sexta-feira, 10 de maio de 2019

Arthur Schopenhauer: Pessimismo Filosófico e Cultura Oriental


Arthur Schopenhauer foi um dos filósofos mais relevantes da Idade Contemporânea, tendo bebido de diversos canais diferentes na composição e consolidação do seu ideário. Entre elas, esta figura ligada ao pessimismo filosófico entregou-se aos ancestrais documentos hinduístas e budistas, ampliando o leque de soluções para o ser humano suportar a dor de viver. Este transporte das culturas mais a Oriente tornou-se pioneiro no campo da Filosofia Ocidental. Schopenhauer e todos aqueles que por ele foram influenciados, tais como Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud, Richard Wagner ou Leo Tolstoy, nunca mais deixaram passar em claro a virtude de um remoto em crescente presente.

Arthur Schopenhauer nasceu em Danzig (atual Gdansk, na altura pertencente à Prússia mas agora à Polônia) no dia 22 de fevereiro de 1788 e partiu a 21 de setembro de 1860. O alemão, destacando-se pela sua obra de 1818 “O Mundo como Vontade e Representação“, tornou-se um dos mais virtuosos e particulares pensadores. Todo o corpo literário que foi estudando durante a sua longa vida reforçou aquilo que seria uma postura muito sui generis, em que apregoou um sistema ético imbuído numa metafísica ateísta que se tornou conhecido como pessimismo filosófico. Refutando o idealismo transcendental apresentado pelo seu predecessor Immanuel Kant, Schopenhauer reforçou a triste realidade que todos vivem e a criação de esperanças nulas e falsas sobre o bem que desta pode advir. No entanto, e sem poder evitar o facto de que o mundo é mais fumo do que luz, o filósofo encontra na arte e no Oriente os portais a partir dos quais se evita a maior dose de sofrimento em vida.

A arte

No que toca a arte, o germânico assume a contemplação estética como uma forma de escapar ao redutor e ao sofrível da realidade. A percepção pura e descomplexada, associada ao mais puro e transparente das ideias, conduz o ser humano a produzir e a autenticar aquilo que é a arte. Alheio das agruras da vida, a contemplação leva à identificação com a essência do mundo, esta que, por sua vez, é a fonte e o suporte no qual a arte se molda. Dentro da arte, Schopenhauer valoriza a música como o maior condutor da vontade própria e individualizada, largando-se de dores e de pudores para encher a vida de cores e de amores. Esta rutura com o inevitável do sofrimento é também assumida pela prática e pela reflexão sobre os valores orientais das religiões daí provenientes. Toda esta metafísica e que supera o meio material é a dimensão encontrada pelo filósofo para o ser humano se mostrar como a concretização da vontade através da representação da percepção e da sensação.


“A música exprime a mais alta filosofia numa linguagem que a razão não compreende.”

O Hinduísmo

Assim, e na tentativa de explorar vias pelas quais o sujeito se demarca da dor de se viver, o filósofo leu a tradução latim de textos hindus milenares, tal como os Upanishad. Traduzidos pelo francês Anquetil du Perron do persa do príncipe Dara Shikoh, foi com rejúbilo que o pensador os encarou, sendo estes as unidades documentais que contêm as bases e os conceitos-chave do hinduísmo. Estes, cruzando-se com os do budismo, do jainísmo e do sikhismo, estão na fundação das crenças filosóficas e vêm na sucessão dos vedas, estes as mais antigas escrituras das raízes hindus. Nomes como o “brahma” (realidade última) e o “atman” (alma, o ser) permitem que uma nova presença existencial seja criada em torno de cada um, reforçando o autoconhecimento e a unidade na formulação da vontade estudada por Schopenhauer. Desta feita, o filósofo encarou esses escritos como os mais elevados com os quais contactou e como a mais influente fonte de sabedoria que consultou. Face àquilo que a existência devia de seguir, Schopenhauer volta a ligar à corrente ao hinduísmo, em especial às quatro metas conhecidas por “Purusarthas“. Essas consistem no “dharma” (moralidade), no “moksa” (libertação espiritual), “kama” (prazer e amor) e “artha” (prosperidade).

O primeiro contacto que estabeleceu com os Upanishad foi em 1802, através de um outro tradutor de nome Friederich Majer. No inverno de 1813-14, ambos se conheceram pessoalmente e este apresentou-se como um indólogo (investigador sobre a cultura, os idiomas, a sociedade e a história da Índia) e transmitiu-lhe a curiosidade pelos achados de idioma índico. No entanto, esta só viria a ganhar significado após privar com um vizinho uns anos depois, sendo ele o também filósofo Karl Christian Friedrich Krause. Por sua vez, este tentava, no seu corpo filosófico, misturar as suas próprias ideias com a sabedoria ancestral de origem indiana, dominando até o Sânscrito. A relação estreita que ambos desenvolveram permitiu a Schopenhauer aprender a meditar e a experienciar por si mesmo as virtudes provenientes no que foi estudando. Uma das referências mais demarcadas da sua autoria a um dos textos de origem hindu deu-se em “O Mundo como Vontade e Representação”, no qual mencionou o “Chandogya Upanishad“. Nessa menção, destacou um dos “Mahavakaya” – os grandes ditos dos Upanishads – “Tam tvam asi“, em que o “atma” – ser – puro e original está vinculado e identificado à “brahma” – realidade última e derradeira. A partir desta afirmação, Schopenhauer destaca o papel da compaixão, indo esta para além do mero indivíduo, isto é, da mera manifestação de vontade. A ligação entre todo e qualquer ser vivo acaba por expressar a natureza subjacente ao mundo, onde existe um sentido de unidade e de interconexão que acaba por desenhar cada ser idêntico um ao outro.

“A compaixão, sozinha, é a base efetiva de toda a justiça livre e de toda a caridade genuína.”

O Budismo

Em relação mais ou menos próxima com o hinduísmo, segue o budismo, de origem também oriental mas que diverge nas fontes, nos seus autores e nas divindades (ou ausência delas) que nele orbitam. No percurso que aproximou Schopenhauer do Oriente, foi com particular interesse que este se apercebeu da proximidade das “Quatro Nobres Verdades” budistas com a sua própria filosofia. Pouco antes de redigir a sua magnum opus, – “O Mundo Como Vontade e Representação” – já o europeu havia explorado fontes orientais em que o budismo é apresentado e dissecado. Estes predicados são, de acordo com as fontes que constituem a base teórica da religião, aquelas que são captadas e entendidas pelos merecedores que atingiram o pleno estado de “Nirvana“. Estas são a “dukka” (realidade do sofrimento), “samudaya” (realidade da origem do sofrimento), “nirodha” (realidade da cessação do sofrimento) e “magga” (realidade do caminho para a cessação desse sofrimento). É neste rumo sobre as origens e os moldes do sofrimento que segue também o filósofo germânico na abordagem da existência e do ser humano. Esta paulatina libertação do sofrimento é o culminar do trabalho e da doutrina da vontade – entenda-se como conceito – de Schopenhauer, que também considera o sofrer como efeito do desejo (no budismo conhecido como “tanha”).

Numa perspetiva ontológica (voltada para o ser e para a sua realidade), o alemão dá primazia à vontade em detrimento do intelecto, devendo esse desejo ser abordado em primeiro lugar que o pensamento. Esse prazer acaba por ser intimamente associado ao “kama” estudado à luz da filosofia Vedanta hindu e apresentado acima. Em busca da refutação da vontade, Schopenhauer apresenta dois caminhos para a sua consagração. O primeiro deles é a vivência de uma experiência que comporte em si uma grande dose de sofrimento, suficiente para extrair a vontade de viver do sujeito. O segundo passa por conhecer a natureza essencial e imaterial da vida no mundo através da observação do sofrimento do outro e do próximo.

Importa salutar que o “nirvana” budista não é ipsis verbis aquilo que o germânico carateriza como a refutação da vontade. Esse conceito budista trata somente da extinção das chamas da ganância, do ódio e da ilusão que afligem e infligem danos no caráter de uma dada pessoa. A deturpação por parte de vários autores ocidentais levou a que se entendesse que esse “nirvana” fosse mais além e que procurasse extinguir o próprio indivíduo. Coube a Schopenhauer desmistificar potenciais interpretações erradas e levar a associação do budismo com a negação da vontade a um porto sustentável e sem ondas turbulentas.

A sua importação da filosofia budista (que fez dele próprio um convicto convertido à mesma) levou a que outros nomes do coração da cultura alemã se interessassem pela mesma. Entre eles, o compositor Richard Wagner, escritor de diversos libretos com narrativas propícias à indagação existencial e filosófica. Também na literatura germânica se sentiu um desprendimento das tradições judaicas e cristãs, radicando numa geração de filósofos, sociólogos e literatos com variadas inspirações materiais e metafísicas.

“Reduzir ao máximo as expectativas em relação aos nossos meios, sejam eles quais forem, é, pois, o caminho mais seguro para escaparmos de uma grande infelicidade.”

in: Aforismos sobre a Sabedoria da Vida (1851)

Outras considerações

Arthur Schopenhauer tornou-se um dos principais nomes no campo da filosofia ocidental, sendo ironicamente conotado como um dos principais importadores da essência teórica e prática do hinduísmo e do budismo. Não obstante, foi influenciado por uma diversidade de nomes e de obras, citando o próprio tanto Immanuel Kant como Platão e Buda. Tantos quanto aqueles que o influenciaram foram aqueles que por ele foram inspirados, tais como autores, músicos, demais artistas e até psicólogos. Por muitos destes últimos, Schopenhauer é considerado o precursor da teoria evolucionista, na qual se descreve o potencial do desenvolvimento humano e as formas através da qual este se consuma.

Dentro dos nomes cuja obra foi bafejada pelos ares multi direcionados do alemão, surge Leo Tolstoy, o autor russo de obras como “Anna Karenina” ou “Guerra e Paz“. De muito valeu o pensamento filosófico do germânico para a conversão espiritual profundamente baseada no ascetismo e na moralidade do russo, levando-o a uma incursão mística que cativou muitos outros. Por sua vez, o compositor Richard Wagner reconheceu a indelével influência que Schopenhauer teve em todo o seu percurso musical, em especial na redação de “Tristan und Isolde” (1857-59). Aqui, o incessante intento do protagonista de se libertar dos desejos de amor e prazer é patente durante o desenrolar da composição musical. Já Friedrich Nietzsche aponta o contributo que o seu compatriota teve no despertar do seu interesse pela filosofia, dedicando-lhe até uma das suas “Untimely Meditations“, de título “Schopenhauer as Educator“. Escrita no ano de 1874, o filósofo coloca a tônica no papel regenerador do visado na cultura alemã. Entre outros, também o autor argentino Jorge Luis Borges e o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein enalteceram Schopenhauer como figura elementar na edificação da sua obra.

No ramo da psicologia, foi o germânico que apontou as suas atenções para o sexo como um conceito teórico-prático pouco estudado então, em pleno século XVIII. A dimensão sexual, não obstante as iniquidades ao nível de gênero que exprimiu no seu pensamento, era concebida pelo pensador como uma na qual emanava imenso material em bruto por ser analisado e tratado e passível de responder a diferentes questões de ordem existencial e filosófica. Não só visto como desejo, o sexo era também como uma força intrínseca que se superava à razão e que acabava por se materializar na tal vontade de viver, força essa transversal a todos os seres vivos e impelia à reprodução. O amor assumia proporções similares, indo para além de uma condição simplesmente acidental e emergindo como uma variável que modelou e vem modelando o mundo e as gerações seguintes. Esta bagagem deu a possibilidade de Sigmund Freud estudar a líbido e o inconsciente mental e de revolucionar a psicologia; assim como o resto da filosofia de Arthur Schopenhauer a Carl Jung de estudar o papel da religião na sociedade e na formação metafísica humana perante o sofrimento do mundo.


“O sentimento de um homem apaixonado produz por vezes efeitos cômicos ou trágicos, porque em ambos os casos, é dominado pelo espírito da espécie que o domina ao ponto de o arrancar a si próprio; os seus atos não correspondem à sua individualidade. Isto explica, nos níveis superiores do amor, essa natureza tão poética e sublimadora que caracteriza os seus pensamentos, essa elevação transcendente e hiperfísica, que parece fazê-lo afastar da finalidade meramente física do seu amor. É porque o impelem então o gênio da espécie e os seus interesses superiores.”

In: “Metafísica do Amor”

Desta forma, Arthur Schopenhauer apresentou uma proposta filosófica que se sustentou nas suas diversas obras e que se foi reforçando com as gerações seguintes de pensadores, de artistas e de cientistas. Com uma fragrância bem desperta por aqueles que veem o Sol nascer primeiro, foi cá pelo Ocidente que se sagrou pensador para além da vontade e da representação através das quais viu o mundo. Apesar disso, almejou que o sofrimento se tornasse cada vez menor em intensidade e em regularidade, buscando a superação artística e a sabedoria ancestral para evitar a dor que não se dissipa. Um profundo pessimismo que, não obstante, libertou o mundo e a humanidade para um acalentador otimismo.

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