misturá-los com idéias feitas pelo homem.

Primeiro, é importante notar que “Allah” é a mesma palavra que os cristãos e judeus que falam árabe usam para Deus. Se você pegar uma Bíblia árabe, você verá a palavra “Allah” sendo usada onde “Deus” é usado em português. Isso é porque “Allah” é a palavra em língua árabe equivalente a palavra em português “Deus” com “D” maiúsculo. Adicionalmente, a palavra “Allah” não pode ter plural, um fato que anda de mãos dadas com o conceito islâmico de Deus.

É interessante notar que a palavra aramaica “El”, que é a palavra para Deus na língua que Jesus falava, é certamente mais semelhante em som à palavra “Allah” do que a palavra em português “Deus.” Isso também é verdadeiro para as várias palavras hebraicas para Deus, que são “El” e “Elah”, e a forma plural ou glorificada “Elohim.” A razão para essas similaridades é que o aramaico, o hebraico e o árabe são todas línguas semitas com origens comuns. Também deve ser notado que ao traduzir a Bíblia para outros idiomas, o palavra hebraica “El” é traduzida de várias formas como “Deus”, “deus” e “anjo”! Essa linguagem imprecisa permite que tradutores diferentes, baseados em suas noções pré-concebidas, traduzam a palavra para adequá-la às suas próprias opiniões. A palavra árabe “Allah” não apresenta essa dificuldade ou ambigüidade, uma vez que é usada somente para Deus Todo-Poderoso. Adicionalmente, em português, a única diferença entre “deus”, significando um deus falso, e “Deus”, significando o Único Verdadeiro Deus, é o “D” maiúsculo. Devido aos fatos mencionados acima, uma tradução mais precisa da palavra “Allah” em português seria “O Único Deus” ou “O Único Verdadeiro Deus.”

O que é mais importante, deve também ser notado que a palavra árabe “Allah” contém uma mensagem religiosa profunda devido à raiz de seu significado e origem. É porque ela deriva do verbo árabe ta’allaha (ou alaha), que significa “ser adorado.” Portanto, em árabe, a palavra “Allah” significa “O Único merecedor de toda adoração.” Isso, em poucas palavras, é a mensagem de Monoteísmo Puro do Islã.

É suficiente dizer que apenas porque alguém clama ser um judeu, cristão ou muçulmano “monoteísta” não o impede de incorrer em crenças corruptas ou práticas idólatras. Muitas pessoas, incluindo alguns muçulmanos, reivindicam crença em “Um Deus” mesmo incorrendo em atos de idolatria. Certamente, muitos protestantes acusam os católicos romanos de práticas idólatras em relação aos santos e à Virgem Maria. Da mesma forma, a Igreja Ortodoxa Grega é considerada “idólatra” por muitos outros cristãos porque em muitas das suas adorações eles usam ícones. Entretanto, se você perguntar a um católico romano ou a um grego ortodoxo se Deus é “Um”, eles invariavelmente responderão: “Sim!.” Essa afirmação, entretanto, não os impede de serem idólatras “adoradores de criaturas”. O mesmo serve para os hindus, que apenas consideram seus deuses como “manifestações” ou “encarnações” do Único Deus Supremo.

Antes de concluir...existem algumas pessoas, que obviamente não estão do lado da verdade, que querem que as pessoas acreditem que “Allah” é algum “deus” árabe, e que o Islã é completamente “outro” – significando que não tem raízes comuns com outras religiões abrâmicas (ou seja, Cristianismo e Judaísmo). Dizer que os muçulmanos adoram um “Deus” diferente porque eles dizem “Allah” é tão ilógico quanto dizer que os franceses adoram outro Deus porque eles usam a palavra “Dieu”, que os que falam espanhol adoram um Deus diferente porque dizem “Dios” ou que os hebreus adoravam um Deus diferente porque às vezes O chamavam “Javé.” Certamente, esse tipo de raciocínio é muito ridículo! Também deve ser mencionado que reivindicar que qualquer idioma usa a única palavra correta para Deus é equivalente a negar a universalidade da mensagem de Deus para a humanidade, que foi para todas as nações, tribos e povos através de vários profetas que falavam línguas diferentes.

A razão é que a Verdade Suprema do Islã se baseia em solo firme e sua crença inabalável na Unicidade de Deus está acima de repreensão. Por essa razão os cristãos não podem criticar suas doutrinas diretamente, e ao invés disso fabricam coisas sobre o Islã que não são verdadeiras para que as pessoas percam o desejo de aprender mais. Se o Islã fosse apresentado da maneira correta para o mundo, certamente poderia fazer muitas pessoas reconsiderarem e reavaliarem suas próprias crenças. É muito provável que quando descobrirem que existe uma religião universal no mundo que ensina às pessoas a adorarem e amarem Deus, enquanto praticam o Monoteísmo Puro, sintam que devam ao menos reexaminar as bases de suas próprias crenças e doutrinas.

É um fato conhecido que todo idioma tem um ou mais termos que são usados para se referir a Deus e às vezes a divindades menores ao mesmo tempo. Esse não é o caso com Deus. Deus é o nome pessoal do Deus Único. Ninguém mais pode ser chamado Deus. O termo não tem plural ou gênero. Isso mostra a sua singularidade quando comparado com a palavra "deus," que pode ser usada no plural, como em "deuses", ou no feminino, como em "deusas." É interessante notar que Allah é o nome pessoal de Deus em aramaico, a língua de Jesus e uma língua irmã do árabe.

O Deus Único é uma reflexão do conceito singular que o Islã associa a Deus. Para um muçulmano, Deus é o Criador Todo-Poderoso e Sustentador do universo, Que não é semelhante a nada e nada é comparável a Ele. O Profeta Muhammad foi perguntado por seus contemporâneos sobre Deus; a resposta veio diretamente do próprio Deus na forma de um capítulo curto do Alcorão, que é considerado a essência da unicidade ou lema do monoteísmo. Esse é o capítulo 112, que diz:

“Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso.”

“Dize [Ó Muhammad], Ele é Deus, o Único Deus, o Refúgio Eterno, que não gerou e não foi gerado, e não há ninguém igual a Ele.”

Alguns não-muçulmanos alegam que Deus no Islã é um Deus severo e cruel que exige ser obedecido completamente e, conseqüentemente, não é amoroso ou gentil. Nada poderia ser mais distante da verdade do que essa alegação. É suficiente saber que, com a exceção de um, cada um dos 114 capítulos do Alcorão começa com o versículo, “Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso.” Em um dos ditos do Profeta Muhammad, que Deus o exalte, nos é dito que:

“Deus é mais amoroso e gentil do que uma mãe para com o seu filho.”

Por outro lado, Deus também é Justo. Portanto, os malfeitores e pecadores devem ter sua parcela de punição, e os virtuosos devem ter a generosidade e favores de Deus. Na verdade, o atributo da Misericórdia de Deus tem manifestação plena em Seu atributo de Justiça. Pessoas que sofrem ao longo de todas as suas vidas em Seu nome não devem receber de seu Senhor o mesmo tratamento que as pessoas que oprimem e exploram outras as suas vidas inteiras. Esperar tratamento semelhante para elas seria equivalente a negar a crença na prestação de contas do homem na Vida Futura e, portanto, negar todos os incentivos para uma vida moral e virtuosa nesse mundo. Os versículos corânicos seguintes são muito claros e diretos a esse respeito.

“Verdadeiramente, para os Virtuosos haverá os jardins de Deleites, na Presença de seu Senhor. Então Nós devemos tratar as pessoas de Fé como as pessoas do Pecado? Que há convosco? Como julgais?” (Alcorão 68:34-36)

O Islã rejeita caracterizar Deus em qualquer forma humana ou descrevê-Lo como favorecendo certos indivíduos ou nações com base em fortuna, poder ou raça. Ele criou os seres humanos como iguais. Eles podem se distingüir e obter Seu favor somente através de virtude e devoção.

Os conceitos, como o de Deus descansar no sétimo dia da criação, Deus lutar com um de Seus soldados, Deus ser um conspirador invejoso contra a humanidade, ou Deus encarnar em qualquer ser humano, são considerados blasfêmia do ponto de vista islâmico.

O uso singular de Deus como um nome pessoal de Deus é uma reflexão da ênfase do Islã na pureza da crença em Deus, que é a essência da mensagem de todos os mensageiros de Deus. Por causa disso, o Islã considera a associação de qualquer deidade ou personalidade com Deus como um pecado mortal que Deus nunca perdoará, apesar do fato de que Ele pode perdoar todos os outros pecados.

O Criador deve ser de uma natureza diferente das coisas criadas porque, se Ele é da mesma natureza que elas, Ele será temporal e, portanto, precisará de um criador. Disso se segue que nada é como Ele. Além disso, se o Criador não é temporal, então Ele deve ser eterno. Se Ele é eterno, entretanto, Ele não pode ser causado, e se nada O trouxe à existência, nada fora Dele faz com que Ele continue a existir, o que significa que Ele é auto-suficiente. E se Ele não depende de nada para a continuação de Sua própria existência, então essa existência não pode ter fim e, portanto, o Criador é eterno e perene. Sendo assim, nós sabemos que Ele é Auto-suficiente ou Auto-subsistente e Eterno ou, para usar um termo corânico, Al-Qayyum: “Ele é o Primeiro e o Último.”

O Criador não cria apenas no sentido de trazer coisas à existência, Ele também as preserva e as tira da existência e é a causa suprema do que quer que lhes aconteça.

“Deus é o Criador de tudo. Ele é o guardião de tudo. A Ele pertencem as chaves dos céus e da terra." (Alcorão 39:62-63)

E Deus diz:

“Nenhuma criatura caminha sobre a terra sem que a sua provisão venha de Deus. Ele conhece a sua morada e seu repositório.” (Alcorão 11:16)

Atributos de Deus

Se o Criador é Eterno e Perene, então Seus atributos também devem ser eternos e perenes. Se for assim, então Seus atributos são absolutos. Pode haver mais de um Criador com tais atributos absolutos? Pode haver, por exemplo, dois Criadores absolutamente poderosos? Uma rápida reflexão mostra que isso não é viável.

O Alcorão resume esse argumento nos seguintes versículos:

“Deus não tomou para Si nenhum filho, nem existe com Ele qualquer deus: porque cada deus teria tomado o que criara e alguns deles teriam sido arrogantes em relação aos outros.” (Alcorão 23:91)

Também,

“E porque, se existissem deuses na terra e no céu além de Deus, eles [céu e terra] certamente se arruinariam.” (Alcorão 21:22)

A Unicidade de Deus

O Alcorão nos relembra da falsidade de todos os alegados deuses. Aos adoradores de objetos feitos pelo homem ele pergunta:

“Adorais o que esculpis?” (Alcorão 37:95)

Também,

“Ou tomais, além Dele, protetores que não trazem, para si mesmos, benefício nem prejuízo?” (Alcorão 13:16)

Aos adoradores de corpos celestiais ele cita a estória de Abraão:

“Quando a noite o envolveu, ele viu uma estrela e disse, ‘Esse é o meu Senhor.’ Mas quando ele se pôs, ele disse, ‘Eu não amo os que se põem.’ Quando ele viu a lua surgindo, ele disse, ‘Esse é meu Senhor.’ Mas quando ela se pôs, ele disse, ‘Se meu Senhor não me orienta, em verdade, estarei entre o povo desencaminhado.’ Quando ele viu o sol surgindo, ele disse, ‘Esse é meu Senhor; esse é maior.’ Mas quando ele se pôs, ele disse, ‘Ó meu povo, certamente eu rompi com o que idolatrais, eu volto a minha face Àquele que originou os céus e a terra; um homem de pura fé, eu não sou um dos idólatras.'" (Alcorão 6:76-79)

A Atitude do Crente

De modo a ser um muçulmano, isto é, se submeter a Deus, é necessário acreditar na unicidade de Deus, no sentido de Ele ser o único Criador, Preservador, Provedor, etc. Mas essa crença não é suficiente. Muitos dos idólatras sabiam e acreditavam que somente o Deus Supremo podia fazer tudo isso. Mas isso não era suficiente para torná-los muçulmanos. Além dessa crença, deve-se reconhecer o fato de que apenas Deus merece ser adorado e, portanto, abster-se da adoração de qualquer outra coisa ou ser.

Ao ter alcançado esse conhecimento do único verdadeiro Deus, o homem deve constantemente ter fé Nele, e não deve permitir que nada o induza a negar a verdade.

Isso significa que se alguém se submete conscientemente a Deus sem reservas, e admite que Ele é o único merecedor de sua adoração, esse alguém conseqüentemente deve adorá-Lo. Isto é, saber que devemos a Ele obediência significa colocar em prática o que nós reconhecemos em nossos corações. Deus pergunta, retoricamente:

“E supusestes que vos criamos sem propósito, e que não seríeis retornados a Nós?” (Alcorão 23:115)

Ele também afirma categoricamente:

“Eu não criei a Humanidade e os Jinns exceto para Me adorarem.” (Alcorão 51:56)

Portanto, quando a fé entra no coração de uma pessoa, ela provoca certos estados mentais que resultam em certas ações. Reunidos, esses estados mentais e ações são a prova de uma fé verdadeira. O Profeta, que Deus o exalte, disse:

“Fé é o que reside firmemente no coração e que é provado pelos atos.”

O mais importante desses estados mentais é o sentimento de gratidão a Deus, que se pode dizer que é a essência da adoração.

O sentimento de gratidão é tão importante que um não-crente é chamado de ‘kafir’, que significa ‘aquele que nega a verdade’ e também ‘aquele que é ingrato.’

Um crente ama, e é grato a Deus pelas graças que recebeu, mas por estar ciente do fato de que seus bons atos, sejam mentais ou físicos, estão longe de se equiparar aos favores Divinos, ele está sempre ansioso pela possibilidade de Deus o punir, aqui ou na Vida Futura. Ele portanto O teme, se submete a Ele e O serve com grande humildade. Não se pode estar em tal estado mental sem estar consciente de Deus praticamente o tempo todo. Relembrar Deus é, portanto, a força vital da fé, sem a qual ela perde o vigor e se esvai.

O Alcorão tenta promover esse sentimento de gratidão pela repetição dos atributos de Deus com muita freqüência. Nós encontramos a maioria desses atributos reunidos nos seguintes versículos do Alcorão:

“Ele é Deus; não existe deus exceto Ele. Ele é o Conhecedor do oculto e do visível; Ele é o Clemente, o Misericordioso. Ele é Deus; não existe deus exceto Ele. Ele é o Rei, O Puro, A Paz, O Confortador, O Preservador, o Todo-Poderoso, o Transcendente, o Sublime. Glorificado seja Deus, acima do que idolatram! Ele é Deus, o Criador, o Iniciador da Criação, o Configurador. A Ele pertencem os Mais Belos Nomes. Tudo que está nos céus e na terra O glorifica; Ele é O Todo-Poderoso, O Sábio.” (Alcorão 59:22-24)

Também,

“Não existe deus exceto Ele, o Vivente, o Eterno. Não O tomam nem sonolência nem sono. A Ele pertence tudo que está nos céus e na terra. Quem intercederá junto a Ele exceto com Sua permissão? Ele sabe o que o seu passado e o seu futuro, e não compreendem nada do Seu conhecimento exceto o que Ele quer. Seu Trono se estende sobre os céus e a terra. Preservá-los não O fadiga; Ele é o Altíssimo, o Glorioso.” (Alcorão 2:255)

Também,

“Povo do Livro, não vos excedais nos limites de vossa religião, e não digais acerca de Deus exceto a verdade. O Messias, Jesus, filho de Maria, era apenas o Mensageiro de Deus, e Seu Verbo que Ele colocou sobre Maria, e um Espírito vindo Dele. Então acredite em Deus e Seus Mensageiros, e não digam “Três”. Abstende-vos; é melhor para vós. Deus é um único Deus. Glorificado seja Ele – [Ele está] acima de ter um filho.” (Alcorão 4:171)

Portanto, nós temos três etapas em nosso reconhecimento de Deus como o Único Verdadeiro Deus. Nós devemos acreditar que Ele é o Criador, Controlador e Juiz supremo do universo e de tudo que ele contém; nós devemos nos abster de adorar qualquer coisa exceto Ele, e então direcionar a nossa adoração a Ele, de fato; e devemos saber que apenas Ele tem todos os atributos e nomes divinos, e não podemos aplicá-los a qualquer outro ser, não importa quem eles sejam. Alguém simplesmente reconhecer verbalmente essas condições, mesmo que se abstenha de aplicá-las a outros deuses, não é suficiente. Elas devem ser sinceramente direcionadas Àquele que as merece.




sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Do Modalismo à Trindade

Neste artigo, tento estudar a evolução do dogma da Santíssima Trindade ao longo da História. Pois bem. Poderia estar perguntando o leitor: "os dogmas da Igreja evoluíram?", ao que posso responder que, ainda que não tenham evoluído quanto ao seu conteúdo (a verdade é a mesma ontem, hoje e amanhã), evoluíram quanto à consciência que deles foi adquirindo a Igreja.

Com efeito, o tempo permitiu que a terminologia deste dogma central da fé cristã fosse se enriquecendo, para expressar de uma forma mais precisa aquilo que a Igreja sempre professou. Surge, assim, o termo "Trindade" como uma forma de definir o mistério de que existe um só Deus em três Pessoas distintas, as quais possuem a mesma natureza ou substância.

Porém, este enriquecimento não ocorreu sem custo nem glória; muitas heresias tiveram que ser combatidas e superadas pela Igreja ao longo da História (e muitas dessas heresias ressurgiram novamente nos tempos atuais).

1. HERESIAS CRISTOLÓGICAS E TRINITÁRIAS

Existem numerosas heresias cristológicas e trinitárias, de modo que tratar de todas seria deveras longo. Logo, nos focaremos principalmente nas duas maiores e que ressurgiram hoje sob outros nomes e fachadas.

a) Modalismo
Também conhecida como Monarquianismo, Sabelianismo ou Patripassianismo. Sustentava, nos séculos II e III, que em Deus havia uma só Pessoa e que o Pai, o Filho e o Espírito Santo eram formas de se comunicarem com os homens ou de se manifestarem. Era uma tentativa de afirmar a unidade de Deus sem negar a divindade de Cristo nem a do Espírito Santo.

Hoje em dia há uma grande quantidade de denominações protestantes que aderiram a essa heresia. Um exemplo temos na Igreja Pentecostal Unida, a qual professa:

"A doutrina sobre a natureza de Deus se chama 'Unicidade'. Esta palavra significa 'Qualidade do Único'. Esta se encontra claramente nas Escrituras e afirma que existe apenas um só Deus, sem distinção de Pessoas e que em Jesus Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Doutrina da Igreja Pentecostal Unida da Espanha).

b) Arianismo
Uma grande heresia que a Igreja enfrentou e que abalou a Igreja durante o século IV. Da mesma forma que o Modalismo, queria defender a unicidade de Deus, porém o fazia reduzindo Jesus Cristo a um ser criado. Para os arianos, Cristo não era Deus, mas uma criatura subordinada criada por Ele, de modo que houve um tempo em que o Pai existiu e Cristo não. Para eles, Cristo também não tinha a mesma natureza ou substância do Pai. Entre os diferentes expoentes do Arianismo ressurgido hoje, podemos citar os Testemunhas de Jeová; para ilustrar um pouco a sua doutrina, mencionaremos um extrato de uma de suas publicações:

"Somente Deus é o Todo-Poderoso, o Criador, separado e distinto de qualquer outra pessoa. Jesus - e isto se aplica ainda à existência que teve antes de vir a ser homem - é também separado e distinto, um ser criado subordinado a Deus" (Folheto "O que Diz a Bíblia sobre Deus e Jesus?").

2. O TESTEMUNHO DOS ESCRITORES ECLESIÁSTICOS E PADRES DA IGREJA ANTES DO CONCÍLIO DE NICÉIA

Existem fontes protestantes que afirmam que foi graças ao Concílio de Nicéia que foram assentadas as bases para a doutrina da Trindade:

"O Concílio de Nicéia assegurou que Cristo era da mesma substância de Deus, abrindo base para uma posterior teologia trinitária. Porém, não estabeleceu a Trindade, pois naquele Concílio não se disse que o espírito santo era a terceira pessoa de uma Divindade trina e una (...) Por muitos anos houve muita oposição, com base bíblica, ao desenvolvimento da idéia de que Jesus era Deus. Em um esforço para resolver a disputa, o imperador romano Constantino convocou todos os bispos para Nicéia (...) Que papel desempenhou no Concílio de Nicéia aquele imperador não-batizado? A Enciclopédia Britânica relata: 'O próprio Constantino presidiu e dirigiu ativamente as discussões e pessoalmente propôs (...) a fórmula decisiva que expressava a relação de Cristo com Deus no credo que o Concílio publicou, o qual diz que é 'consubstancial com o Pai'. (...) Pressionados pelo imperador, os bispos - com apenas duas exceções - assinaram o credo, ainda que muitos deles não estivessem inclinados a fazê-lo'" (Folheto "Como se Desenvolveu a Doutrina da Trindade?").

Nesse folheto, em resumo, aponta-se que - segundo os Testemunhas de Jeová - a doutrina trinitária seria produto de uma manobra política do imperador Constantino, que acabou obrigando os bispos a reconhecer que Cristo era Deus, quase que contra as suas vontades.

Nada melhor, então, que estudar o testemunho dos Padres anteriores ao Concílio de Nicéia, para que possamos indagar o quanto há de verdadeiro nessas afirmações e qual foi o real desenvolvimento da doutrina trinitária ao longo da História.

A DIDAQUÉ (OU: A DOUTRINA DOS DOZE APÓSTOLOS)

É considerado um dos mais antigos escritos cristãos não-canônicos, datado inclusive de tempo bem anterior a muitos escritos do Novo Testamento. Estudos que assinalam uma data de composição não posterior a 160 d.C. são recentes. É um excelente testemunho do pensamento da Igreja Primitiva e aqui o mencionamos por trazer um testemunho do uso da fórmula batismal trinitária usada pela Igreja Primitiva:

"Quanto ao batismo, procedam assim: depois de ditas todas essas coisas, batizem em água corrente, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Didaqué 7,1).

O MARTÍRIO DE POLICARPO

É uma carta da Igreja de Esmirna à comunidade de Filomênio em que se narra o martírio de São Policarpo, discípulo direto do Apóstolo São João e bispo de Esmirna. É um escrito apostólico que faz uso de belas doxologias trinitárias, expressando muito bem e claramente o dogma trinitário:

"A Ele [Jesus Cristo] seja dada a glória com o Pai e o Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amém".

O PASTOR DE HERMAS

Classificado como um dos escritos dos Padres Apostólicos ainda que - como assinala Quasten - pertença ao grupo dos Apocalipses apócrifos. Contém as revelações feitas por duas figuras celestiais a Hermas:

"O Espírito Santo, que é preexistente, que criou todas as coisas, Deus o fez habitar no corpo de carne que Ele quis. Pois bem. Esta carne em que o Espírito Santo habitou serviu bem ao Espírito, caminhando em santidade e pureza, sem macular absolutamente nada o mesmo Espírito. Como [essa carne] tinha, pois, levado uma conduta excelente e pura, e tomado parte em todo trabalho do Espírito e cooperado com Ele em todo negócio, portando-se sempre forte e valorosamente, Deus a tornou partícipe juntamente com o Espírito Santo. Com efeito, a conduta desta carne agradou a Deus, por não ter se maculado sobre a terra enquanto teve consigo o Espírito Santo. Assim, pois, tomou por conselheiro a seu Filho e os anjos gloriosos para que esta carne, que tinha servido sem reprovação ao Espírito, alcançasse também algum lugar de repouso e não parecesse ter perdido a recompensa pelo seu serviço, porque toda a carne em que habitou o Espírito Santo, se encontrada pura e sem mancha, receberá sua recompensa" (5ª Parábola, 6,5-7).

Com base neste texto, Quasten explica:

"Segundo esta passagem, parece que para Hermas a Trindade consiste em Deus Pai, em uma segunda Pessoa divina - o Espírito Santo - que ele identifica com o Filho de Deus e, finalmente, no Salvador, elevado para fazer parte de sua sociedade como prêmio por seus merecimentos. Em outras palavras, Hermas considera o Salvador como Filho adotivo de Deus, razão pela qual se refere à sua natureza humana".

SANTO INÁCIO DE ANTIOQUIA (110 D.C.)

Foi consagrado bispo da Antioquia pelas próprias mãos de São Pedro e São Paulo, segundo afirma São João Crisóstomo (embora as Constituições Apostólicas afirmem que Pedro consagrou Evódio e Paulo a Inácio). Eusébio de Cesaréia afirma (Hist. Ecles. 3,22) que [Inácio] sucedeu a Evódio (primeiro bispo de Antioquia) e em sua "Crônica" aponta o tempo de seu episcopado entre o 1º ano de Vespasiano (70 d.C.) e o 10º de Trajano (107 d.C.).

"Inácio, por sobrenome Téoforo [=portador de Deus], à abençoada em grandeza de Deus com plenitude; à predestinada desde antes dos séculos para servir para sempre, para glória duradoura e imutável, glória unida e eleita pela graça da verdadeira Paixão e por vontade de Deus Pai e de Jesus Cristo, nosso Deus; à Igreja digna de toda bem-aventurança, que está em Éfeso, na Ásia, minha cordialíssima saudação em Jesus Cristo e na alegria imaculada" (Epístola aos Efésios 1).

"Existe um médico, no entanto, que é carnal além de espiritual, gerado e não gerado, Deus feito carne, filho de Maria e Filho de Deus, primeiro passível e depois impassível: Jesus Cristo, nosso Senhor" (Epístola aos Efésios 7,2).

"A verdade é que nosso Deus Jesus, o Ungido, foi levado por Maria em seu seio conforme a dispensação de Deus, certamente da descendência de Davi, mas por obra do Espírito Santo. Ele nasceu e foi batizado a fim de purificar a água com a sua Paixão" (Epístola aos Efésios 18,2).

"Inácio, por sobrenome Téoforo [=portador de Deus], à Igreja que alcançou misericórdia na magnificência do Pai Altíssimo e de Jesus Cristo, seu único Filho; à que é amada e é iluminada por vontade Daquele que quis que todas as coisas existissem, segundo a fé e a caridade de Jesus Cristo, nosso Deus" (Epístola aos Romanos 1).

"Permitam que eu seja imitador da Paixão do meu Deus" (Epístola aos Romanos 4,3).

"Eu glorifico a Jesus Cristo, Deus, que é quem os tem feito sábios até tal ponto, pois percebi muito bem de quão mergulhados estais da fé imutável, como se estivésseis pregados, em carne e espírito, na cruz de Jesus Cristo" (Epístola aos Esmirniotas 1,1).

Para Santo Inácio, Cristo está acima do tempo e é intemporal, o que é uma forma de dizer que existe desde toda a eternidade:

"Aguardai Aquele que está acima do tempo, o Intemporal; o Invisível, que por nós se tornou visível; o Impalpável, o Impassível, que por nós se fez passível; aquele que, por todos os modos, sofreu por nós" (Carta a Policarpo 3,2).

ARISTIDES (SÉC. II)

Escritor eclesiástico sobre o qual Eusébio da Cesaréia, em sua História Eclesiástica (4,3,3), afirma que era "um varão fiel na profissão da nossa religião". Deixou uma apologia da fé, a qual tinha sido perdido, até que em 1878 os Mequitaristas de São Lázaro de Veneza publicaram um manuscrito do século X, correspondente ao fragmento armênio de uma apologia intitulada "Ao imperador Adriano César da parte do filósofo ateniense Aristides". Posteriormente, em 1889, o sábio norte-americano Rendel Harris descobriu uma tradução completa em siríaco desta apologia. Nesta obra, Aristides emprega a fórmula trinitária, mencionando as três Pessoas divinas:

"Este teve doze discípulos, os quais, após sua ascensão aos céus, percorreram as províncias do Império e ensinaram a grandeza de Cristo, de modo que um deles percorreu aqui mesmo, pregando a doutrina da verdade, pois conhecem o Deus criador e artífice do universo em seu Filho Unigênito e no Espírito Santo, não adorando nenhum outro Deus além deste" (Apologia 15,2).

ATENÁGORAS DE ATENAS (SÉC. II)

Famoso apologeta cristão do século II. Atenágoras, mesmo sem empregar o termo "Trindade" é bastante explícito ao definí-la. Também rejeita o Subordinacionismo e a tendência que posteriormente seria adotado pelo Arianismo ao considerar Cristo como um ser criado, como se deduz do seguinte texto escrito por volta do ano 177 d.C.:

"E se pela eminência da vossa inteligência vos ocorre perguntar o que quer dizer 'Filho', vos direi brevemente: o Filho é o primeiro broto do Pai, não como ato, já que Deus, que é inteligência eterna, desde o princípio tinha em si mesmo o Verbo, sendo eternamente racional, mas procedendo de Deus quando todas as coisas materiais eram natureza sem forma e terra inerte, estando misturadas as mais grosseiras com as mais leves, para ser sobre elas idéia e operação" (Súplica em Favor dos Cristãos 10).

Eis aqui a sua forma de explicar a Trindade:

"Assim, pois, suficientemente resta demonstrado que não somos ateus, pois admitimos um só Deus incriado e eterno, e invisível, impassível, incompreensível e imenso, apenas pela inteligência compreensível à razão... Quem, portanto, não se surpreenderá de ouvir chamar de 'ateus' aqueles que admitem um Deus Pai, um Deus Filho e um Espírito Santo, que demonstram seu poder na unidade e sua distinção na ordem?" (Súplica em Favor dos Cristãos 10).

TACIANO, O SÍRIO (SÉC. II)

Taciano foi discípulo de São Justino Mártir; dele conservamos um discurso contra os gregos, em que ataca o Politeísmo. Possuía uma caráter forte, que o levou a abandonar a Igreja e fundar sua própria seita (os Encratitas) - testemunho que nos dá Eusébio de Cesaréia (História Eclesiástica 4,18-19); entre outros - tal como Jerônimo, que o chama de "Patriarca dos Encratitas" (Epist. Ad Titum, prol. [PL 6,356]) - praticavam uma total abstinência de carnes e bebidas alcóolicas, classificavam o matrimônio como pecaminoso e substituíam, na celebração eucarística, o vinho pela água. Chegou até nós o discurso contra os gregos, obra em que [Taciano] ataca o Politeísmo:

"Porque não estamos loucos - ó helenos - nem pregamos loucuras quando anunciamos que Deus apareceu na forma humana. Vós que nos insultais, comparai os vossos mitos com as nossas narrações" (Discurso contra os Gregos 21).

SÃO MELITÃO DE SARDES (SÉC. II)

Bispo de Sardes, na Lídia, proeminente e venerado escritor eclesiástico do século II. Em uma carta ao Papa Vítor (189-199), Polícrates de Éfeso o aponta entre os "grandes luzeiros (ou estrelas)" da Ásia que gozam do descanso eterno. De muitas de suas obras só nos restam fragmentos ou apenas o título, graças a Eusébio de Cesaréia e Anastácio Sinaíta. Após uma descoberta recente, em 1930, foi publicada sua Homilia sobre a Paixão, onde Melitão expõe uma Cristologia bastante lúcida em que o conceito da divindade e preexistência de Cristo dominam toda a sua teologia:

"Porque nascido como Filho, conduzido como cordeiro, sacrificado como ovelha, sepultado como homem, ressuscitou dos mortos como Deus, sendo por natureza Deus e homem. Ele é tudo: quando julga, é Lei; quando ensina, é Verbo; quando salva, é Graça; quando gera, é Pai; quando é gerado, é Filho; quando sofre, é ovelha sacrificial; quando é sepultado, é homem; quando ressucita, é Deus. Este é Jesus Cristo, a quem seja dada a glória pelos séculos dos séculos" (Homilia sobre a Paixão 8-10).

Afirma também a preexistência de Cristo:

"Este é o primogênito de Deus, que foi gerado antes da estrela da manhã, que fez levantar a luz, que fez brilhar o dia, que separou as trevas, que assentou a primeira base, que suspendeu a terra em seu lugar, que secou os abismos, que estendeu o firmamento, que pôs ordem no mundo" (Homilia sobre a Paixão 82).

Nos fragmentos citados por Anastácio Sinaíta, aponta as duas naturezas de Cristo e de como é, assim, verdadeiro Deus e verdadeiro homem:

"Não é absolutamente necessário, ao tratar com pessoas inteligentes, aduzir que as ações de Cristo, após seu batismo, são provas de que sua alma e corpo e sua natureza humana era iguais às nossas, verdadeiras e não fantasmagóricas. As atividades de Cristo após seu batismo, especialmente os seus milagres, forneceram provas ao mundo da divindade oculta em sua carne. Sendo Deus e também homem perfeito, ele deu indicações positivas de suas duas naturezas: de sua divindade, pelos milagres durante os três anos que seguiram após seu batismo; e de sua humanidade, nos trinta anos anteriores ao seu batismo, durante o qual, em razão da sua condição segundo a carne, ele ocultara as características de sua divindade, ainda que fosse verdadeiro Deus existente antes das idades" (Fragmentos de Melitão em Anastácio Sinaíta; Guia 13).

SANTO IRENEU (140-202 D.C.)

Bispo de Esmirna e mártir, teve contato com a Era Apostólica por ser discípulo de São Policarpo que, por sua vez, tinha sido discípulo do Apóstolo São João. Célebre por seu tratado "Contra as Heresias", em que combate as heresias de seu tempo, especialmente os gnósticos, expressa com clareza, nessa obra, a fé trinitária da Igreja em um só Deus Pai, um só Senhor Jesus Cristo e no Espírito Santo. Para o bispo, Jesus Cristo é para os cristãos "Senhor, Deus, Salvador e Rei". Particularmente importante é seu testemunho sobre como essa doutrina é pregada e professada por todas as Igrejas do orbe, como se tivessem uma só boca e um só coração. Este testemunho é bem anterior ao Concílio de Nicéia:

"A Igreja, estendida pelo orbe do universo até os confins da terra, recebeu dos Apóstolos e de seus discípulos a fé em um só Deus Pai soberano universal 'que fez os céus e a terra e o mar e tudo quanto neles existe'; e em um só Jesus Cristo Filho de Deus, que se encarnou para a nossa salvação; e no Espírito Santo, que pelos profetas proclamou as economias e o advento, a geração por meio da Virgem, a Paixão, a ressurreição dentre os mortos e a ascensão aos céus do amado Jesus Cristo nosso Senhor; e seu [novo] advento dos céus, na glória do Pai, para recapitular todas as coisas e para ressuscitar toda carne do gênero humano, de forma que diante de Jesus Cristo, nosso Senhor, Deus, Salvador e Rei, segundo o beneplácito do Pai invisível, 'todo joelho se dobre no céu, na terra e nos infernos, e toda língua o confesse'. Ele julgará todos justamente: os 'espíritos do mal', os anjos que caíram, os homens apóstatas, ímpios, injustos e blasfemos, para enviá-los para o fogo eterno; e para dar como prêmio, aos justos e santos que observam os seus mandamentos e perseveram no seu amor, alguns desde o princípio, outros a partir de sua conversão, a vida incorruptível, rodeando-os da luz eterna.

Como dissemos antes, a Igreja recebeu esta pregação e esta fé, e estendida por toda terra, com cuidado a guarda, como se habitasse em uma só família. Conserva uma só fé, como se tivesse uma só alma e um só coração, e a prega, ensina e transmite com a mesma voz, como se não tivesse senão apenas uma só boca. Certamente, são diversas as línguas, segundo as diversas regiões; porém, a força da Tradição é uma e a mesma. As igrejas da Germânia não crêem de maneira diversa, nem transmitem outra doutrina diferenta da que pregam as da Ibéria ou a dos celtas, ou as do Oriente, como as do Egito ou Líbia, assim como, tampouco, das igrejas constituídas no centro do mundo. Assim como o sol, que é uma criatura de Deus, é um e o mesmo em todo o mundo, assim também a luz, que é a pregação da verdade, brilha em todas as partes e ilumina todos os seres humanos que querem conhecer a verdade. E nem aquele que se sobressai por sua eloquência entre os chefes da Igreja prega coisas diferentes destas, pois nenhum discípulo está acima de seu Mestre, nem o mais débil na palavra recorta a Tradição; sendo uma e a mesma fé, nem o muito que pode explicar sobre ela aumenta, nem o menos a diminui" (Contra as Heresias 1,10,1-2).

Ireneu interpreta que quando Deus diz: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança", está falando ao Filho e ao Espírito Santo. Afirma que Cristo é gerado, porém ninguém conhece os mistérios desta geração, razão pela qual é em vão que os hereges gnósticos tentam explicá-la.

"Assim pois, se alguém nos pergunta: 'Como o Pai emitiu o Filho?', respondemos que esta produção, ou geração, ou pronúncia, ou parto, ou qualquer outro nome que se queira dar a esta origem, é inefável. Não a conhecem nem Valentim, nem Marcião, nem Saturnino, nem Basílides, nem os anjos, nem os poderes, nem as potestades, mas apenas o Pai que O gerou e o Filho que Dele nasceu. Sendo, pois, inefável esta geração, quem quer que se atreva a narrar as gerações e emanações não está em seu são juízo quando promete descrever o indescritível" (Contra as Heresias 2,28,6).

Mais claro ainda encontra-se no livro 3, quando volta a declarar que Cristo é Deus, Senhor, sempre Rei, Unigênito e Verbo encarnado:

"Que ninguém entre todos os filhos de Adão seja chamado Deus por si mesmo ou proclamado Senhor o demonstramos pelas Escrituras. E que apenas Ele [Jesus], entre todos os homens de seu tempo, seja proclamado Deus, Senhor, sempre Rei, Unigênito e Verbo encarnado, por todos os Profetas e Apóstolos e ainda pelo próprio Espírito, é algo que podem constatar todos aqueles que aceitam um mínimo de verdade" (Contra as Heresias 3,19,2).

Ensina que Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem:

"As Escrituras não dariam todos estes testemunhos a respeito Dele se fosse apenas um homem semelhante a todos [nós]. Porém, como teve uma geração sobretudo iluminada do Pai Altíssimo e também por ter sido concebido da Virgem, as divinas Escrituras testemunham ambas as coisas sobre Ele: que é homem sem beleza e passível, que se sentou sobre o dorso de uma asna, que ingeriu fel e vinagre, que foi desprezado pelo povo e que desceu até a morte; porém, que é também Senhor Santo e Conselheiro admirável, formoso à vista, Deus forte, que vem sobre as nuvens como Juiz de todos. Isto é o que as Escrituras profetizam acerca Dele.

Enquanto homem, o era para ser tentado; enquanto Verbo, para ser glorificado. O Verbo repousou para que pudesse ser tentado, desonrado, crucificado e morto, habitando naquele Homem que vence e suporta [o sofrimento], que se comporta como homem de bem, ressuscita e é elevado ao céu. Este é o Filho de Deus, Senhor nosso, Verbo existente do Pai e filho do homem porque nasceu da Virgem Maria, que teve sua origem nos homens, pois ela mesma era um ser humano; teve gestação enquanto homem e assim chegou a ser filho do homem" (Contra as Heresias 3,19,2-3).

Opõe-se, com mais de dois séculos de antecedência, à heresia do Arianismo (que afirmava que houve um tempo em que o Filho não esteve com o Pai). Também com antecedência, rejeita o Modalismo, diferenciando as três Pessoas divinas:

"Que o Verbo, ou seja, o Filho, sempre esteve com o Pai, de múltiplas maneiras já o demonstramos; e também que sua Sabedoria, ou seja, o Espírito, estava com Ele antes da Criação" (Contra as Heresias 4,20,3).

No entanto, há autores que opinam que Ireneu não estava totalmente livre do Subordinacionismo, e que poderia ser considerado heterodoxo à luz da teologia posterior:

"Se, por exemplo, alguém procura o motivo pelo qual apenas o Pai conhece o dia e a hora, ainda que comunique tudo ao Filho, o próprio Senhor o disse (e ninguém pode inventar outro [motivo] sem risco [de se equivocar] porque apenas o Senhor é o Mestre da verdade). Ele nos disse que o Pai está sobre todas as coisas, pois declarou: 'O Pai é maior do que Eu' (João 14,28). O Senhor, portanto, apresentou o Pai como superior a todos em relação ao seu conhecimento, a fim de que nós, enquanto caminhamos por este mundo (1Coríntios 7,31), deixemos a Deus o saber mais profundo sobre tais questões; porque se pretendemos investigar a profundidade do Pai (Romanos 11,33), corremos o perigo de perguntar, inclusive, se existe outro Deus acima de Deus" (Contra as Heresias 2,28,8).

"O Pai sustenta ao mesmo tempo toda a sua criação e o seu Verbo; e o Verbo, que o Pai sustenta, concede a todos o Espírito segundo a vontade do Pai: a uns, na própria Criação, lhes dá [o espírito] da criação, que é criado; a outros, o da adoção, isto é, o que provém do Pai, que é obra de sua geração. Assim se revela como único o Deus e Pai que está acima de tudo, através de todas [as coisas] e em todas as coisas. O Pai está sobre todos os seres e é a cabeça de Cristo (1Coríntios 11,3); através de todas as coisas, age o Verbo, que é Cabeça da Igreja; e em todas as coisas porque o Espírito está em nós, o qual é água viva (João 7,38-39) que Deus outorga àqueles que crêem retamente Nele e O amam, sabendo que 'um só é o Pai que está sobre todas, por todas e em todas as coisas'" (Contra as Heresias 5,18,2)

CLEMENTE DE ALEXANDRIA (MEADOS DO SÉC. II - ANTERIOR A 215)

Nasceu por volta do ano 150, provavelmente em Atenas, de pais pagãos. Após se tornar cristão, viajou pelo sul da Itália, Síria e Palestina à procura de mestres cristãos, até que chegou em Alexandria. Os ensinamentos de Panteno (chefe da escola catequética de Alexandria, no Egito) fizeram com que fixasse residência ali. No ano 202, a perseguição de Sétimo Severo o obrigou a abandonar o Egito e a se refugiar na Capadócia, onde faleceu pouco antes de 215. Seu conhecimento dos escritos pagãos e da literatura cristã é notável. Segundo Quasten, em suas obras se encontram cerca de 360 citações dos clássicos, 1500 do Antigo Testamento e 2000 do Novo Testamento. Por isso, é considerado cronologicamente como o primeiro sábio cristão conhecedor profundo não apenas da Sagrada Escritura como também das obras cristãs anteriores a ele e, inclusive, obras da literatura profana. Em sua obra "O Protréptico" ou "Exortação aos Gregos", escreve:

"A Palavra, então, o Cristo, é a causa de nosso antigo princípio - porque Ele estava com Deus - de nosso bem-estar. E agora esta mesma Palavra apareceu como homem. Apenas Ele é Deus e Homem, e fonte de todas as coisas boas. É por Ele que nos ensina a viver bem e, então, somos mandados para a vida eterna (...) Ele é o cântico novo, a manifestação que agora nos foi feita, da Palavra que existiu no princípio e antes do princípio. O Salvador, que existiu antes, apareceu apenas posteriormente. Ele, que apareceu, está Nele que é, pela Palavra que estava com Deus, a Palavra pela qual todas as coisas foram feitas; apareceu como nosso Mestre e Ele, que nos concedeu a vida no princípio quando, como nosso Criador, Ele nos formou; agora que Ele apareceu como nosso Mestre, nos ensinou a viver bem de modo que, logo, como Deus, poderá nos dar abundância na vida eterna" (Exortação aos Gregos 1,7,1).

Mais adiante, na mesma obra, continua aprofundando sua teologia do Logos, afirmando que a Palavra divina é "evidentemente verdadeiro Deus", acrescentando ainda que estava "no mesmo nível" do Pai, o que provaria que não tinha inclinações subordinacionistas:

"Desdenhado na sua aparência, porém, na verdade adorado, o Expiador, o Salvador (...), a Palavra divina, Ele que é absolutamente e evidentemente Deus verdadeiro, Ele que está no mesmo nível do Senhor do universo porque era seu Filho e a Palavra estava com Deus" (Exortação aos Gregos 10,110,1).

Em "O Pedagogo" (uma obra em 3 livros, que é a continuação do "Protréptico"), explica:

"Meus filhos: nosso Instrutor é como seu Deus, o Pai, pois é Filho Dele: livre de pecado, livre de culpa e com a alma livre de Paixão. Deus em forma de homem, inoxidável; o ministro de seu Pai, a Palavra que é Deus; que está no Pai, que é a mão direita do Pai; e, com a forma de Deus, é Deus. Ele é para nós uma imagem irrepreensível..." (O Pedagogo 1,2).
Em seu comentário sobre 1João, escreve:

"O Filho de Deus, sendo, por igualdade de substância, um com o Pai, é eterno e não-criado".

SÃO TEÓFILO DE ANTIOQUIA (SÉC. II)

Sexto bispo de Antioquia, como atesta Eusébio em sua História Eclesiástica 4,20. Se conservam 3 livros de sua autoria, escritos por volta do ano 180 d.C., intitulados "A Autólico". Assim como Tertuliano foi o primeiro a empregar o vocábulo latino "Trinitas", Teófilo foi o primeiro a usar o termo "Τριας" (=Trindade) para expressar a união das três Pessoas divinas em Deus:

"Os três dias que precedem a criação dos luzeiros são símbolo da Trindade, de Deus, de seu Verbo e de sua Sabedoria" (A Autólico 2,15).
"Tendo, pois, Deus o seu Verbo imanente em suas próprias entranhas, o gerou com sua própria sabedoria, emitindo-o antes de todas as coisas. Ele teve este Verbo por ministro de sua criação e através Dele fez todas as coisas (...) Isto se chama 'princípio', pois é Príncipe e Senhor de todas as coisas por Ele criadas" (A Autólico 2,10).

"Sim, Deus, o Pai do universo, é imenso e não se encontra limitado a um lugar, pois não há lugar para seu descanso. Mas seu Verbo, pelo qual fez todas as coisas, como potência e sabedoria sua que é, tomando a figura do Pai e Senhor do universo, este é que se apresentou no jardim sob a figura de Deus e que conversava com Adão. Com efeito, a própria divina Escritura nos ensina que Adão disse ter ouvido a sua voz; e essa voz que outra coisa seria senão o Verbo de Deus, que é também seu Filho? Filho não do modo como falam os poetas e mitógrafos - que os filhos dos deuses nascem pela união carnal - mas como a verdade explica que o Verbo de Deus está sempre imanente no coração de Deus. Porque antes de criar do nada, a Este tinha por conselheiro, como mente e pensamento Seu que era. E quando Deus quis fazer o que tinha deliberado, gerou a este Verbo proferido (προφορικ?ν) como primogênito de toda criação, não esvaziando-se de seu Verbo, mas gerando o Verbo e conversando sempre com Ele. Por isso, nos ensinam as Sagradas Escrituras e todos os inspirados pelo Espírito, dentre os quais João: 'No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus', dando a entender que no princípio estava apenas Deus e Nele seu Verbo; e logo diz: 'E o Verbo era Deus'" (A Autólico 2,22).

TERTULIANO (160-220 D.C.)

Ainda que Tertuliano não seja considerado um "Padre da Igreja", mas um apologeta, tendo no final de sua vida aderido à heresia Montanista, foi muito lido antes de abandonar a Igreja Católica. Foi o primeiro a aplicar o termo latino "Trinitas" (Trindade) às três Pessoas divinas. Em "De Pudicitia" ("Da Modéstia"), escreve:

"Para a mesma Igreja é, propriamente e principalmente, o próprio Espírito, no qual está a Trindade de uma Divindade: Pai, Filho e Espírito Santo" (Da Modéstia 21).

Em "Adversas Praxean" ("Contra Praxéas"), oferece uma explicação ainda mais completa sobre a doutrina trinitária:

"No entanto, como sempre fizemos (e mais especialmente a partir do momento que fomos melhor instruídos pelo Paráclito, que conduz os homens à verdade), cremos que existe um só Deus, porém, sob a seguinte dispensação, ou ο?κονομ?α, como é denominada: que este único Deus tem também um Filho, sua Palavra, que procede Dele mesmo, por quem todas as coisas foram feitas e sem O qual nada foi feito. Cremos que Ele foi enviado pelo Pai à Virgem e dela nasceu, sendo Deus e homem, filho do homem e Filho de Deus, sendo chamado Jesus Cristo; cremos que Ele sofreu, morreu ferido, conforme as Escrituras, e, posteriormente, foi ressucitado pelo Pai e levado ao céu para sentar-se à direita do Pai; Ele virá para julgar os vivos e os mortos e enviou, também, a partir do céu do Pai, conforme a sua promessa, o Espírito Santo, o Paráclito, o santificador da fé daqueles que crêem no Pai e no Filho e no Espírito Santo. Esta é a regra de fé que chegou até nós desde o início do Evangelho, inclusive antes todas as antigas heresias" (Contra Praxéas 2).

No mesmo capítulo, um pouco mais adiante, escreve:

"A heresia, a qual supõe por si mesma possuir a pura verdade, pensando que não se pode crer que um só Deus de nenhum outro modo a não ser dizendo que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são a mesma Pessoa, como se neste modo um também não fosse todos, em que todos são um, por unidade de substância, enquanto o mistério da dispensação é, todavia, guardado, o qual distribui a Unidade na Trindade, colocando em sua ordem as três Pessoas - o Pai, o Filho e o Espírito Santo; três, mas não em condição e sim em grau, não em substância e sim em forma, não em poder e sim em aspecto" (Contra Praxéas 2).

Este texto é particularmente importante porque explica a concepção que Tertuliano possui da Trindade: 3 Pessoas, porém não 3 Naturezas; não diferentes quanto ao poder, mas quanto ao aspecto. Isto é confirmado também no capítulo 4 da mesma obra, onde volta a afirmar que o Filho é "da substância do Pai": "Filium non aliunde deduco, sed de substantia Patris"; e o Espírito é "do Pai pelo Filho": "Spiritum non aliunde deduco quam a Patre per Filium":

"Se a pluralidade na Trindade te escandaliza, como se não estivesse ligada na simplicidade da união, te pergunto: como é possível que um ser, que é pura e absolutamente um e singular, fale no plural: 'Façamos o homem à nossa imagem e semelhança'? Não deveria, antes, ter dito: 'Eu faço o homem à minha imagem e semelhança', já que é um Ser único e singular? No entanto, na passagem que segue, lemos: 'Eis que o homem foi feito como um de nós'. Ou Deus nos engana ou goza de nós ao falar no plural, já que Ele é único e singular. Ou será que se dirigia aos anjos, como interpretam os judeus, já que não reconhecem o Filho? Ou será que Ele, sendo Pai, Filho e Espírito, falava no plural, considerando-se múltiplo? Certamente, a razão é porque tinha ao seu lado uma segunda Pessoa, seu Filho e Verbo, e uma terceira Pessoa, o Espírito no Verbo. Por isso, empregou deliberadamente o plural: 'Façamos - nossa imagem - um de nós'. Com efeito, com quem criava o homem? À semelhança de quem o criava? Falava, por um lado, com o Filho, que deveria um dia se revestir da carne humana; por outro lado, [falava] com o Espírito, que devia um dia santificar o homem, como se falasse com outros tantos ministros e testemunhas" (Contra Praxéas 12).

Continua, posteriormente, no mesmo capítulo:

"Agora se Ele também é Deus, conforme João, [que diz] 'E a Palavra era Deus', então você tem dois seres: um que ordena que as coisas sejam feitas e outro que executa a ordem e cria. Nesse sentido, no entanto, você deve entender que Ele é outro, como já expliquei, quanto à personalidade, não quanto a substância; nesse modo de distinção, não de divisão. Assim devo manter que há uma só substância em três [Pessoas] coerentes e inseparáveis" (Contra Praxéas 12).

No texto anterior, Tertuliano se serve do termo "Pessoa" para explicar que a Palavra (Logos) é distinta do Pai no "sentido de Pessoa, não de substância; para distinção, não para divisão", o que aplica também para o Espírito Santo, a quem chama "a terceira Pessoa". Porém, ainda que Tertuliano tenha contribuído para a criação de uma terminologia precisa para a doutrina trinitária, não se viu livre totalmente do Subordinacionismo, a ponto que chegou a interpretar que o Filho não era eterno (um dos erros do Arianismo):

"Foi então que o Verbo recebeu sua manifestação e complemento, isto é, o som e a voz, quando Deus disse: 'Faça-se a luz'. Eis aí o nascimento perfeito do Verbo, quando procedeu de Deus. Primeiro foi produzido por Ele no pensamento, sob o nome de Sabedoria: 'Deus me criou no início de seus caminhos' (Provérbios 8,22). Logo, foi gerado com vistas à ação: 'Quando fiz os céus, estava próximo a Ele' (Provérbios 8,27). Por conseqüência, fazendo Pai aquele de quem o Filho procedeu, veio a se tornar primogênito (porque foi gerado antes de todas as coisas) e Filho único (porque só Ele foi gerado por Deus)" (Contra Praxéas 7).

ORÍGENES (185-254 D.C.)

Orígenes foi um proeminente escritor eclesiástico, teólogo e comentarista bíblico. Viveu em Alexandria até o ano 231, passando seus últimos 20 anos de vida em Cesaréia Marítima (Palestina) ou viajando pelo Império Romano. Foi o maior mestre da doutrina cristã de sua época e exerceu uma extraordinária influência como intérprete bíblico. Cabe ressaltar que alguns de seus ensinamentos não foram ortodoxos. Muito interessante para o tema que abordamos foi o debate de Orígenes com Heráclides, descoberto em alguns papiros encontrados em Toura, localidade próxima do Cairo, em 1941. Ali se apresenta um debate completo que teve origem nas opiniões de Heráclides sobre a doutrina trinitária, que preocupavam seus irmãos no episcopado. Estes chamam Orígenes para discutir a questão. Este debate foi realizado na presença do povo e dos bispos por volta do ano 245. A este respeito, comenta Quasten:

"Heráclides não gostava da fórmula de Orígenes 'dois Deuses' (δ?ο θεο?) como a única maneira para se expressar claramente a distinção entre o Pai e o Filho. Implicava em perigo demasiadamente grave de politeísmo. No debate, Orígenes faz esta observação: 'Já que nossos irmãos se escandalizam ao ouvir que existem dois deuses, este assunto merece ser tratado com delicadeza'. Recorre a seguir à Bíblia para demonstrar em qual sentido os dois podem ser um. Adão e Eva eram dois, no entanto, formavam uma só carne (Gênese 2,24). Cita depois São Paulo, o qual, falando da união do homem justo com Deus, diz: 'Aquele que se achega ao Senhor se torna um espírito com Ele' (1Coríntios 6,17). Finalmente, invoca como testemunho o próprio Cristo, porque disse: 'Eu e meu Pai somos um'. No primeiro exemplo, havia unidade de 'carne'; no segundo, 'de espírito'; no terceiro, de 'divindade'. Observa Orígenes: 'Nosso Senhor e Salvador, em sua relação com o Pai e Deus do universo, não é uma só carne, nem apenas um só espírito, mas algo muito mais elevado que a carne e o espírito: um só Deus".

Assim, Orígenes defende que o Pai e o Filho são divinos, contra [as heresias do] Monarquianismo e Modalismo. Termina o interrogatório de Orígenes a Heráclides com o seguinte acordo:

"Orígenes disse: O Pai é Deus?
Respondeu Heráclides: Sim.
Orígenes disse: O Filho é distinto do Pai?
Respondeu Heráclides: Como poderia ser simultaneamente Filho e Pai?
Orígenes disse: O Filho, que é distinto do Pai, é também Deus?
Respondeu Heráclides: Também Ele é Deus.
Orígenes disse: Deste modo, os dois Deuses formam um só?
Respondeu Heráclides: Sim.
Orígenes disse: Por conseguinte, afirmamos que existem dois Deuses?
Respondeu Heráclides: Sim, porém o poder é único (δ?ναμη μ?α εστ?ν)".

Definição esta bem anterior a Nicéia e que, ainda sem precisar a terminologia, serve para expressar o próprio sentir. Assim, com este acordo diante do povo e dos bispos, Cristo foi proclamado como Deus, embora sendo uma Pessoa distinta do Pai. Defendia-se desta forma a individualidade das Pessoas divinas contra o Modalismo e se esclareciam os temores de que, ao se reconhecer Cristo e o Pai como Deus, caía-se no Politeísmo.

Orígenes emprega freqüentemente o termo "Trindade" (In Ioh. 10,39,270; 6,33,166; In Ies. Hom. 1,4,1) e afirma que o Filho procede do Pai. E visto que Deus é eterno, logo este ato de geração também é eterno, de modo que o Filho não teve princípio e não existiu um tempo em que Ele não tenha existido (opõe-se assim, com antecedência, à heresia do Arianismo, que afirmaria algum tempo depois justamente o oposto, isto é, que houve um tempo em que o Filho não existia (De princ. l,2,9s; 2; 4,4,1; In Rom. 1,5)):

"Não se pode conceber luz sem resplendor. E se isto é verdade, nunca houve um tempo em que o Filho não fosse Filho. No entanto, não será - como dissemos sobre a luz eterna - sem nascimento (pareceria que introduzimos dois princípios de luz), mas que é, por assim dizer, resplendor da luz ingênita, tendo esta mesma luz como princípio e fonte, verdadeiramente nascida dela. Não obstante, não houve um tempo em que não foi. A Sabedoria, por proceder de Deus, é gerada também da mesma substância divina. Sob a figura de uma emanação corporal, é chamada assim: 'Emanação pura da glória de Deus onipotente' (Sabedoria 7,25). Estas duas comparações manifestam claramente a comunidade de substâncias entre o Pai e o Filho. Com efeito, toda emanação parece ser 'ομοο?σιος', οu seja, de uma mesma substância com o corpo do qual emana ou procede" (In Hebr. frag. 24,359).

Observe-se que ele emprega a palavra "ομοο?σιος" ("homoousios"), que significa "mesma substância", a qual posteriormente seria amplamente empregada pelo Concílio de Nicéia para definir solenemente como o Pai e o Filho possuem uma mesma natureza. Refere-se a Cristo também a expressão "θε?νθρωπος" (Deus-Homem).

Porém, Orígenes possui alguns textos confusos, a ponto de parecer tender para o Subordinacionismo. Entre os que o acusam de ter professado este erro encontra-se São Jerônimo; mas outros Padres da Igreja, como Santo Atanásio e São Gregório Taumaturgo o negam. Um dos textos em que parece ser subordinacionista é este:

"Nós, que cremos no Salvador quando diz: 'O Pai que me enviou é maior do que eu', e por essa mesma razão não permite que lhe seja aplicado o apelativo de 'bom' em seu sentido pleno, verdadeiro e perfeito, atribuindo-o ao Pai, dando graças e condenando quem glorificasse o Filho em demasia, nós dizemos que o Salvador e o Espírito Santo estão muito acima de todas as coisas criadas, por uma superioridade absoluta, sem comparação possível; porém, dizemos também que o Pai está acima Deles tanto ou até mais do que Eles estão acima das criaturas mais perfeitas (In Ioh. 13,25).

SÃO JUSTINO (165 D.C.)

Mártir da fé cristã por volta do ano 165 (foi decapitado), é considerado o maior apologista do século II. No Diálogo com Trifão, refere-se a Cristo como 'Deus gerado do Pai do universo' e parte de textos da Gênese, onde Deus fala na primeira pessoa do plural, para demonstrar a pluralidade das Pessoas divinas. Descarta aqui que estivesse falando com os anjos, já que seria inconcebível que o homem fosse feito por eles; descarta também que estivesse falando com os elementos terrestres. Conclui que falava com Cristo, o qual estava com o Pai antes de todas as criaturas.
"Disse: 'Irei vos apresentar - caros amigos - outro testemunho das Escrituras sobre o que Deus gerou no princípio, antes de todas as criaturas: [gerou] certa potência racional de Si mesmo, a qual é chamada também pelo Espírito Santo, a glória do Senhor, algumas vezes 'Filho', outras vezes 'Sabedoria'; ora 'Anjo', ora 'Deus'; seja 'Senhor', seja 'Palavra'; e ela própria chama a si mesma de 'capitão geral', quando aparece na forma de homem a Josué, filho de Nave. E é assim que todas essas denominações lhe provêm por estar a serviço da vontade do Pai e por ter sido gerada pelo querer do Pai (...) Mas será a Palavra da Sabedoria que me prestará seu testemunho, por ser ela esse próprio Deus gerado do Pai do universo, que subsiste como Palavra e Sabedoria, como poder e glória Daquele que a gerou (...)

Isso mesmo - amigos - expressou a Palavra de Deus pela boca de Moisés, ao nos indicar que o Deus que nos manifestou falou nesse mesmo sentido na criação do homem, ao dizer estas palavras: 'Façamos o homem à nossa imagem e semelhança' (...) E para não distorcerdes as palavras citadas, dizendo o que dizem os vossos mestres - que Deus se dirigiu a Si mesmo ao dizer 'Façamos', da mesma forma que nós quando vamos fazer algo e dizemos 'Façamos' - vos citarei agora outras palavras do mesmo Moisés, pelas quais, sem discussão alguma, teremos que reconhecer que conversava Deus com alguém que era numericamente distinto e juntamente racional. Ei-las aqui: 'E Deus disse: Eis que Adão se tornou como um de nós para conhecer o bem e o mal'. Portanto, ao dizer: 'como um de nós', indica o número dos que entre si conversavam, sendo assim pelo menos dois. Ora, não posso ter por verdadeiro a heresia que se dogmatiza entre vós, nem os mestres delas são capazes de demonstrar que Deus está falando com os anjos ou que o corpo humano foi criado pelos anjos. A menos que tenha brotado, sido emitido realmente a partir do Pai, Ele estava com o Pai antes de todas as criaturas e conversava com o Pai, como nos manifestou a Palavra pela boca de Salomão, ao dizer que antes de todas as criaturas Ele foi gerado por Deus ,como princípio e progênie, sendo chamado 'Sabedoria' por Salomão" (Diálogo com Trifão 61-62).

Mais adiante, refere-se a Cristo como Senhor e Deus:

"Longamente demonstrei que Cristo, que é Senhor e Deus, Filho de Deus, apareceu antes, prodigiosamente, como homem e como anjo, e também na glória do fogo, como na visão da sarça e no juízo contra Sodoma" (Diálogo com Trifão 128).

Em sua 1ª Apologia, distingue clara e ordenadamente as Três Pessoas divinas. Isto descarta que Justino tivesse alguma tendência modalista:

"E logo demonstraremos que com razão honramos também a Jesus Cristo, que foi nosso mestre nestas coisas e que para isso nasceu e foi crucificado sob Pôncio Pilatos, o procurador da Judéia no tempo de Tibério César. Aprendemos que Ele é Filho do mesmo Deus verdadeiro e o temos em segundo lugar, assim como o Espírito profético está em terceiro" (1ª Apologia 13,3).

Distingue ainda, mais claramente, a pessoa do Pai da do Filho, no capítulo 63, reconhecendo que os profetas falaram de Cristo, proclamando-o como "o Deus de Abraão, Isaac e Jacó":

"Aqueles que dizem que o Filho é o Pai dão prova de que não sabem quem é o Pai, nem perceberam que o Pai do universo tem um Filho e que, sendo Verbo e Primogênito de Deus, é Deus também. Este foi quem primeiramente apareceu a Moisés e aos outros profetas na forma de fogo ou por imagem incorpórea, e que agora, nos tempos do vosso império (...) nasceu homem de uma virgem (...) Agora, aquilo que falou a Moisés a partir da sarça: 'Eu sou aquele que é, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó', significa que, mesmo depois de mortos, esses homens continuavam pertencendo ao próprio Cristo" (1ª Apologia 63,15).

SÃO GREGÓRIO TAUMATURGO (SÉC. III)

Nascido por volta do ano 213, foi bispo de sua cidade natal, Neocesaréia. Compôs um breve símbolo de fé, sobre o qual Quasten comenta: "embora se limite ao dogma da Trindade, é notável por sua exatidão de conceitos e afirma que nenhuma das Pessoas divinas nunca ficaram uma sem as outras e que existiram sempre sem mudanças".

"Há um só Deus, Pai do Verbo vivente, da Sabedoria subsistente, do Poder e da Imagem eterna; gerador perfeito do gerado perfeito, Pai do Filho Unigênito. Há um só Senhor, Único do Único, Deus de Deus, Figura e Imagem da Divindade, Verbo Eficiente, Sabedoria que abraça todo o universo e Poder que cria o mundo inteiro, Filho verdadeiro do Pai verdadeiro, Invisível do Invisível, Incorruptível do Incorruptível, Imortal do Imortal, Eterno do Eterno. E há um só Espírito Santo, que tem sua subsistência de Deus e foi manifestado aos homens pelo Filho: Imagem do Filho, Imagem Perfeita do Perfeito, Vida, Causa dos viventes, Manancial Sagrado, Santidade que comunica a santificação, em quem se manifestam Deus Pai - que está acima de todos e em todos - e Deus Filho - que é através de todos. Há uma Trindade perfeita, em glória, em eternidade e em majestade, que não está dividida nem separada. Não há, conseqüentemente, nada criado nem escravo da Trindade, nem tampouco nada sobre-acrescentado, como se não tivesse existido em algum tempo anterior e fosse introduzido depois. E, assim, nem nunca o Filho falou ao Pai, nem o Espírito Santo ao Filho; ao contrário, sem variação ou mudança, a mesma Trindade sempre existiu" (Exposição da Fé).

NOVACIANO (SÉC. III)

Sacerdote romano. Conforme Eusébio de Cesaréia, se serviu de uma artimanha para ser ordenado bispo de Roma, obrigando que alguns bispos o consagrassem. Causou, assim, um cisma que durou vários séculos. O seu escrito, "Sobre a Trindade" (De Trinitate), porém, foi redigido muitos anos antes de 250 d.C.:

"O Filho, por ser gerado pelo Pai, está sempre no Pai. Quando digo 'sempre', não quero dizer que é ingênito. Afirmo, ao contrário, que nasceu. Porém, nasceu antes de todo o tempo; deve-se dizer que existiu sempre no Pai, visto não ser possível fixar data ao que é anterior a todo o tempo. Ele está eternamente no Pai, pois de outra maneira o Pai não seria sempre Pai. Por outro lado, o Pai é anterior a Ele, pois o Pai deve ser necessariamente anterior ao Filho, já que é Pai; visto que Ele não conhece origem, deve existir anteriormente ao que teve uma origem. O Filho, portanto, é necessariamente posterior ao Pai, pois Ele mesmo reconhece que existe no Pai; teve uma origem, visto que nasceu, e a partir do Pai, de uma maneira misteriosa; contudo, apesar de ter nascido e ter, assim, origem, é em tudo semelhante ao Pai, precisamente em razão de seu nascimento, já que nasceu do Pai, o qual é o único que carece de origem. Ele, portanto, quando o Pai quis, procedeu do Pai; Ele estava no Pai, porque procedia do Pai, não sendo outra coisa senão a Substância divina. Seu nome é Verbo, pelo qual todas as coisas foram feitas e sem o qual nada foi feito. Porque todas as coisas são posteriores a Ele, pois procedem Dele e, conseqüentemente, Ele é anterior a todas as coisas (embora após o Pai), pois todas as coisas foram feitas por Ele. Procedeu do Pai, por cuja vontade todas as coisas foram feitas. Deus, certamente, procedente de Deus, constituindo a segunda Pessoa depois do Pai, por ser Filho, sem que por isso retire do Pai a unidade da divindade" (Sobre a Trindade 31).

Porém, Novaciano professou um Subordinacionismo pois, apesar de possuir a mesma substância, o Espírito Santo era inferior a Cristo e Cristo, por sua vez, inferior ao Pai; por isso, diz que aparece "como o único Deus verdadeiro e eterno; Ele é a única fonte deste poder da divindade, Ainda que seja transmitida ao Filho e concentrada Nele, retorna novamente ao Pai através de sua comunidade de substância":

"O Paráclito recebeu sua mensagem de Cristo. Mas se recebeu de Cristo, Cristo é superior ao Paráclito, pois o Paráclito não teria recebido de Cristo se não fosse inferior a Cristo. Esta inferioridade do Paráclito prova que Cristo, de quem recebeu sua mensagem, é Deus. Aqui tempos, portanto, um poderoso testemunho da divindade de Cristo. Vemos, com efeito, que o Paráclito é inferior a Ele e recebe Dele a mensagem que entrega ao mundo".

SÃO CIPRIANO DE CARTAGO (SÉC. III)

São Cipriano nasceu por volta do ano 200, provavelmente em Cartago, de família rica e culta. Dedicou sua juventude à retórica. O desgosto que sentia diante da imoralidade dos ambientes pagãos, contrastado com a pureza de costumes dos cristãos, lhe induziu a abraçar o Cristianismo por volta do ano 246. Pouco depois, em 248, foi eleito bispo de Cartago. Ao estourar a perseguição de Décio, em 250, julgou melhor se retirar para um lugar afastado, para continuar se ocupando de seu rebanho. Declara a divindade de Cristo numerosas vezes e afirma que quem nega que Cristo seja Deus não pode ser templo de Deus:

"Cristo Jesus, nosso Senhor e Deus, é propriamente o sumo-sacerdote de Deus Pai" (Epístola 63,14).

"Se alguém pudesse ser batizado pelos hereges, poderia certamente receber também o perdão de seus pecados. Se recebesse o perdão dos pecados, poderia ser santificado. Se fosse santificado, poderia se tornar um templo de Deus. Se fosse um templo de Deus, então eu te pergunto: De qual Deus? Do Criador? Porém, isso não é possível, porque ele não crê Nele. De Cristo? Quem nega que Cristo seja Deus não pode se transformar em Seu templo. Do Espírito Santo? A partir do momento em que os Três são Um, como seria possível ao Espírito Santo ser reconciliado com aquele que é um inimigo do Filho ou do Pai?" (Epístola 73,12).

"Após a ressurreição, quando o Senhor enviou os Apóstolos às nações, Ele lhes ordenou a batizar aos gentios em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (...) O próprio Cristo ordenou que as nações sejam batizadas na Trindade plena e unida" (Carta 73,18).

SÃO DIONÍSIO DE ROMA (SÉC. III)

Papa entre os anos de 259 e 268. Combateu o Modalismo e o Subordinacionismo. Quando foi apresentada a Dionísio de Roma uma acusação de que o bispo Dionísio de Alexandria se expressava incorretamente sobre a Trindade, originou-se uma controvérsia que ficou conhecida como "a controvérsia dos dois Dionísios". O Papa convocou um sínodo para o ano de 260 visando solucionar a questão. Em seu nome e em nome do sínodo escreveu uma carta na qual condenava a doutrina modalista de Sabélio e também as opiniões marcionitas que dividiam a monarquia divina em três hipóstases distintas e ainda aqueles que representavam o Filho de Deus como criatura. Na carta a Dionísio de Alexandria, o Papa classifica de blasfema a opinião de que o Filho era o Pai (modalismo) e censura, ainda, a doutrina apoiada pelos catequistas de Dionísio de Alexandria, que afirmavam que cada Pessoa divina tinha uma natureza diferente da outra:

"Ouví dizer que alguns dos teus catequistas e mestres da palavra divina encabeçam este princípio [herético que divide as naturezas das Pessoas divinas]. Eles ensinam de maneira diametralmente oposta à opinião [herética] de Sabélio. Para ele, em sua blasfêmia, diz que o Filho é o Pai e vice-versa; para os teus, que existe de alguma forma três Deuses, pois dividem a Sagrada Unidade em três substâncias diferentes entre si e completamente separadas" (Carta de Dionísio de Roma a Dionísio de Alexandria 1).

Também declara que o Arianismo é uma blasfêmia pois afirma que Cristo é um ser criado e que, por ser Cristo a Palavra, Sabedoria e poder de Deus, pode ter havido um tempo em que o Pai existisse sem Ele:

"É blasfêmia, portanto, e até pior, dizer que o Senhor foi de alguma forma criado. Porém, se veio a ser Filho, então Ele não foi [criado], como Ele diz de si mesmo; Ele está no Pai e se você conhece a Divina Escritura, ela diz que Cristo é a Palavra, a Sabedoria e o Poder; e esses atributos são poderes de Deus. Então Ele sempre existiu. Ora, se Ele veio a ser [criado], houve uma época em que esses atributos não existiam e, conseqüentemente, nesse tempo Deus estava sem eles; isso é um completo absurdo" (Carta de Dionísio de Roma a Dionísio de Alexandria 1).

"É necessário, no entanto, que a Palavra divina [Jesus Cristo] esteja unida ao Deus do universo; e o Espírito Santo deve respeitar e habitar em Deus. Portanto, a Trindade Divina deve ser reunida em Uma, como se fosse um ápice, quero dizer, o Deus onipotente do universo" (Carta de Dionísio de Roma a Dionísio de Alexandria 2).

"Não podemos então dividir em três cabeças divinas a maravilhosa e divina monarquia, nem chamar 'obra', desacreditando a dignidade e excelente majestade de nosso Senhor. Devemos, porém, crer em Deus, o Pai todopoderoso; e em Jesus, seu Filho; e no Espírito Santo. Sustentemos, enfim, que a Palavra está unida ao Deus do universo" (Carta de Dionísio de Roma a Dionísio de Alexandria 3).

CONCLUSÃO:
Depois de termos estudado o testemunho dos Padres pré-nicenos, não é difícil concluir que a doutrina trinitária não é nenhuma novidade e, muito menos, um produto das manobras políticas do imperador Constantino. A Igreja foi fiel em reconhecer que existe um só Deus, sendo Ele Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, e esta verdade era compreendida e ensinada com maior ou menor clareza na era pós-apóstolica e pré-nicena. É claro, ainda, que a maioria dos Padres rejeitavam abertamente tanto o Arianismo (que afirmava que Jesus era um deus menor, criado e subordinado ao Pai, em algum momento não existente) e o Modalismo (que afirmava que existia uma só Pessoa Divina em Deus, sendo o Filho o próprio Pai e vice-versa, embora manifestados de modos diferentes). É certo que alguns Padres não compreenderam cabalmente o mistério trinitário e chegaram a tender para um Subordinacionismo em maior ou menor grau, coisa totalmente compreensível em assunto de tão grande complexidade. Foram, precisamente, conflitos tão graves como o Arianismo e outras heresias, que deram oportunidade à Igreja a se aprofundar nestas verdades de fé.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A Trindade e as religiões

O dogma da trindade constitui um dos principais pilares da fé cristã. Para os cristãos, Deus é um só, mas é divido em três naturezas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Mesmo sendo um dos principais dogmas cristãos, nem todas as denominações o aceitam, sejam por questões dogmáticas ou históricas. Uma das razões pela quais algumas denominações negam a doutrina da trindade é o fato dela estar baseada em conceitos de religiões antigas, esta tese é defendida principalmente pelo judaísmo e islamismo, embora as próprias escrituras judaicas e islâmicas abram espaço para tal interpretação, o que confirmaria a realidade desta doutrina. Se abrirmos o leque de entendimento podemos confirmar esta doutrina com base nas próprias religiões pagãs antigas, visto que em todas elas está presente esta doutrina. Esta tabela mostra as trindades das principais religiões da história antiga.

As Trindades nas religiões antigas

Como podem ver a maioria dessas religiões não existem mais, muitas delas assim como suas seitas foram suprimidas pelo cristianismo em sua expansão, outras, foram destruídas ou aculturadas por outras civilizações e apenas duas, o Hinduísmo e o Zoroastrismo estão quase que exclusivamente presentes no território em que surgiram. Para entendermos porque a maioria dessas crenças foram extintas precisamos entender o contexto histórico que levou à absorção dessa doutrina pelo cristianismo.

A formação da Trindade no cristianismo

Como sabemos na época de formação do cristianismo existiam muitas religiões no Império Romano. Dentre elas a religião egípcia, a religião greco-romana e o Mitraísmo. Como vimos em todas estas religiões está presente a doutrina da trindade. O cristianismo aos poucos foi deixando de ser mais uma das seitas judaicas como os essênios e nazarenos para firmar-se como a religião oficial do Império Romano. No princípio o cristianismo tentava seguir ao máximo os preceitos do judaísmo, mas após a elaboração de uma doutrina excepcional por Paulo de Tarso, judeu e soldado romano, fica claro o porquê de uma absorção teológica por parte do cristianismo. Sendo soldado romano, Paulo vivia sob a cultura romana, ou seja, em constante contato com as demais religiões.

Com sua conversão para o cristianismo era inevitável uma desligação total dos preceitos das antigas religiões. Com isso, na elaboração da nova doutrina (afinal, Paulo fez uma releitura do judaísmo encaixando Jesus no contexto do Antigo Testamento segundo a sua perspectiva, afinal, a base de interpretação do cristianismo e do Novo Testamento tem as cartas de Paulo) a seita cristã adquiriu aspectos pagãos. Isto é confirmado pelo próprio Judaísmo uma vez que a crença judaica não possui uma trindade, visto que para os judeus Deus é um só, e a própria concepção de Espírito Santo possui uma outra conotação, o que impediria a formação de uma trindade. Entretanto os bispos reunidos no Concílio de Nicéia achariam uma brecha teológica Judaísmo para justificar a doutrina da trindade. A mesma brecha pode ser achada no Islã como veremos mais a frente.

Com o Edito de Milão o cristianismo deixou de ser perseguido e finalmente com a oficialização da Igreja como religião do Estado, as outras religiões foram proibidas. Como uma religião não se acaba de uma hora para outra, houve uma absorção dos preceitos das diversas religiões dentro do Cristianismo. No Concílio de Nicéia foram formuladas as diversas doutrinas do cristianismo inclusive a da trindade, visto que tendo Jesus vindo do Judaísmo não teria possibilidade dessa doutrina ter vindo originalmente da religião judaica. Assim fica clara a absorção da doutrina da trindade das outras religiões. Entretanto uma doutrina não pode ser colocada do nada numa religião sem uma justificativa, e essa justificativa para a doutrina da trindade está dentro da própria Bíblia como veremos a seguir.

A Trindade no Cristianismo

Para os cristãos, Deus é um só, dividido em três naturezas distintas. A primeira natureza é a de Deus Pai, aquele que cria e rege o Universo. Geralmente, a figura de Deus Pai é associada à imagem de Deus em sua plenitude. A segunda natureza é a de Deus Filho, aquele que vêm a Terra para salvar a humanidade. É o aspecto pessoal de Deus. A terceira natureza é a de Deus Espírito Santo, aquele que dá a vida e seus dons. É o aspecto de Deus como sendo presente no meio material. É representado por uma pomba.

No Judaísmo não há trindade, entretanto para os cristãos a primeira menção a trindade já está nas primeiras palavras do Gênese: “No princípio, Deus criou os céus e a terra.” – Gênesis 1:1. A palavra original em hebraico para Deus é Elohim. Entretanto a palavra Elohim é uma palavra que indica o plural. Se levarmos ao pé da letra a tradução teremos: “No princípio, os Deuses criaram os céus e a terra". Aí temos duas inconsistência. A primeira: Um politeísmo. Alguns historiadores afirmam que no princípio, a crença judaica era politeísta, mas com a unificação das tribos houve a unificação da crença existindo um deus único que mais tarde os hebreus deram o nome de YHWH, ou seja, nome nenhum, visto que o tetragrama não tem tradução para o hebraico. Isto significaria que para não haver uma disputa de deuses, o nome de Deus seria impronunciável sendo chamado apenas de Senhor (Adonai). Até hoje não há tradução para o tetragrama sagrado, sendo para os judeus, um mistério de fé. Por isso a tradução para o português como Javé ou Jeová é errada.

Entretanto, para os cristãos, essa inconviniência é justificada pela doutrina da trindade. Para os cristãos, o caráter pluralista de Deus confirma a doutrina da trindade. Segundo os cristãos, no versículo “Então Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança.” – Gênesis 1:26, Deus está presente como sendo trino. Em diversos outros versículos Deus se apresenta como plural. E no Novo Testamento, durante o batismo de Jesus temos a figura da trindade: “Depois que Jesus foi batizado, saiu logo da água. Eis que os céus se abriram e viu descer sobre ele, em forma de pomba, o Espírito de Deus. E do céu baixou uma voz: Eis meu Filho muito amado em quem ponho minha afeição.” – Mateus 3:16,17. Nesta cena temos presente o Pai com a voz de Deus, o Filho com a figura de Jesus e o Espírito Santo com a pomba. Entretanto para os judeus isto é um equívoco, ainda mais, uma heresia.

A Trindade no Judaísmo

A Torah, ou “Lei” em hebraico é a Bíblia judaica, nela estão presentes os cinco primeiros livros da Bíblia cristã e entre eles está o Gênesis, ou Bereshit em hebraico que significa “No princípio”, visto que essas são as palavras de abertura do livro. Como vimos, logo no começo do Gênesis Deus se apresenta como sendo plural, sendo trino ou como vários deuses distintos. Isso confirmariam a doutrina da trindade dentro do próprio judaísmo, entretanto os judeus refutam a doutrina utilizando-se de outros trechos das escrituras. Vários trechos negam a trindade como “Eu sou o primeiro e eu sou o último. Fora de mim não há Deus.” - Isaías 44:6, Deus define-se no tempo e no espaço. Para os cristãos, Deus estava falando em sua totalidade, entretanto temos mais a frente a famosa lei dos 10 Mandamentos “Não terás outros deuses diante de Mim”. - Êxodo 20:3 em que Deus fala plenamente singular, onde a palavra Elohim não aparece.

Outro fato os judeus se utilizam para negar a trindade é o conceito de Espírito Santo. A palavra original em hebraico é Ruach HaKodesh que é traduzido literalmente como Espírito Santo. Entretanto o termo Ruach HaKodesh significa “inspiração”, que é uma das qualidades do Espírito Santo segundo o cristianismo. A inspiração é ligada à mente visto que todas as ações humanas provém dela. Curiosamente o termo hebraico para espírito é Ruwach que também significa “inspiração”, ou “fôlego”. Ora, sendo o espírito a inspiração vinda da mente, logo o espírito é a mente. A essência do ser humano. Então o Espírito Santo seria a mente de Deus. Deus como um ser pensante, assim como o homem, por isto ele nos fez “segundo a sua imagem e semelhança”. Esta é uma das explicações dadas por alguns segmentos religiosos cristãos como os Adventistas, que negam a doutrina da trindade, visto que Deus Pai e o Espírito Santo seriam uma coisa só.

Mas sendo Deus Pai e o Espírito Santo, como poderia o Filho provir deles? Para os cristãos Jesus é uma encarnação de Deus, mas levando em conta o contexto da palavra espírito, Jesus seria Deus encarnado em sua mente, ou seja, Jesus seria um ser humano inspirado pela mente de Deus ou vontade de Deus assim como um profeta. Esta é a visão muçulmana que diz que Jesus estava sob a Vontade de Deus, ou seja, ele era um muçulmano, aquele que se submete à Vontade de Deus, não como um escravo, mas como alguém consciente que assume uma missão. Entretanto, mesmo negando, o conceito de trindade assim como o Judaísmo, a mesma também se faz presente no Islamismo.

A Trindade no Islamismo

Embora neguem a trindade, a mesma se faz presente no Islã, mais precisamente em trechos do Corão. Sob os mesmos aspectos apresentados no Gênesis temos: “E o atendemos e o agraciamos com Yahia (João), e curamos sua mulher (de esterilidade); um procurava sobrepujar o outro nas boas ações, recorrendo a Nós com afeição e temor, e sendo humildes a Nós.” - Alcorão 19:12. E ainda mais a frente: “Ó humanos, em verdade, Nós vos criamos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos, para reconhecerdes uns aos outros. Sabei que o mais honrado, dentre vós, ante Deus, é o mais temente. Sabei que Deus é Sapientíssimo e está bem inteirado.” - Alcorão 49:13.

Para os muçulmanos esta passagem tem a mesma explicação do judaísmo, visto que a palavra Allah vem do hebraico El Ellah, ou Elohim. Allah significa Deus em árabe e assim como a palavra Elohim ela é flexionada no plural. Com isso, temos uma menção a um Deus plural, ou vários deuses. Mas visto que Deus é tido como único no Islã temos uma interpretação onde Deus é um só, mas manifesta-se através dos profetas, por isso, o caráter plural, onde Deus compartilha sua natureza com os homens. É tanto que a Essência de Deus é comungada com os homens segundo os Sufis, um segmento religioso do Islã que prega que através da mente podemos nos unir com Deus (misticismo Islâmico). Esta visão mística também é compartilhada pela Kabbalah judaica. Curiosamente essa mesma visão de comunhão entre Deus e os homens por meio da mente é a essência dos ensinamentos orientais, mais precisamente com o Budismo e o Hinduísmo como veremos nos próximos capítulos. Este é o ponto de encontro entre a espiritualidade ocidental e oriental.

A Trindade no Hinduísmo e Budismo

Para o hinduísmo, Deus é único, não existe outro além Dele. Ele está no Universo e em todas as coisas criada por Ele, pois assim Deus pode ser onipresente e manifestar-se em todo o Universo. Mas Ele não se limita ao Universo. O título que se dá a Deus em sua forma impessoal no hinduísmo é Brahman, que significa "O Princípio Absoluto". Deus também é designado como sendo o Om, o mantra "AUM". Essa sílaba faz relação às três naturezas de Deus como Criador, Conservador e Renovador (Pai, Filho e Espírito Santo), uma espécie de "Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" que os católicos dizem antes de qualquer oração, neste caso, os hindus que a utilizam antes de qualquer oração ou invocação.

Assim como o cristianismo, o hinduísmo possui uma trindade aonde Deus é um só, mas possui três naturezas. Brahma, ou o "Pai Criador" é a primeira natureza da Trindade hindu chamada "Trimurti". A segunda natureza é Vishnu, o "Filho Conservador" que vem a Terra salvar os homens. Ele encarna de tempos toda vez que os homens esquecem a mensagem de Deus. E a terceira natureza é Shiva, o "Espírito Santo Renovador", Ele é que dá sabedoria aos homens e os renova por meio da “destruição” da velha consciência e a ressurreição com uma nova. Essa trindade mostra que Deus também segue o ciclo da vida criando, mantendo, e renovando a vida. No hinduísmo Deus é "Absoluto" ou seja, "Perfeito". E como um ser perfeito ele precisa ser simétrico, por isso, cada natureza masculina possui seu oposto feminino com as mesmas funções das masculinas. A Trimurti feminina é composta por Saraswati, a "Consorte do Pai Criador", Lakshmi, a "Consorte do Filho Conservador" e Parvati, a "Consorte do Espírito Santo Renovador". Assim com essa Trimurti Feminina, as três naturezas de Deus ficam em equilíbrio.

Tanto no Cristianismo quanto no Hinduísmo, o significado palavra "Filho" quer dizer "Aquele que vem sob a forma de". Shiva e Parvati possuem um Filho, Ganesha, o Elefante. Como Shiva é o Espírito Santo, Ganesha é o Espírito Santo que vem sob a forma de um Elefante, enquanto que no Cristianismo, o Espírito Santo vem sob a forma de uma pomba. Por isso o Elefante é considerado um animal sagrado na Índia. Curiosamente, Maya, a mãe de Buda durante a revelação que seria mãe do Deus sonhou com um Elefante branco. Como já vimos sendo o elefante é o símbolo de Ganesha, filho de Shiva que é o Espírito Santo temos a simbologia onde Maya foi visitada pelo Espírito Santo na sua forma terrena sendo assim, fecundada pelo mesmo dando a luz a Buda, o Senhor do mundo. Mais a frente na biografia do Iluminado temos mais um simbolismo onde após atingir a Iluminação após a tentação, uma Naja gigante repousa sobre a cabeça do santo. Retomando a figura de Shiva, a Naja é um dos símbolos do Espírito Santo hindu, sendo um símbolo da sabedoria. Com isso temos a metáfora que a sabedoria do Espírito Santo de Deus repousou sobre Sidharta.

Logo é errado dizer que o budismo é uma religião atéia, visto que o próprio Buda fala de Deus como um ser real como veremos mais a frente. Por vir do Hinduísmo, o Budismo tem que por regra, absorver aspectos da sua religião precursora, onde o processo de aculturação é inevitável e claro. Com isso temos a figura divina do Buda, a descida de Deus a Terra e o caráter mítico e messiânico da religião. É impossível que uma religião não possua esses elementos, mesmo que estejam presentes implicitamente.

A Trindade Greco-Romana

Uma trindade curiosa é a trindade greco-romana. Ela é composta por Zeus (Júpiter), Athena (Minerva), e Hera (Juno). Antes de mais nada, devemos entender o porquê de Zeus ser não só o rei dos deuses como o próprio o Pai. Segundo a mitologia grega Zeus era filho de Cronos (o Tempo) e Réia. Antes Cronos devorava seus filhos, para que não tomassem seu lugar como Senhor do Universo. Pois bem, Réia teve mais seis filhos dos quais cinco foram devorados, menos um, Zeus que ela escondeu de Cronos. Muito tempo se passou, até que Zeus matou Cronos e expulsou Réia mandando-os para a Terra. Então Zeus assumiu o lugar de rei dos deuses e como venceu Cronos (Tempo) virou imortal junto com todos os outros deuses. Mas então Zeus foi criado? Não. Quando dizemos que Cronos e Réia foram seus pais e que Zeus os venceu, quer dizer que Zeus virou eterno, Senhor do Tempo e da Existência, ele sempre existiu, mesmo antes de Cronos. Assim, Zeus está além do tempo, sendo este, reservado aos mortais e assim como a todo o resto do Universo.

Os 6 filhos de Cronos eram: Zeus (Pai dos deuses e dos homens), Deméter (Deusa da Natureza), Hades (Deus do Mundo dos Mortos, não necessariamente o inferno), Hera (Deusa do Nascimento), Héstia (Deusa do Fogo) e Poseidon (Deus das Águas). Muitos pensam que esses 6 deuses são deuses distintos, mas não são. Podemos ver claramente uma completude como vemos no caso da Trimurti hindu. Sendo Zeus o deus da criação, da vida, sua contraparte é Poseidon, deus das águas, visto que toda a vida surgiu das águas. Sendo Deméter a deusa da natureza, ela está responsável pela manutenção da criação e acolhimento da vida, enquanto Hades, deus dos mortos está ligado ao acolhimento da morte. E sendo Hera a deusa do nascimento, sua contraparte é Héstia, visto que ela como sendo deusa do fogo, tem o poder de renovar a criação assim como o nascimento. A religião grego-romana em sua essência não é politeísta, visto que Deus representa o Universo em sua totalidade, podemos dizer que Deus na mitologia grega é o panteísmo. Uma famosa frase de Pitágoras exprime isso quando ele diz “Deus é um em muitos”. Vários filósofos e pensadores gregos falam em Deus como sendo um e não muitos, pois tudo o que existe tem uma essência comum, e se os deuses existem, é porque houve uma origem divina. Mas onde entra a trindade?

Como podem ver, a trindade greco-romana tem um paralelismo com a hindu, visto que as naturezas de Deus se equilibram em duas trindade complementares a fim de manter o caráter de perfeição. Mesmo tendo este caráter múltiplo, na verdade só existe uma trindade. Segundo a mitologia grega Zeus é casando-se com Hera (união do Pai com o Espírito Santo) tive uma filha: Athena (Minerva). Essa união dos três deuses também remete à trindade hindu uma vez que Zeus cumpre o papel de criador, Athena de conservadora da criação e Hera de geradora da vida, ou renovadora. Esta é de fato a representação oficial da trindade na religião greco-romana.

A Trindade no Zoroastrismo

A Trindade no Zoroastrismo é composta pelo Deus criador Ahura-Mazda, o Saoshyant, representado pela figura de Mithra e Vohu Mano, o Espírito de Ahura-Mazda. Ahura-Mazda significa o Grande Senhor em persa antigo. Segundo a mitologia zoroastra, foi ele que criou todo o universo. Para manter o Universo em harmonia, ele manda o Saoshyant, o Messias salvador que tem por missão conduzir a humanidade à salvação. A palavra Saoshyant significa “Aquele que trás a Boa Nova”. Para o zoroastrismo, o Saoshyant vem à terra de tempos em tempos. Uma dessas encarnações é a do deus Mithra. Novamente temos uma alusão à Trimurti. Junto com Ahura-Mazda e o Saoshyant há Vohu Mano, ou a “Santa Mente”. Ora, não preciso dizer mais nada. Retomando a conotação da palavra espírito no judaísmo e a concepção do que seria o Espírito Santo, temos que Vohu Mano é a mente de Ahura-Mazda, seu Espírito Santo.

Em uma das diversas narrativas do Zoroastrismo uma chama atenção. Durante um momento de meditação numa caverna Zaratustra tem uma revelação onde Vohu Mano lhe aparece dizendo: “Zaratustra, tu que questionas sobre as coisas criação, receberá de Ahura-Mazda as respostas, pois Deus o escolheu para partilhar com os homens a sua sabedoria. Você irá anunciar a Sua mensagem libertadora aos homens”. Assustado, Zaratustra respondeu: “Por que eu? Não sou poderoso e nem tenho recursos!". Entretanto Vohu Mano disse: “Você tem tudo o que precisa, o que todos igualmente têm: Bons pensamentos, boas palavras e boas ações. Tú és o escolhido de Deus. Agora vai!”. Se trocassemos os nomes Zaratustra por Moisés e Vohu Mano por Elohim teríamos a mesma cena. Está clara a relação entre a revelação de Deus a Moisés e a Zaratustra. Com Moisés, aconteceu a mesma coisa, visto que Deus se manifestou para ele em Espírito (mente) inspirando-o à seguir em uma missão. A mesma coisa com Zaratustra. Por isso temos Vohu Mano como sendo o Espírito de Ahura-Mazda, Deus.

Depois dessas reflexões chegamos a duas conclusões. A primeira é que se formos considerar apenas a essência das religiões monoteístas como o Judaísmo de onde veio o cristianismo, realmente não há uma trindade de um só Deus. Entretanto devemos ter em mente que antes de ser algo concreto, a religião lida com o metafísico tendo seu entendimento via filosofia, não ao pé da letra. Se formos ver pelo lado filosófico, há uma trindade sim, visto que Deus manifesta-se em Espírito (mente) dentro do enviado estando o Messias em comunhão com a Mente de Deus, para assim transmitir Sua mensagem aos homens. Deus como sendo impessoal não pode gerar um Filho material, entretanto ele pode gerar um filho espiritual que serve de elo entre Ele e os homens. O caminho. Quando Jesus falava ser uno com Deus e como consequência, Seu Espírito, falava estar em unidade com a Mente de Deus, para poder cumprir Sua Vontade, assim como os diversos enviados.