Era sábado à noite. Chovia torrencialmente no Rio de Janeiro. As condições precárias de Belford Roxo tornavam a viagem até a igreja local uma odisséia homérica. Buracos incontáveis, barro que cobria toda a estrada..., dilúvio ininterrupto.
Estacionei o carro longe da igreja e segui o restante do percurso a pé. Tirei o sapato e a meia, levantei a barra da calça e pisei na lama. Andei uns trezentos metros até adentrar nos umbrais da minha querida denominação.
Era culto de jovens. Apesar da tempestade, dos raios que iluminavam o céu lúgubre, e do trovão que derrubara uma velha árvore a poucos metros do templo, a igreja estava abarrotada de jovens, famílias, crentes.
O culto transcorreu com a liturgia tradicional das Assembléias de Deus. Cânticos congregacionais avivalistas e conversionistas, leitura das Escrituras, apresentações, testemunhos e oportunidades para conjuntos visitantes. Ouviam-se as orações e louvores do povo de Deus.
Fui cumprimentado pública e hiperbolicamente pelo pastor local. Ele falava de meus livros, de meu trabalho na CPAD, de como era importante para a Baixada Fluminense ter um dos seus filhos paraibanos trabalhando na editora da denominação; disse até mesmo conhecer minha vida particular e um dos meus tios e que, além de eu ser um “homem de Deus” era também responsável pela pregação naquela fatídica noite. Até que...
Chegado o momento da pregação, retribuí ao pastor o apreço. Abri as Escrituras e li a perícope joanina 12.1-11. Foi tudo o que consegui ler e falar naquele momento...
De repente um glossolalo irrompeu em línguas, seguido de outros três, que se expandiram para seis, doze, vinte e quatro e talvez quarenta e oito. Virei-me em direção ao dirigente local, na expectativa de que ele me apoiasse a retomar a ordem, a liturgia da palavra, mas, infelizmente, ele estava ocupado demais “pulando no espírito”.
Fiquei atônito, embasbacado, estupefato. Empregara muitas horas na preparação da pregação. Fizera uma exegese minuciosa da passagem. Em oração, meditara demorada e profundamente no texto e na contextualização do querigma.
Num ímpeto frenético, uma jovem começou a profetizar no mesmo momento que outra do conjunto visitante. Tentei falar, mas fui repreendido por um obreiro que disse:
“- Não há necessidade de mensageiro quando o Senhor está presente! ‘Ha-le-lui-as!!!!”
A primeira moça, como um raio que entrecortava as últimas nuvens daquela noite, correu apressuradamente em direção à outra, que também estava profetizando. Passou por três outras imberbes que dançavam “no espírito” e, numa coragem hollywoodiana, pôs a mão sobre a boca da profetiza e disse:
“– Cala-te. Eu sou o Senhor teu Deus!”
A mulher tirou rispidamente a mão que cobria-lhe o instrumento profético e retrucou, com erro vernacular e tudo:
“– Cale-se você. Eu que sou o Senhor teu Deus!”
“– Não”, retrucou a profetiza,
“– Eu que sou o teu Deus!”
Virei-me mais uma vez, na esperança de que o dirigente me ajudasse a retomar a ordem, mas ele estava ocupado profetizando para um auxiliar, e seus obreiros, caídos ao chão.
Fechei a Bíblia. Dei três passos para trás e sentei-me contemplando um jovem que estava correndo com as mãos abertas como se fosse um planador e outro que colocava uma das mãos no ouvido e outro na boca, como se estivesse conversando com alguém num celular fantasmagórico.
Comecei a chorar ao contemplar a desordem no culto, a manipulação dos carismas, a falsa espiritualidade e a meninice que grassa nalguns arraiais pentecostais.
Passados mais de uma hora, o pastor local retomou a palavra e pediu-me que fizesse as considerações finais. Abri a Bíblia em 1 Coríntios 14 e me ofereci a ministrar um curso acerca dos dons espirituais, mas aquele povo era duro de ouvidos.
Fui em direção ao carro. Tirei o sapato e as meias, levantei as barras da calça, mas uma das meias caiu na lama.
Era sábado à noite.
Estacionei o carro longe da igreja e segui o restante do percurso a pé. Tirei o sapato e a meia, levantei a barra da calça e pisei na lama. Andei uns trezentos metros até adentrar nos umbrais da minha querida denominação.
Era culto de jovens. Apesar da tempestade, dos raios que iluminavam o céu lúgubre, e do trovão que derrubara uma velha árvore a poucos metros do templo, a igreja estava abarrotada de jovens, famílias, crentes.
O culto transcorreu com a liturgia tradicional das Assembléias de Deus. Cânticos congregacionais avivalistas e conversionistas, leitura das Escrituras, apresentações, testemunhos e oportunidades para conjuntos visitantes. Ouviam-se as orações e louvores do povo de Deus.
Fui cumprimentado pública e hiperbolicamente pelo pastor local. Ele falava de meus livros, de meu trabalho na CPAD, de como era importante para a Baixada Fluminense ter um dos seus filhos paraibanos trabalhando na editora da denominação; disse até mesmo conhecer minha vida particular e um dos meus tios e que, além de eu ser um “homem de Deus” era também responsável pela pregação naquela fatídica noite. Até que...
Chegado o momento da pregação, retribuí ao pastor o apreço. Abri as Escrituras e li a perícope joanina 12.1-11. Foi tudo o que consegui ler e falar naquele momento...
De repente um glossolalo irrompeu em línguas, seguido de outros três, que se expandiram para seis, doze, vinte e quatro e talvez quarenta e oito. Virei-me em direção ao dirigente local, na expectativa de que ele me apoiasse a retomar a ordem, a liturgia da palavra, mas, infelizmente, ele estava ocupado demais “pulando no espírito”.
Fiquei atônito, embasbacado, estupefato. Empregara muitas horas na preparação da pregação. Fizera uma exegese minuciosa da passagem. Em oração, meditara demorada e profundamente no texto e na contextualização do querigma.
Num ímpeto frenético, uma jovem começou a profetizar no mesmo momento que outra do conjunto visitante. Tentei falar, mas fui repreendido por um obreiro que disse:
“- Não há necessidade de mensageiro quando o Senhor está presente! ‘Ha-le-lui-as!!!!”
A primeira moça, como um raio que entrecortava as últimas nuvens daquela noite, correu apressuradamente em direção à outra, que também estava profetizando. Passou por três outras imberbes que dançavam “no espírito” e, numa coragem hollywoodiana, pôs a mão sobre a boca da profetiza e disse:
“– Cala-te. Eu sou o Senhor teu Deus!”
A mulher tirou rispidamente a mão que cobria-lhe o instrumento profético e retrucou, com erro vernacular e tudo:
“– Cale-se você. Eu que sou o Senhor teu Deus!”
“– Não”, retrucou a profetiza,
“– Eu que sou o teu Deus!”
Virei-me mais uma vez, na esperança de que o dirigente me ajudasse a retomar a ordem, mas ele estava ocupado profetizando para um auxiliar, e seus obreiros, caídos ao chão.
Fechei a Bíblia. Dei três passos para trás e sentei-me contemplando um jovem que estava correndo com as mãos abertas como se fosse um planador e outro que colocava uma das mãos no ouvido e outro na boca, como se estivesse conversando com alguém num celular fantasmagórico.
Comecei a chorar ao contemplar a desordem no culto, a manipulação dos carismas, a falsa espiritualidade e a meninice que grassa nalguns arraiais pentecostais.
Passados mais de uma hora, o pastor local retomou a palavra e pediu-me que fizesse as considerações finais. Abri a Bíblia em 1 Coríntios 14 e me ofereci a ministrar um curso acerca dos dons espirituais, mas aquele povo era duro de ouvidos.
Fui em direção ao carro. Tirei o sapato e as meias, levantei as barras da calça, mas uma das meias caiu na lama.
Era sábado à noite.
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