quinta-feira, 22 de abril de 2010

Voltando no tempo em busca de Jesus

Ele não nasceu em Belém, teve vários irmãos e sua morte passou quase despercebida no Império Romano. A história e a arqueologia desencavam o Jesus histórico, um homem bem diferente daquele descrito nos evangelhos. Foi um dia de trabalho como outro qualquer. Depois da festa da Páscoa do ano 3790 do calendário hebraico, a maioria dos camponeses seguia sua rotina normalmente, assim como os coletores de impostos, os pescadores, os soldados romanos, os carpinteiros, os sacerdotes e as prostitutas. Em Jerusalém, contudo, algumas pessoas deviam estar comentando o tumulto do dia anterior, que resultou na morte de um judeu. Nada que não estivessem acostumados a ouvir. Naquele tempo, a cidade já era palco de conflitos político-religiosos sangrentos e quase sempre algum agitador morria por incitar a rebelião contra os romanos, que governavam a região com o apoio da elite judaica do templo de Jerusalém. Dessa vez, o fuzuê foi causado por um judeu camponês chamado Yeshua, que foi aprisionado e condenado à morte por ter desafiado o poder romano e o templo de Jerusalém em plena Páscoa. “Se você quisesse chamar a atenção de multidões para as suas idéias, essa era a data ideal”, afirma Richard Horsley, professor de Ciências da Religião na Universidade de Massachusetts e autor do livro Bandidos, Profetas e Messias - Movimentos Populares no Tempo de Jesus. “A festa tinha um forte conteúdo político, já que comemorava a libertação dos hebreus do Egito, que agora estavam sob o domínio dos romanos.” No meio da multidão (imagine a cidade paulista de Aparecida do Norte em dia de peregrinação), pouca gente deve ter se comovido com a prisão e morte de mais um judeu agitador - a não ser um punhado de parentes e amigos pobres. Mas nem eles poderiam imaginar que a cruz em que Jesus pagou sua sentença (sim, Yeshua é Jesus em hebraico) seria, no futuro, o símbolo mais venerado do mundo. Da suntuosa Basílica de São Pedro, no Vaticano, à pequena igrejinha da Assembléia de Deus, encravada no interior da Floresta Amazônica, a cruz se tornou o símbolo de fé para mais de 2 bilhões de pessoas. Sua morte dividiu, literalmente, a história em antes e depois dele. Mas, afinal, quem foi Jesus?

Pode parecer estranho, mas para os estudiosos há pelo menos dois Jesus. O primeiro, que dispensa apresentações, é o Cristo (o ungido, em grego), cuja história contada pelos quatro evangelistas deixa claro que ele é o enviado de Deus para salvar os homens com a sua morte. Os judeus costumavam sacrificar animais como cordeiros no templo para se purificarem. Ao morrer na cruz, Cristo torna-se o símbolo do cordeiro enviado por Deus para tirar o pecado do mundo.

O outro Jesus, já citado no início da matéria, é Yeshua, o homem que morreu sem chamar muita atenção dos cidadãos do Império Romano. Além dos evangelhos - que não podem ser considerados fontes imparciais de sua vida, já que foram escritos por seus seguidores - há apenas uma menção direta a ele citada pelo historiador judeu Flávio Josefo, que escreve sobre sua morte no livro Antiguidades Judaicas, feito provavelmente no fim do século 1. Para os pesquisadores, essa falta de citações seria um indício da pouca repercussão que Jesus teria tido para os cronistas da época. “Se existisse um grande jornal em Israel no tempo de Jesus, sua morte provavelmente seria noticiada no caderno de polícia, e não na primeira página”, diz John Dominic Crossan, professor de Estudos Religiosos da Universidade De Paulo, em Chicago, Estados Unidos. Autor dos livros O Jesus Histórico - A Vida de um Camponês Judeu no Mediterrâneo e Excavating Jesus - Beneath The Stones, Behind The Texts (”Escavando Jesus - Por Baixo das Pedras, Por Trás dos Textos”, inédito no Brasil), ele diz que a escassez de fontes diretas sobre Jesus não significa que seja impossível recompor a vida do homem de carne e osso que morreu em Jerusalém. “A interpretação correta dos textos históricos e a arqueologia estão trazendo surpreendentes revelações sobre o Jesus histórico.”

Uma dessas revelações pode estar contida numa pequena caixa de pedra cor de areia encontrada em Jerusalém com uma inscrição feita em língua e caligrafia de 2 mil anos atrás. Ao lê-la em aramaico, da direita para esquerda, como a maioria das línguas semitas, está escrito inicialmente “Yaákov, bar Yosef”, ou seja: Tiago, filho de José. E continua, mais desgastada, “akhui di…” irmão de “Yeshua”, Jesus. Isso mesmo. Segundo André Lemaire, especialista em inscrições do período bíblico da Universidade de Sorbonne, em Paris, há uma alta probabilidade de que a caixa tenha sido usada como ossário de Tiago (São Tiago, para os católicos), o mesmo do Novo Testamento, já que a possibilidade que a associação entre esses três nomes seja uma referência a outras pessoas é estatisticamente baixa.

Apesar de não ter sido encontrada num sítio arqueológico (como foi comprada por um colecionador num antiquário, as chances de fraude seriam maiores), ela poderá se tornar a primeira evidência material associada a Jesus. “Caso fique provado que a inscrição é verdadeira, a descoberta levantará uma série de novas questões”, diz Crossan. “Vamos ter que nos perguntar, por exemplo, se termos como irmão e pai significam exatamente o mesmo que hoje: pai e irmão de sangue.

Apesar de o Evangelho de São Mateus, no capítulo 13, versículos 55-56, citar: “Porventura não é este o filho do carpinteiro? Não se chamava sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas: e suas irmãs não vivem elas todas entre nós?”, a Igreja sempre pregou aos fiéis que irmão e irmã, nesse caso, significavam apenas primos ou um forte vínculo de amizade e companheirismo entre os que faziam parte de um grupo.

“Como esse é um campo cheio de fé e paixões, a busca do Jesus histórico sempre foi um desafio”, diz André Chevitarese, professor de História Antiga da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos maiores especialistas sobre o tema no país. “Enquanto um religioso conservador ressalta a dimensão espiritual de Jesus, um teólogo da libertação vai buscar nele sua atuação como revolucionário político.”

Mesmo que a diversidade de visões de Jesus seja proporcional ao número de igrejas, correntes e seitas que existem em seu nome, historiadores e arqueólogos estão conseguindo reconstituir como era o mundo em que ele vivia: um retrato fascinante da política, da religião, da economia, da arquitetura e dos hábitos cotidianos que devem ter moldado a vida de um homem bem diferente daquele retratado pelas imagens renascentistas que povoam a imaginação da maioria dos cristãos. A começar pela aparência. Baseados no estudo de crânios de judeus que viviam na região na época, os pesquisadores dizem que a fisionomia de Jesus deveria ser mais próxima da de um árabe moderno, como na imagem que abre essa reportagem. “Em tempos turbulentos como o de hoje, ele provavelmente teria dificuldades de passar pela alfândega de um aeroporto europeu ou americano”, diz Chevitarese.

Um presépio diferente

Imagine que nesse Natal você pudesse entrar numa máquina do tempo para visitar Jesus recém-nascido (quem conhece o argumento da série Operação Cavalo de Tróia, do escritor J. J. Benítez, sabe que a idéia não é original). Se isso fosse possível, os arqueólogos garantem que você teria algumas surpresas. A primeira delas teria relação com a data da viagem. Ao programar a engenhoca para o ano zero, provavelmente você iria se deparar com um menino de quatro anos. É que Jesus deve ter nascido no ano 4 a.C. - o calendário romano-cristão teria um erro de cerca de quatro anos. Tampouco adiantaria chegar em Belém no dia 25 de dezembro. Em primeiro lugar, porque ninguém sabe o dia e a data em que Jesus nasceu. O mês de dezembro foi fixado pela Igreja no ano 525 porque era a mesma época das festas pagãs de Roma. E o segundo problema, ainda mais grave, é que provavelmente Jesus não nasceu em Belém. “Há quase um consenso entre os historiadores de que Jesus nasceu em Nazaré”, diz o padre Jaldemir Vitório, do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, em Belo Horizonte. Então por que o evangelho de Mateus diz que o nascimento foi em Belém? Vitório explica que o texto segue o gênero literário conhecido por midrash. Basicamente, o midrash é um forma de contar a história da vida de alguém usando como pano de fundo a biografia de outras personalidades históricas. No caso de Jesus, ele explica, a referência a Belém é feita para associá-lo ao rei Davi do Antigo Testamento - que, segundo a tradição, teria nascido lá. Mas as associações não parariam por aí. Assim como o nascimento em Belém, a terrível execução de recém-nascidos ordenada por Herodes e a fuga de Maria e José para o Egito também teriam sido uma “licença poética do texto”, dessa vez para simbolizar que Jesus é o novo Moisés - já que essa narrativa é bem semelhante ao que se contava da vida do patriarca bíblico. “Isso não foi uma criação maquiavélica para glorificar Jesus, era apenas o estilo literário da época”, diz Vitório. Até os simpáticos três reis magos estariam ali para representar que Jesus foi reconhecido como messias por povos do Oriente - e quase nenhum historiador defende que, de fato, eles tenham existido. (Apesar dos muitos fiéis que visitam todos os anos a Catedral de Colônia, na Alemanha, que acreditam que os restos mortais dos três estão lá.)

Mas se essas passagens são representações e não fatos históricos, o que um viajante no tempo encontraria de semelhante às imagens estampadas nos cartões de Natal? “Jesus deve ter nascido numa casa de camponeses extremamente pobres, cercada de animais”, diz Gabriele Cornelli, professor de Teologia e Filosofia da Universidade Metodista de São Paulo. “Cresceu numa das regiões mais pobres e turbulentas daquela época.”

Um judeu pobre da Galileia

Um vilarejo de trabalhadores rurais numa encosta de serra com, no máximo, 400 habitantes. Segundo os arqueólogos, essa é a cidade de Nazaré no tempo em que Jesus nasceu. De tão pequena, a vila praticamente não é citada nos documentos da época. “As escavações arqueológicas na cidade não encontraram nenhuma sinagoga, fortificação, basílica, banho público, ruas pavimentadas, enfim, nenhuma construção importante que datasse do tempo de Jesus”, diz o historiador John Dominic Crossan. “Em compensação, foram encontradas pequenas prensas de azeitonas para a fabricação de azeite, prensas de uvas para vinho, cisternas de água, porões para armazenar grãos e outros indícios de uma vida agrária de subsistência.”

A casa em que Jesus cresceu devia ser como a de todo camponês pobre da época: chão de terra batida, teto de estrados de madeiras cobertos com palha e muros de pedras empilhadas com barro, lama ou até uma mistura de esterco e palha para fazer o isolamento. Ao entrar na casa, talvez alguém lhe oferecesse água tirada de uma cisterna servida num dos muitos vasilhames de pedra e barro achados pelos arqueólogos na região - a água era preciosa, já que a chuva era escassa. Para comer, a cesta básica era formada por pão, azeitona, azeite e vinho e um pouco de lentilhas refogadas com alguns outros vegetais sazonais, servido às vezes no pão (que você deve conhecer como pão árabe). Com sorte, nozes, frutas, queijo e iogurte eram complementos bem-vindos, além de um peixe salgado vez ou outra. Segundo os arqueólogos, a carne era rara, reservada apenas para celebrações especiais. A maioria dos esqueletos encontrados na região mostra deficiência de ferro e proteínas e sinais de artrite grave. “A mortalidade infantil era alta e a expectativa de vida girava em torno dos 30 anos”, diz Crossan. “Só raros privilegiados alcançavam 50 ou 60 anos de idade.”

Para garantir o sustento, as famílias precisavam ter um número razoável de filhos que ajudassem no duro trabalho no campo. “É pouco provável que Jesus tenha sido filho único”, diz o historiador Gabriele Cornelli. “Assim como um menino de roça que vive em comunidades pobres no interior, ele deve ter crescido cercado de irmãos.” Mesmo pesquisadores católicos como o padre John P. Meier, autor dos quatro volumes da série Um Judeu Marginal, sobre o Jesus histórico, dizem que é praticamente insustentável o argumento de que, no Novo Testamento, “irmão” poderia significar “primo”. “A palavra grega adelphos, usada para designar irmão, deve ter sido usada no sentido literal”, diz Meier. Sua conclusão reforça ainda mais as chances de que o ossário atribuído a São Tiago, irmão de Jesus, possa ser verdadeiro.

E quanto à profissão de Jesus? O historiador Gabriele Cornelli diz que, baseado nas parábolas atribuídas a ele, é muito provável que Jesus tenha sido um camponês. “Sua pregação está repleta de imagens detalhadas da vida agrícola”, diz Cornelli. “É quase impossível que esse grau de detalhamento possa ter surgido de alguém que não lidava dia a dia no campo.” Mas José não era carpinteiro e seu filho não o teria seguido na profissão?

O professor de Ciências da Religião Pedro Lima Vasconcellos, da PUC de São Paulo, diz que a palavra carpinteiro (tekton) usada no Novo Testamento pode significar também “biscateiro”, no sentido de uma classe inferior que faz serviços manuais. “É o que chamamos atualmente do trabalhador pau-pra-toda-obra.” Uma das hipóteses levantadas pelos arqueólogos é de que Jesus pode ter trabalhado no campo e, eventualmente, atuado em algumas obras de construção civil. Os arqueólogos descobriram que, a apenas 6 quilômetros de Nazaré, uma série de novos edifícios em estilo greco-romano estava sendo construída na cidade de Séforis. “É possível que Jesus tenha trabalhado lá”, diz Vasconcellos. A construção era apenas uma das várias obras que estavam sendo erguidas por Herodes Antipas, governante da Galiléia no tempo de Jesus. Além das intervenções em Séforis, os edifícios construídos nas cidades de Tiberíades e Cesaréia Marítima (nome dado em homenagem ao imperador Júlio César) tornavam a região cada vez mais parecida com as cidades romanas. “O problema é que todas essas obras representavam um fardo a mais aos camponeses pobres, que já pagavam muitos impostos”, diz o historiador Richard Horsley. “Não é à toa que surgiram nesse período vários movimentos populares de contestação ao poder romano, do qual Jesus era mais um representante.”

Messias de um novo reino

Se o rei Herodes Antipas precisasse se candidatar para se manter no poder na Galiléia no tempo de Jesus, seus assessores de marketing o venderiam como o “realizador de grandes obras” e seu slogan provavelmente seria “Herodes faz”. No seu governo (4 a.C. a 39 d.C.), enormes palácios foram construídos na Galiléia, muitos deles para abrigar a elite judaica que dominava a imensa massa de judeus pobres na região. O esquema de poder na Galiléia, assim como em outras regiões de Israel, funcionava num sistema de clientela: para reinar, Herodes contava com o apoio dos romanos. Estes, por sua vez, exigiam em troca que ele recolhesse impostos para Roma e se responsabilizasse pela repressão de qualquer movimento de contestação ao poder imperial. Sob essas condições, Roma permitia que os judeus cultuassem o seu Deus único, Javé, em vez de celebrarem as várias divindades do panteão romano. Estando bom para ambas as partes, o equilíbrio de poder era mantido. “O problema é que apenas os romanos e uma elite sacerdotal judaica eram beneficiados”, diz o professor André Chevitarese. “A maioria dos judeus tinha que trabalhar cada vez mais para sustentar essas duas classes.”

Ninguém sabe ao certo até que ponto Jesus começou a sua pregação motivado por esse sentimento de injustiça social. Até mesmo porque a tentativa de retratá-lo como um revolucionário político (e não um líder espiritual) parece fazer pouco sentido considerando-se a época em que ele viveu. “Essa distinção de uma consciência política separada da espiritualidade é uma invenção dos pensadores ocidentais modernos, como Maquiavel”, diz Chevitarese. “Para os movimentos apocalípticos de então, o modelo de sociedade perfeita é o Reino de Deus, algo que para essas pessoas estava prestes a se concretizar.”

Os estudiosos dizem que há uma dificuldade natural de quem vive nas sociedades modernas de entender a verdadeira dimensão da palavra apocalipse na época de Jesus. “Algumas pessoas hoje entendem o apocalipse como um futuro distante, o fim dos tempos que chegará somente quando todos estiverem mortos”, diz Paulo Nogueira, professor de Literatura do Cristianismo Primitivo da Universidade Metodista de São Paulo. “Na época de Jesus, os movimentos apocalípticos viam esse futuro como algo para daqui a alguns dias, quando o Reino dos Céus fosse se sobrepor ao Reino da Terra.” Enfim, era preciso se preparar logo.

Para os judeus pobres, estava claro que o tal reino terrestre prestes a ruir era aquele formado por Roma, pelos governantes locais e pela elite judaica representada pelo suntuoso Templo de Jerusalém. E o que as pessoas deveriam fazer para se preparar para o advento do novo reino? Um bom começo era ouvir as profecias de um dos mais conhecidos pregadores da época: João Batista. “Naquele tempo, a figura de João Batista era mais importante do que a de Jesus, que somente se tornou uma ameaça a Roma depois da crucificação”, diz o historiador John Dominic Crossan. Depois de ouvir suas profecias, as pessoas podiam se preparar para a chegada da nova era submetendo-se a um ritual de imersão na água: o famoso batismo de João Batista. “Ao entrar e sair da água, as pessoas sentiam-se como se estivessem deixando para trás os pecados e renascendo purificadas para o novo reino de Deus”, diz Nogueira. (Não é à toa que algumas igrejas até hoje só batizam o fiel quando ele já é adulto - e tem consciência da força do ato como marca da conversão.)

A maioria dos historiadores acredita que João Batista, de fato, deve ter batizado Jesus adulto. “Afinal, não deve ter sido fácil para os evangelistas explicar por que o messias foi batizado, já que, como enviado de Deus, ele é que devia batizar os outros”, diz o historiador André Chevitarese. Mas ele explica que o evangelho logo “resolve” a polêmica ao narrar que, na hora do batismo, a pomba do Espírito Santo aparece sobre Jesus e João Batista diz que ele é que deveria ser batizado.

“As fontes que estão nos ajudando a compreender esses movimentos apocalípticos são os manuscritos do mar Morto”, diz Paulo Nogueira. Descobertos em 1947, os manuscritos foram encontrados no convento de Qumran, uma espécie de condomínio de cavernas habitado pelos essênios, grupos de judeus que viviam como monges seguindo uma rígida disciplina de orações e uma dieta rigorosa. “Apesar de os manuscritos não revelarem nada diretamente sobre Jesus, eles mostram como os cultos apocalípticos já estavam disseminados nessa época”, diz Nogueira. Há até quem defenda a hipótese de que Jesus tenha tido uma ligação direta com os essênios.

Do que os crentes e céticos parecem não ter dúvida é que o batismo de João Batista foi um divisor de águas na vida de Jesus. A partir dali, ele teria se retirado para o deserto para depois dar início à trajetória de sermões e milagres que o levaria à condenação na cruz.

Milagres subversivos

Se os historiadores e arqueólogos estão conseguindo reconstituir o ambiente físico em que Jesus viveu e até têm bons palpites sobre a veracidade de certas passagens da sua vida, tudo muda da água para o vinho quando o assunto são os milagres. Afinal, como um pesquisador pode estudar objetivamente feitos considerados sobrenaturais?

Uma moda no passado (que até hoje tem muitos adeptos nos Estados Unidos) foi a tentativa de explicar a origem de alguns desses fenômenos como tendo causas naturais. Você provavelmente conhece algumas dessas teses: a estrela de Davi no nascimento de Jesus era na verdade o cometa Halley, Lázaro foi ressuscitado por Cristo porque estava em coma, não havia morrido biologicamente…

“Explicações desse tipo conseguem às vezes ser mais absurdas do que o próprio milagre”, diz André Chevitarese. Para ele, em vez de querer esclarecer racionalmente esses fenômenos, o historiador deve manter a mente aberta para entender como as comunidades da época encaravam esses feitos, estudando, por exemplo, qual a noção que se tinha então da doença e da cura.

Os pesquisadores sabem que no tempo de Jesus a doença estava associada à impureza. “A grande preocupação da lei judaica, já prevista em textos como o Levítico, era demarcar o que é puro e o que não é puro”, diz o professor Manuel Fernando Queiroz dos Santos Júnior, da Faculdade de Saúde Pública da USP. “E as doenças de pele, as mais visíveis, logo eram associadas à impureza espiritual.” Especialista em hanseníase, o professor diz que o que a Bíblia chama de lepra servia para nomear, na verdade, todas as doenças de pele na época, de eczemas a micoses. “Traduzir a palavra sara’at na Bíblia para o termo lepra ou hanseníase é errado”, diz o professor. “Quem lê a Bíblia sem atentar para esse detalhe tem a impressão errônea de que existia uma verdadeira epidemia da doença na época de Jesus.” O pior é que, graças a esse erro, os leprosos foram segregados por centenas de anos como portadores de uma doença impura.

Segundo os historiadores, essa associação perversa entre doença e impureza (ou pecado) terminava favorecendo a elite judaica do Templo de Jerusalém. “Afinal, para se curar, o doente tinha que pagar mais taxas e oferecer mais sacrifícios no templo”, diz Crossan. “Isso gerava para o doente um ciclo interminável de sofrimento e dívidas.” O templo era comandado por uma casta sacerdotal que detinha o monopólio de conduzir os fiéis aos rituais de purificação - que, na época, incluíam o sacrifício de animais como cordeiros (quem não tinha posses para tanto, podia sacrificar uma pomba branca comprada no mercado do templo).

Imagine agora o mal-estar que os sacerdotes deviam sentir ao ouvir relatos de que, com um simples toque, um judeu pobre da Galiléia andava curando doentes, declarando, com esse gesto, que a pessoa estava livre dos pecados. “Hoje é difícil de entender como um ato desses era radicalmente subversivo”, diz Richard Horsley. Ele diz que Jesus não estava só. “Uma série de outros curandeiros também usavam esse ritual para desafiar o poder do templo naquela época”, diz o historiador.

Como Jesus conseguia curar as pessoas? Poucos pesquisadores se arriscam a dar palpites. O certo é que, ao se misturar com doentes, mendigos, gentis, prostitutas, enfim, toda classe de pessoas consideradas impuras, Jesus conseguiu incomodar a maioria dos grupos judaicos da época. Entre esses incomodados, se incluíam os fariseus, membros de uma escola religiosa que insistia na completa separação entre os judeus e os gentios (fariseu quer dizer “o que está separado”). Eram provavelmente hostis a Jesus e não deviam entender por que ele comia na mesma mesa dos “impuros” - se você leu os evangelhos, deve ter notado como os primeiros cristãos retratam os fariseus de forma pouco lisonjeira. Jesus provavelmente também não agradou saduceus, pequeno grupo judeu que não acreditava na imortalidade da alma nem nos anjos, muito menos nos milagres de Jesus. “Seu estilo de ensinar e de viver desagradou muitos judeus, que o colocaram à margem do judaísmo palestino”, diz o padre e historiador John P. Meier, no seu livro Um Judeu Marginal. “Mesmo sendo um galileu rústico que nunca freqüentou uma escola de escribas, ele ousou desafiar as doutrinas da época”, diz Meier.

A escolaridade é outro ponto polêmico sobre a vida de Jesus - já que, para muitos historiadores, ele provavelmente era analfabeto. “Somente uma ínfima parcela da população que trabalhava para os governantes sabia ler e escrever”, diz Richard Horsley. “Não acredito que ele fizesse parte dessa parcela.” Então, como explicar o trecho do evangelho que o retrata lendo numa sinagoga? “A palavra ler no evangelho pode significar recitar”, diz Horsley. “O fato de Jesus não saber ler nem escrever não significa que ele não conhecesse os textos e as tradições judaicas.” Juan Arias, correspondente do jornal El País no Brasil e autor do livro Jesus, Esse Grande Desconhecido, discorda. “Apesar de ter vindo de uma família muito pobre, é difícil imaginar que as discussões polêmicas que ele teve com seus contemporâneos relatadas nos evangelhos possam ter sido feitas por um homem que não sabia ler”, diz Arias.

Mesmo que não tenha sido analfabeto, o judeu pobre da Galiléia não deve ter chamado a atenção da elite intelectual da época. A não ser, talvez, pelos tumultos que deve ter causado quando resolveu pregar diretamente em Jerusalém, chegando a derrubar barracas dos mercadores que comerciavam no templo. O resto da história você conhece: para os romanos, apenas mais um agitador crucificado, nada anormal em meio a centenas de outras crucificações. Para um punhado de seguidores, o símbolo de uma nova fé que mudaria o rumo da humanidade.

De Jesus a Cristo

Imagine Nova York como o centro espiritual do mundo muçulmano. Ou mesmo a Basílica de São Pedro, no Vaticano, transformada numa mesquita dedicada ao profeta Maomé. Improvável, não? “Foi algo dessas proporções que aconteceu com a expansão do cristianismo”, diz André Chevitarese. “Em cerca de três séculos, a crença de uns poucos seguidores se tornou a religião oficial do Império Romano, o mesmo império que havia ordenado a sua morte.”

Como isso ocorreu?

Para os cristãos, a resposta é simples: Jesus ressuscitou. Essa seria a evidência de que o homem crucificado não era, afinal, apenas um homem e sim Cristo, o messias esperado pelo povo judeu. Mas como entender o evento da ressurreição? “Nenhum outro tipo de milagre se choca mais com a mentalidade cética da moderna cultura ocidental”, diz o padre John P. Meier. Para ele, ficar especulando sobre o que aconteceu com o corpo de Jesus é, do ponto de vista da história, uma tarefa inútil. “A essência da crença na ressurreição é que, ao morrer, Jesus ascendeu em sua humanidade à presença de Deus”, diz Meier. “Descobrir qual a ligação dessa humanidade com o seu corpo físico não é matéria dos historiadores.”

Mas se a ressurreição é uma questão de fé e não de história, os estudiosos estão pelo menos conseguindo esclarecer detalhes sobre o terrível momento que a teria antecedido: a crucificação. Tudo começou em 1968, quando foi descoberto na região de Giv’at há-Mivtar, no nordeste de Jerusalém, o único esqueleto de um crucificado conhecido pela ciência. Depois que os ossos foram analisados pelos pesquisadores do Departamento de Antiguidades de Israel e da Escola de Medicina Hadassah, da Universidade Hebraica de Jerusalém, conclui-se que os braços não foram pregados, mas amarrados na travessa da cruz. Já as pernas do condenado foram colocadas em ambos os lados da base vertical de madeira, com pregos segurando o calcanhar em cada lado. Não havia evidências de que suas pernas haviam sido quebradas depois da crucificação para apressar a sua morte. “O curioso é que uma revelação surpreendente sobre a morte na cruz não surgiu da descoberta de esqueletos, mas da falta deles”, diz Pedro Lima Vasconcellos, da PUC de São Paulo. “Afinal, se centenas e até milhares de pessoas foram crucificadas na época, por que apenas um esqueleto foi encontrado?”

O historiador John Dominic Crossan diz que há uma razão terrível para isso: “As três penas romanas supremas eram morrer na cruz, no fogo e entregue às feras”, diz Crossan. “O que as tornava supremas não era a sua crueldade desumana ou sua desonra pública, mas o fato de que não podia restar nada para ser enterrado no final.” Apesar de ser fácil de entender por que não sobraria nada de um cadáver consumido pelo fogo ou devorado por leões, ele diz que a maioria das pessoas esquece que, no caso da crucificação, o corpo era exposto aos abutres e aos cães comedores de carniça. Como um ato de terrorismo de Estado, a extinção do cadáver também tinha como vantagem para as autoridades evitar que o túmulo do condenado se tornasse local de culto e resistência.

Mesmo que ninguém saiba o que ocorreu após a morte de Jesus (alguns historiadores acham razoável que a família e os amigos pudessem ter reivindicado o seu corpo), o fato é que seus seguidores passaram a relatar suas aparições. “Não se deve subestimar o poder dessas experiências em nome do racionalismo”, diz Paulo Nogueira, professor da Universidade Metodista de São Paulo. “Afinal, as pessoas tinham visões, entravam em transe. É uma simplificação, por exemplo, ficar tentando encontrar razões sociológicas para explicar a experiência mística responsável pela conversão de Paulo.”

Nascido na cidade de Tarso, na atual Turquia, Paulo (São Paulo, para os católicos) talvez seja o homem que, sozinho, fez mais pela expansão do cristianismo que qualquer outro dos seguidores de Jesus. O curioso é que, antes de se converter, ele era uma espécie de agente policial encarregado de perseguir os cristãos. “Sua conversão foi tão surpreendente na época como seria hoje ver um embaixador israelense se converter à causa palestina”, diz Monica Selvatici, doutoranda em História da Unicamp e especialista em Paulo. “Suas idéias terminaram afastando o cristianismo do judaísmo da época.”

Ela explica que, depois da morte de Jesus, não havia uma distinção clara entre judeus e cristãos. “Os seguidores de Jesus eram apenas judeus que defendiam a tese de que ele era o messias, ao contrário daqueles que não o reconheciam como tal”, diz Mônica. “Eram uma ala do judaísmo, assim como o PT tem alas que não representam as idéias predominantes do partido.” Como falava grego muito bem e foi um dos cristãos que mais viajaram, ele discordava dos judeus-cristãos que defendiam a tese de que os gentios convertidos precisavam seguir rigorosamente a lei judaica, incluindo aí a necessidade da circuncisão - não vista com bons olhos pelos estrangeiros. Em suas cartas (epístolas), são famosas as polêmicas travadas com Tiago (São Tiago, para os católicos), suposto irmão de Jesus, que teria sido um defensor de um cristianismo mais fiel ao judaísmo.

Mas a idéia central de Paulo, resumida na frase de que “o verdadeiro cristão se justifica pela fé e não pelos trabalhos da lei”, prevaleceu. Os gentios podiam agora se converter sem tantos empecilhos e o cristianismo ganhou novas fronteiras. “Paulo ajudou a tirar de Jesus a imagem de um messias para o povo hebreu, transformando-o num salvador de todos os povos”, diz Mônica. “Jesus deixou de ser um fenômeno regional para ganhar um caráter universal.”

A influência de Paulo é tão grande, que há historiadores que chegam a dizer que o cristianismo como o conhecemos é, na verdade, um “paulismo”. “Isso é um exagero”, diz Paula Fredriksen, professora de estudos religiosos da Universidade de Boston e autora do livro From Jesus To Christ (”De Jesus a Cristo”, inédito no Brasil). “Com ou sem Paulo, já havia um movimento forte entre os judeus cristãos de que os gentios não precisavam seguir estritamente as leis para serem salvos”, diz Paula.

Mas o que levaria um cidadão romano a trocar os seus deuses para cultuar um judeu da Galiléia? (Lembrando que, na época da morte de Jesus, um cidadão romano sabia tão pouco sobre as várias correntes do judaísmo como um ocidental hoje sabe sobre as linhas do Islã.) “O cristianismo trouxe uma idéia de salvação da alma que não existia na religião romana”, diz Pedro Paulo Funari, professor de história e arqueologia da Unicamp. “A religião romana tinha um aspecto formal, público, pouco ligado às inquietações da vida depois da morte”. Mas Funari explica que, apesar do formalismo das crenças romanas, a idéia de salvação da alma já estava difundida na população pela influência de algumas religiões orientais, como o culto a Íris e Osíris, do Egito. “Isso deve ter facilitado ainda mais a expansão do cristianismo em Roma”, diz Funari.

O ápice dessa expansão se deu quando o imperador romano Constantino converteu-se ao cristianismo, no século 4. Ninguém sabe ao certo se ele foi motivado mais por dilemas espirituais do que razões políticas (afinal, ao se converter, ele pôde contar com o apoio dos cristãos e com a estrutura de um Igreja já bem organizada.)

O certo é que alguns séculos depois, a cruz, imagem brutal da sua crucificação, foi usada para invocar a guerra e a paz entre os povos. E Yeshua, o judeu pobre que morreu praticamente despercebido durante a Páscoa em Jerusalém, já era conhecido por boa parte do mundo como o Cristo. O mesmo Cristo cujo nascimento passou a ser celebrado todos os anos, no mês de dezembro, no dia de Natal.
Fonte: Revista Superinteressantehttp://super.abril.com.br/super2/home/

domingo, 11 de abril de 2010

Qual Deus que criamos: Teísta, Atéista, ou um D (d) eus Intermediário?


1- Teísmo é um conceito filosófico - religioso desenvolvido para se compreender o Criador. Esta filosofia defende que este Ser é a única entidade responsável pela criação do Universo; é Onipotente, capaz de realizar tudo sem a ajuda de ninguém; Onisciente, ou seja, Aquele que tudo conhece; detém infinita liberdade e suprema generosidade.

2- Teísmo Aberto ou Teologia Relacional se propõe a rever os conceitos da igreja histórica sobre Deus, por julgá-los inadequados e ultrapassados, e tem por objetivo apresentar uma nova visão de Deus, e da sua maneira de se relacionar com a criação. Rejeita alguns dos atributos de Deus, tais como:- Onisciência, Onipotência, Imutabilidade, e, inclusive a soberania de Deus!

Podemos resumir o pensamento do Teísmo Aberto ou Teologia Relacional mais ou menos assim:

Principal atributo de Deus é o Amor - Deus é sensível e se comove com os dramas de suas criaturas.

Deus não é soberano - Deus abriu mão da sua soberania. Ele é incapaz de realizar tudo o que deseja como impedir tragédias e erradicar o mal. O homem tem capacidade e liberdade para cooperar ou contrariar os desígnios de Deus. Deus se molda às decisões humanas e, ao final, vai obter seus objetivos eternos, redesenhando a história de acordo com as decisões humanas.

Deus ignora o futuro - Ele não é atemporal, ele vive no tempo. O futuro inexiste. Deus não sabe antecipadamente que decisões as pessoas haverão de tomar, pois os seres humanos são absolutamente livres para tomarem as suas decisões. O futuro é determinado pela combinação do que Deus e as suas criaturas decidem fazer.

Deus se arrisca - Ao criar seres racionais livres, Deus se expôs a riscos... Deus não sabia qual seria a decisão dos Anjos, no céu, e nem a de Adão e Eva, no Éden. E ainda hoje, por respeitar a liberdade concedida ao homem, Deus se arrisca diariamente.

Deus não é onipotente - Ele pode sofrer e cometer erros em seus conselhos e orientações. Seus planos podem ser frustrados. Ele se frustra e expressa esta frustração quando os seres humanos não fazem o que ele gostaria.

Deus é mutável - Ele é imutável apenas em sua essência. Deus pode se arrepender de decisões tomadas, como reação às decisões das suas criaturas. Deus é mutável e aprende com o passar do tempo histórico. Esta postura é chamada de teologia do processo.

3- D(d)eus Intermediário - “Não acredito que Deus fez isso. Eu não tenho Deus no meu coração. Não acredito que Deus quis fazer isso com elas. Minha dor não passa. Eu fiquei presa e não consegui salvar minhas filhas. Por que Deus prendeu as minhas pernas?"

São palavras de uma mãe que teve três filhas soterradas no deslizamento de terras no morro do Bumba em Niterói. Estas palavras de desespero definem a 3º maneira de se conceber Deus.

Explico! É um D(d)eus ao nosso bel prazer, um D(d)eus segundo as nossas vontades e interesses pessoais, um D(d)eus tão terrível com qualquer deus adorado na forma das entidades que repudiamos, presente nas chamadas religiões Espíritas, Afro-Brasileiras ou de Mistério.

Falta na maioria de nós, cristãos, sinceridade, primeiro com nós mesmos e segundo para com o Deus Verdadeiro, O Soberano Criador dos Céus e da Terra e de tudo que nela existe e habita.

É verdadeiro o desepero dessa mãe ao experimentar a maior dor que o ser humano pode sentir, a perda de um filho, e no caso em destaque foram três vidas ceifadas. Mas são blasfemas ou no mínimo emotivas as afirmações feitas sobre a culpabilidade de Deus sobre tais acontecimentos.

A origem do sofrimento humano consiste em três falsos pilares que são construídos em relação a Pessoa do Verdadeiro Deus:

1º- Deus é compreensível e tolerante.
2º- Deus é capaz de transformar maldição em benção.
Deus está em tudo e em todos.

Infeliz Homem!

Pensar dessa forma sobre Deus é o mesmo que atravessar uma via de mão dupla sem querer ser atropelado e esmagado pelos carros. É justamente o contrário que Deus diz na sua Palavra:

1º- ...visito a maldade dos pais nos filhos até a terceira geração e quarta geração daqueles que me odeiam.
2º- ...por causa da maldição a terra chora.
3º- ...Ouvi isto, vós que vos esqueceis de Deus, para que não vos faça em pedaços, sem haver quem os livre.

Resumindo:

"O SENHOR está convosco, enquanto vós estais com ele, e, se o buscardes, o achareis; porém, se o deixardes, vos deixará". 2 Crônicas 15.1:2.

Que direito o Homem tem de se queixar dos infortúnios, das calamidades, dos males que lhe assolam, uma vez que não buscam ao Verdadeiro Deus, e sim, a um deus do tipo robô, vodu, de madeira, mudo, de gesso, cego, de prata, surdo. Este é o deus que se busca. Somos a semelhança do povo que pereceu no deserto, dos traiçoeiros membros do Sinédrio, dos interesseiros discípulos, da multidão faminta e doente, só queremos o melhor de Deus para saciar as nossas necesidades humanas e carnais. Quanto ao buscar o Reino dos céus e a sua justiça. Passa de mim Senhor este cálice!

Sentimos a dor dos nossos amigos, parentes, desconhecidos sempre superficialmente, ou seja, até desligarmos o telefone ou fecharmos a nossa porta. E isso se dá por três motivos:

1º- Somos realmente limitados e incapaz de absorver problemas em grande quantidade.
2º- Somos de fato egoísta e acreditamos que jamais passaremos por tal desgraça, até que nos ocorra tal coisa.
3º- Somos juízes dos outros ao arbitrar que tais desgraças é fruto de pecado.

Temos sempre a primazia de achar que somos sempre corretos, somos especialistas em realizam julgamentos imediatos, e aqueles que, até então nos eram queridos e sinceros, de um momento para o outro passam a ser nossos algozes. É como bem disse Salomão "O que apresenta primeiro a sua causa se diz correto, até que vem outro e o contradiz".

Somos mestres em não reconhecer totalmente a nossa culpa e gostamos de dividir nossa inteira injustiça com o outro. Massageia o nosso ego mentiroso, satisfaz a nossa alma doente, acalenta nossos maus desígnios.

Aonde esteve Deus na vida desses construtores de "Babel" do morro do Bumba?

"Quem deu crédito a nossa pregação?"
"Qual de vós fez do "braço do Senhor " a sua força?"
"Aonde está o meu louvor, a minha honra, e a minha glória?"


quarta-feira, 7 de abril de 2010

Os Judeus e suas Mentiras, por Martinho Lutero.

Ainda no começo da sua posição como teólogo e reformador Lutero até gostava dos judeus veja o que ele dizia sobre eles: “Os judeus são parentes de sangue do Senhor; se fosse apropriado vangloriar-se na carne e no sangue, os judeus pertencem mais a Cristo do que nós. Rogo, portanto, meu caro papista, que se te cansares de me vilipendiar como herético, que comeces a me injuriar como judeu”.

Entretanto, quando eles não se uniram a Lutero em suas críticas violentas à Igreja Romana, ele afirmou: “Todo sangue da mesma linhagem de Cristo queime no inferno, e eles com certeza merecem isso, de acordo com suas próprias palavras que falaram a Pilatos”.

É importante ressaltar que o ódio alemão aos judeus não é o mesmo que o Nazista, embora o que o Nazismo fez pode muito bem ser a representação do que Lutero tinha recomendado cerca de 400 anos antes. O ódio de Lutero aos judeus se baseava na religião, ou seja, se um judeu que passasse a ser protestante não seria mais um alvo de Lutero, já o ódio Nazista matava todos os judeus possíveis (cristãos ou não).

Embora não seja o único, o texto anti-judeu mais famoso de Lutero se denomina Sobre os Judeus e Suas Mentiras, ou Contra os Judeus e Suas Mentiras. Caso você tenha interesse em comprar, existe uma editora neonazista no Brasil (Editora Revisão de S.E. Castan) que ainda tenta publicar ele (embora seja proibida a circulação de livros dessa editora). Engraçado que o famoso Reformador possua hoje textos sendo publicados em uma editora Neonazista. Eis aqui o famoso panfleto na integra:

SOBRE OS JUDEUS E SUAS MENTIRAS - Martinho Lutero

O que devem fazer os cristãos contra este povo rejeitado e condenado, os judeus? Já que eles vivem entre nós, não devemos ousar tolerar a sua conduta, agora que sabemos das suas mentiras e suas injúrias e suas blasfêmias. Se o fizermos, tornamo-nos participantes de suas mentiras, sua injúria e sua blasfêmia. Portanto não temos como apagar o inextinguível fogo da ira divina, da qual falam os profetas, e tampouco temos como converter os judeus. Com oração e temor de Deus devemos colocar em prática uma dura misericórdia, para ver se conseguimos salvar pelo menos alguns deles dentre as chamas crescentes. Não ousamos vingar a nós mesmos. Vingança mil vezes pior do que qualquer uma que poderíamos desejar já os toma pela garganta. Quero dar-lhes minha sincera recomendação:

Em primeiro lugar, queimem-se suas sinagogas e suas escolas, e cubra-se com terra o que recusar-se a queimar, de modo que homem algum torne a ver deles uma pedra ou cinza que seja. Isso deve ser feito em honra de nosso Senhor e da Cristandade, de modo que Deus veja que somos cristãos, e não fazemos vista grossa ou deliberadamente toleramos tais mentiras, maldições e blasfêmias públicas tendo como alvo seu Filho e seus cristãos. Pois o que quer que tenhamos tolerado inadvertidamente no passado – e eu mesmo estive ignorante dessas coisas – será perdoado por Deus. Mas se nós, agora que estamos informados, protegermos e acobertarmos essa casa de judeus, deixando-a existir debaixo do nosso nariz, na qual eles mentem, blasfemam, amaldiçoam, vilipendiam e insultam a Cristo e a nós, seria o mesmo que se estivéssemos fazendo tudo isso e muito mais nós mesmos, como bem sabemos.

Em segundo lugar, recomendo que suas casas sejam também arrasadas e destruídas. Pois nelas eles perseguem os mesmos objetivos que em suas sinagogas. Eles devem ao invés disso ser alojados debaixo de um único teto ou pavilhão, como ciganos. Isso fará com que eles aprendam que não são senhores no nosso país, da forma como se vangloriam, mas que vivem em exílio e no cativeiro, da forma como gemem e lamentam incessantemente a nosso respeito diante de Deus.

Terceiro, recomendo que todos os seus livros de oração e obras talmúdicas, nos quais são ensinadas tais idolatrias, mentiras, maldições e blasfêmia, sejam tirados deles.

Quarto, recomendo que seus rabis sejam de agora em diante proibidos de ensinar, sob pena de morte ou da amputação de algum membro. Pois eles perderam da forma mais justa o direito a tal posição ao manterem os judeus cativos com a declaração de Moisés (em Deuteronômio 17.10ss.) na qual ele ordena que obedeçam os seus mestres sob pena de morte, embora Moisés acrescente claramente: “o que eles ensinam segundo a lei do Senhor”. Esses desprezíveis ignoram isso. Eles arbitrariamente empregam a obediência do pobre povo de forma contrária à lei do Senhor, infundindo neles esse veneno, essa maldizer, essa blasfêmia. Do mesmo modo o papa nos manteve cativos com a declaração de Mateus 16, “Tu és Pedro,” etc, induzindo-nos a crer em todas as mentiras e falsidades que provinham de sua mente diabólica. Ele não ensinava em conformidade com a palavra de Deus, e perdeu, portanto seu direito a ensinar.

Quando um judeu se converter, serão dados a ele cem, duzentos ou trezentos florins.

Quinto, recomendo que o salvo-conduto para o livre-trânsito nas estradas seja completamente negado para os judeus. Eles não tem o que fazer no campo, visto que não são proprietários de terras, oficiais do governo, mercadores ou coisa semelhante. Que fiquem em suas casas.

Sexto, recomendo que sejam proibidos de emprestar a juros, e que todo o dinheiro e peças de ouro e prata sejam tomados deles e colocados sob custódia. O motivo de tal medida é que, como foi dito, eles não possuem qualquer outro modo de ganhar a vida que não seja emprestar a juros, e através da usura furtaram e roubaram de nós tudo que possuem. Esse dinheiro deveria ser agora usado para nenhum outro fim que não o seguinte: quando acontecer de um judeu se converter, serão dados a ele cem, duzentos ou trezentos florins, da forma como sugerirem suas circunstâncias pessoais. Com isso ele poderá estabelecer-se em alguma ocupação de modo a sustentar sua pobre mulher e filhos e dar suporte aos velhos e fracos. Pois tais ganhos malignos são amaldiçoados se não colocados em uso com a benção de Deus numa causa digna e justa.

Sétimo, recomendo que se coloque um malho, um machado, uma enxada, uma pá, um ancinho ou um fuso nas mãos dos jovens judeus e judias, e deixe-se que eles ganhem o seu pão com o suor do seu rosto, como foi imposto sobre os filhos de Adão (Gênesis 3:19). Pois não é justo que eles deixem que nós, os gentios malditos, labutemos debaixo do nosso suor enquanto eles, o povo santo, gastam o seu tempo atrás do fogareiro, banqueteando-se e peidando, e acima de tudo isso vangloriando-se blasfemamente do seu senhorio sobre os cristãos através do nosso suor.
Martinho Lutero,
Sobre os Judeus e Suas Mentiras, 1543

Em um outro texto Shem Hamphoras(um tratado contra os judeus) Lutero rapidamente reproduz uma lenda judaica e a ataca os judeus em todo o resto do livro. Nesse tratado ele faz a seguinte referência ao panfleto Sobre os Judeus e Suas Mentiras:

“Eis porque não dei àquele panfleto o nome de Contra os Judeus, mas Contra os Judeus e Suas Mentiras, para que os alemães possam conhecer através da evidência histórica o que é um judeu, de modo a poderem alertar nossos cristãos contra eles da mesma forma que os alertamos contra o próprio Diabo, a fim de fortalecermos e honrarmos nossa crença; não para converter os judeus, o que seria quase tão impossível quanto converter o Diabo.” — Martinho Lutero, em ‘Shem Hamphoras’.

Difícil de acreditar que um homem tão especial como Martinho Lutero tenha falado em poucos escritos tanta bobagem, declarado tanto ódio, e chutado tudo que Jesus disse sobre amar ao próximo, perdoar, e claro sobre "as ovelhas perdidas de Israel", "os filhos de Abraão", povo que Deus tanto ama.


A Árdua Missão de um Pregador Pentecostal (Era Sábado à Noite)

Era sábado à noite. Chovia torrencialmente no Rio de Janeiro. As condições precárias de Belford Roxo tornavam a viagem até a igreja local uma odisséia homérica. Buracos incontáveis, barro que cobria toda a estrada..., dilúvio ininterrupto.

Estacionei o carro longe da igreja e segui o restante do percurso a pé. Tirei o sapato e a meia, levantei a barra da calça e pisei na lama. Andei uns trezentos metros até adentrar nos umbrais da minha querida denominação.

Era culto de jovens. Apesar da tempestade, dos raios que iluminavam o céu lúgubre, e do trovão que derrubara uma velha árvore a poucos metros do templo, a igreja estava abarrotada de jovens, famílias, crentes.

O culto transcorreu com a liturgia tradicional das Assembléias de Deus. Cânticos congregacionais avivalistas e conversionistas, leitura das Escrituras, apresentações, testemunhos e oportunidades para conjuntos visitantes. Ouviam-se as orações e louvores do povo de Deus.

Fui cumprimentado pública e hiperbolicamente pelo pastor local. Ele falava de meus livros, de meu trabalho na CPAD, de como era importante para a Baixada Fluminense ter um dos seus filhos paraibanos trabalhando na editora da denominação; disse até mesmo conhecer minha vida particular e um dos meus tios e que, além de eu ser um “homem de Deus” era também responsável pela pregação naquela fatídica noite. Até que...

Chegado o momento da pregação, retribuí ao pastor o apreço. Abri as Escrituras e li a perícope joanina 12.1-11. Foi tudo o que consegui ler e falar naquele momento...

De repente um glossolalo irrompeu em línguas, seguido de outros três, que se expandiram para seis, doze, vinte e quatro e talvez quarenta e oito. Virei-me em direção ao dirigente local, na expectativa de que ele me apoiasse a retomar a ordem, a liturgia da palavra, mas, infelizmente, ele estava ocupado demais “pulando no espírito”.

Fiquei atônito, embasbacado, estupefato. Empregara muitas horas na preparação da pregação. Fizera uma exegese minuciosa da passagem. Em oração, meditara demorada e profundamente no texto e na contextualização do querigma.

Num ímpeto frenético, uma jovem começou a profetizar no mesmo momento que outra do conjunto visitante. Tentei falar, mas fui repreendido por um obreiro que disse:

“- Não há necessidade de mensageiro quando o Senhor está presente! ‘Ha-le-lui-as!!!!”

A primeira moça, como um raio que entrecortava as últimas nuvens daquela noite, correu apressuradamente em direção à outra, que também estava profetizando. Passou por três outras imberbes que dançavam “no espírito” e, numa coragem hollywoodiana, pôs a mão sobre a boca da profetiza e disse:

“– Cala-te. Eu sou o Senhor teu Deus!”

A mulher tirou rispidamente a mão que cobria-lhe o instrumento profético e retrucou, com erro vernacular e tudo:

“– Cale-se você. Eu que sou o Senhor teu Deus!”

“– Não”, retrucou a profetiza,

“– Eu que sou o teu Deus!”

Virei-me mais uma vez, na esperança de que o dirigente me ajudasse a retomar a ordem, mas ele estava ocupado profetizando para um auxiliar, e seus obreiros, caídos ao chão.

Fechei a Bíblia. Dei três passos para trás e sentei-me contemplando um jovem que estava correndo com as mãos abertas como se fosse um planador e outro que colocava uma das mãos no ouvido e outro na boca, como se estivesse conversando com alguém num celular fantasmagórico.

Comecei a chorar ao contemplar a desordem no culto, a manipulação dos carismas, a falsa espiritualidade e a meninice que grassa nalguns arraiais pentecostais.

Passados mais de uma hora, o pastor local retomou a palavra e pediu-me que fizesse as considerações finais. Abri a Bíblia em 1 Coríntios 14 e me ofereci a ministrar um curso acerca dos dons espirituais, mas aquele povo era duro de ouvidos.

Fui em direção ao carro. Tirei o sapato e as meias, levantei as barras da calça, mas uma das meias caiu na lama.

Era sábado à noite.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Os Supostos Messias da Judéia

“Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor. Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade.” JESUS em Mt 7:22-23.

Uma febre messiânica havia contagiado toda a Judéia. Todos esperavam ansiosamente por um Messias que os livrasse do domínio romano. Uma das razões pelas quais os judeus rejeitaram a Jesus, é que Ele não tinha o perfil do messias idealizado pelas expectativas populares. Eles não queriam um pacifista como Jesus, mas um general que inspirasse o povo judeu a uma revolta sangrenta contra Roma. Jesus, num certo sentido, não correspondia aos anseios populares. Mesmo operando tantos milagres e sinais, Sua mensagem era por demais pacifista. Ele, porém, já havia advertido a Seus discípulos acerca do aparecimento de falsos cristos: “Acautelai-vos, que ninguém vos engane. Pois muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e enganarão a muitos (...) Surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos (...) Então, se alguém vos disser: Olhai, o Cristo está aqui, ou ali, não lhe deis crédito. Pois surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os escolhidos. Prestai atenção, eu vo-lo tenho predito. Portanto, se vos disserem: Olhai, ele está no deserto! Não saiais; ou, Olhai, ele está no interior da casa! Não acrediteis” (Mt.24:4-5, 11, 23-26).

O judaísmo apóstata provia um solo fértil para o aparecimento desses pseudocristos. E muitos deles surgiram do seio da própria igreja. Disso João atesta em sua primeira epístola, quando afirma:“...já muitos anticristos têm surgido, pelo que conhecemos que é a última hora. Saíram do nosso meio, mas não eram dos nossos. Pois se tivessem sido dos nossos, teriam ficado conosco...” 1 JOÃO 2:18.

Um exemplo clássico disso foi o caso de Simão, o Mago (At.8:9-23). Eusébio, bispo de Cesaréia, conta que “Simão tornara-se tão célebre naquele tempo e exercia tamanha influência sobre aqueles que eram enganados por suas imposturas, que o consideravam o grande poder de Deus. Esse mesmo Simão, porém, admirado com os milagres extraordinários realizados por Filipe pelo poder de Deus, astutamente assumiu e até fingiu fé em Cristo, a ponto de ser batizado; e o surpreendente é que o mesmo é feito até hoje por aqueles que adotam sua mais torpe heresia.

Esses, à maneira de seu fundador, insinuando-se na igreja como uma doença pestilenta e leprosa, infectaram com a maior corrupção as pessoas em quem conseguiram infundir seu veneno secreto, irremediável e destrutivo. Muitos desses, aliás, já foram expulsos depois de apanhados em sua perversão; como o próprio Simão sofreu seu merecido castigo quando detectado por Pedro. Simão era um que preenchia todos os requisitos básicos para ser classificado, tanto como “falso cristo”, quanto como “falso profeta”.

João tinha toda razão em dizer que o espírito do anticristo já estava operando em seus dias (1 Jo.4:3).

Eusébio nos informa que “o inimigo da salvação engendrou um estratagema para conquistar para si a cidade imperial e levou até ali Simão (...) Com a ajuda de artifícios insidiosos, ele agregou a si muitos dos habitantes de Roma”.

Eusébio cita a apologia de Justino Mártir endereçada ao imperador Antonino, onde se lê:Após a ascensão de nosso Senhor ao céu, certos homens foram subornados por demônios como seus agentes e diziam serem deuses. Esses foram não somente tolerados, sem perseguição, como até considerados dignos de honra entre vós. Um deles foi Simão, certo samaritano da vila chamada Gitão. Este, no reinado de Cláudio César, ao realizar vários rituais mágicos pela operação de demônios, foi considerado deus em vossa cidade imperial de Roma e foi por vós honrado como um deus, com uma estátua entre as duas pontes no rio Tibre (numa ilha), tendo a subscrição em latim: Simoni Deo Sancto, ou seja, A Simão, o Santo Deus; e quase todos os samaritanos, também uns poucos de outras nações, o cultuam, confessando-o como o Deus Supremo.”

Quem diria? Um samaritano figurando no panteão romano! De todos os falsos messias, nenhum obteve o destaque de Simão. Embora samaritano, suas pretensões eram de envenenar todo o mundo com suas heresias. A prova disso é que, astutamente, Simão desenvolveu uma doutrina trinitariana, proclamando-se “Pai” para os samaritanos, “Filho” para os judeus, e “Espírito Santo” para os romanos e demais nacionalidades.

Jerônimo creditou a Simão a seguinte afirmação: “Sou a Palavra de Deus; eu sou o Consolador; sou o Todo-Poderoso, eu sou tudo quanto há de Deus”. Não é à toa que seu nome é freqüentemente mencionado em antigos escritos fora da Bíblia, sendo considerado o arquiinimigo da igreja primitiva, e um dos principais líderes da heresia gnóstica. Irineu o considerava como uma das fontes dessa heresia. Sua influência foi tamanha que os hereges em geral eram apelidados pelos crentes primitivos de “simonianos”.

De todos os sinais que supostamente eram realizados por Simão Mago, o que mais chama a atenção é o citado por Clemente, que diz que Simão declarara ser capaz de transmitir vida e movimento às estátuas. De acordo com o Apocalipse, era justamente isso que a segunda besta se propunha a fazer:"Foi-lhe concedido também que desse fôlego à imagem da besta, para que ela falasse, e fizesse que fossem mortos todos os que não adorassem a imagem da besta.”APOCALIPSE 13:15.

Os falsos profetas e os pseudocristos foram para a igreja primitiva o que Janes e Jambres foram para Moisés diante de Faraó. Bastava que Moisés fizesse um sinal, e logo os dois magos egípcios o copiavam. O primeiro sinal feito por Moisés foi a transformação de seu bordão em serpente. Aliás, foi Arão quem protagonizou esse sinal. Mas para surpresa deles, os magos conseguiram realizar o mesmo sinal. Porém, “a vara de Arão tragou as varas deles”(Êx.7:12). Assim como os sinais feitos por Filipe em Samaria desbancaram a impostura de Simão. A propósito, segundo relatos antigos, foi no Egito que Simão Mago aprendeu as artes mágicas.

Paulo advertiu a Timóteo acerca desses impostores: “E, como Janes e Jambres resistiram a Moisés, assim também estes resistem à verdade, sendo homens corruptos de entendimento e réprobos quanto à fé. Não irão, porém, avante; porque a todos será manifesta a sua insensatez, como aconteceu com a daqueles”(2 Tm..3:8-9).

De fato, nenhum deles foi avante. De acordo com Hipólito, a última e mais ousada exibição de poder de Simão foi justamente a que resultou em sua morte. Ele foi capaz de sepultar-se vivo, afirmando que em três dias reapareceria vivo. Entretanto, não o fez. Por fim, foi declarado: “Ele não era o Cristo”.

Pedro tinha inteira razão ao repudiar Simão em sua tentativa de adquirir o dom do Espírito Santo por dinheiro. “Tu não tens parte nem sorte neste ministério”, declarou o santo apóstolo. O ministério de Simão era outro; aquele que Paulo chamou de “mistério da injustiça”, que é “segundo a eficácia de Satanás, com todo poder, e sinais e prodígios da mentira”(2 Ts.2:7a,9).

Eusébio cita vários deles. Fala, por exemplo, de um tal Menander, discípulo de Simão, o Mago, que, segundo ele, “manifestou-se em sua conduta um instrumento de perversão diabólica não inferior ao predecessor (...) revelou pretensão ainda mais arrogante a milagres; dizendo ser na verdade o Salvador”.

Citando Josefo, Eusébio fala sobre um impostor egípcio, citado também em Atos dos Apóstolos: “Depois de entrar no país e assumir autoridade de profeta, reuniu cerca de trinta mil que foram enganados por ele. Depois os levou do deserto para o monte das Oliveiras, determinado entrar em Jerusalém pela força e, após subjugar a guarnição romana, tomar o governo do povo, empregando seus seguidores como escolta. Mas Félix, antecipando-se ao ataque, saiu a seu encontro com o exército romano, e todo o povo participou da defesa, de modo que quando se travou a batalha, o egípcio fugiu com uns poucos e a maior parte dos que o acompanham foi destruída ou capturada.”

Josefo diz que Jerusalém estava infestada de ladrões e magos. “Enquanto os ladrões enchiam Jerusalém de crimes, os magos, por seu lado, enganavam o povo e o levavam ao deserto, prometendo-lhe mostrar milagres e prodígios. Mas Félix castigou-os imediatamente, por sua loucura; mandou prender e matar a vários. Por esse mesmo tempo veio um homem do Egito a Jerusalém, que se vangloriava de ser profeta. Persuadiu um grande número de pessoas que o seguisse ao monte das Oliveiras, que estava muito perto da cidade, apenas distante uns cinco estádios e garantiu-lhes que, depois de ter ele proferido algumas palavras, veriam cair os muros de Jerusalém, sem que mais fossem necessárias as portas para lá se entrar.”

Jerônimo fala acerca de um tal Barcocabe que fingia vomitar fogo da própria boca. Esse homem, além de ser aclamado por muitos como sendo o messias, teve sua reivindicação messiânica confirmada pelo famoso rabino Akiba. Inicialmente, fora chamado de Barcocabe, que quer dizer “filho da estrela”, mas quando seu engodo foi descoberto, passou a ser chamado de Barcoziba, “filho da mentira”.

Foi por ver o fim de muitos movimentos “messiânicos”, que Gamaliel emitiu o famoso veredicto acerca da uma nova “seita” que surgia no cenário judaico. Levantando-se no Sinédrio, o respeitado religioso disse:"Israelitas, acautelai-vos a respeito do que haveis de fazer a estes homens. Algum tempo atrás levantou-se Teudas, dizendo ser alguém, e a este se ajuntou cerca de quatrocentos homens. Ele foi morto, e todos os que lhe deram ouvidos, dispersos e reduzidos a nada. Depois deste levantou-se Judas, o galileu, nos dias do recenseamento, e levou muito povo após si. Mas também este pereceu, e todos os que lhe deram ouvidos foram dispersos. Por isso vos digo: Dai de mão a estes homens, deixai-os, pois se este conselho ou esta obra é de homens, se desfará, mas se é de Deus, não podereis desfazê-la, para que não aconteça serdes também achados combatendo contra Deus.”ATOS 5:35-39.

Foi aos pés desse mestre que Paulo foi educado. Parece, porém, que Paulo não deve ter ouvido tal conselho, pois ninguém combateu mais a nova “seita” naqueles dias do que ele. Porém, a sua conversão ao cristianismo demonstrou que Gamaliel tinha toda razão.

No fim o “cajado” da Igreja acabou engolindo as serpentes dos falsos profetas.

O fazer descer fogo do céu não deve ser entendido literalmente. Trata-se de uma hipérbole intencional, que visava enfatizar a malignidade e o poder com que tais profetas enganariam o povo e impressionaria a própria besta.

De acordo com Alford, “a aristocracia romana estava peculiarmente debaixo da influência dos astrólogos e dos mágicos, alguns dos quais eram judeus”.

Sabe-se que as autoridades romanas eram freqüentemente atraídas por tais manifestações prodigiosas. Lucas registra em Atos que Paulo e Barnabé “acharam certo judeu mágico, falso profeta, chamado Bar-Jesus, o qual estava com o procônsul Sérgio Paulo, homem prudente. Este, chamando Barnabé e Saulo, procurava muito ouvir a palavra de Deus. Mas resistia-lhes Elimas, o encantador ( que assim se interpreta o seu nome ), procurando apartar da fé o procônsul. Todavia Saulo, que também se chama Paulo, cheio do Espírito Santo, fitando os olhos nele, disse: Ó filho do diabo, cheio de todo o engano e de toda a malícia, inimigo de toda a justiça, não cessarás de perturbar os retos caminhos do Senhor? Agora a mão do Senhor está contra ti, e ficarás cego, sem ver o sol por algum tempo. No mesmo instante caiu sobre ele uma névoa e trevas, e, andando à roda, buscava quem o guiasse pela mão. Então o procônsul, vendo o que havia acontecido, creu, maravilhado da doutrina do Senhor”(At.13:6b-12).

O nome Barjesus significa literalmente “filho de Jesus’, ou “filho da salvação”; ironicamente, Paulo o chamou de “filho do diabo, o mesmo nome dado por Jesus aos religiosos judeus que se diziam filhos de Abraão (Jo.8:44). Assim como aconteceu com Moisés e os magos egípcios, o poder que havia em Paulo se mostrou superior à mágica daquele falso profeta.

domingo, 4 de abril de 2010

A Invenção do Ensino do Arrebatamento Pré-Tribulacionista


Sempre que o cristão encontra uma doutrina que não foi ensinada por alguém de qualquer ramo da igreja de Cristo durante os dezoito séculos passados, ele deveria ter muita suspeita de tal ensino. Esse fato em e por si mesmo não prova que o novo ensino é falso. Mas, deveria definitivamente levantar suspeitas, pois se algo é ensinado na Escritura, não é absurdo esperar que ao menos uns poucos teólogos e exegetas tenham descoberto isso antes.

O ensino de um arrebatamento secreto pré-tribulacional é uma doutrina que nunca existiu antes de 1830. O arrebatamento pré-tribulacional veio à existência mediante uma exegese cuidadosa da Escritura? Não!

A primeira pessoa a ensinar a doutrina foi uma jovem chamada Margaret Macdonald. Margaret não era teóloga nem expositora bíblica, mas uma profetiza da seita Irvingita (a Igreja Católica Apostólica).

O jornalista cristão Dave MacPherson escreveu um livro sobre o assunto da origem do arrebatamento secreto. Ele escreve: “Temos visto que uma jovem escocesa chamada Margaret Macdonald teve uma revelação particular em Port Glasgow, Escócia, no começo de 1830, de que um grupo seleto de cristãos seria capturado para encontrar Cristo nos ares, antes dos dias do Anticristo.

Uma testemunha ocular, Robert Norton M.D., preservou o relato escrito a mão por ela da sua revelação de um arrebatamento pré-tribulacional em dois de seus livros, e disse que foi a primeira vez que alguém dividiu a segunda vinda em duas partes ou estágios distintos. Seus escritos, juntamente com muitas outras literaturas da Igreja Católica Apostólica, ficaram escondidos por muitas décadas do pensamento evangélico dominante, e apenas recentemente reapareceram.

As visões de Margaret eram bem conhecidas por aqueles que visitavam sua casa, entre eles John Darby dos Irmãos. Dentro de poucos meses sua concepção profética distintiva foi refletida na edição de setembro de 1830 do The Morning Watch e na primeira assembléia dos Irmãos em Plymouth, Inglaterra.

Os primeiros discípulos da interpretação pré-tribulacionista freqüentemente a chamavam de
uma "nova doutrina”.

John Nelson Darby (1800-1882), que foi o líder do movimento Irmãos e “pai do Dispensacionalismo moderno”, tomou o novo ensino de Margaret Macdonald sobre o arrebatamento, fez algumas mudanças (ela ensinava um arrebatamento parcial de crentes, enquanto ele ensinava que todos os crentes seriam arrebatados) e incorporou-o em seu entendimento dispensacionalista da Escritura e profecia. Darby gastaria o resto de sua vida falando, escrevendo e viajando para espalhar a nova teoria do arrebatamento.

Os Irmãos de Plymouth admitiam abertamente e até mesmo se orgulhavam do fato que entre os seus ensinos estavam alguns totalmente novos, que nunca tinham sido ensinados pelos pais da igreja, escolásticos medievais, reformadores protestantes e muitos outros comentaristas.

Porém, o maior responsável pela ampla aceitação do pré-tribulacionismo e dispensacionalismo entre os evangélicos foi Cyrus Ingerson Scofield (1843-1921). C. I. Scofield publicou sua Bíblia de Referência Scofield em 1909. Essa Bíblia, que expunha as doutrinas de Darby em suas notas, se tornou muito popular em círculos fundamentalistas.

Na mente de muitos – professores da Bíblia, pastores fundamentalistas e multidões de cristãos professos – as notas de Scofield eram praticamente igualadas à própria palavra de Deus.

Se uma pessoa não aderia ao esquema dispensacionalista e pré-tribulacional, ele ou ela seria quase que automaticamente rotulado de modernista.

Hoje existe uma abundância de livros advogando a teoria do arrebatamento pré-tribulacional e o entendimento dispensacionalista dos fins dos tempos. Aliado ao fato que entre os cristãos professos o arrebatamento pré-tribulacional é freneticamente popular.

Porém, uma comparação dessa teoria com os argumentos oferecidos pela Bíblia demonstra a falácia dessa falsa doutrina.


sábado, 3 de abril de 2010

As Narrativas Sobre os Últimos dias de Jesus

As narrativas sobre os últimos dias da vida de Jesus são uma invenção, segundo pesquisadores.

Se existe uma parte da Bíblia sobre a qual a arqueologia tem bem pouco a dizer é quanto à reconstituição histórica da vida de Jesus, já que dificilmente uma pessoa pobre e sem importância política deixa vestígios. E, dizem os especialistas, era exatamente esse o caso do fundador do Cristianismo. "Quem é que deixa vestígios? É quem tem poder. Se existem ruínas de uma cidade, o que vai sobrar: a choupana do camponês ou um pedaço do palácio? No Novo Testamento temos o mesmo problema. Jesus e seus seguidores eram andarilhos que iam de uma cidade para outra mendigando, portanto, dificilmente deixariam vestígios", explica Pedro Vasconcellos, professor de Teologia da PUC de São Paulo.

Dentre os raros indícios arqueológicos relacionados a Jesus, as citações feitas por dois historiadores, o judeu Flávio Josefo (37-100 d.C) e o romano Tácito (56 - 120 d.C), e pelo Talmude da Babilônia (tratados jurídicos, religiosos e filosóficos que definem o modo de ser judeu) são os mais diretos (todos se referem à sua morte). No livro "Excavating Jesus" (Escavando Jesus), ainda sem tradução no Brasil, o irlandês John Dominic Crossan, professor de estudos bíblicos da Universidade De Paul, nos Estados Unidos, relaciona cinco descobertas arqueológicas que fornecem indícios sobre os relatos da vida de Jesus descritos nos Evangelhos (veja quadro acima). Nenhuma delas faz referência direta a Jesus, mas a pessoas e objetos relacionados a ele, de acordo com as narrativas bíblicas.

Mesmo diante da falta de provas extrabíblicas consistentes, poucos estudiosos sérios colocam sua existência em dúvida atualmente. "Sobre outros personagens históricos, como Pitágoras e Sócrates, tivemos mais dúvidas no passado do que sobre a existência de Jesus", diz o professor de filosofia e teologia Gabriele Cornelli, da Universidade Metodista de São Paulo. Ele explica que as únicas certezas com relação a Jesus são as de que ele existiu e teve uma morte violenta, por motivos religiosos. Provavelmente, os últimos dias de sua vida não ocorreram da maneira relatada nos Evangelhos. "Nem quem os escreveu sabia o que aconteceu. Fica muito claro pela narrativa bíblica que os evangelistas fogem, eles não estão lá. Jesus fica sozinho em seus últimos dias. Não tenho a menor dúvida em afirmar que os detalhes da narrativa são ficcionais, são uma invenção", diz Cornelli.

Paixão nem sempre foi narrada

Esse ponto de vista polêmico é defendido por John Dominic Crossan, em um dos principais livros de referência sobre o assunto, "O Jesus Histórico". Segundo Crossan, a narrativa dos evangelistas é uma releitura do Antigo Testamento. Eles contam a história da morte de Jesus de modo que ela confirme as profecias sobre o Messias - que seria enviado por Deus para morrer e salvar os homens de seus pecados. Mas nem sempre essa história foi contada. Segundo Cornelli, no manuscrito original do apóstolo Marcos, que é a base de todos os Evangelhos, não havia a narrativa da Paixão. Mas então o que motivou o início dessa narrativa? "No meu ponto de vista é porque os primeiros cristãos estavam sendo perseguidos na época em que os Evangelhos foram escritos. Jesus se confronta com os romanos, com a elite religiosa judaica (Sinédrio) e com o poder civil da Palestina (Herodes). Toda essa estrutura dramática reproduz a situação das primeiras comunidades cristãs e diz a essas pessoas como deviam agir", opina Cornelli. "Hoje não conhecemos tão bem o contexto histórico no qual a Bíblia hebraica foi escrita, por isso achamos que aquilo tudo aconteceu mesmo. Quem o conhecia sabia fazer essas referências." Colaboram para essa visão o relato seco e objetivo das fontes extrabíblicas sobre a morte de Jesus e as contradições nos Evangelhos, como mostra o historiador André Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

É o caso da passagem em que Pôncio Pilatos lembra aos judeus que eles poderiam libertar um prisioneiro durante as festas pascais. "Se havia quatro condenados, por que a escolha fica somente entre Barrabás e Jesus? Também não há registro do costume de libertar um prisioneiro para satisfazer os desejos das multidões em outras partes do Império Romano", explica.

Até a crucificação já foi questionada, já que não era costume enterrar os corpos dessas pessoas. As dúvidas acabaram em 1968, quando arqueólogos encontraram o corpo de um judeu crucificado. "Isso comprovou que, em casos raros, essas pessoas eram enterradas. Jesus também poderia ter sido exceção. A maioria dos cientistas dá crédito a esse fato", diz Chevitarese.

Relatos verdadeiros

Existem oito momentos nos relatos bíblicos sobre a vida de Jesus que podem ser considerados reais, segundo os pesquisadores André Chevitarese, da UFRJ, e Gabriele Cornelli, da Universidade Metodista de São Paulo. Esses episódios foram escolhidos com base em dois critérios, o do constrangimento e o da múltipla confirmação. No constrangimento, as informações prejudicam a imagem da figura central da narrativa. Na confirmação, a situação é narrada por fontes diferentes, que nunca tiveram contato. Portanto, nos dois casos, é pouco provável que as histórias tenham sido inventadas.

Jesus é batizado por João

Aplica-se aqui o critério do constrangimento, pois o batismo realizado por João era o de arrependimento para remissão de pecados. Portanto, a atitude de Jesus não condizia com a de messias.

Jesus escolhe discípulos

Aplica-se novamente o critério do constrangimento. Na medida em que Jesus escolhe pessoalmente os 12, é de se perguntar: como ele, sendo o filho de Deus, não previu a traição de um deles.

Jesus e seus discípulos iniciam o ministério na Galileia

Critério da múltipla confirmação. A localização de Jesus e do seu movimento na Galiléia não deixa dúvida quanto à região onde começou o Cristianismo. O fato é citado pelos quatro evangelistas.

A visão negativa que seus parentes têm da sua missão

Dois critérios podem ser aplicados: do constrangimento e da múltipla confirmação. É constrangedor saber que nem os parentes mais próximos de Jesus acreditam nele, conforme demonstram Marcos e João.

Jesus é acusado de ter um demônio

A passagem de João mostra como os oponentes de Jesus viam suas ações. O seu poder reside em Satanás. Esta visão deve ter perdurado até a época do autor do quarto evangelho. O critério é o do constrangimento.

Jesus é traído por Judas

O episódio é constrangedor e citado pelos 4 evangelistas.

Jesus ameaça destruir o templo de Jerusalém

O critério aplicado aqui é o da múltipla confirmação.

Jesus é crucificado

Há dois critérios aplicados aqui: o da múltipla confirmação e o do constrangimento. Uma leitura de Paulo (Filipenses 2:6-8), um texto anterior às narrativas evangélicas, já deixa claro o quanto era difícil para o indivíduo grego ou judeu reconhecer como Messias alguém que morreu na cruz, já que se tratava de uma sentença reservada a escravos, criminosos perigosos e agitadores políticos. O episódio também é citado por todos os evangelistas.

Pistas arqueológicas sobre Cristo

1. Ossário que comprova a existência do sumo sacerdote Caifás, um dos articuladores da morte de Jesus.
2. Inscrição que confirma o alto cargo de Pôncio Pilatos como governador. É a primeira prova física da existência dessa figura-chave na narrativa evangélica.
3. Casa do apóstolo Pedro.
4. Barco de pesca usado no mar da Galiléia no tempo de Jesus e no qual cabiam 13 pessoas. É semelhante ao descrito como "Barco de Jesus" na Bíblia.
5. Esqueleto de Yehochanan, um judeu morto por crucificação, o que mostra que, em raras situações, um crucificado podia ser enterrado.















segunda-feira, 29 de março de 2010

Profecia Historicizada

“O PAPA DO JESUS HISTÓRICO” é o título de um artigo, escrito por Vitor Gagliardo, publicado pela Revista SUPER Interessante, edição 280, Dezembro/2009, p. 17-18. sobre o Jesus histórico, com o renomado escritor e ex-padre católico John Dominic Crossan, rotulado apropriadamente por Vitor Gagliardo de o “O PAPA DO JESUS HISTÓRICO”.

Vitor Gagliardo esclarece em seu artigo que John Dominic Crossan foi o idealizador do Seminário de Jesus (Jesus Seminar), às vezes traduzido por Seminário Jesus, instituição de pesquisadores, iniciada nos Estados Unidos, em 1985, que vem dando plena continuidade à pesquisa em busca do Jesus histórico.

Informa-nos ainda Vitor Gagliardo que John Dominic Crossan é Professor emérito da Universidade DePaul, Chicago (EUA), e é autor de 24 livros sobre o Jesus histórico.

Mas o que significa a expressão “Jesus histórico”? Resposta dada por Crossan:
Nosso esforço é o de separar o que, nos textos bíblicos, é fato histórico e o que é parábola religiosa. [...] Se as parábolas sobre Jesus fossem tomadas literalmente, nós teríamos sérios erros. [...] As histórias que contam a infância de Jesus não devem ser entendidas ao pé da letra. Dizer que Herodes matou as crianças em Belém para matar Jesus, como está em Mateus, é uma parábola. É afirmar que ele é o novo Moisés e Herodes é o novo faraó do Antigo Testamento.

Com relação à distinção, feita desde o século 19, entre o Jesus histórico e o Cristo da fé, Crossan esclarece que o Jesus histórico e o Cristo da fé são a mesma pessoa. É como a polêmica em torno do presidente Bush. Há aqueles que o acham o melhor presidente da história americana; e há os que o consideram uma tragédia. São crenças diferentes sobre a mesma pessoa.

HISTÓRIA RELEMBRADA X PROFECIA HISTORICIZADA

Em sua obra Quem Matou Jesus? As Raízes do Anti-Semitismo na História Evangélica da Morte de Jesus (Rio de Janeiro: Imago, 1995), John Dominic Crossan também esclarece que é preciso distinguir, no Novo Testamento, História Relembrada de Profecia Historicizada. Crossan esclarece que “História Relembrada” refere-se a fatos, enquanto “Profecia Historicizada” refere-se a narrativas inventadas pelos primeiros cristãos para fazer cumprir determinadas escrituras do Antigo Testamento.

Com base nessa distinção, Crossan afirma que os relatos da paixão-ressurreição de Jesus são apenas (aproximadamente) 20% “História Relembrada” e 80% “Profecia Historicizada”.

O primeiro exemplo que ele dá de “Profecia Historicizada” é o das Trevas ao Meio-Dia, no dia da morte de Jesus, narradas em todos os quatro evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João), para fazer-se cumprir a profecia do profeta Amós (Amós 8, 9-10): “Nesse dia, diz o Senhor Deus, farei o sol desaparecer ao meio-dia, e farei surgirem trevas na terra em plena luz”.

Crossan (no livro Quem Matou Jesus?, p. 16) argumenta que a expressão “Trevas ao Meio-Dia”, da profecia de Amós, refere-se à catástrofe terrível pela qual iria passar Israel, quando o seu reino do norte foi devastado pelo brutal militarismo do império assírio. “Autores do século I, como Josefo, Plutarco e Plínio, o Velho, afirmam que o mesmo fenômeno acompanhou o assassinato de Júlio César, em 15 de março de 44 d.C.” (ibid,).

Crossan prossegue em sua argumentação, afirmando que “os cristãos, lendo suas Escrituras, encontraram esta antiga descrição da futura punição divina..., e assim criaram aquela narrativa ficcional sobre as trevas ao meio-dia para afirmar que Jesus morreu em cumprimento à profecia” (ibid.).

Crossan assegura que, na linha desse exemplo, 80% das narrativas da Paixão-Ressurreição de Cristo são profecia historicizada e não história relembrada.

Mas qual o grande mal de interpretar as narrativas da paixão-ressurreição de Cristo como fatos históricos reais e não como profecias historicizadas?

Segundo Crossan, em seu livro acima referido, a resposta, dada antes no prefácio, envolve as narrativas da Paixão-Ressurreição como matriz para o antijudaísmo cristão e, por fim, para o anti-semitismo europeu. [...] E, sem aquele antijudaísmo cristão, o anti-semitismo europeu letal e genocida teria sido impossível ou, pelo menos, não teria atingido tamanha proporção. O que estava em jogo nessas narrativas da Paixão-Ressurreição, no longo curso da história, era o holocausto judeu (p. 47; 51).

Concluindo:

Concordo plenamente com John Dominic Crossan – “O PAPA DO JESUS HISTÓRICO” – ao fazer, em seus numerosos livros, a fundamental distinção entre fato histórico e parábola religiosa, bem como a crucial distinção entre história relembrada e profecia historicizada, alertando-nos para o perigo de se interpretar “parábolas” como “fatos históricos” e “profecias historicizadas” como “histórias relembradas” (ou seja, como fatos históricos reais), como tem feito a grande maioria dos cristãos ao longo de dois mil anos.

Mais alguns exemplos de “profecias historicizadas”, em narrativas do Novo Testamento, com base na distinção feita por John Dominic Crossan (“O PAPA DO JESUS HISTÓRICO”), entre “História Relembrada” e “Profecia Historicizada”.

“História Relembrada” refere-se a fatos, enquanto “Profecia Historicizada” refere-se a narrativas criadas pelos autores cristãos para fazer cumprir determinadas escrituras do Antigo Testamento. O Novo Testamento (particularmente o Evangelho de Mateus) contém muitas “profecias historicizadas”. Como vimos, de acordo com os estudos do renomado teólogo e historiador John Dominic Crossan, os relatos da paixão-ressurreição de Jesus são apenas 20% “história relembrada” e 80% “profecia historicizada” (ver John Dominic Crossan, em sua obra Quem Matou Jesus? As Raízes do Anti-Semitismo na História Evangélica da Morte de Jesus).

PASSAGENS DE ISAÍAS INTERPRETADAS COMO SE REFERINDO A JESUS

Várias passagens de Isaías, particularmente as referentes ao “servo sofredor” (Isaías 53), são interpretadas pelos escritores cristãos como se referindo ao sofrimento redentor de Jesus. Isso, porém, não é “história relembrada” (verdade histórica), mas “profecia historicizada”. Leiamos, a seguir, algumas passagens do chamado Segundo Isaías que parecem referir-se ao sofrimento redentor de Jesus:

“Ofereci o dorso aos que me feriam e as faces aos que me arrancavam os fios da barba; não ocultei o rosto às injúrias e aos escarros” (Isaías 50,6). [...] “E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava sobre si, as nossas dores que ele carregava” (Isaías 53,4). “Mas ele foi trespassado por causa de nossas transgressões, esmagado em virtude das nossas iniqüidades. O castigo que havia de trazer-nos a paz caiu sobre ele, sim, por suas feridas fomos curados. Todos nós como ovelhas, andávamos errantes, seguindo cada um o seu próprio caminho, mas Iahweh fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Foi maltratado, mas livremente humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro conduzido ao matadouro” (Isaías 53,5-7). [...] “Deram-lhe sepultura com os ímpios, o seu túmulo está com os ricos” (Isaías 53,9).

Passagens como essas, do “servo sofredor” do chamado Segundo Isaías, que descrevem alguém que sofre, marcaram o modo como os cristãos contaram suas histórias da paixão de Jesus. Mateus, por exemplo, escreveu:

“E cuspiram-lhe no rosto e o esbofetearam. Outros lhe davam bordoadas” (Mateus 26,67); [...] “E cuspindo nele, tomaram o caniço e batiam-lhe na cabeça. Depois de caçoarem dele, despiram-lhe a capa escarlate e tornaram a vesti-lo com as suas próprias vestes, e levaram-no para o crucificar” (Mateus 27,30-31). [...] “Chegada a tarde, veio um homem rico de Arimatéia, chamado José, o qual também se tornara discípulo de Jesus. E dirigindo-se a Pilatos, pediu-lhe o corpo de Jesus. Então Pilatos mandou que lhe fosse entregue. José, tomando o corpo, envolveu num lençol limpo e o pôs em seu túmulo novo, que talhara na rocha” (Mateus 27,57-60).

Não é por acaso que os relatos da crucificação e morte de Jesus sejam tão parecidos com Isaías 53: Mateus, baseado em Marcos, estava pensando no “servo sofredor” de Isaías 53, enquanto escrevia sobre o sofrimento de Jesus, embora saibamos que as referidas passagens de Isaías 53 não se referem a Jesus, mas a Israel, que tinha sido levado para o exílio de Babilônia, cerca de seis séculos antes do nascimento de Jesus. O próprio Isaías afirma claramente que o “servo” de Iahweh é Israel: “Tu és meu servo, Israel” (Isaías 49,3); “E tu, Israel, meu servo” (Isaías 41,8).

A afirmação de Mateus de que José de Arimatéia depositou Jesus “em seu túmulo novo, que talhara na rocha”, é um acréscimo, pois não se encontra em nenhum outro evangelista. Além disso, tudo indica mesmo que Mateus quis simplesmente fazer cumprir-se aqui, como em muitas outras passagens de seu evangelho, mais uma “profecia historicizada”, para provar que Jesus era a figura do “servo sofredor” de Isaías 53: “Deram-lhe sepultura com os ímpios, o seu túmulo está com os ricos” (Isaías 53,9).

Outro importante exemplo de “profecia historicizada” em Mateus (ver Mateus 1,23), é a famosa profecia de Isaías (Isaías 7,14): “A virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e chamará Emanuel [= Deus conosco]”.

Como já vimos, Mateus quis ver essa profecia cumprida no suposto nascimento virginal de Jesus, embora essa profecia não se refira a Jesus, nem à sua mãe, mas ao próprio Isaías, que se casou com uma jovem (“almah” na versão original hebraica de Isaías), e não com uma virgem (“parthénos”, como na tradução errada da versão grega dos Setenta de Isaías), da qual teve um filho, cujo nome, Maer-Salal-Has-Baz (que significa “Pronto-saque-próxima-pilhagem”), foi dado pelo próprio Javé (cf. Isaías 8,3), também chamado pelo profeta Isaías de Emanuel (= Deus conosco (cf. Isaías 8,8 e 8,10). Além disso, a tradução de Mateus, “... e o chamarão com o nome de Emanuel” (Mateus 1,23), está totalmente errada, pois, no texto grego mais antigo de Isaías, como se encontra no Códice Sinaítico, a frase correta é esta: “kai kalesei to onoma Immanuel”, que siginifica: “E Emanuel [=Javé] por-lhe-á o nome”, com a forma verbal (kalesei) na 3ª pessoa do singular, e não na 3ª pessoa do plural (kalesousin), como erroneamente alterado e traduzido por Mateus, para provar que a referida profecia se referia a Jesus, nascido de um parto virginal e, por isso, chamado de Emanuel (= Deus conosco), invertendo assim completamente o sentido do texto grego original de Isaías. Esse é, portanto, para concluir, não apenas mais um exemplo de “profecia historicizada”, no Evangelho de Mateus, mas um exemplo clássico de um texto bíblico mal-traduzido e alterado para satisfazer interesses cristãos.