“O PAPA DO JESUS HISTÓRICO” é o título de um artigo, escrito por Vitor Gagliardo, publicado pela Revista SUPER Interessante, edição 280, Dezembro/2009, p. 17-18. sobre o Jesus histórico, com o renomado escritor e ex-padre católico John Dominic Crossan, rotulado apropriadamente por Vitor Gagliardo de o “O PAPA DO JESUS HISTÓRICO”.
Vitor Gagliardo esclarece em seu artigo que John Dominic Crossan foi o idealizador do Seminário de Jesus (Jesus Seminar), às vezes traduzido por Seminário Jesus, instituição de pesquisadores, iniciada nos Estados Unidos, em 1985, que vem dando plena continuidade à pesquisa em busca do Jesus histórico.
Informa-nos ainda Vitor Gagliardo que John Dominic Crossan é Professor emérito da Universidade DePaul, Chicago (EUA), e é autor de 24 livros sobre o Jesus histórico.
Mas o que significa a expressão “Jesus histórico”? Resposta dada por Crossan:
Nosso esforço é o de separar o que, nos textos bíblicos, é fato histórico e o que é parábola religiosa. [...] Se as parábolas sobre Jesus fossem tomadas literalmente, nós teríamos sérios erros. [...] As histórias que contam a infância de Jesus não devem ser entendidas ao pé da letra. Dizer que Herodes matou as crianças em Belém para matar Jesus, como está em Mateus, é uma parábola. É afirmar que ele é o novo Moisés e Herodes é o novo faraó do Antigo Testamento.
Com relação à distinção, feita desde o século 19, entre o Jesus histórico e o Cristo da fé, Crossan esclarece que o Jesus histórico e o Cristo da fé são a mesma pessoa. É como a polêmica em torno do presidente Bush. Há aqueles que o acham o melhor presidente da história americana; e há os que o consideram uma tragédia. São crenças diferentes sobre a mesma pessoa.
HISTÓRIA RELEMBRADA X PROFECIA HISTORICIZADA
Em sua obra Quem Matou Jesus? As Raízes do Anti-Semitismo na História Evangélica da Morte de Jesus (Rio de Janeiro: Imago, 1995), John Dominic Crossan também esclarece que é preciso distinguir, no Novo Testamento, História Relembrada de Profecia Historicizada. Crossan esclarece que “História Relembrada” refere-se a fatos, enquanto “Profecia Historicizada” refere-se a narrativas inventadas pelos primeiros cristãos para fazer cumprir determinadas escrituras do Antigo Testamento.
Com base nessa distinção, Crossan afirma que os relatos da paixão-ressurreição de Jesus são apenas (aproximadamente) 20% “História Relembrada” e 80% “Profecia Historicizada”.
O primeiro exemplo que ele dá de “Profecia Historicizada” é o das Trevas ao Meio-Dia, no dia da morte de Jesus, narradas em todos os quatro evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João), para fazer-se cumprir a profecia do profeta Amós (Amós 8, 9-10): “Nesse dia, diz o Senhor Deus, farei o sol desaparecer ao meio-dia, e farei surgirem trevas na terra em plena luz”.
Crossan (no livro Quem Matou Jesus?, p. 16) argumenta que a expressão “Trevas ao Meio-Dia”, da profecia de Amós, refere-se à catástrofe terrível pela qual iria passar Israel, quando o seu reino do norte foi devastado pelo brutal militarismo do império assírio. “Autores do século I, como Josefo, Plutarco e Plínio, o Velho, afirmam que o mesmo fenômeno acompanhou o assassinato de Júlio César, em 15 de março de 44 d.C.” (ibid,).
Crossan prossegue em sua argumentação, afirmando que “os cristãos, lendo suas Escrituras, encontraram esta antiga descrição da futura punição divina..., e assim criaram aquela narrativa ficcional sobre as trevas ao meio-dia para afirmar que Jesus morreu em cumprimento à profecia” (ibid.).
Crossan assegura que, na linha desse exemplo, 80% das narrativas da Paixão-Ressurreição de Cristo são profecia historicizada e não história relembrada.
Mas qual o grande mal de interpretar as narrativas da paixão-ressurreição de Cristo como fatos históricos reais e não como profecias historicizadas?
Segundo Crossan, em seu livro acima referido, a resposta, dada antes no prefácio, envolve as narrativas da Paixão-Ressurreição como matriz para o antijudaísmo cristão e, por fim, para o anti-semitismo europeu. [...] E, sem aquele antijudaísmo cristão, o anti-semitismo europeu letal e genocida teria sido impossível ou, pelo menos, não teria atingido tamanha proporção. O que estava em jogo nessas narrativas da Paixão-Ressurreição, no longo curso da história, era o holocausto judeu (p. 47; 51).
Concluindo:
Vitor Gagliardo esclarece em seu artigo que John Dominic Crossan foi o idealizador do Seminário de Jesus (Jesus Seminar), às vezes traduzido por Seminário Jesus, instituição de pesquisadores, iniciada nos Estados Unidos, em 1985, que vem dando plena continuidade à pesquisa em busca do Jesus histórico.
Informa-nos ainda Vitor Gagliardo que John Dominic Crossan é Professor emérito da Universidade DePaul, Chicago (EUA), e é autor de 24 livros sobre o Jesus histórico.
Mas o que significa a expressão “Jesus histórico”? Resposta dada por Crossan:
Nosso esforço é o de separar o que, nos textos bíblicos, é fato histórico e o que é parábola religiosa. [...] Se as parábolas sobre Jesus fossem tomadas literalmente, nós teríamos sérios erros. [...] As histórias que contam a infância de Jesus não devem ser entendidas ao pé da letra. Dizer que Herodes matou as crianças em Belém para matar Jesus, como está em Mateus, é uma parábola. É afirmar que ele é o novo Moisés e Herodes é o novo faraó do Antigo Testamento.
Com relação à distinção, feita desde o século 19, entre o Jesus histórico e o Cristo da fé, Crossan esclarece que o Jesus histórico e o Cristo da fé são a mesma pessoa. É como a polêmica em torno do presidente Bush. Há aqueles que o acham o melhor presidente da história americana; e há os que o consideram uma tragédia. São crenças diferentes sobre a mesma pessoa.
HISTÓRIA RELEMBRADA X PROFECIA HISTORICIZADA
Em sua obra Quem Matou Jesus? As Raízes do Anti-Semitismo na História Evangélica da Morte de Jesus (Rio de Janeiro: Imago, 1995), John Dominic Crossan também esclarece que é preciso distinguir, no Novo Testamento, História Relembrada de Profecia Historicizada. Crossan esclarece que “História Relembrada” refere-se a fatos, enquanto “Profecia Historicizada” refere-se a narrativas inventadas pelos primeiros cristãos para fazer cumprir determinadas escrituras do Antigo Testamento.
Com base nessa distinção, Crossan afirma que os relatos da paixão-ressurreição de Jesus são apenas (aproximadamente) 20% “História Relembrada” e 80% “Profecia Historicizada”.
O primeiro exemplo que ele dá de “Profecia Historicizada” é o das Trevas ao Meio-Dia, no dia da morte de Jesus, narradas em todos os quatro evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João), para fazer-se cumprir a profecia do profeta Amós (Amós 8, 9-10): “Nesse dia, diz o Senhor Deus, farei o sol desaparecer ao meio-dia, e farei surgirem trevas na terra em plena luz”.
Crossan (no livro Quem Matou Jesus?, p. 16) argumenta que a expressão “Trevas ao Meio-Dia”, da profecia de Amós, refere-se à catástrofe terrível pela qual iria passar Israel, quando o seu reino do norte foi devastado pelo brutal militarismo do império assírio. “Autores do século I, como Josefo, Plutarco e Plínio, o Velho, afirmam que o mesmo fenômeno acompanhou o assassinato de Júlio César, em 15 de março de 44 d.C.” (ibid,).
Crossan prossegue em sua argumentação, afirmando que “os cristãos, lendo suas Escrituras, encontraram esta antiga descrição da futura punição divina..., e assim criaram aquela narrativa ficcional sobre as trevas ao meio-dia para afirmar que Jesus morreu em cumprimento à profecia” (ibid.).
Crossan assegura que, na linha desse exemplo, 80% das narrativas da Paixão-Ressurreição de Cristo são profecia historicizada e não história relembrada.
Mas qual o grande mal de interpretar as narrativas da paixão-ressurreição de Cristo como fatos históricos reais e não como profecias historicizadas?
Segundo Crossan, em seu livro acima referido, a resposta, dada antes no prefácio, envolve as narrativas da Paixão-Ressurreição como matriz para o antijudaísmo cristão e, por fim, para o anti-semitismo europeu. [...] E, sem aquele antijudaísmo cristão, o anti-semitismo europeu letal e genocida teria sido impossível ou, pelo menos, não teria atingido tamanha proporção. O que estava em jogo nessas narrativas da Paixão-Ressurreição, no longo curso da história, era o holocausto judeu (p. 47; 51).
Concluindo:
Concordo plenamente com John Dominic Crossan – “O PAPA DO JESUS HISTÓRICO” – ao fazer, em seus numerosos livros, a fundamental distinção entre fato histórico e parábola religiosa, bem como a crucial distinção entre história relembrada e profecia historicizada, alertando-nos para o perigo de se interpretar “parábolas” como “fatos históricos” e “profecias historicizadas” como “histórias relembradas” (ou seja, como fatos históricos reais), como tem feito a grande maioria dos cristãos ao longo de dois mil anos.
Mais alguns exemplos de “profecias historicizadas”, em narrativas do Novo Testamento, com base na distinção feita por John Dominic Crossan (“O PAPA DO JESUS HISTÓRICO”), entre “História Relembrada” e “Profecia Historicizada”.
“História Relembrada” refere-se a fatos, enquanto “Profecia Historicizada” refere-se a narrativas criadas pelos autores cristãos para fazer cumprir determinadas escrituras do Antigo Testamento. O Novo Testamento (particularmente o Evangelho de Mateus) contém muitas “profecias historicizadas”. Como vimos, de acordo com os estudos do renomado teólogo e historiador John Dominic Crossan, os relatos da paixão-ressurreição de Jesus são apenas 20% “história relembrada” e 80% “profecia historicizada” (ver John Dominic Crossan, em sua obra Quem Matou Jesus? As Raízes do Anti-Semitismo na História Evangélica da Morte de Jesus).
PASSAGENS DE ISAÍAS INTERPRETADAS COMO SE REFERINDO A JESUS
Várias passagens de Isaías, particularmente as referentes ao “servo sofredor” (Isaías 53), são interpretadas pelos escritores cristãos como se referindo ao sofrimento redentor de Jesus. Isso, porém, não é “história relembrada” (verdade histórica), mas “profecia historicizada”. Leiamos, a seguir, algumas passagens do chamado Segundo Isaías que parecem referir-se ao sofrimento redentor de Jesus:
“Ofereci o dorso aos que me feriam e as faces aos que me arrancavam os fios da barba; não ocultei o rosto às injúrias e aos escarros” (Isaías 50,6). [...] “E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava sobre si, as nossas dores que ele carregava” (Isaías 53,4). “Mas ele foi trespassado por causa de nossas transgressões, esmagado em virtude das nossas iniqüidades. O castigo que havia de trazer-nos a paz caiu sobre ele, sim, por suas feridas fomos curados. Todos nós como ovelhas, andávamos errantes, seguindo cada um o seu próprio caminho, mas Iahweh fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Foi maltratado, mas livremente humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro conduzido ao matadouro” (Isaías 53,5-7). [...] “Deram-lhe sepultura com os ímpios, o seu túmulo está com os ricos” (Isaías 53,9).
Passagens como essas, do “servo sofredor” do chamado Segundo Isaías, que descrevem alguém que sofre, marcaram o modo como os cristãos contaram suas histórias da paixão de Jesus. Mateus, por exemplo, escreveu:
“E cuspiram-lhe no rosto e o esbofetearam. Outros lhe davam bordoadas” (Mateus 26,67); [...] “E cuspindo nele, tomaram o caniço e batiam-lhe na cabeça. Depois de caçoarem dele, despiram-lhe a capa escarlate e tornaram a vesti-lo com as suas próprias vestes, e levaram-no para o crucificar” (Mateus 27,30-31). [...] “Chegada a tarde, veio um homem rico de Arimatéia, chamado José, o qual também se tornara discípulo de Jesus. E dirigindo-se a Pilatos, pediu-lhe o corpo de Jesus. Então Pilatos mandou que lhe fosse entregue. José, tomando o corpo, envolveu num lençol limpo e o pôs em seu túmulo novo, que talhara na rocha” (Mateus 27,57-60).
Não é por acaso que os relatos da crucificação e morte de Jesus sejam tão parecidos com Isaías 53: Mateus, baseado em Marcos, estava pensando no “servo sofredor” de Isaías 53, enquanto escrevia sobre o sofrimento de Jesus, embora saibamos que as referidas passagens de Isaías 53 não se referem a Jesus, mas a Israel, que tinha sido levado para o exílio de Babilônia, cerca de seis séculos antes do nascimento de Jesus. O próprio Isaías afirma claramente que o “servo” de Iahweh é Israel: “Tu és meu servo, Israel” (Isaías 49,3); “E tu, Israel, meu servo” (Isaías 41,8).
A afirmação de Mateus de que José de Arimatéia depositou Jesus “em seu túmulo novo, que talhara na rocha”, é um acréscimo, pois não se encontra em nenhum outro evangelista. Além disso, tudo indica mesmo que Mateus quis simplesmente fazer cumprir-se aqui, como em muitas outras passagens de seu evangelho, mais uma “profecia historicizada”, para provar que Jesus era a figura do “servo sofredor” de Isaías 53: “Deram-lhe sepultura com os ímpios, o seu túmulo está com os ricos” (Isaías 53,9).
Outro importante exemplo de “profecia historicizada” em Mateus (ver Mateus 1,23), é a famosa profecia de Isaías (Isaías 7,14): “A virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e chamará Emanuel [= Deus conosco]”.
Como já vimos, Mateus quis ver essa profecia cumprida no suposto nascimento virginal de Jesus, embora essa profecia não se refira a Jesus, nem à sua mãe, mas ao próprio Isaías, que se casou com uma jovem (“almah” na versão original hebraica de Isaías), e não com uma virgem (“parthénos”, como na tradução errada da versão grega dos Setenta de Isaías), da qual teve um filho, cujo nome, Maer-Salal-Has-Baz (que significa “Pronto-saque-próxima-pilhagem”), foi dado pelo próprio Javé (cf. Isaías 8,3), também chamado pelo profeta Isaías de Emanuel (= Deus conosco (cf. Isaías 8,8 e 8,10). Além disso, a tradução de Mateus, “... e o chamarão com o nome de Emanuel” (Mateus 1,23), está totalmente errada, pois, no texto grego mais antigo de Isaías, como se encontra no Códice Sinaítico, a frase correta é esta: “kai kalesei to onoma Immanuel”, que siginifica: “E Emanuel [=Javé] por-lhe-á o nome”, com a forma verbal (kalesei) na 3ª pessoa do singular, e não na 3ª pessoa do plural (kalesousin), como erroneamente alterado e traduzido por Mateus, para provar que a referida profecia se referia a Jesus, nascido de um parto virginal e, por isso, chamado de Emanuel (= Deus conosco), invertendo assim completamente o sentido do texto grego original de Isaías. Esse é, portanto, para concluir, não apenas mais um exemplo de “profecia historicizada”, no Evangelho de Mateus, mas um exemplo clássico de um texto bíblico mal-traduzido e alterado para satisfazer interesses cristãos.
“História Relembrada” refere-se a fatos, enquanto “Profecia Historicizada” refere-se a narrativas criadas pelos autores cristãos para fazer cumprir determinadas escrituras do Antigo Testamento. O Novo Testamento (particularmente o Evangelho de Mateus) contém muitas “profecias historicizadas”. Como vimos, de acordo com os estudos do renomado teólogo e historiador John Dominic Crossan, os relatos da paixão-ressurreição de Jesus são apenas 20% “história relembrada” e 80% “profecia historicizada” (ver John Dominic Crossan, em sua obra Quem Matou Jesus? As Raízes do Anti-Semitismo na História Evangélica da Morte de Jesus).
PASSAGENS DE ISAÍAS INTERPRETADAS COMO SE REFERINDO A JESUS
Várias passagens de Isaías, particularmente as referentes ao “servo sofredor” (Isaías 53), são interpretadas pelos escritores cristãos como se referindo ao sofrimento redentor de Jesus. Isso, porém, não é “história relembrada” (verdade histórica), mas “profecia historicizada”. Leiamos, a seguir, algumas passagens do chamado Segundo Isaías que parecem referir-se ao sofrimento redentor de Jesus:
“Ofereci o dorso aos que me feriam e as faces aos que me arrancavam os fios da barba; não ocultei o rosto às injúrias e aos escarros” (Isaías 50,6). [...] “E no entanto, eram as nossas enfermidades que ele levava sobre si, as nossas dores que ele carregava” (Isaías 53,4). “Mas ele foi trespassado por causa de nossas transgressões, esmagado em virtude das nossas iniqüidades. O castigo que havia de trazer-nos a paz caiu sobre ele, sim, por suas feridas fomos curados. Todos nós como ovelhas, andávamos errantes, seguindo cada um o seu próprio caminho, mas Iahweh fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós. Foi maltratado, mas livremente humilhou-se e não abriu a boca, como um cordeiro conduzido ao matadouro” (Isaías 53,5-7). [...] “Deram-lhe sepultura com os ímpios, o seu túmulo está com os ricos” (Isaías 53,9).
Passagens como essas, do “servo sofredor” do chamado Segundo Isaías, que descrevem alguém que sofre, marcaram o modo como os cristãos contaram suas histórias da paixão de Jesus. Mateus, por exemplo, escreveu:
“E cuspiram-lhe no rosto e o esbofetearam. Outros lhe davam bordoadas” (Mateus 26,67); [...] “E cuspindo nele, tomaram o caniço e batiam-lhe na cabeça. Depois de caçoarem dele, despiram-lhe a capa escarlate e tornaram a vesti-lo com as suas próprias vestes, e levaram-no para o crucificar” (Mateus 27,30-31). [...] “Chegada a tarde, veio um homem rico de Arimatéia, chamado José, o qual também se tornara discípulo de Jesus. E dirigindo-se a Pilatos, pediu-lhe o corpo de Jesus. Então Pilatos mandou que lhe fosse entregue. José, tomando o corpo, envolveu num lençol limpo e o pôs em seu túmulo novo, que talhara na rocha” (Mateus 27,57-60).
Não é por acaso que os relatos da crucificação e morte de Jesus sejam tão parecidos com Isaías 53: Mateus, baseado em Marcos, estava pensando no “servo sofredor” de Isaías 53, enquanto escrevia sobre o sofrimento de Jesus, embora saibamos que as referidas passagens de Isaías 53 não se referem a Jesus, mas a Israel, que tinha sido levado para o exílio de Babilônia, cerca de seis séculos antes do nascimento de Jesus. O próprio Isaías afirma claramente que o “servo” de Iahweh é Israel: “Tu és meu servo, Israel” (Isaías 49,3); “E tu, Israel, meu servo” (Isaías 41,8).
A afirmação de Mateus de que José de Arimatéia depositou Jesus “em seu túmulo novo, que talhara na rocha”, é um acréscimo, pois não se encontra em nenhum outro evangelista. Além disso, tudo indica mesmo que Mateus quis simplesmente fazer cumprir-se aqui, como em muitas outras passagens de seu evangelho, mais uma “profecia historicizada”, para provar que Jesus era a figura do “servo sofredor” de Isaías 53: “Deram-lhe sepultura com os ímpios, o seu túmulo está com os ricos” (Isaías 53,9).
Outro importante exemplo de “profecia historicizada” em Mateus (ver Mateus 1,23), é a famosa profecia de Isaías (Isaías 7,14): “A virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e chamará Emanuel [= Deus conosco]”.
Como já vimos, Mateus quis ver essa profecia cumprida no suposto nascimento virginal de Jesus, embora essa profecia não se refira a Jesus, nem à sua mãe, mas ao próprio Isaías, que se casou com uma jovem (“almah” na versão original hebraica de Isaías), e não com uma virgem (“parthénos”, como na tradução errada da versão grega dos Setenta de Isaías), da qual teve um filho, cujo nome, Maer-Salal-Has-Baz (que significa “Pronto-saque-próxima-pilhagem”), foi dado pelo próprio Javé (cf. Isaías 8,3), também chamado pelo profeta Isaías de Emanuel (= Deus conosco (cf. Isaías 8,8 e 8,10). Além disso, a tradução de Mateus, “... e o chamarão com o nome de Emanuel” (Mateus 1,23), está totalmente errada, pois, no texto grego mais antigo de Isaías, como se encontra no Códice Sinaítico, a frase correta é esta: “kai kalesei to onoma Immanuel”, que siginifica: “E Emanuel [=Javé] por-lhe-á o nome”, com a forma verbal (kalesei) na 3ª pessoa do singular, e não na 3ª pessoa do plural (kalesousin), como erroneamente alterado e traduzido por Mateus, para provar que a referida profecia se referia a Jesus, nascido de um parto virginal e, por isso, chamado de Emanuel (= Deus conosco), invertendo assim completamente o sentido do texto grego original de Isaías. Esse é, portanto, para concluir, não apenas mais um exemplo de “profecia historicizada”, no Evangelho de Mateus, mas um exemplo clássico de um texto bíblico mal-traduzido e alterado para satisfazer interesses cristãos.
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