segunda-feira, 31 de maio de 2010

O Pentateuco Em Questão

1. INTRODUÇÃO

Segundo a tradição rabínica, seguida pelo Cristianismo, Moisés é o autor de todo o Pentateuco. Alguns radicais, como Filo e Josefo, chegaram a declarar que teria escrito acerca da própria morte (Dt 34.5). Mas o Talmude reconhece ter Josué escrito este trecho.

Segundo uma tradição, aceita pelos pais da Igreja (apesar de reconhecerem a autoria mosaica), os rolos foram perdidos devido a um incêndio, e foram totalmente reescritos mediante inspiração do Espírito Santo por Esdras. Esta tradição está apoiada em um escrito apócrifo – 4 Esdras 14.21,22:

“Porque a tua lei foi queimada, de modo que ninguém sabe as coisas que foram feitas ou serão feitas por ti. Se tenho achado graça diante de ti, envia o Espírito Santo a mim, e escreverei tudo que tem acontecido no mundo desde o princípio, as coisas que foram escritas na tua lei, afim de que homens possam ser capazes de encontrar o caminho, e a fim de que aqueles que desejam viver nos últimos dias possam viver(1)”

Já nos primórdios da era cristã, alguns começaram a duvidar da autoria mosaica, tais como os nazarenos e os ebionitas. Mas as primeiras argumentações de peso começaram na Idade Média, com pensadores tais como Ibn Ezra. Isto prosseguiu na Idade Moderna, com Baruque Espinosa, Carlstadt e Andreas Masius.

A Teoria Documentária, segundo a qual várias fontes foram unidas para formar o Pentateuco – tornando-o um livro de vários autores – começou a ser delineada em 1753 pelo professor de Medicina em Paris, Jean Astruc. Observando a freqüência com que aparecem os nomes divinos Elohim e Yahweh, elaborou a tese de que foram usados dois documentos para a redação do Pentateuco.

Esta idéia evoluiu no final do século XIX para a “hipótese Graf-Wellhausen”, elaborada por Julius Wellhausen e Karl H. Graf, segundo a qual o Pentateuco era o resultado de quatro documentos: Javista (J, cerca de 950 a.C.), Eloísta (E, século VIII a.C.), Deuteronomista (D, século VII a.C.) e Sacerdotal (P, século V a.C.). Desde então, esta hipótese tem servido de base para a crítica literária do Antigo Testamento. Hoje ela está bastante elaborada, e muitas das vezes cada um desses documentos ou fontes é subdividido em documentos e/ou fontes menores. Vale salientar que muitos aceitam uma fonte G (do alemão Grundlage, “fundamento”), onde as tradições J e E estão de tal forma fundidas que é impossível separá-las. Isto seria indicado pelo uso feito em muitas passagens da combinação Yahweh Elohim – cerca de 417 vezes.

No presente trabalho, iremos detalhar acerca da fonte javista, que segundo muitos estudiosos é a mais antiga.

2. A FONTE JAVISTA: CARACTERÍSTICAS

Inicialmente, era tida como a fonte que utilizava exclusivamente o nome Yahweh. Hoje, essa tradição é assim conhecida pela preferência que dá em utilizar o nome Yahweh (Javé). Deste modo, muitas passagens que sequer utilizam o Tetragrama Sagrado são reputadas javistas, como o longo trecho de Gn 42 - 47. Ainda segundo esta tradição, o nome divino Yahweh é utilizado desde os tempos pré-diluvianos (Gn 4.26). Desconhece então a suposta revelação deste nome divino, feita somente na época de Moisés (Êx 3.14,15).

O estilo javista é vívido e colorido, numa forma cheia de imagens e com um modo de narrar realmente magistral. Combina simplicidade com grandeza; tradições simples e agrupamentos de tradições, solidez de enredo e depuração de estilo, economia de expressão e controle emocional. Prima pela explicação de etimologias: o homem (Adam) assim é denominado por ter sido formado do pó da terra (adamah); a mulher (ishah) por que foi tomado do homem (ish); a torre de Babel por que ali o Senhor confundiu (balal) a língua de toda a terra; e assim por diante.

Teologicamente, não está tão preocupado com uma declaração religiosa formal; antes, ela dá uma resposta profunda aos graves problemas que se apresentam a todo o homem, e as expressões humanas de que se serve para falar de Deus (antropomorfismo) encobrem um senso muito elevado do divino, destacando a proximidade de Deus e o seu íntimo relacionamento com o homem. Como prólogo à história dos antepassados de Israel, ela colocou um sumário da história da humanidade desde a criação do primeiro casal. Desta forma, ressalta a continuidade do propósito de Deus desde a criação, passando pelos patriarcas até o papel de Israel como seu povo. Exalta os grandes patriarcas, mas não esconde os erros destes, trazendo um retrato humano bastante realista: a embriaguez de Noé (Gn 9.18 – 27); a mentira de Abraão em contar que Sara era sua irmã, e não esposa (Gn 12.10 – 20); os enganos de Jacó, como em Gn 27; a violência de Moisés (Êx 2.11 – 23).

Esta tradição teve origem em Judá e talvez tenha sido escrita no reinado de Salomão, entre 950 e 850 a.C. O autor é desconhecido, mas provavelmente recebeu apoio governamental para elaborar uma espécie de “epopéia nacional”, como uma exaltação nacionalista do jovem reino de Davi e Salomão. Este ímpeto nacionalista leva o javista, por exemplo, a ignorar que Abraão tenha sido guiado por Deus a Canaã, e evita utilizar o nome cananeu El para Deus. A situação política no reinado salomônico era propícia: paz, prosperidade, e o reino na sua máxima expansão. Observe o texto de 1 Reis 3.20 – 28:

“Eram, pois, os de Judá e Israel muitos, como a areia que está ao pé do mar em multidão, comendo, e bebendo, e alegrando-se. E dominava Salomão sobre todos os reinos desde o rio Eufrates até à terra dos filisteus, e até ao termo do Egito; os quais traziam presentes e serviram a Salomão todos os dias da sua vida. Era, pois, o provimento de Salomão, cada dia, trinta coros de flor de farinha e sessenta coros de farinha; dez vacas gordas, e vinte vacas de pasto, e cem carneiros, afora os veados, e as cabras monteses, e os corços, e as aves cevadas. Porque dominava sobre tudo quanto havia da banda de cá do rio Eufrates, de Tifsa até Gaza, sobre todos os reis da banda de cá do rio; e tinha paz de todas as bandas em roda dele. Judá e Israel habitavam seguros, cada um debaixo da sua videira e debaixo da sua figueira, desde Dã até Berseba, todos os dias de Salomão. Tinha também Salomão quarenta mil estrebarias de cavalos para os seus carros e doze mil cavaleiros. Proviam, pois, estes provedores, cada um no seu mês, ao rei Salomão e a todos quantos se chegavam à mesa do rei Salomão: coisa nenhuma deixavam faltar. E traziam a cevada e a palha para os cavalos e para os ginetes, para o lugar onde estava cada um, segundo o seu cargo”

A fonte javista está distribuída pelos livros de Gênesis, Êxodo e Números. Alguns alegam que Deuteronômio 34 e determinadas partes de Josué, Juízes e Samuel também receberam influência javista. No conjunto de textos que lhe são atribuídos, distingue-se às vezes uma corrente paralela que tem a mesma origem, mas que reflete concepções por vezes mais arcaicas e por vezes diferentes, designadas pelas siglas JI (javista primitiva), L (javista leiga) ou N (javista nômade).

Não existe concordância entre os estudiosos acerca de quais passagens são javistas. Isto porque há uma tentativa de reconstrução da ideologia e vocabulário específico que possa identificá-la, além da averiguação das passagens duplicadas. Abaixo fornecemos uma lista da tradição javista espalhada por Gênesis-Êxodo-Números, baseada na lista delineada por Norman K. Gottwald(2). Esta nos dá uma visão panorâmica de como a tradição javista auxiliou na elaboração das narrativas acerca da história primeva, da história patriarcal e da história mosaica.

GÊNESIS

História Primeva

Criação do Mundo e queda do Homem: 2.4 – 3.24 (o relato de 3.1 – 24 mesclado a tradições eloístas)

Caim e Abel: 4.1 - 26

Filhos de Deus e as filhas dos homens: 6.1 - 4

Dilúvio: 6.5 – 8; 7.1 – 5, 7 – 10, 12, 16b, 17, 22 – 23; 8.2b – 3a, 6, 7a, 8 – 12, 13b, 20 – 22

Noé e seus filhos: 9.18 – 27

Quadro de Nações: 10.8 - 19,21,24 – 30

A Torre de Babel: 11.1 – 9

História de Abraão

Abraão desposa Sarai: 11.28 – 30

Chamado e viagem até Canaã: 12.1 – 4a, 6 – 9

Abraão e Sarai no Egito: 12.10 – 20; 13.1

Abraão e Ló se separam: 13.2 – 5, 7 – 11a, 13 – 18

Vitória de Abraão (?): 14.1 - 24

Aliança de Yahweh com Abraão: 15.1,2,4,6,12, 17 – 21

Nascimento de Ismael e fuga de Agar: 16.1b, 2, 4 – 14

Sodoma e Gomorra: 18.1 – 23; 19.1 – 28, 30 – 38

Nascimento de Isaque: 21.1,2,7

Acréscimos javistas à narrativa eloísta da provação de Abraão: 22. 14 – 18

Descendentes de Naor: 22.20 – 24

Casamento de Isaque com Rebeca: 24.1 – 67

Descendentes com Cetura: 25.1 – 6,11b

História de Jacó
Nascimento de Esaú e Jacó: 25.21 - 26

Esaú renuncia a sua primogenitura: 25.27 - 34

Isaque e Rebeca em Gerara: 26.1 - 11

Pacto entre Isaque e Abimeleque: 26.12 – 33

Jacó rouba a bênção de Esaú: 27.1 – 45

Sonho de Jacó: 28.10 – 11a, 13 – 16, 19

Jacó desposa Lia e Raquel: 29.1 – 30

filhos de Jacó: 29.31 – 35; 30.4 – 5,7 – 16, 21, 24

Jacó ganha riqueza por fraude: 30.25, 43

Fuga de Jacó e pacto com Labão: 31. 1 – 3, 17, 19a, 20 – 23, 25b, 27, 30a, 31, 36a, 38 – 40, 46 – 49, 51 – 53a

Jacó prepara-se para reencontrar-se com Esaú: 32.3 – 11, 13a

Jacó luta com Deus: 32.22 - 32

Reencontro de Jacó com Esaú: 33.1 – 3, 12 - 17

História de Diná: 34.1 - 31

Incesto de Rúben: 35.21 – 22a

História de José
Sonho de José: 37.2b – 20, 25 – 27, 28b

Judá e Tamar: 38.1 - 30

Tentação e Prisão de José: 39.1 - 23

Primeira visita dos irmãos ao Egito: 42.4 – 5, 8 – 11a, 12, 26 – 28a, 38

Segunda visita dos irmãos ao Egito: 43.1 - 34

José põe à prova seus irmãos: 44.1 - 34

Reconciliação de José com seus irmãos: 45.1, 4, 5a, 16 - 28

Jacó instala-se no Egito: 46.28 – 34; 47.1 – 4, 6b

Política agrária de José: 47.13 - 26

Morte de Jacó: 47.29 - 31

Bênção de Jacó: 49.2 - 28

Sepultamento de Jacó: 50.1 – 11, 14


ÊXODO

Opressão de Israel no Egito: 1.8 – 12, 22

Nascimento de Moisés (?): 2.1 - 10

Moisés foge para Midiã: 2.11 – 23a

Chamado de Moisés e sua volta ao Egito: 3.2 – 4a, 5, 7, 8, 16 – 22; 4.1 – 12, 19, 20a, 22, 23

Yahweh tenta matar Moisés: 4.24 - 26

Encontro com Arão e o povo: 4.27 - 31

Moisés solicita adoração no Deserto: 5.1 – 6.1

Praga da água transformada em sangue: 7.14 – 18,20b, 21a, 23, 24

Praga das rãs: 7.25 – 8.4, 8 - 15

Praga das moscas: 8.20 - 32

Praga sobre o gado: 9.1 - 35

Praga da Saraiva: 9.13 - 35

Praga de Gafanhotos: 10.1 - 20

Praga das trevas: 10.21 - 29

Anúncio da Praga final: 11.1 - 8

Instituição da páscoa: 12.21 – 23, 27b

Praga a morte os primogênitos e libertação de Israel: 12.29 - 36

Saída do Egito: 12.37 – 39; 13.20 - 22

Os egípcios perseguem os israelitas: 14.5 – 7, 10 - 14

Israel atravessa o mar: 14.19b – 21b, 24, 25, 27b, 30, 31

Cântico de Moisés: 15.1 - 18

Israel em Mara e Elim: 15.22 – 25a, 27

Provisão do Maná: 16.4, 5, 28 – 31, 35b, 36

Água da Rocha: 17.2 – 7

Passagens mescladas com a tradição eloísta: 19.2b – 23.23; 24.1 – 15; 32 – 34

NÚMEROS

Moisés e Hobabe (Jetro?): 10.29 – 32

A arca portátil: 10.33 – 36

Espias enviados a Canaã: 13.17b – 20, 22 – 24, 27 - 33

Israel murmura contra Moisés e Yahweh: 14.1 – 4, 11, 25

Derrota de Israel em Horma: 14.39 – 45

Rebelião de Data e Abirão: 16.1b, 2a, 12 – 15, 25 – 32a, 33, 34

Edom recusa passagem a Israel: 20.19 – 20, 22a

Vitória na Batalha de Horma: 21.1 – 3

Serpente de Bronze: 21.4 – 9

Movimento de Israel através da Transjordânia: 21.10 – 20

Balaque chama Balaão para amaldiçoar Israel: 22.3b – 8, 13 – 19, 21 – 37, 39, 40

Oráculos de Balaão: 23.28 24.2 – 25

Apostasia de Israel em Peor: 25.1 – 5

Distribuição de terra na Transjordânia: 32.1, 16 – 19, 24, 33 – 42

1.A FONTE JAVISTA EM GÊNESIS

A fonte javista vai compor quase que na sua totalidade o livro de Gênesis. Conforme poderemos constatar, são poucos os trechos deste livro que receberam influência de outra fonte. Ela se preocupa em detalhar a história dos grandes patriarcas de Israel – Abraão, Jacó e José, colocando um prólogo acerca das origens da humanidade. Principalmente aqui em Gênesis, a pecaminosidade humana é ressaltada, o que influencia até mesmo os grandes patriarcas antepassados de Israel – estes apresentam falhas que não são ocultadas.

História Primeva

Segundo o ponto de vista javista, a razão de ser da criação do mundo foi o homem (2.4 – 3.24). É bem econômico em descrever o mundo criado que cerca o homem: toda planta do campo ainda não estava na terra, e toda erva do campo ainda não brotava porque ainda não havia homem (2.5,9); o jardim no Éden com um rio o regando (2.10 – 15); os animais foram criados para tentar resolver o problema da solidão do homem (2.18 – 20); a mulher foi criada para ser seu complemento (2.21 – 25). Tudo é mostrado de tal forma a evidenciar que o homem é a obra prima de Deus (2.7): o homem foi moldado (yatsar, o mesmo verbo utilizado para o ofício do oleiro, e.g. em Jr 18.1 - 8) a partir do pó da terra. Deus criou um jardim no Éden, no qual colocou o homem, que se responsabilizaria por ele (2.8). Deus então é descrito como o amigo íntimo do homem. Mas, como qualquer amigo, não quer se sentir traído. A desobediência a uma estipulação sua põe em risco todo este carinho (2.16,17).

O javista deixa claro, então, que o homem foi criado para um estado de felicidade absoluta. Porém, desobedeceu a Deus (3.1 – 24). A desobediência trouxe a quebra de comunhão com este Deus que sempre colocou o homem como o centro de suas atenções – trouxe o pecado. Apesar da proximidade de Yahweh, o que revela uma relação bastante afetuosa, Yahweh reage de forma enérgica com relação à obstinação pecaminosa do homem. O relato a queda é bem dramático, demonstrando todas as conseqüências trágicas à humanidade. Por isso, não podemos entender os primórdios da humanidade sem entendermos a história do pecado na humanidade. O estado pecaminoso sempre coloca o homem em pé de guerra com Deus: Caim, o primeiro homicida, com uma descendência igualmente violenta (4.1 – 24); as filhas dos homens (6.1 –4); a violência se multiplicando na face da terra (6.5 – 6); a arrogância na construção da torre de Babel (11.1 – 9). Mas Deus sempre encontra, em meio a perversidade humana, aqueles que são sensíveis ao seu amor: Abel (4.4), Enos (4.26), Noé (6.8). Com a expressão “achar graça aos olhos do SENHOR” (6.8; Êx 34.9; Nm 11.11), entre outras, o javista contrapõe a pecaminosidade humana com a bondosa graça divina.

Um momento chave na história da humanidade é o dilúvio. A versão javista é esta: em meio a uma geração perversa, Noé achou graça aos olhos do Senhor (6. 5 – 8); convida-o, juntamente com sua família, a entrar em uma arca (sem especificar como esta foi construída), a fim de se salvarem do dilúvio que assolará a terra e durará quarenta dias (7.1 – 5). De todos animais, sete pares devem ser guardados dos animais limpos e dois dos imundos (7.2). O dilúvio começa após sete dias (7.7 – 10). Em quarenta dias, tudo na terra expira, exceto Noé e seus familiares (7.12, 16b, 17, 22, 23). Ao final de quarenta dias, cerram-se as fontes do abismo e as janelas do céu (8.2b – 3a). Para verificar se as águas já haviam secado de sobre a face da terra, solta um corvo e uma pomba (8. 6 – 13). Noé então sai da arca e oferece holocaustos em agradecimento ao Senhor (8.20 – 22).

Neste prólogo, o javista procura mostrar que o homem sempre esteve preocupado com o pecado e suas conseqüências em sua história. O remédio para a humanidade, então, está na criação de um povo especial, conforme delineado em Gn 12 – 50. Por isso, antes de mostrar a origem de um povo especial, detalha acerca da origem das diversas nações, conforme 11.1 – 9. Arrogantemente, os homens se uniram com um projeto audacioso: construir uma torre que alcançasse o topo dos céus, para que fizessem seus nomes notórios. Como castigo, eles que falavam uma mesma língua, são espalhados por toda a face da terra, com diferentes línguas. Esta é a versão javista, em contraposição à outra versão contida no capítulo 10 para a origem das nações (o javista, entretanto, irá inserir neste capítulo alguns versículos, 10.8 - 19,21,24 – 30).

História de Abraão

Para o javista, o momento chave para a humanidade é a chamada de Abrão, que dará origem ao povo de Israel (12.1 – 3), e por isso Pai da Nação do Senhor. Esta tradição usa o nome Abraão a partir de 18.6 sem explicar o porquê da mudança. Exceto em 12.10 – 20, Abraão é retratado como um verdadeiro exemplo de piedade: obediente à voz de Deus (12.1 – 4a), com uma fé firme (15.6), sempre adorando o Senhor com construção de altares (12.7,8; 13.4,18). Mais uma vez o ímpeto nacionalista é demonstrado: a simples existência do povo de Israel é causa de bênção a todos os povos (12.3). Era casado com Sarai, estéril (embora mais à frente o javista dê a entender que isto devido à sua avançada idade), e saiu de sua terra natal, Ur dos Caldeus, rumo à terra que o Senhor mostraria (11.28 – 30; 12.1). Esta terra não é especificada como Canaã. Seu sobrinho Ló o acompanhou (12.4a). Chegou então a Siquém, até o Carvalho de Moré, onde edificou um altar e o Senhor lhe apareceu prometendo dar à sua semente aquela terra (12.6,7). E, de lá, passou por Betel e o Neguebe (12.8,9).

Abrão mal chega à nova terra, enfrenta dificuldades: há uma fome na terra, e se vê obrigado a descer ao Egito, onde pede para Sarai dizer que é sua irmã, e não sua esposa (12.10 – 13.1), fazendo com que ela fosse tomada ao harém de Faraó; os seus pastores se desentendem com os pastores de seu sobrinho Ló, o que obriga a se separem um do outro (13.2 – 5, 7 – 9). Ló opta então por morar nas campinas do Jordão, onde estava Sodoma e Gomorra (13.10 – 11a), cidades conhecidas pela perversidade (13.13). O Senhor mais uma vez promete-lhe a posse da terra na qual se encontrava (13.14 – 18).

O relato encontrado em 14.1 – 24 é considerado por muitos javista, mas alguns supõem ser de uma fonte muito antiga e desconhecida. Refere-se a Abrão como o hebreu (14.13), não como um gentílico, mas possivelmente como a descrição de sua classe social (hebreu aqui seria uma referência àqueles que estão socialmente à margem). Usa para Deus o título El Elyion (o javista utiliza Elohim, mas evita o uso de El, provavelmente por ser uma referência ao El do panteão cananeu).

Abrão passa por outro momento de crise: o Senhor lhe prometera a posse da terra para seu descendente, mas seu único herdeiro parece ser o damasceno Eliezer (15.1,2). O Senhor o certifica que seu herdeiro será um que sairá de suas entranhas (15.4), e Abrão creu, e foi-lhe isto imputado por justiça (15.6). O Senhor ratifica com um pacto (15.12, 17 – 21). A serva egípcia de Sarai, Agar, fica grávida de Abrão (16.1b,2). Devido a desentendimentos com Sarai, foge para o deserto, onde um anjo lhe aparece fazendo promessas de que o filho que estava para gerar seria uma grande nação, e seu nome seria Ismael (16.4 – 14). A partir daí, o javista não fornece mais nenhuma informação acerca desse filho de Abrão. Porém, por um momento, parece que a promessa de um descendente feita no capitulo 15 falhara.

Para consolar Abrão, três varões (sendo que um era o Senhor! O antropomorfismo javista levado às ultimas conseqüências!) aparecem a Abraão (a mudança de nome pela primeira vez aparece – 18.1- 8), prometendo que a despeito da idade avançada de Sara (o nome de Sarai também é mudado, sem explicações) ela terá um filho, que cumprirá as promessas feitas pelo Senhor a Abraão (18.9 – 15). O Senhor revela então que destruirá Sodoma e Gomorra, devido à maldade dessas cidades (18.16 – 22). Mais uma demonstração do fervor antropomórfico do javista: em 18.22, ela declara que Yahweh ficou ainda em pé diante da face de Abraão! Algo chocante aos olhos do judaísmo posterior, até mesmo agressivo. Por isso, os escribas deliberadamente mudaram aqui o texto para “mas Abraão ficou ainda em pé diante da face do SENHOR”. Abraão, lembrando que lá está morando seu sobrinho Ló, pergunta ao Senhor se o justo seria destruído juntamente com o ímpio (18.23). Dois daqueles varões, que já haviam saído rumo a Sodoma e Gomorra (18.16,22), procuram então livrar Ló e seus familiares da destruição, mas somente Ló e duas de suas filhas conseguem se salvar (19.1- 28). O javista relata então como a partir do incesto das duas filhas de Ló com o próprio pai nasceram Ben-Ami e Moabe, antepassados dos amonitas e moabitas, respectivamente (19.30 – 38).

Finalmente a promessa é cumprida: nasce o filho de Abraão com Sara (21.1,2,7). Sem explicar a origem do nome, em 24.4 revela que o nome deste filho é Isaque. Embora a prova que Deus impõe a Abraão em 22.1 – 18 seja proveniente de outra fonte, esta possui acréscimos javistas: o nome Moriá em 22.2, e o trecho de 22.14 – 18, explicando a origem do nome Yahweh Yireh. O javista acrescenta a lista dos descendentes de Naor (22.20 – 24), mostrando então o nascimento de Rebeca e preparando a longa historieta acerca do seu casamento com Isaque (24.1 – 67). O javista interrompe abruptamente a história de Abraão com a lista dos seus filhos com Cetura (25.1 – 6), sem explicar sua morte (isto fica subentendido em 24.1 – 9, 65), e a menção de onde Isaque passou a habitar (24.11b), preparando a história de Jacó.

História de Jacó

Percebemos que o javista dá muita pouca atenção a Isaque. Exceto em 26.1 – 33, este sempre está ou em conexão com Abraão (e.g., 24.1 – 67) ou com seu filho Jacó (e.g., 27.1 – 45). Isto apesar de ser o cumprimento das promessas de Deus! Enfrentou o mesmo problema da esterilidade de sua mulher (25.21), a fome na terra (26.1 – 5), e também mentiu dizendo que sua esposa era sua irmã (26.6 – 11). Seguiu bem de perto as pisadas de seu pai Abraão. Mas Jacó receberá uma atenção especial, pois através da sua mudança de nome para Israel (32.22 – 32) nomeou toda uma nação.

Mas apesar de sua importância dentro do plano divino de constituição de um povo, ele é o extremo oposto de Abraão. Sempre está envolvido em trapaças: já por ocasião de seu nascimento engana o próprio irmão gêmeo, Esaú, segurando-o pelo calcanhar, tentando já conseguir a primogenitura, recebendo por isso o nome de Jacó (Yaaqov, um trocadilho com a palavra aqev, calcanhar: 25.21 – 26); aproveitando-se que seu irmão chegara cansado do campo, astutamente troca um prato de guisado pelo direito à primogenitura deste (25.27 – 34); auxiliado pela própria mãe, e aproveitando-se que Isaque está no leito de morte, rouba de Esaú a bênção que lhe estava reservada como primogênito (27.1 – 40).

Com medo da vingança de seu irmão, prometida após o período de luto de Isaque, foge para junto de seu tio Labão (27.40 – 45). Parte então de Berseba e dirige-se a Harã, onde seu tio mora (28.10; e não Padã-Arã, como em 28.2). No caminho, o Senhor lhe parece em um sonho, fazendo promessas (28.11a, 13 – 16, 19). Chegando a seu tio, enamora-se por Raquel, por quem decide trabalhar sete anos em vistas ao casamento; mas é enganado por Labão, que lhe dá sua outra filha Lia, e deste modo desposa as duas irmãs mediante o trabalho de mais sete anos (29.1 – 30). Nascem doze filhos e uma filha (29.31 – 35; 30.4 – 5,7 – 16, 21, 24). Como Jacó ama mais a Raquel, e em face da esterilidade desta (29.30,31), há uma rivalidade muito grande entre ela e Raquel (30.1). Repetindo o episódio de Sarai com Agar, tanto Lia quanto Raquel usam servas: Raquel, por causa e sua esterilidade, usa Bila (30.1 – 8), e Lia, quando cessa de conceber, utiliza Zilpa (30.9 – 13)

Jacó enriquecer-se, mais uma vez usando de engano (30.25 – 43). Labão e seus filhos, percebendo, já não são amistosos, e o Senhor ordena a Jacó que volte a terra de seus pais (31.1- 3). Prontamente se foi com suas mulheres e seus filhos (31.17). Fugiu, esquivando-se de Labão, que ao saber o perseguiu (31.19a, 20 – 23: o javista desconhece o episódio do furto dos ídolos). Alcançando-o nas montanhas de Gileade, replica por que aquela fuga em oculto (31.25b, 27, 30a). Jacó revelou temer que lhe tomasse as esposas (31.31). Jacó então contendeu com Labão, mostrando como foi seu procedimento nos vinte anos que esteve com ele (31.36a, 38 – 40). Resolvem então fazer um pacto de reconciliação (31.46 – 49; 51 – 53a).

Ao voltar à sua terra, teme reencontrar seu irmão Esaú. Toma então providências com relação à sua família, ao saber que Esaú vem a seu encontro com quatrocentos homens, e clama intensamente ao Senhor (32.3 – 11). Passando ali a noite, após fazer atravessar sua família e bens pelo vau de Jaboque (32.13a, 22, 23), ocorre o episódio da luta de Jacó com um varão até a subida da alva. No desenrolar da história, fica claro que este varão é o próprio Senhor (32.24 - 29). É a mais extraordinária narrativa antropomórfica do javista, levada às últimas conseqüências. Um homem, lutando com o próprio Senhor, como quem luta com um mortal? A partir de 32.28, o javista deixa de usar o nome Jacó para este neto de Abraão e passa a utilizar o nome Israel, “aquele que lutou com Deus e com os homens e prevaleceu” (provavelmente mais uma explicação popular da etimologia deste nome, que é incerta). Ainda explica a etimologia do nome Peniel e do suposto costume de não comer o nervo da juntura da coxa (32.30 – 32).

O grande momento do reencontro com Esaú chega, cheio de suspense (33.1 – 3). A tradição javista não mostra uma cena emocionada de reconciliação; antes, mostra que Esaú o convida para Seir, o qual a princípio Jacó concorda, mas desconfiado das reais intenções de seu irmão, desvia-se e parte para Sucote (33.12 – 17). Aqui o javista acrescenta então o relato do estupro de Diná por Siquém, o pacto realizado com Jacó e como de forma violenta Simeão e Levi violaram o mesmo (34.1 – 31); e o relato do incesto de Rúbem (35.21,22a). Provavelmente, estes dois relatos procuram explicar de que forma Judá veio a ter ascendência, uma vez que Rúbem, Simeão e Levi eram os irmãos mais velhos, e preteridos com relação à primogenitura.

História de José

A história de José passa a ser contada para explicar de que maneira os filhos de Israel alojaram-se no Egito, onde encontraram a escravidão. O javista não reconhece que José tenha sido um perito intérprete de sonhos, nem que tenha alcançado por isto um posto tão elevado como o de governador do Egito, o segundo após Faraó (40 – 41). Tão pouco reconhece os relatos dos seus filhos, e de como Jacó teria abençoado Efraim (48). Se assim procedesse, estaria comprometendo a excelência de Judá – lembremos que a tribo de Efraim, filho de José, liderou a revolta que provocou o cisma político-religioso no reinado salomônico (1 Rs 11.26 – 12.33). Por isso, defendendo a tribo de Judá, mostra a sua origem (38.1 – 30), e como interveio a favor de José (37.22,26) e se torna responsável pelo retorno de Benjamin (43.8,9), e de como Jacó lhe reserva uma bênção especial (49.8 – 12). É uma narrativa que parece ter pouca contribuição javista, ou muitas adaptações da mesma: torna-se notório que o antropomorfismo e o relacionamento direto de Deus com o homem, conversando com o mesmo como se fosse face a face, tão típicos do javista, desaparecem totalmente nesta narrativa.

Israel ama José mais do que seus outros filhos, o que provoca ciúmes ardentes neles (37.2b – 4). Os ciúmes desenvolveram-se para ódio, quando José lhes relata dois sonhos, que dava a entender que todos lhe seriam submissos (37.5 – 11). Seus próprios irmãos então pretendem matá-lo (37.12 – 20). Vêem uma caravana de ismaelitas passando em direção ao Egito (37.25). Judá então intervém, dizendo que seria melhor vender José àquela caravana do que matá-lo (37.26,27). José então é vendido por vinte moedas de prata e levado ao Egito (37.28b).

No Egito foi vendido a Potifar, eunuco de Faraó, onde alcançou destaque pela habilidade demonstrada para os negócios, pois o Senhor era com ele (39.1 – 6). Mas foi seduzido pela esposa de Potifar (39.7 – 12). Como a mulher de Potifar inverteu a situação, dizendo que ela é que tinha sofrido tentativa de sedução (39.13 – 18), Potifar o mandou para a prisão real (39.19,20). Porém, novamente ali o Senhor o fez prosperar, onde alcançou o mesmo destaque que possuía na casa de Potifar (39.21 – 23). Por ocasião do primeiro encontro com seus irmãos (42.4 – 5, 8 – 11a, 12, 26 – 28a, 38), entendemos que na visão do javista José chegou-se a Faraó e alcançou notoriedade por conta desta bem sucedida empreitada na prisão real. Tornou-se então um regente – moshel, 45.8,26, e não um shalit, como em 42.6.

Os irmãos de José, exceto Benjamin, descem ao Egito à procura de alimentos que estavam escassos em Canaã (42.4,5). José os encontra, reconhece-os – embora não seja reconhecido pelos seus irmãos – e também lembra dos seus sonhos que motivaram sua venda até àquela terra (42.8 – 9a). Motivado pelo rancor, acusa seus próprios irmãos e espiões (42.9b). Estes tentam se defender da acusação, apesar da reticência de José (42.10 – 12). A despeito desta discussão, conseguem levar trigo, e antes de chegarem a Canaã, descobrem o dinheiro devolvido dentro de seus sacos (42.26 – 28). Percebendo que precisarão voltar, Israel adverte a não levarem Benjamin (42.38).

Os temores de Israel mostram-se verdadeiros. A fome continua gravíssima, e os mantimentos novamente acabam, obrigando um retorno ao Egito (43.1,2). Judá então revela que o varão egípcio (José) os advertira que, se não trouxessem o filho mais novo, Benjamin, não poderiam comerciar naquela terra (43.3 – 5). Há relutância da parte de Israel, que cede quando Judá se compromete a protegê-lo por todos os meios possíveis (43.6 – 10). Encaminham-se então ao Egito, levando provisões em dobro, para devolverem o dinheiro que anteriormente haviam encontrado e comprarem mais alimentos (43.11 – 25: certamente El Shaddai em 43.14 é uma glosa proveniente de outra fonte, pois o javista não reconhece o epíteto cananeu El). José, ao encontrar Benjamin, muito se emociona, e promove um banquete com todos os irmãos (43.26 – 34). Parece que o desejo de vingança equilibra-se entre o de ficar junto ao seu irmão mais novo Benjamin, o qual não se envolveu na sua venda como escravo. Arma então um estratagema: manda seus servos colocarem seu copo de prata na boca do saco de Benjamin (44.1 – 2). Isto dá ocasião que sejam perseguidos antes que saiam da terra, e o veredicto de que Benjamin permaneceria como prisioneiro, enquanto os demais estariam livres (44.3 – 17). Judá então faz um emocionado apelo, que ele ficasse como refém no lugar de Benjamin, a fim de não matar de desgosto o pai (44.18 – 34).

José comove-se com as palavras de Judá, e então revela-se aos irmãos, e resolve reconciliar-se com eles (45.1,4,5a). Isto é relatado à casa de Faraó, que decide então convidar Israel e toda a sua parentela a descer ao Egito, onde usufruirão o melhor (45.16 – 28). Escreve então o emocionado reencontro de Israel e José (46.28 – 30), e como se instala na terra de Gósen (46.31 – 34; 47.1 – 4, 6b).

O javista ainda acrescenta a política agrária de José, colocando-o como o criador da lei que estabelecia Faraó como o proprietário de todas as terras no Egito (47.13 – 26). Omite qualquer detalhe acerca da morte de José: antes, prefere relatar a morte de Israel (47.29 – 31), a bênção que teria dado aos seus doze filhos antes de morrer (49.2 – 28; embora tudo indique que esta porção esteja ligada a outra fonte mais antiga e desconhecida) e seu sepultamento (50.1 – 11, 14).

2. A FONTE JAVISTA EM ÊXODO

O Êxodo foi um evento paradigmático para o povo de Israel. A experiência da saída do país da escravidão pela força de Iahweh, o Deus que se revela e age na história, era motivo de memória em festas, celebrações e mesmo em momento de afastamento dos desígnios salvíficos. A teologia de cunho latino-americano soube fazer uma releitura do Êxodo a partir de sua realidade de continente periférico e oprimido, recuperando a importância de tal evento na História da Salvação.

O javista começa narrando a opressão de Israel no Egito; onde o javista desconhece a narrativa das parteiras (1.8-12,22). Logo após, narra o nascimento de Moisés (2.1-10, embora existam dúvidas se é J, E, ou outra fonte documental). Êx 3,1-15 é considerado um relato em que J e E se encaixam um no outro. Podemos encontrar estas características misturadas com J no texto em questão, mas principalmente em expressões em que Deus não tem um encontro direto com Moisés mas o chama; Moisés cobre o rosto por temor a Ele (Êx 3,6). Êx 3,13-15, a revelação do nome divino, também é considerado E . É possível fazer uma distinção entre as fontes J e E no nosso texto a partir da figura de Moisés.

No relato J Moisés apareceu em todos os acontecimentos numa posição secundária: é Iahweh quem age, quem tira o povo da escravidão (cf. Êx 3,7-9). O narrador J atribui a Moisés um papel exíguo; sua vocação teria somente a finalidade de informar Israel sobre as intenções salvíficas de Iahweh. No entanto, na tradição E, a missão de Moisés tem maior relevo: é Moisés quem vai tirar o povo do Egito (Êx 3,10-15); Moisés é instrumento de Deus que opera os milagres intervém com o seu bastão. Elohim é um Deus transcendente que precisa de um mediador, Moisés, e deste ao povo um outro mediador, Arão (cf. Êx 4, 16). A seguir, vemos rapidamente o desenrolar dos acontecimentos:
5.1-6.1. Moisés solicita adoração no deserto.

6.9-12. 2ª objeção de Moisés. Determinação pessoal?

Soberania de Deus sobre os deuses egípcios

7.14-18,20b,21a, 23, 24. Água transformada em sangue

7.25-8.4,8-15. Praga das rãs

8.20-32. Praga das moscas.

9.1-35. Praga sobre o gado.

Soberania de Deus sobre

A natureza

9.13-35. Praga da Saraiva.

10.1-20. Praga de gafanhotos

11.1-8. Praga final.

12.21-23,27b. Instituição da Páscoa.

12.29-36. Praga. A morte dos primogênitos e libertação de Israel.

12.37-39; 13.20-22. Saída do Egito.

14.5-7,10-14. Os egípicios perseguem os israelitas.

14.19b-21b,24,25,27b, 30, 31. Israel atravessa o mar.

15.1-18. Cântico de Moisés.

15.22-25a, 27. Israel em Mara e Elim.

16.4,5,28-31, 35b,36. Provisão do maná.

17.2-7. Água da rocha.

O contexto sócio-histórico se depreende da situação histórica das fontes. A fonte J, surgida na corte salomônica, faz uma retrospectiva do passado para justificar e ratificar a monarquia, preservar a tradição e fornecer um senso de identidade e foco de unidade à liga tribal.

O Êxodo, como fato histórico e salvífico, foi um acontecimento fundamental para Israel, constituindo-se num evento radical, profundíssimo, no qual tanto Israel como nós devemos interpretar Deus e a nós mesmos. O Êxodo se converte em uma “reserva-de-sentido” inesgotável, e como tal, é acontecimento fundante de acontecimentos derivados que lhe enriquecem o significado, de modo que tem mais importância na época do último relato escrito (sacerdotal, séc. V a.C.) do que quando aconteceu historicamente (séc. XIII a.C.), e por isso torna-se mensagem: “Não se trata de um fato isolado que aconteceu por volta do séc. XIII a.C., mas de um fato refletido, aprofundado, explorado pela fé e captado em todas as suas projeções. Daí se deduz que a narração do livro do Êxodo ‘diz’ muito mais do que aconteceu naquela época”(CROATTO, 1981, p.39).

As tribos hebréias oprimidas no Egito fizeram a descoberta da presença de Deus por trás de fatos históricos. A escravidão a que eram submetidos produzia-lhes uma tal alienação que os tornava incapazes de esperar salvação (cf. Êx. 6, 9), como acontece com nosso povo latino- americano, aceitando passivamente a realidade que vive. É interessante observar que a opressão a que israel está submetido é de ordem político-social, e Deus veio ao seu encontro para libertá-lo e salvá-lo na sua totalidade, não só e nem primeiramente em nível espiritual. Deus se revela primeiramente como salvação e libertação em ordem política e social. Tal constatação tem conseqüências hermenêuticas graves para uma releitura da mensagem do Êxodo em nossa América Latina atual. Êxodo 3.7-9 fala do gemido e clamor do povo israelita. Porem, tal relato é claro, posterior ao acontecimento; provavelmente o povo nem gemer o fazia, pois o alienado não tem consciência do que pode ser e fazer, mas aceita que as coisas são como estão. O acontecimento do êxodo engendrará a consciência de liberdade do povo. No entanto, a este clamor ou alienação silenciosa dos israelitas Deus responde chamando e enviando Moisés e revelando o seu nome, Yahweh, “o-que-há-de-existir”, nome dinâmico que muito posteriormente foi entendido ontologicamente. A manifestação de Deus conscientiza o ser humano de sua vocação à liberdade como desígnio salvífico ao qual não pode recusar-se. As objeções de Moisés(êx.3.11-13; 4.1,10-13) são projeções das dúvidas e desconfianças do povo prostrado e alienado. Diante de tal desígnio, o opressor endurece-se e oprime ainda mais.

Visão Teológica

Durante todo o processo de libertação, cuja ação foi atribuída ao Deus Javé, principalmente depois da saída do Egito, a consciência do povo foi clareando e, assim, foi se formando uma identificação entre Deus e o povo. Desse modo, para este povo, Deus é aquele que foi se revelando como alguém presente nas lutas, e que passa a fazer parte de sua história. É aquele que age através das pessoas, como no caso de Moisés. Deus é aquele age para libertar. Foi assim que aconteceu quando da vitória do enfrentamento com o destacamento do exército do faraó, o que permitiu a saída do Egito.

Toda esta experiência vivida por Moisés e seu grupo os preparou para descobrir Javé como Deus Libertador. Mais tarde, veio a tornar-se o Deus das tribos de Israel na "terra prometida" de Canaã.

Quem é Javé para esse povo?
Javé foi reconhecido pelo grupo de Moisés e por algumas tribos, chegando a se tornar o Deus principal das tribos da confederação de Israel na época dos Juizes.

Javé é aquele que escuta o clamor do seu povo oprimido e o liberta. Não está ligado a sistemas opressores dos reis e faraós, como o do Egito. Pelo contrário, ele está no deserto e na montanha (Sinai, e não Horebe) agindo no meio de seu povo, pobre, camponês e pastor. É o Deus que fez uma aliança com o povo.

O povo vê em Javé o Deus que protegia os seus antepassados, o Deus e Abraão, Isaac e Jacó. Ele é o Deus de Libertação

Dimensão Ideológica

O Estado, representado pela autoridade máxima do faraó, com todo o seu aparato: corte, exército, sábios, sacerdotes e capatazes, não podia admitir que estes hebreus fossem reivindicar seus direitos. Mas, ao contrário do que se pensava, na resistência contra a dominação do Faraó, forjou-se a unidade dos que se propunham a fugir.

O grupo reunido em torno de Moisés ainda não conhecia o Deus chamado Javé. E quando este se revelou a ele, disse ser o Deus de seus antepassados.

O Deus Javé se revelou a Moisés, mostrando-se ser aquele que teve compaixão do sofrimento do seu povo e que desceu para libertá-lo. Ele chama Moisés para ajudar nesta missão. Daí, Moisés seria, então, uma espécie de líder, capaz de ajudar o povo a sair da escravidão do Egito e forjar um novo sistema social numa nova terra, "a terra onde corre leite e mel", ou seja, onde o povo viria a ser livre. Assim, Javé se tornou o Deus de todo povo de Israel, pois tudo o que tinha acontecido no processo de libertação foi por obra dele.

Desse modo, o acontecimento do Êxodo marcou profundamente não só a Moisés e o povo como também toda a fundação das tribos que surgiram posteriormente. É daí que esse acontecimento tornou-se o fato fundamental da história do povo, grande foi seu significado para a fé das tribos.

E o povo passou a cantar a vitória, como conta o capítulo 15 do Livro do Êxodo, reconhecendo a ação de Deus na sua vida.

3. A FONTE JAVISTA EM NÚMEROS

Todo o início do livro de números até 10.28 pertence à tradição “sacerdotal”. Reencontramos a tradição “Javista” no cap. 10.29 do livro de números, que vai até o fim do cap. 14 uma combinação com elementos “Eloístas”.

Acredita-se que os capítulos 10, 33-36, 11; 17.24-30; 12 seria sem dúvida uma tradição Eloísta. Nos capítulos 13-14, esta tradição complexa é combinada com a tradição “Sacerdotal”.

Números 10.29-32 ® Moisés e Hobab (Jetro?). Israel tinha necessidade de guias para atravessar o deserto. Para isto, Moisés dirige-se aos midianitas, tribo do deserto à qual estava ligado por sua mulher Siporá. – O texto não é bem claro, pois não se sabe se Hobab (Jz 1, 16; 4, 11) ou Reuel (Ex 2, 18) é o sogro de Moisés, tanto mais que EX 18, 1 lhe dá o nome de litrô. Há várias tradições divergentes que aliam Moisés seja aos gentios (Hobab é gentia), seja aos midianitas (Reuel, litrô). A primeira parece ter suplantado a segunda quando a hostilidade entre Midian e Israel se desenvolveu (25, 17-18; 31, 1-18). Há possibilidade de esclarecer o texto supondo que Reuel é nome de tribo, o que daria Hobab, o reuelita, ou então dando a hotên, “sogro”, o sentido mais amplo que ele às vezes tem: “parente por aliança”.

A expressão “Javista”: “tu serás nossos olhos”; veio expirar uma expressão corrente entre os nômades ou beduínos até o dia de hoje: “o olho da caravana”.

Números 10.33-36 ® A arca portátil. Javista ou Eloísta? Na edição “massorética” do texto hebraico um sinal especial indica que os vv 35 e 36 não estão em seu lugar. Efetivamente, estão pouco ligados ao contexto; o grego transpõe o vv 34 para depois do vv 36, o que seria lógico.

Números 13.17b – 20, 22-24, 27-33 ® No vv 17b, a montanha designa os montes da Judéia. Vê-se pelo vv 22 que, na perspectiva “Javista”, a exploração se limitou ao sul deste maciço, ao passo que para a tradição “sacerdotal” ela se estende a todo o futuro território de Israel.

O retrato “sacerdotal” faz os exploradores percorrerem a terra de ponta a ponta, o que representa um trajeto de 600 km. No relato “javista” (v 22), ele não ultrapassam Hebrom, a 120 km de Qadesh.

No versículo 26 Qadesh está no deserto de Sin (20,1; 33,36), temos aqui a junção de dois relatos, o “sacerdotal” que situa o povo no deserto de Paran e o “javista” que o situa em Qadesh.

No versículo 29 trata-se do Mediterrâneo. Temos aqui, na pena do “javista”, a descrição precisa em todo Bíblia das populações palestinas.

Números 14.1-4, 11, 25 ® Israel murmura contra Moisés e Yahweh.

Números 14.39-45 ® Derrota de Israel em Horma.

Números 16.1b, 2a, 12-15, 25-32a, 33, 34 ® Esta passagem resulta da fusão de dois relatos: o “Javista” – “Eloísta” (revolta de Datan e Abrirâm contra Moisés) e o “sacerdotal” (revolta de Qôrah contra Aarão).

Números 20.19-20, 22a ® Edom recusa passagem a Israel.
Números 21.1-3 ® Vitória na batalha de Horma. Esta narrativa de tradição antiga, mas é encontrada, aqui, fora do seu contexto. Horma foi tomada pelos simonitas, que subiram diretamente do sul (Jz 1, 16-17). A derrota de Horma, de Nm 14,39, é posterior.

Números 21.4-9 ® Serpente de bronze. A tradição Javista nos leva a relacionar esta história com as minas de cobre da Arabá, onde o metal já era explorado no Século XIII a.C. Acharam-se em Meneyeh (hoje timna) diversas pequenas serpentes de cobre que sem dúvida eram utilizadas, com a de Moisés, para se proteger contra as serpentes venenosas. Esta região mineira da Arabá se encontra no caminho de Cades a Ácaba (cf. v 47).

Números 21.10-20 ® Movimento de Israel através da transjordânia. Esta narrativa é continuação da fonte “Javista”, interrompido desde 20.22a.

Números 22.3b-8,13-19, 21-37, 39, 40 ® Balaque chama Balaão para amaldiçoar Israel. A história de Balaão, sem vínculo determinado com a narrativa da marcha para Canaã, foi objeto de, ao menos, dois relatos distintos, entremeados ao longo dos capítulos 22.24. Segundo um deles (“Eloísta”?), Balaão era um adivinho arameu ou emorita, adorador do Senhor, de quem recebia a própria inspiração, ele não cedeu às instâncias do rei Moab, antes de ter sido expressamente autorizado por Deus a fazê-lo. De acordo com o outro relato (“Javista”?), ele era midianita (cf. 31,8); pôs-se a caminho para atender ao apelo de Balaque sem a permissão de Deus, barrado pelo anjo, teve que retornar, e Balaque, em pessoa, teve de ir procurá-lo.

Os dois relatos derivam de uma tradição muito antiga, segundo a qual Balaão era um mago de temível poder (cf. v 6). Esta tradição atesta a antiga concepção de bençãos e maldições: Uma vez pronunciadas, eram irreversíveis. O Senhor só podia preservar seu povo das maldições de Balaão impedindo o adivinho de proferi-las. Trata-se, de uma tradição estranha a Israel, que os relatos “Javista” e “Eloísta” assimilaram, apresentando Balaão como projeta do Senhor (apesar das resistências dele, conforme um dos relatos). Mas a Bíblia também conservou a imagem primitiva de um Balaão hostil a Israel: Nm 31.8, 16, Dt 23.5; Is 13.22; 24.9; II Pe 2.15-16; Ap 2.14.

Números 23.28, 24.2 ® Oráculos de Balaão.
Os dois poemas do capítulo 23 pertencem à tradição “Eloísta” e sem dúvida prolongam o primeiro relato do capítulo 22. Os poemas do capítulo 24 são capítulo e se relacionam com o segundo relato do capítulo 22. No texto “Javista” primitivo, 23.29 devia seguir 22.40. Os versículos 27 e 28 foram acrescentados para assegurar uma transição entre os dois conjuntos.

Neste relato “Javista” mostra Balaão sob o efeito de uma súbita inspiração (cf. ii Rs 3.15), ao passo que no capítulo 23 recebia a mensagem antecipadamente e tinha tempo para refletir sobre ela. Aqui ele é apresentado como uma “vidente” que emprega uma linguagem muito figurada.

Números 25.1-5 ® Apostasia de Israel em Peor. Este capítulo é formado por dois relatos, um dos quais (“Javista”) fala das filhas de Moab, e o outro (“sacerdotal”) de uma midianita (vv 6-18). O relato Javista não cita Finéias.

Números 32.1, 16-19, 24, 33-42 ® Distribuição de terra na transjordânia. Este capítulo de estilo deuteronomizante, com marcas de redação sacerdotal, usa uma fonte antiga (javista) vv 1-4, 16-19.

4.CONCLUSÃO: MENSAGEM QUERIGMÁTICA

O querigma javista em Gênesis enfatiza o homem cercado de privilégios, não tendo motivo algum para se rebelar contra Yahweh, e se afastando cada vez mais dele, embora Yahweh sempre esteja bem próximo do homem. Por isso, ressalta-se o papel de Israel não com propósitos estritamente nacionalistas, mas também em vista da humanidade decaída e carente da graça divina. Se o homem não pode escapar da justa ira divina, a qual Yahweh executa sobre o pecado, o homem sempre teve à sua disposição a graça amorosa divina. Se os mais afamados heróis da fé, como Abraão, nem por isso escaparam de cometer erros, isso não gera desculpas para que procedamos da mesma forma. Ao contrário: o convite é a evitarmos tais procedimentos, não por constrangimento ou pressão, antes movidos pelo amor de Yahweh – amor este demonstrado desde o início, na criação de todas as coisas.

O querigma da liberdade que o êxodo anuncia nos leva a refletir sobre quatro temas, entre outros:
salvação e libertação. A experiência salvífica do êxodo se deu como libertação política e social, na descoberta de Deus/Yahweh que se revela e atua na história. Esta é também a experiência que os povos latino-americanos tem feito, a partir de uma reflexão teológica contextualizada.

A revelação do líder. Deus não salva diretamente, mas se serve de mediadores humanos para fazer-se presente na história. É através de pessoas e acontecimentos, mesmo aparentemente desvinculado de uma perspectiva religiosa, que Deus se revela. Será que percebemos estas novas formas da presença de Deus em nossa história, os novos Moisés que são instrumentos de libertação do nosso povo?

Uma consciência de liberdade. O êxodo se constituiu para os israelitas numa experiência de sua vocação à liberdade o que se tornou mensagem para todo ser humano. Sendo a liberdade um valor intrínseco do ser humano, tal deve ser a bandeira de nossa práxis cristã enquanto igreja instituição e carisma.

Violência. O contrário de amor não é violência, mas o ódio. Assim, amor e violência podem se encontrar numa situação de injustiça generalizada. É o que nos relata o êxodo: Deus age com energia, usa de força para libertar o povo depois do endurecimento do Faraó diante do pedido pacífico de Moisés (Êx. 3.18ss). O recurso é o uso da força, uma vez que a opressão é intolerável. “a injustiça é um bem radical que reclama do amor (ainda que pareça paradoxal) uma situação violenta”. Nossa ação como cristãos deve considerar tudo isso para não incorrer no risco de tornar-se ópio do povo.

O querigma javista em Números ressalta o binômio constância divina X inconstância humana. Enquanto o homem se mantém inconstante em relação a Yahweh, murmurando a despeito de suas bênçãos demonstradas, Yahweh sempre está disposto a perdoar e a abençoar o povo. Basta verificar o episódio de Balaão (22 – 24) com a apostasia de Israel em Peor. O javista aqui nos convida a meditar: existe razão real para murmurarmos?

sábado, 29 de maio de 2010

A Maravilhosa Geografia Bíblica

Noções de Geografia e História Bíblica

Geografia Bíblica é a parte da Geografia Geral que estuda as terras e os povos bíblicos, bem como a matéria de natureza geográfica, contida no texto bíblico, que de passagem se diga, é de fato, abundante.

A. A importância da Geografia Bíblica. É de muita importância o estudo da geografia bíblica como meio auxiliar no estudo e compreensão da Bíblia. Mensagens e fatos descritos na Bíblia, tido como obscuros tornam-se claros quando estudados à luz da geografia bíblica. Deus permitiu a inserção de grande volume dessa matéria na Bíblia. Um exame, mesmo superficial, mostrará que a cada passo, a Bíblia menciona terras, povos, montes, cidades, vales, rios, mares e fenômenos físicos da Natureza.

O porquê dessa importância:

1. A Geografia é o palco terreno e humano da revelação Divina. É ela que juntamente com a cronologia, situa a mensagem no tempo e no espaço, quando for o caso.

2. Ela dá cor ao relato sagrado, ao localizar, situar, fixar e documentar os mesmos. Através dela, os acontecimentos históricos tornam-se vívidos e as profecias mais expressivas. O ensino da Bíblia torna-se objetivo e de fácil comunicação quando podemos apontar, mostrar e descrever os locais onde os fatos se desenrolaram. Exemplos: Lc 10.30 ("descia um homem de Jerusalém para Jericó"); Dt 1.7 (aí nós temos uma profunda aula de geografia da Terra Prometida.)

3. O estudo da geografia bíblica da Palestina e nações circunvizinhas esclarece muitos fatos e ensinos constantes das Escrituras.

4. As nações vêm de Deus, logo o estudo deste assunto à luz da Bíblia é profícuo sob todos os pontos de vista. Ler Dt 32.8; At 17.26.

B. Fontes de estudo da geografia bíblica.

1. A Bíblia. É a fonte principal. Ela faz menção de inúmeros lugares, fatos, acidentes geográficos, povos, nações, cidades. É evidente que isto merece um cuidadoso estudo. A Bíblia contém capítulos inteiros dedicados ao assunto. Exemplo Gn 10; Js 15-21; Nm 33,34; Ez 45-47. Somente cidades da Palestina Ocidental a Bíblia registra cerca de 600. Não registradas, há inúmeras outras como o prova a arqueologia.

Um problema com que se defronta o estudante nesse assunto, é o fato de grande número de países, cidades, regiões inteiras e outros elementos geográficos, terem atualmente novos nomes. Exemplos: a antiga Pérsia é hoje o Irã; a Assíria é parte do atual Iraque; a Ásia do Novo Testamento é hoje a Turquia; a Dalmácia do tempo de Paulo (II Tm 4.10) é hoje a Iugoslávia e assim por diante.

2. A Arqueologia Bíblica. Esta, tem prestado enorme contribuição para a elucidação de dificuldades bíblicas e trazido à tona a história de povos do passado, considerados como lendários, como o caso dos hititas, mitânios e hicsos. A arqueologia bíblica teve seu começo em 1811 com as atividades nesse sentido do cidadão inglês Claude James Rich, na Mesopotâmia, quando lá se encontrava cuidando de interesses ingleses.

3. A História Geral. Aqui é preciso certa cautela. Muitos manuais hoje em uso no estudo secular estão eivados de erros, por seus autores desconhecerem a Bíblia. Temos vários casos documentados.

4. A Cartografia. A ciência dos mapas. Certas editoras especializadas editam atlas e mapas bíblicos, apropriados ao estudo da Geografia Bíblica. Os mapas mais importantes do mundo bíblico são os quatro seguintes:

Mundo Bíblico do AT;
Mundo Bíblico do NT;
A Palestina do AT;
A Palestina do NT. (Ver mapas)

O profeta Ezequiel, por ordem divina traçou num tijolo a cidade de Jerusalém, Ez 4.1. Temos aqui uma noção de mapa bíblico.

C. A extensão do mundo bíblico. O mundo bíblico situa-se no atual Oriente Médio e terras do contorno do Mar Mediterrâneo. É ele o berço da raça humana. Mas precisamente a Mesopotâmia, nas planícies entre os rios Tigre e Eufrates. Foi daqui que partiram as primeiras civilizações. Na dispersão das raças após o Dilúvio (Gn caps. 10 e 11), Sem povoou o sudoeste da Ásia. Cão povoou a África, Canaã e a península arábica. Jafé povoou a Europa e parte da Ásia.

Limites do mundo bíblico:
Ao Norte: Da Espanha ao Mar Cáspio
A Leste: Do Mar Cáspio ao Mar Arábico (Oceano Indico)
Ao Sul: Do Mar Arábico á Líbia.
A Oeste: Da Líbia à Espanha.

D. Regiões, áreas e países do mundo bíblico. Acidentes naturais. Citaremos apenas alguns casos, dado o limitado espaço que temos para isso.

1. Mesopotâmia, Gn 24.10; At 2.9; Dt 23.4. Berço da humanidade. Não é verdade o que muitos manuais de História Geral declaram: ser o Egito o berço da humanidade. A verdade está na Bíblia. Aqui existiu o Éden Adâmico. Na Mesopotâmia destacam-se dois países:

Babilônia, de capital do mesmo nome. Outros nomes antigos: Caldéia (Ez 11.24); Sinear (Gn 14.1); Súmer. É o sul da Mesopotamia.

Assíria, Gn 2.14; 10.11. É o norte da Mesopotâmia. É hoje parte do Iraque. Capital: Nínive, destruída em 607 AC. A Oeste ficava o reino de Mari. Os Mitânios habitavam em volta de Haran, ao Norte da Assíria.

2. Arábia. Capital: Petra (gr); Sela (heb.) Vai da foz do Nilo ao Golfo Pérsico. Aí, Israel peregrinou em demanda de Canaã. A região de Ofir, fornecedora de ouro ficava possivelmente aí, I Rs 9.28. A parte da península do Sinai era chamada Arábia Pétrea. A Lei foi dada aí e o tabernáculo erigido a primeira vez.

3. Pérsia. Hoje parte do Irã. Capitais: teve as seguintes, pela ordem: Ecbátana, Pasárgada, Susã, Persópolis. Foi cenário do livro de Ester e parte do de Daniel. Aí, primeiramente floresceram os medos. Depois os persas assumiram a liderança. Ver At 2.9. A Média, quando na supremacia tinha por capital Hamadã (entre os gregos Ecbátana.)

4. Elam. Hoje incorporado no Irã. Capital: Susã, Gn 14.1; At 2.9.

5. Armênia ou Arará: Cap. 6 de Gênesis.

6. Síria. Mesmo que Arã. (Não confundir com Haran.) Capital: Damasco, Is 7.8. Seu território não é o mesmo da Síria moderna, At 11.26: Nos dias de Jesus tornara-se sede da província romana, da qual fazia parte a Palestina, Lc 2.2. A capital dessa província era Antioquia. A Síria era na época governada por um legado romano.

7. Fenícia. Hoje: Líbano, em parte. Cidades principais: Tiro e Sidon. Navegantes famosos. Primitivos exploradores. Fundaram Cartago, na África do Norte (hoje Tunis.) Nosso alfabeto vem dos fenícios, cerca de 1500 AC. Ver Mt 15.21; 11.22; I Rs 9.26-28.

8. Egito. É o país mais citado na Bíblia depois da Palestina. Em hb seu nome é Mizraim, Gn 10.6. Teve, várias capitais nos templos bíblicos. Parte do seu futuro, profeticamente falando, está em Ez 29.15. Fica ao Norte da África.

9. Etiópia. Fica ao Sul do Egito. Segundo Gn 2.13, existia outra Etiópia na região Norte da Mesopotâmia - a chamada Terra de Cush (hb). A profecia de Sl 68.31 a respeito da Etiópia, teve seu cumprimento a partir de At 8.26-39, quando a fé cristã foi ali introduzida. É país de princípios cristãos até hoje. A Etiópia da Bíblia compreende hoje a Abissínia e a Somália.

10. Líbia. Extensa região da África do Norte. Simão, o que ajudou Jesus a levar a cruz, era natural de Cirene - cidade da Líbia, Mt 27.32. Igualmente, no dia de Pentecoste estavam cireneus em Jerusalém, At 2.10.

11. Ásia. A Ásia dos tempos bíblicos nada tinha com o atual continente asiático. Era uma província romana situada na parte ocidental da chamada Ásia menor ou Anatólia. Ler At 6.9; 19.22; 27.2; I Pe 1.1; Ap 1.4,11. Capital dessa província: Éfeso. Toda a região dessa antiga Ásia Menor compreende hoje o território da Turquia.

12. Grécia ou Hélade, At 20.2. No Antigo Testamento, em hebraico, é Javan ou Iônia, Gn 10.4,5. A maior parte da Grécia Antiga era conhecida pelo nome de Acaia (At 18.12), nome esse derivado dos Aqueus - povo que a habitou. Na época do Novo Testamento a Grécia era constituída de Estados isolados sob os romanos. Nesse tempo, sua capital política era Corinto, não Atenas. Em Corinto residia o procônsul romano.

13. Macedônia, At 19.21. Ficava ao norte da Grécia. A antiga Macedônia é hoje parte do território de vários países, a saber: norte da Grécia, sul da Bulgária, Iugoslávia, e parte da Turquia. O ministério do apóstolo Paulo ocorreu na Ásia Menor, Grécia e Macedônia, principalmente. A capital da Macedônia era Pella.

14. Ilírico, Rm 15.19. Região européia onde Paulo ministrou a Palavra de Deus. É hoje a Albânia e parte da Iugoslávia. A parte principal da Iugoslávia de hoje é a antiga Dalmácia de II Tm 4.10.

15. Itália, At 27.1; Hb 13.24. País banhado pelo Mediterrâneo, situado ao sul da Europa. Em Roma, sua capital, foi fundado um diminuto reino em 753 AC, que mais tarde viria a ser senhor absoluto do mundo conhecido - O Império Romano. Para a Itália Paulo viajou e pregou o Evangelho como prisioneiro.

16. Espanha, Rm 15.24,28. Paulo manifestou o propósito de viajar para a Espanha. Segundo os estudiosos da Bíblia, a cidade de Tarsis mencionada em Jn 1.3; 4.2, ficava ao sul da Espanha, sendo no tempo de Jonas o extremo do mundo conhecido do povo comum. Foi a Espanha grande perseguidora dos cristãos durante a Idade Média, especialmente através dos tribunais da sinistra Inquisição.

17. Palestina ou Canaã. Deixamos a Palestina por último porque dela nos ocuparemos mais demoradamente. É a mais importante terra bíblica por várias razões:

a. Alguns fatos sobre a Palestina:

Foi prometida por Deus aos hebreus, Gn 15.18; Êx 23.31. É, sob o ponto de vista Divino, o centro geográfico da terra, Ez 5.5; 38. 12b.

Melhor terra do mundo, Ez 20.6,15; Jr 3.19; Am 6.1. Se atualmente isto parece contraditório, a palavra profética assegura a sua restauração e esplendor no futuro.

Os judeus seriam um povo destacado dos demais, Lv 20.24; Dt 33.28; Mq 7.14; Nm 23.9; Jr 49.31.

Para que Deus chamou e elegeu a nação israelita: Gn 3.15; Êx 19.6; Dt 7.6; Rm 3.2; 9.4,5. Em suma: trazer o Messias ao mundo; produzir e preservar as Escrituras; ser um povo sacerdotal; e difundir o conhecimento do Senhor entre as nações.

Canaã, Gn 13.12.
Terra dos Hebreus, Gn 40.15.
Terra do Senhor, Os 9.3.
Terra de Israel, I Sm 13.19; Mt 2.20; II Rs 5.2.
Terra de Judá, Judéia, Ne 5.14; Is 26.1; Jo 3.22; At 10.39.
Terra Formosa, Dn 8.9.
Terra Gloriosa, Dn 11.41.
Terra da Promessa, Hb 11.9.
Terra Santa, Zc 2.12; Sl 78.54 ARA.
Israel (modernamente.)

Não há modernamente nenhum país chamado Palestina. O antigo país deste nome está hoje dividido entre a Jordânia e o moderno Israel.

c. Limites da Palestina.

Limite sul: Cades-Barnéia e o ribeiro el-Arish, na Arábia. (el Arish é o "rio do Egito" mencionado em Gn 15.18.)
Limite norte: Síria e Fenícia.
Limite oeste: Mar Mediterrâneo. É na Bíblia chamado Mar Grande, Dn 7.2.
Limite leste: Síria e Arábia.

d. Superfície da Palestina. Mais ou menos como a do nosso Estado de Alagoas. Comprimento: cerca de 250 km, de Dã a Berseba. Hoje: 416 km. Largura: 88 km (a maior). Hoje: 100 km. Essa extensão variou com as épocas e situações de sua história. Por exemplo: na época das 12 tribos - 26.400 km². A extensão atual é de cerca de 156.000 km².

e. Clima. O tipo de relevo do solo da Palestina resulta numa superfície muito variada, com muitas regiões elevadas e baixas, originando por isso toda espécie de climas, desde o tropical, no Jordão, até o de intenso frio no Hermom, a 2.815 metros de altitude. A faixa litorânea tem uma temperatura média de 21 graus C. No vale do Jordão a temperatura vai a 40 graus. A temperatura média de Jerusalém é de 22 graus. Janeiro é a época mais fria do ano, quando o termômetro. chega a 4 graus. É por essa variedade de climas que a Palestina presta-se a toda espécie de culturas.

f. Divisão política da Palestina. No Antigo Testamento foi a Palestina dividia entre as 12 tribos de Israel. Três tribos ficaram a leste do Jordão: Manassés (parcialmente), Gade, Rúben. Cinco ficaram na área litorânea: Aser, Manassés (em parte), Efraim, Dã (em parte), Judá. Quatro se estabeleceram na região central: Naftali, Zebulom, Issacar, Benjamim. Duas ficaram nas extremidades Norte-Sul: Dã (Norte), Simeão (Sul).

A divisão política da Palestina mudou com o correr dos tempos e dos governos. Nos tempos do Novo Testamento a divisão política constava de cinco regiões: Judéia, Samaria, Galiléia, Ituréia, Peréia. O estudante deve ver isso no respectivo mapa. Durante o ministério de Jesus, seus governantes eram:

Judéía e Sarnaria: Pôncio Pilatos (26-36 AD.) Pilatos era procurador romano. Sua capital política era Cesaréia; à beira-mar. A capital religiosa: Jerusalém.

Galiléia e Peréia: Herodes Antipas (4 AC a 39 AD.) Era filho de Herodes, o Grande. Jesus passou a maior parte de Sua vida no território sob a jurisdição desse Herodes. Às vezes, todo o leste do Jordão era chamado Peréia (Mt 4.25; Mc 3.8). O vocábulo Peréia significa literalmente "região além", isto é, além dó Jordão, Mt 4.15; 19.1; Jo 10.40.

Ituréia e outros distritos menores: Herodes Felipe II (4 AC a 34 AD.) O moderno território de Golã, em parte ora ocupado por Israel, integrava essa jurisdição (a antiga Gaulanites, Dt 4.43; Js 20.8.) É mencionada apenas uma vez no NT, em Lc 3.1.

A Iduméia, no extremo sul do pais, integrava a jurisdição da Judéia. É mencionada apenas uma vez no Novo Testamento: Mc 3.8.

g. Mares.

Mar Mediterrâneo. É na Bíblia chamado Mar Grande, Dn 7.2; Nm 34.7. Outros nomes: Mar Ocidental (Dt 11.24; Jl 2.20) e Mar dos Filisteus, Êx 23.31.

Mar da Galiléía, Mt 4.18; Mc 7.31. Outros nomes: Mar de Quinerete (Nm 34.11), palavra essa que originou Genezarete, outro nome desse mar, Lc 5.1. Também Mar de Tiberíades, Jo 6.1. É mar interior, de água doce.

Mar Morto, Ez 47.8 ARA. Aparece com vários nomes no Antigo Testamento: Mar Salgado (Gn 14.3); Mar de Arabá (Dt 3.17); Mar da Planície (II Rs 14.25); Mar Oriental (Ez 47.18; Zc 14.8); Mar da Campina, Js 12.3. Fica situado a 395 metros abaixo do nível do mar. Evaporação média diária: 8 milhões de metros cúbicos de água! É 25% mais salgado que qualquer outro mar.

h. Rios. Todos os cursos d'água da Palestina (com exceção do Jordão) são de pouca expressão.

Jordão. Corre no sentido norte-sul. Nasce no Monte Hermom e deságua no Mar Morto.

Querite. Desemboca no Jordão, margem oriental, defronte a Samaria. É um uádi, rio temporão.

Cedron. Corre a leste de Jerusalém. É também uádi.

Jaboque, Gn 32.22; Js 12.2. Afluente do Jordão, margem oriental.

Iarmuque. Afluente do Jordão, margem oriental. Não mencionado na Bíblia. Deságua 6 km ao sul do Mar da Galiléia.

Arnom, Nm 21.13; Js 12.2. É hoje o Mojib. Deságua no Mar Morto, margem oriental. Era o limite sul da Palestina, na frente oriental.

Quisom, I Rs 18.40. Deságua no Mar Mediterrâneo, Monte Carmelo.

i. Montes. São de muita importância na Bíblia, Js 11.21.

Tabor, Jz 4.6; 8.18. Fica na Galiléia. Altitude: 615 metros. Crê-se que aí ocorreu a transfiguração de Jesus (Mt 17.1,2.)

Gilboa, I Sm 31.8; II Sm 21.12. Fica em Samaria. Altitude: 543 metros.

Carmelo, I Rs 18.20. Fica em Samaria. Ponto culminante: 575 metros. Fica no prolongamento que forma a baía de Acre, onde se localiza a moderna cidade de Haifa.

Ebal e Gerizim, Dt 11.29; 27.1-13. Dois montes de Samaria.

Moriá, Gn 22.2; II Cr 3.1. Fica em Jerusalém. Aí Abraão ia sacrificar Isaque. Nele Salomão construiu o templo de Deus.

Sião. Em Jerusalém. Altitude: cerca de 800 metros. O local e o termo Sião são usados de modo diverso na Bíblia. No Sl 133.36 Jerusalém. Em Hb 12.22 e Ap 14.1 é uma referência ao céu.

Monte das Oliveiras. Em Jerusalém, Mt 24.3; Zc 14.4; At 1.13. Aí, Jesus orou sob grande agonia na noite em que foi traído. Sobre esse monte Jesus descerá quando vier em glória para julgar as nações.

Calvário. Pequena elevação fora dos muros de Jerusalém. Fica ao norte, perto da Porta de Damasco. Ver Lc 23.33. Calvário vem do latim "calvária" - crânio. Em aramaico é Gólgota - crânio, caveira, Mt 27.33; Jo 19.17. No local acima, em 1885 o general inglês Charles George Gordon descobriu um túmulo, cujas pesquisas revelaram nunca ter sido o mesmo ocupado continuamente. Passou a ser tido como o de Cristo.

j. A Capital da Palestina: Teve várias capitais, a saber:

Gilgal. No tempo de Josué, Js 10.15.

Siló. No tempo dos juizes, I Sm 1.24.

Gibeá. No tempo do rei Saul, I Sm 15.34; 22.6.

Jerusalém. Da época de Davi em diante, II Sm 5.6-9. Seu primitivo nome foi Salém, Gn 14.18, depois Jebus, Js 18.28 e por fim Jerusalém, Jz 19.10. Nos dias do Novo Testamento a capital política da Judéia era Cesaréia, não Jerusalém, como já mostramos.

Mispá, Jr 40.8. Por pouco tempo foi capital, durante o cativeiro babilônico.

Tiberíades. Foi outra capital da Palestina. Isso, após a revolta de Bar-Cócheba, em 135 AD.

Detalhes complementares sobre Jerusalém como capital da Palestina. Fundada pelos hititas, Ez 16.3; Nm 13.29. Fica a 21 km a oeste do Mar Morto, e a 51 a leste do Mar Mediterrâneo. Nos tempos bíblicos tinha cinco zonas ou bairros: Ofel, a sudeste; Moriá, a leste; Bezeta, ao norte; Acra, a noroeste; Sião, a sudoeste. Na distribuição da terra de Canaã, Jerusalém ficou situada no território de Benjamim, Js 18.28. Foi conquistada em parte por Judá, mas pertencia de fato a Benjamim, Jz 1.8,21. Tinha povo de Judá e Benjamim, Js 15.63. Não ficava no território de Judá (Is 15.8.) É chamada Santa Cidade, em Ne 11.1; Mt 4.5.

A cidade de Jerusalém saindo do jugo romano, caiu em poder dos árabes em 637 AD, e, salvo uns 100 anos durante as Cruzadas, foi sempre cidade muçulmana. Em 1518 os turcos conquistaram-na. Em 1917, os britânicos assumiram o controle, ficando a Palestina depois sob seu mandato por delegação da então Liga das Nações. A partir de 1948 passou a ser cidade soberana (isto é, o setor novo), porém, na Guerra dos Seis Dias em 1967, foi reconquistada aos árabes, os quais dela tinham se assenhorado na guerra de 1948.

Reedificada sempre sobre suas próprias ruínas, Jerusalém (não Roma) permanece a Cidade Eterna do mundo, símbolo da Nova Jerusalém que se há de estabelecer na consumação dos séculos. Jerusalém será então metrópole mundial. Isso, durante o Milênio, quando estará vestida do seu prometido esplendor, Is 2.3; Zc 8.22; Jr 31.38. Nesse tempo Israel estará à testa das nações.

Na Jerusalém de hoje nada pode ver-se da Jerusalém de Davi, de Salomão, de Ezequias, de Neemias e de Herodes. Tudo se acha sepultado sob os escombros de muitos séculos, sob metros e metros de entulho.

1. Outras cidades da Palestina.
Outras cidades importantes: Jericó, Hebrom, Jope, Siquém, Samaria, Nazaré, Cesaréia, Cesaréia de Filipe, Tiberíades, Capernaum (Cafarnaum).

Cidades visitadas por Jesus: Nazaré, Lc 4.16; Betânia, Jo 1.28; Caná, Jo 2.1; Sicar, Jo 4.5; Naim, Lc 7.11; Capernaum, Jo 6.59; Betsaida, Jo 12.21; Corazim, Mt 11.21; Tiro e Sidom, Mt 15.21; Cesaréia de Filipe, Mt 16.13; Jericó, Lc 19.1; Betânia, Jo 11; Emaús, Lc 24.13,14.

18. Resumo histórico da Palestina até o tempo premente.

Conquistada pelos israelitas sob Josué em 1451-1445 AC.

Governada por Juízes: 1445-1110 AC.
Monarquia: 1053-933 AC.

Reinos divididos de Judá e Israel: 933-606 AC.

Sob os babilônicos: 606-536 AC.

Sob os persas: 536-331 AC.

Sob os gregos: 331-167 AC.

Independente sob os Macabeus: 167-63 AC.

Sob os romanos 63 AC a 634 AD.

Sob os árabes: 634-1517 AD.

Período das Cruzadas: 1095-1187. As Cruzadas foram tentativas do "Cristianismo" para libertar a Palestina das mãos dos muçulmanos árabes.

Sob os turcos (Império Otomano): 1517-1914. Os turcos são também muçulmanos, apenas com mais influência oriental.

Sob os ingleses, como protetorado, por delegação da Liga das Nações: 1922-1948.

Como nação soberana: a partir de 14/5/1948. Nessa data foi proclamado o ESTADO DE ISRAEL, com a estrutura de república democrática. O primeiro governo autônomo em mais de 2.000 anos! De agora em diante cumprir-se-á Am 9.14,15.

Como nação soberana: a partir de 14/5/1948. Nessa data foi proclamado o ESTADO DE ISRAEL, com a estrutura de república democrática. O primeiro governo autônomo em mais de 2.000 anos! De agora em diante cumprir-se-á Am 9.14,15.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Os Apologistas

Recebem esta denominação os pensadores cristãos dos séculos II e III d.C., que se dedicavam à tarefa de escrever apologias do cristianismo. Era preciso, nessa época, defender a nascente doutrina cristã de três correntes distintas que lhe faziam oposição: a religião judaica, o Estado romano e a filosofia pagã. Contra os judeus, era necessário afirmar argumentativamente o messianismo de Jesus Cristo. Contra os romanos, era preciso convencer o imperador do direito de legalização à prática do cristianismo dentro do Império. E contra os filósofos pagãos, a tarefa dos apologistas era a de apresentar a religião cristã como uma verdade total, à diferença dos erros ou verdades parciais presentes, segundo estes autores, na filosofia helenística.

REFUTAÇÃO DOS APOLOGISTAS CONTRA OS PAGÃOS - SÉC II

ARGUMENTOS DOS PAGÃOS CONTRA O CRISTIANISMO

A doutrina da ressurreição é absurda

RESPOSTAS DOS APOLOGISTAS

Os Evangelhos mencionam testemunhas oculares

O efeito sobre os discípulos foi profundo

Existe analogia nos ciclos da natureza (ex: estações do ano).

ARGUMENTOS DOS PAGÃOS

Há contradições nas Escrituras

RESPOSTAS DOS APOLOGISTAS

Harmonias como o Diatessaron, de Ticiano, esclarecem contradições

ARGUMENTOS PAGÃOS

O ateísmo conta com ampla aceitação

RESPOSTAS DOS APOLOGISTAS

Mesmo Platão acreditava num deus invisível

ARGUMENTOS PAGÃOS

O cristianismo é a adoração de um criminoso crucificado

RESPOSTAS DOS APOLOGISTAS

A condenação de Jeus violou a lei

ARGUMENTOS PAGÃOS

O cristianismo é uma novidade

RESPOSTAS DOS APOLOGISTAS

O cristianismo vem sendo preparado desde a eternidade

Moisés antecedeu os filósofos pagãos

ARGUMENTOS PAGÃOS

O cristianismo evidencia uma falta de patriotismo

RESPOSTAS DOS APOLOGISTAS

Os cristãos obedecem a todas as leis, desde que não violem a consciência

ARGUMENTOS PAGÃOS

Os cristãos praticam incesto e canibalismo

RESPOSTAS DOS APOLOGISTAS

Observe o estilo de vida dos mártires

ARGUMENTOS PAGÃOS

O cristianismo leva à destruição da sociedade

RESPOSTAS DOS APOLOGISTAS

As calamidades naturais de fato representam o juízo divino contra a idolatria

ARGUMENTOS DOS APOLGISTAS CONTRA O PAGANISMO

Os filósofos pagãos cometeram plágio, roubando suas melhores idéias de Moisés e de outros profetasO politeísmo é um absurdo filosófico e uma decadência moralOs filósofos pagãos contradizem uns aos outros e até a si próprios.

REFUTAÇÃO DOS APOLOGISTAS CONTRA O JUDAÍSMO - SÉC II

Os judeus dos primeiros séculos diziam:

"O cristianismo é um desvio do judaísmo".

Resposta dos apologistas:

A lei judaica é temporária por definição e encaminha para a nova aliança.

Os judeus diziam:

"O humilde carpinteiro morto numa cruz não corresponde ao Messias profetizado no AT."

Resposta dos apologistas:

O AT predisse o sofrimento e também a glorificação do Messias.

Os judeus diziam:

"A divindade de Cristo vai de encontro à unidade de Deus."

Os apologistas diziam:

O AT deixa prever a pluralidade de pessoas dentro da unidade da deidade.

OS ARGUMENTOS DOS APOLOGISTAS CONTRA O JUDAÍSMO:

As profecias do AT foram cumpridas em Cristo

Os tipos (ritos e símbolos) do AT apontam para Cristo.

A destruição de Jerusalém confirma a visão de que Deus condenou o judaísmo e apoiou o cristianismo.

UMA VISÃO GERAL DA HISTÓRIA DA IGREJA

Embora seja, em certa medida, artificial e errado quebrar a história da igreja Cristã em distintos períodos ou épocas, é, todavia, uma ferramenta útil para visualizar o desenvolvimento da vida da igreja nos dois milênios passados. A maioria dos historiadores da igreja reconhece três períodos gerais:

I. Cristianismo Patrístico - 95 d.C. a 590 d.C.(Assim chamado por causa da influência dominante, tanto sobre a vida como sobre o pensamento, dos Pais da Igreja)

II. Cristianismo Medieval – 590 d.C. a 1517 d.C.(Este período foi chamado primeiramente de Idade Média por Christopher Keller [1634-80])

III. Cristianismo Moderno - 1517 d.C. até o presente(O grande momento decisivo na história da igreja foi a Reforma Protestante, inaugurada por Martinho Lutero em 31 de outubro de 1517)

É útil subdividir cada um destes períodos gerais em fases mais descritivas:

I. Cristianismo Patrístico - 95 d.C. a 590 d.C.

a. A Idade das Apologéticas – este período data desde 95 d.C., geralmente considerado como o ano quando o último livro do cânon do Novo Testamento (Apocalipse) foi escrito, até 325 d.C. e o Concílio de Nicéia. Alguns preferem 312 d.C., o ano em que Constantino se converteu ao Cristianismo. O Edito de Milão, em 313 d.C., pôs fim efetivamente à perseguição da igreja como um movimento minoritário e concedeu-lhe um status legal pleno, para ser igualmente tolerada com todas as outras religiões. Durante este período, a igreja se esforçou para se defender contra as ameaças do paganismo, tanto politicamente como teologicamente.

b. A Idade das Polêmicas – de 325 d.C. até o aparecimento de Gregório (o último dos Pais da Igreja e o primeiro dos verdadeiros Papas), em 590 d.C. Seguindo a conversão de Constantino, a igreja “se moveu rapidamente da solidão das catacumbas ao prestígio dos palácios” ( Shelley ). Com o poder do Estado ao seu favor, a igreja começou a exercer sua influência moral sobre a sociedade como um todo. Com prestígio e influência política, contudo, veio também a corrupção interna. O Monasticismo emergiu em protesto desta secularização da fé. Em 392, o imperador Teodósio I estabeleceu o Cristianismo como a única religião legal do Império Romano. Foi durante este período também que as maiores controvérsias doutrinárias foram travas e resolvidas em concílios teológicos sancionados pelo Estado.

II. Cristianismo Medieval – 590 d.C. a 1517 d.C.

a. A Idade da Hierarquia Papal ­ desde Gregório o Grande (590) até a divisão entre Oriente e Ocidente (1054), ou até Gregório VII (1073). A principal característica desta época, freqüentemente referida (talvez sem justificação) como Idade das Trevas , foi o estabelecimento e solidificação do poder da hierarquia papal Católica Romana.

b. A Idade do Escolasticismo ou Sistematização - de 1054/1073 até o começo da Reforma Protestante em 1517. Durante este período, a doutrina cristã foi totalmente sistematizada através da filosofia e teologia dos sacerdotes, tais como Anselmo(1033-1109), Peter Abelard (1142), Hugo de São Vítor, Peter Lombard, Alberto o Grande, Duns Scotus, alcançando seu zênite na obra monumental de São Tomás de Aquino (1225-74), cuja teologia (chamada Tomismo ) foi declarada eternamente válida para o Catolicismo em 1879.

[Foi também durante este período que a igreja Oriental se dividiu da Romana (1054)]

III. Cristianismo Moderno - 1517 d.C. até o presente

a. A Idade da Reforma Protestante e do Confissionalismo Polêmico – da postagem de Martinho Lutero das 95 teses (1517) até a Paz de Westphalia (1648-50). Este período testemunhou o triunfo da Reforma Protestante na Europa (com o florescimento das quatro maiores tradições do Protestantismo antigo: Luterana, Reformada, Anabatista e Anglicana), bem como a reação de Roma na Contra-Reforma Católica e a influência dos Jesuítas. O século XVII foi caracterizado pelo desenvolvimento do escolasticismo e da ortodoxia credal. Movimentos reacionários e reavivalistas emergiram nos últimos estágios deste período, parcialmente em oposição à aparente estagnação que se estabeleceu no meio de muito do Protestantismo.

b. A Idade do Racionalismo e do Reavivamento ­– de 1650 à Revolução Francesa (1789). Também conhecida como a Idade da Razão, visto que a ciência substituiu a crença no sobrenatural, à medida que a igreja ficou debaixo da influência poderosa do Iluminismo (no qual a razão era estimada acima da revelação). Os grandes movimentos de reavivamento na Inglaterra (os Wesleys) e na América (Edwards e Whitefield) foram a melhor defesa da igreja contra a invasão do humanismo.

c. A Idade do Progresso – de 1789 até a Primeira Guerra Mundial (1914). Os primeiros anos deste período foram caracterizados pela reviravolta política (as Revoluções Americana [1776] e Francesa [1789]) e pela transformação social (a Revolução Industrial). A emersão da alta crítica Alemã e a publicação da Origem das Espécies de Darwin ativaram uma filosofia que ameaçava minar os fundamentos da ortodoxia. Foi durante os últimos estágios deste período que vemos a emersão do que é conhecido como um liberalismo teológico moderno.

d. A Idade das Ideologias – de 1914 (Primeira Guerra Mundial) até os dias de hoje. Durante este período a pletora de novos deuses se levantou para competir pela fidelidade da mente secular. Comunismo, Nazismo, Facismo, liberalismo teológico (que foi desafiado pela reação da neo-ortodoxia Bartiniana), socialismo, ecumenismo, individualismo, humanismo estão entre as ideologias mais competitivas. A igreja respondeu a este assim chamado modernismo com os seus próprios ismos , Fundamentalismo, e finalmente o mais intelectualmente sofisticado e culturalmente engajado Evangelicalismo. Outros desenvolvimentos dignos de nota foram o Denominacionalismo e o movimento Pentecostal/Carismático.

ENTENDA UM POUCO MAIS SOBRE O PERÍODO DOS PAIS DA IGREJA
COMO DIVIDIR O PERÍODO?

Podemos dividir os Pais da Igreja em três grandes grupos a saber: Pais apostólicos, Apologistas e Polemistas. Todavia devemos levar em conta que muitos deles pode se enquadrar em mais de um desses grupos devido a vasta literatura que produziram para a edificação e defesa do Cristianismo, e também de acordo com o que as circunstancias exigiam, como é o caso de Tertuliano, considerado o pai da teologia latina. Sendo assim então temos:

Pais apostólicos: Foram aqueles que tiveram relação mais ou menos direta com os apóstolos e escreveram para a edificação da Igreja, geralmente entre o primeiro e segundo século. Os mais importantes destes foram, Clemente de Roma, Inácio de Antioquia, Papias e Policarpo.

Apologistas: Foram aqueles que empregaram todas suas habilidades literárias em defesa do Cristianismo perante a perseguição do Estado. Geralmente este grupo se situa no segundo século e os mais proeminentes entre eles foram: Tertuliano, Justino, o mártir, Teófilo, Aristides e outros.

Polemistas: Os pais desse grupo não mediram esforços para defender a fé cristã das falsas doutrinas surgidas fora e dentro da Igreja. Geralmente estão situados no terceiro século. Os mais destacados entre eles foram: Irineu, Tertuliano, Cipriano e Origenes.

OS APOLOGISTAS DO SÉC II

Apologia significa “DEFESA”. Os apologistas foram homens que procuraram defender a fé cristã diante de algumas acusações. As acusações eram afirmações de que o cristianismo era composto de pessoas ignorantes, que era copiado dos grandes sábios, como Platão (ao ensinar a imortalidade da alma) e assim mesmo deturpado como no caso da “absurda” doutrina da ressurreição. Diante de tais acusações, levantaram-se os Apologistas para defender a Fé Cristã, especialmente contra o judaísmo, a filosofia pagã e as religiões pagãs.
Segue a lista mais comum dos apologistas do segundo século:

QUADRATO (início do séc. II)

LUGAR DE MINISTÉRIO: Atenas.

ESCRITOS: Apologia (documento-texto perdido, apenas citado por Eusébio).

FATOS NOTÁVEIS:

Foi bispo de Atenas.
Sua apologia se dirigia ao imperador Adriano.
Contrapõe o cristianismo ao judaísmo e ao culto pagão.

ARISTIDES (início do séc. II).

LUGAR DE MINISTÉRIO: Atenas.

ESCRITOS: Apologia (perdido).

FATOS NOTÁVEIS:
Sua apologia se dirigia ao imperador Adriano.
Mostra forte influência paulina.
Posto que a apologia de Quadrato, de que nos fala o historiador Eusébio, parece ter se perdido, a mais antiga apologia que temos é a de Aristides.

JUSTINO, MÁRTIR (100-165).

LUGARES DE MINISTÉRIO: Palestina, Éfeso e Roma.

ESCRITOS:
Primeira Apologia;
Segunda Apologia;
Diálogo com o Judeu Trifon;
Contra Heresias (perdido);
Contra Marcião (perdido).

FATOS NOTÁVEIS:
Estudou filosofia;
Era professor leigo intinerante;
Resistiu pessoalmente a Marcião;
Desenvolveu o conceito teológico do LOGOS

SPERMATICO, ou seja: "Jesus dá ao homem a

capacidade de aprender a verdade".
O encontro com o cristianismo não o fez

abandonar sua bagagem de filosofo. Ele

considerou que no cristianismo tinha encontrado

a “Verdadeira Filosofia”. Esta é a tese de suas

apologias;
Defendeu o cristianismo com base na profecia,

nos milagres e na ética.
Foi decapitado em Roma.

TACIANO (110-172).

LUGARES DE MINISTÉRIO: Assíria, Síria e Roma.

ESCRITOS:

Diatessaron;
Discurso aos Helenos.

FATOS NOTÁVEIS:

Discípulo de Justino;
Defendeu a prioridade temporal do cristianismo,
sobre as outras religiões;

Produziu a primeira harmonia dos evangelhos;

Caiu posteriormente no gnosticismo;

Seus seguidores foram chamados de chamados

de "encratitas".

ATENÁGORAS (séc.II).

LUGAR DE MINISTÉRIO: Atenas.

ESCRITOS: Apologia da Ressurreição dos Mortos.

FATOS NOTÁVEIS:

Era platonista;

Escreveu em estilo clássico.

TEÓFILO (181).

LUGAR DE MINISTÉRIO: Antioquia.

ESCRITOS: A Autólico.

FATOS NOTÁVEIS:
Foi um severo polemista com os filósofos

pagãos;
Foi bispo de Antioquia.

MELITO (190).

LUGAR DE MINISTÉRIO: Sardes.

ESCRITOS: Cerca de 20 obras (todas perdidas).

FATOS NOTÁVEIS:

Foi bispo de Sardes;
Apoiou os da teoria dos quartodecimanos.
Produziu a primeira lista cristã dos livros
do Antigo Testamento.

HEGESIPO (séc. II).

LUGARES DE MINISTÉRIO: Síria, Grécia e Roma.

ESCRITOS: Memoriais (perdido).

FATOS NOTÁVEIS:
Era judeu convertido;
Coletou informações sobre a história da Igreja

Primitiva para comprovar a pureza e a

apostoloicidade dessa igreja;
Culpava o judaísmo por todas as heresias.

NOTA: Todos os documentos-textos que estão citados
como "perdidos" devem a comprovação de sua
existência através de escritos encontrados que citam
tais textos perdidos.



segunda-feira, 24 de maio de 2010

A Séforis Revelada

Nunca a ciência se empenhou tanto na busca por reconstituir a trajetória do chamado 'Jesus histórico'. Especialmente nos últimos anos a arqueologia tem trazido importantes contribuições à pesquisa historiográfica da vida de Jesus, em alguns casos retificando e em outros ratificando os relatos evangélicos.

Mas foi somente a partir do século XVIII, com o advento do Iluminismo, que se iniciaram os estudos mais sérios e embasados na busca da realidade histórica por trás dos Evangelhos. Pesquisadores altamente gabaritados passaram a manifestar um desejo intenso de desvendar a verdadeira história de Jesus, um certo 'rabi' revolucionário que viveu na Palestina nas primeiras décadas do século I de nossa era, - de maneira desatrelada do Cristo da fé. - Foi só a partir daí que o personagem histórico começou a ser estudado, principalmente, a partir de uma análise crítica do texto bíblico e das descobertas da arqueologia.

O pesquisador francês Ernest Renan (1823-1892) foi um dos primeiros grandes popularizadores dessa empreitada, com seu best seller Jesus (1863), no qual tentava explicar toda a história do Cristo 'racionalmente', até mesmo seus milagres. - Uma tendência retomada por certos estudiosos atuais, e que ocasionalmente acabou por trazer à tona verdadeiras 'pérolas' do cientificismo, com as mais esdrúxulas e por vezes até infantis tentativas de explicação dos milagres relatados nos Evangelhos. Um bom exemplo é o pseudo-estudo de um professor de oceanografia que há alguns anos sugeriu que Jesus não caminhou sobre as águas, mas sim andou se equilibrando sobre um pedaço de gelo que poderia, supostamente, ter se formado na superfície do Mar da Galiléia. - Desnecessário dizer que tais tentativas de racionalização se revelaram sempre inconclusivas e incompletas, para dizer o mínimo. - Tomando o exemplo em questão: imaginando que realmente ocorreu formação de gelo naquele mar (o que por si só já é uma teoria bastante controversa), e indo mais além, admitindo a hipótese ainda mais improvável de que esse gelo pudesse formar calotas tão espessas a ponto de suportar o peso de um homem adulto sobre elas, ainda assim restaria explicar, por exemplo, porque somente Jesus foi capaz de fazer isso. E por quê, na narrativa bíblica, Pedro, ao tentar segui-lo, afundou na água assim que "perdeu a sua fé"? O importante é manter em mente que, se nos dispomos a explicar cientificamente uma narrativa textual, não podemos tomar uma pequena parte ou um aspecto isolado do texto e sugerir alguma teoria baseada em suposições, ignorando todo o restante dessa mesma narrativa. Além disso, os mesmos Evangelhos nos falam de Jesus acalmando as tempestades, curando deformidades físicas apenas pelo poder da sua palavra, ressuscitando os mortos e se transfigurando, isto é, mostrando sua verdadeira forma que "brilhava mais que o sol". Como explicar coisas como essas 'cientificamente'? O que sempre se refutou não foi o questionamento dos racionalistas por si, mas sim esse tipo de atitude insensata e a incongruência desses questionamentos.

De modo geral, porém, a partir do século XX os estudos centrados no texto bíblico adotaram tons menos apaixonados, deixando um pouco de lado a batalha inicial dos racionalistas contra a fé, e passaram a uma busca legítima por elementos que permitissem reconstruir a vida e as palavras do que chamaram "Jesus histórico". As frases consideradas mais prováveis de terem sido realmente proferidas por Jesus foram reunidas e publicadas; e cada episódio de sua pregação foi estudado afim de se verificar a sua plausibilidade. Nos últimos anos, a arqueologia tem fornecido importantes aportes a esse conhecimento, e, para surpresa de muita gente, vem corroborando e/ou complementando aquilo que está nos Evangelhos. Não são poucas as novidades.

O Ossuário de Caifás

Em novembro de 1990 alguns operários que trabalhavam em uma parte da cidade antiga de Jerusalém encontraram uma caverna usada para sepultamento, que se encontrava fechada desde o ano de 70 dC., época da destruição da cidade pelos dominadores romanos. No ossuário achou-se o nome em aramaico Caiaphas, isto é, Caifás, juntamente com os ossos dos membros da sua família, ali colocados após a decomposição da carne. Ossuários eram usados por famílias judaicas de elite, e, talvez, reflitam a crença na ressurreição futura. A pesquisa aprofundada desse artefato confirmou as sensacionais expectativas que se faziam ao seu redor: foi comprovado que se tratava, verdadeiramente, da autêntica urna mortuária do sumo sacerdote Caifás, mencionado nos Evangelhos como aquele que presidiu a dois dos julgamentos de Jesus.

O ossuário é decorado com dois círculos, formados por seis rosetas cada. Mencionam-se ali diversos membros de sua família, como Miriam (Maria), Shalom (Salomé), Shimom (Simão) e Iehosef (José). Encontram-se nele os ossos de duas crianças, um menino adolescente, uma mulher adulta e um homem de cerca de 60 anos, - o próprio sumo sacerdote Caifás, referido nos Evangelhos de Mateus e João. - A tumba, relativamente simples, indica sua origem modesta, o que coincide também com a narrativa evangélica, porque Caifás teria chegado ao sumo sacerdócio graças a seu casamento com a filha de Annás, sumo sacerdote entre 6 e 15 dC.

Considerando-se as outras sepulturas de elite do mesmo local e época, chama atenção a alta mortalidade infantil: das pessoas enterradas, 40% não chegaram ao quinto ano de vida e 63% não alcançaram a adolescência(!). Outra constatação interessante, relativa à tumba de Caifás, é que, nela, uma mulher da família tinha uma moeda de Agripa (42/43 dC) na boca, refletindo o antigo costume grego ligado ao pagamento do personagem mitológico Caronte, o barqueiro encarregado de levar a alma do defunto para o mundo dos mortos. Isso demonstra o ecletismo cultural da época, que prevalecia até mesmo na família do sumo sacerdote.

A Inscrição de Pilatos

Em 1962, arqueólogos italianos encontraram, nas ruínas do teatro de Cesaréia Marítima, sede do poder romano, uma inscrição com o nome de Pôncio Pilatos. No Mediterrâneo oriental, os romanos usavam em geral a língua grega, mas a inscrição está em latim:
"Pôncio Pilatos, prefeito da Judéia, construiu este edifício em honra ao imperador Tibério."

O uso de uma língua oficial, pouco difundida na região, demonstra o caráter imperial da mensagem e também, provavelmente, a presença de uma pequena mas poderosa comunidade itálica, compondo um quadro multicultural na costa mediterrânea.

Em contraste, na aldeia de Cafarnaum, um terreno sob a custódia dos franciscanos, foram encontradas ruínas e inscrições datadas do século II dC. Os pesquisadores aventaram a séria e muito provável hipótese de que se trataria de nada menos que a casa de Pedro, na qual o próprio Jesus teria muitas vezes estado e provavelmente morado!

A Casa de Pedro

O nome Cafarnaum pode significar tanto 'Vila da Consolação' como 'Vila de Naum', um antigo profeta hebreu cujo livro faz parte do Antigo Testamento. Essa última opção é apoiada por uma tradição judaica que afirma que o túmulo do profeta está enterrado ali. A cidade foi descoberta por um arqueólogo norte-americano chamado Edward Robinson em 1852, mas somente foi escavada por uma equipe, liderada por Charles Wilson, em 1865 e 1866. Foi ali que Jesus dedicou a maior parte do seu ministério, realizando milagres (Mt 9:18-26; Mc 5:21-43; Lc 8:40-56), e ensinando na sinagoga local (Mc 1:21; 3:1-5; Lc 4:31; Jo 6:59).

Mas um dos achados arqueológicos mais fascinantes de Cafarnaum é a da possível casa do Apóstolo Pedro. Foi por volta de 1968 que dois outros arqueólogos, G. Orfali e A. Gassi, encontraram a estrutura de uma igreja que datava do 5º século de nossa era. Uma importante descoberta, mas que não poderia nem de longe se comparar à grande surpresa que teriam logo a seguir: logo abaixo dessa construção milenar eles encontraram os alicerces de uma casa repleta de objetos de pesca, datada da época de Jesus e seus discípulos(!). O mais emblemático dessa inestimável descoberta é que um documento chamado Itinerarium, escrito por Egéria, no 4º século, afirma que a “casa do príncipe dos apóstolos foi transformada em igreja; contudo, as paredes da casa ainda estão de pé, como eram originalmente”. Sim. Havia uma concreta e real possibilidade de que estivessem na casa de Pedro, aquele a quem foram dadas as chaves do Reino do Céu, para que tudo que ligasse na Terra fosse ligado também no Céu, conforme os versículos 17 a 19 do capítulo 16 de Mateus.

Outra descoberta marcante em Cafarnaum foram os restos da sinagoga do 1º século. De 1905 até 1926 o sítio foi preservado e restaurado por especialistas alemães e franciscanos. Mas até então, todas as especulações apontavam para uma construção do 3º ou 4º século. Em 1968, porém, os estudos mais avançados revelaram restos de uma outra estrutura. E em 1981 um largo piso de basalto foi encontrado repleto de cerâmicas (potes, vasos, copos, etc.) do 1º século, época de Cristo. Ficou demonstrado que, sem dúvida, esses eram os escombros daquela sinagoga frequentada por Jesus, como mencionado nos Evangelhos. Foi nessa mesma sinagoga que Jesus declarou: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente” (João 6,51).

Mesmo que não possamos ter absoluta certeza quanto a chamada 'Casa de Pedro', já chamada por entusiastas de 'Endereço do Mestre', há uma grande probabilidade dessa confirmação. E podemos afirmar com certeza, isso sim, que aquela era uma casa modesta da época de Cristo, pertencente a um pescador, em uma área muito visitada por Jesus, e que desde a Antiguidade já se acreditava que era a residência do Apóstolo Pedro, o 'Pai da Igreja'. E o fato de ter sido construído um templo sobre essa antiga estrutura é uma fortíssima indicação da autenticidade do precioso achado.

O Barco de Jesus

A mesma aura de 'arqueologia espetacular' aparece em outros achados recentes. Em meados da década de 1980, uma longa estiagem levou ao rebaixamento do nível do Mar da Galiléia. E quando o nível da água estava mais baixo, em janeiro de 1986, dois membros do kibutz (fazenda coletiva) Ginnosar notaram que havia uma estrutura de madeira muito antiga no meio da lama. A água e a lama haviam preservado a madeira por séculos. Escavando com as mãos, perceberam se tratar de um barco de pescador(!)...

O barco, de cerca de 3 X 8 metros, abrigava em seu interior cerâmicas e lamparinas do primeiro século, datação confirmada pelo exame de carbono-14 da madeira. O uso de materiais baratos mostra a humildade dos pescadores da Galiléia que conviviam com Jesus. Seria o barco utilizado por Jesus, de dentro do qual o texto bíblico afirma que ele, entre outras tantas coisas, acalmou as tempestades? Esta é uma possibilidade real.

Restos de um judeu crucificado Apenas os que não eram cidadãos romanos, majoritariamente os escravos ou os pobres, eram crucificados. Os romanos podiam ser condenados à morte, mas não à crucificação, uma punição considerada humilhante demais para a dignidade romana, mesmo aos criminosos. Em 1968 foi encontrada, perto de Jerusalém, em Givat Hamitvar, uma necrópole com uma tumba familiar datada do I século dC. Uma das ossadas era de um homem com cerca de 1,65m a 1,73m de altura e idade entre 24/28 anos, chamado Yohanan Ben Ha'galgol. Seu calcanhar direito havia sido perfurado por um prego de uns 10 cm. Esse prego entortou ao ser martelado na madeira dura de oliveira que servia como suporte na cruz, e ao que tudo indica seus familiares não puderam retirá-lo do osso após a morte do condenado. Desse modo, prego e madeira ainda estavam ligados ao pé do cadáver quando foi retirado.

Os restos mortais demonstram que os seus braços haviam sido amarrados à cruz, e não pregados, e que suas pernas não foram quebradas, diferente do costume. De maneira incomum, assim como no caso de Jesus, as autoridades permitiram que o corpo desse condenado fosse sepultado. Graças a esse achado muito raro, podemos confirmar que se podia pregar os crucificados à cruz com muita eficiência, e também que, ainda que excepcionalmente, era permitido sepultá-los. Acontece que nenhuma dessas duas afirmações dos Evangelhos, - o uso de pregos e o sepultamento de um condenado à crucificação, - parecia verossímil até essa descoberta arqueológica: ambas eram muito contestadas por pesquisadores céticos.

As pesquisas recentes trouxeram também muitas informações inéditas sobre os diversos ambientes urbanos da Palestina da época de Jesus. Cesaréia e seu porto, Sebastos, eram os mais ambiciosos e ousados projetos urbanísticos do Mediterrâneo Oriental. Graças às escavações, sabemos que a cidade portuária era um importante entreposto comercial. Por ela fluíam grãos, vinho e azeite, resultando disso um sofisticado aparelhamento urbano. Arqueólogos israelenses e americanos revelaram o traçado ortogonal das ruas e edificações, com ricas fachadas e telhados, ornamentadas por colunas, revestimentos de mármore, mosaicos e paredes decoradas com pinturas. Cosmopolita, mediterrânea, Cesaréia englobava tradições judaicas, gregas, romanas e outras, num amálgama sofisticado que reforçava as relações hierárquicas, unindo antes de tudo as elites locais e as imperiais.

Em Jerusalém, Herodes ampliou e embelezou o Templo, transformando o monte Moriá na maior plataforma monumental de todo o Império Romano. Desde o final da década de 60 a Universidade Hebraica de Jerusalém tem levado adiante escavações na colina ocidental da Cidade Velha, que dá para o monte do Templo e era habitada pela elite judaica. Uma série de mansões, anteriores à destruição da cidade pelos romanos em 70 dC, data, grosso modo, da época de Jesus. Uma das mansões, comparável às maiores do mundo romano, apresenta afrescos nas paredes semelhantes aos do segundo estilo de Pompéia. A residência ostentava ainda mosaicos no solo, cerâmica local e importada, vidros(!), lamparinas e instalações destinadas aos banhos rituais judaicos (miqvot). A descoberta revela que as casas senhoriais judaicas, preocupadas com a pureza ritual, estavam bem integradas nas modas e estilos de vida das elites romanas.

Tiberíades e Séforis eram outros núcleos urbanos importantes, habitados em sua maioria por judeus, mas mostravam também uma mescla de tradições judaicas com o helenismo romano, sempre no que se refere às elites.

Massada e Qumram

Mas nem toda a elite judaica estava compactuada com os dominantes romanos. A resistência ou recusa ao acordo pode ser avaliada por dois grandes monumentos arqueológicos; Massada e Qumram (assunto para um próximo post). A ocupação da colina de Massada por rebeldes judeus, algumas décadas depois da morte de Jesus, mostra a vitalidade da revolta nacionalista judaica. Mas a descoberta que mais causou sensação foi a do complexo de Qumram, às margens do mar Morto. Ali vivia uma comunidade de essênios que cultivava um estilo de vida austero, bem distante do cosmopolitismo das elites judaicas de Cesaréia, Jerusalém ou mesmo de Séforis.

Os essênios praticavam banhos rituais, copiavam as escrituras, com destaque para a literatura profética (neviim), e também criticavam as elites judaicas urbanas. Mas do que tudo, opunham-se à cúpula sacerdotal de Jerusalém. Embora nada indique concretamente que Jesus tenha conhecido a comunidade, a sua oposição à elite sacerdotal constitui um ponto em comum entre Qumram e o movimento sem precedentes iniciado pelo Homem de Nazaré.

Hillel, Shammai, Gamaliel

Nos primórdios da era cristã havia duas escolas principais de interpretação legal, fundadas respectivamente por Shammai e Hillel. À escola de Shammai tradicionalmente é atribuída uma interpretação mais rígida do que à escola de Hillel – não apenas na aplicação das leis individuais, mas também na postura, em relação à lei como um todo. Os discípulos de Shammai consideravam a quebra da lei (por ação ou omissão) uma quebra da lei como tal, enquanto os discípulos de Hillel ensinavam que o julgamento divino estava relacionado à preponderância do bem ou do mal, na vida inteira da pessoa.

Uma das afirmações mais bem conhecidas de Hillel é sua resposta a um homem que lhe pediu para resumir toda a lei no menor número possível de palavras. Hillel disse: “Aquilo que para você é detestável, não o faça aos outros, isso é toda a lei, todo o resto é comentário”. Essa citação da regra de ouro negativa como resumo da lei podia ser interpretada de maneiras que muitos fariseus teriam considerado perigosas. Mesmo se não foi essa a intenção de Hillel, pode ter encorajado alguém a argumentar, ao defrontar-se com um mandamento específico da lei, que este era obrigatório apenas até o ponto de evitar o sofrimento do próximo ou promovia o seu bem. Isso, segundo a opinião prevalente entre os rabinos, introduzia um critério subjetivo ilícito; era muito melhor que as pessoas, ao serem confrontadas com um mandamento da lei, obedecessem a ela simplesmente porque era um mandamento do Santo: não há porque perguntar por quê.

Que tipo de fariseu era Paulo? A pergunta não é fácil de responder. De acordo com Atos 22.3, ele foi instruído na escola de Gamaliel, e a tradição posterior faz de Gamaliel o sucessor de Hillel e líder da sua escola, e às vezes até seu filho ou neto. Mas as tradições mais antigas que refletem algumas recordações diretas do homem e seu ensino não estabelecem nenhum vínculo entre ele e a escola de Hillel. Em vez disso, falam de pessoas que pertenciam à escola de Gamaliel, como se ele tivesse fundado a sua própria.

Há certa dificuldade em distinguir as tradições sobre esse Gamaliel daquelas sobre um professor posterior com o mesmo nome (Gamaliel II, c. 100 d.C.), mas as tradições que pressupõe que o templo ainda estava de pé, certamente se referem ao Gamaliel anterior. Dizia-se que, “quando Rabban Gamaliel mais velho morreu, a glória da Tora cessou, e pureza e separação morreram” – o que quase equivale a dizer que ele foi o último dos verdadeiros fariseus, já que “separação” (heb. p’rîsût) vem da mesma raiz de “fariseus” e pode até ser traduzido por “farisaísmo”. Ente as regulamentações que lhe são atribuídas, está uma que liberaliza a lei do novo casamento após o divórcio.

Tanto nas tradições rabínicas como no Novo Testamento Gamaliel aparece como membro do Sinédrio. Lucas relata que, no estágio inicial da igreja em Jerusalém, os apóstolos foram acusados perante esse tribunal de desobedecer a sua orientação anterior de não ensinar publicamente no nome de Jesus. Quando alguns membros do tribunal queriam tomar medidas extremas contra eles, “um fariseu, chamado Gamaliel, mestre da lei, acatado por todo o povo” (At 5.34), lembrou seus colegas de outros movimentos no passado recente que pareciam ser perigosos por um tempo curto, mas logo entraram em colapso. E ele acrescentou (v. 38s):
"Agora, vos digo: dai de mão a estes homens, deixai-os; porque, se este conselho ou esta obra vem de homens, perecerá; mas, se é de Deus, não podereis destruí-los, para que não sejais, porventura, achados lutando contra Deus".

Isso certamente é doutrina típica dos fariseus. As pessoas podem desobedecer a Deus, mas sua vontade triunfará mesmo assim. A vontade do ser humano não é cerceada, mas o que ele quer é superado por Deus, quando realiza os seus propósitos. Nas palavras de um rabino posterior, o fabricante de sandálias Yohanan, “todo ajuntamento em prol do céu será confirmado, mas o que não é em prol do céu no fim não será confirmado”. Que Gamaliel seguiu a linha atribuída a ele por Lucas é o que devíamos esperar.

No entanto, se essa era a linha de Gamaliel, certamente não era a de Paulo. Na maioria das questões, por exemplo, na esperança da ressurreição e nos métodos de exegese bíblica, Paulo provavelmente foi um aluno apto e um seguidor fiel do seu professor. Até se chegou a pensar que um aluno de Gamaliel do qual não se diz o nome, mas que apresentou “descaramento em questões de estudo” e tentou refutar seu professor, era ninguém menos que Paulo. Se esse é o caso (o que é bastante incerto), então a tradição reflete a desaprovação com o posterior abandono do caminho rabínico por Paulo; não preserva uma recordação da conduta de Paulo, enquanto esteve aos pés de Gamaliel. Em um aspecto, porém, Paulo desviou-se do exemplo do seu mestre: ele repudiou o a idéia de que uma política de contemporização era a mais adequada em relação aos discípulos de Jesus. Em sua cabeça, esse novo movimento constituía uma ameaça mais mortal a tudo o que ele aprendera a valorizar do que Gamaliel parecia capaz de entender. Além disso, o temperamento de Paulo parece ter sido bem diferente do de Gamaliel: em contraste com a paciência e tolerância de estadista de Gamaliel, Paulo era caracterizado, em suas próprias palavras, por uma superabundância de zelo – que, realmente, ele nunca perdeu de todo.

Como o objeto do seu zelo eram as tradições dos ancestrais – a antiga lei de Israel e sua interpretação como era ensinada na escola de Gamaliel – não devemos ficar surpresos de saber que ele estava insatisfeito com a idéia dos seguidores de Hillel de que um mera preponderância do bem sobre o mal, na vida de alguém, era suficiente para lhe conseguir um veredito favorável, no dia do julgamento. Nesse ponto, pelo menos, ele parece ter se inclinado mais para a posição dos seguidores de Shammai de que a lei tinha de ser obedecida em sua totalidade. Que essa era a postura de Paulo está implícito mais tarde, quando ele diz aos seus convertidos na Galácia, que estavam sendo pressionados a adotar certas exigências legais do judaísmo, que eles não podiam pensar que, se escolhessem essa maneira de ser aceitos por Deus, podiam escolher os que quisessem entre os mandamentos divinos: “Testifico a todo homem que se deixa circuncidar, que está obrigado a guardar toda a lei” (Gl 5.3). Essa atitude em relação à lei determinou a atitude hostil de Paulo em relação aos seguidores de Jesus e seu ensino.

O Talmud

O Talmud define e dá forma ao judaísmo, alicerçando todas as leis e rituais judaicos. Enquanto o Chumash (o Pentateuco, ou os cinco livros de Moisés) apenas alude aos Mandamentos, o Talmud os explica, discute e esclarece. Não fosse este, não entenderíamos e muito menos cumpriríamos a maioria das leis e tradições da Torá e o judaísmo não existiria. Historicamente, os judeus que, individualmente ou em grupo, negaram sua validade, acabaram por se assimilar ou desaparecer. E, como outras religiões adotaram o texto da Torá Escrita - Torá she-bichtav, mesmo a tendo traduzido de forma errada, adicionando ou removendo partes da mesma e a interpretando de forma proibida pelo judaísmo, é o Talmud o verdadeiro divisor de águas, o texto sagrado que diferencia os judeus das outras nações do mundo.

Nós, judeus, sempre tivemos consciência de que nossa sobrevivência como grupo dependia do estudo deste trabalho. Os inimigos históricos de nosso povo, que devido a interesses teológicos ou nacionais quiseram converter ou destruir o judaísmo, também estavam cientes dessa realidade. No passado, quem se aventurava a declarar guerra à religião judaica, começava por proibir o estudo do Talmud, sob risco de pena de morte. Através do curso da história, em diferentes países e períodos, esta magna obra foi queimada, em praça pública. Muitos de seus trechos foram removidos por aqueles que se sentiam ameaçados por sua genuína interpretação da Torá, pela elucidação clara e inequívoca que dava aos Mandamentos Divinos e por seu repúdio absoluto a qualquer forma de idolatria ou imoralidade.

Mas, o que vem a ser esta obra monumental? Pode-se dizer, com segurança, que a maioria dos judeus de nossos dias já ouviu menção ao mesmo, mas apenas uma pequena minoria o estudou. Sua definição formal é a de ser a compilação da Lei Oral, que foi transmitida por D’us a Moisés, no Monte Sinai, tendo sido estudada e dissecada, através dos séculos, pelos sábios que viviam em Israel e na Babilônia, até o início da Idade Média. O Talmud tem dois componentes principais: a Mishná, um livro sobre a lei judaica, escrito em hebraico, e a Guemará, comentário e elucidação do primeiro, escrita no jargão hebraico-aramaico.

Um olhar superficial sobre a Guemará pode induzir alguém a pensar que se trate apenas de explicações e elaborações sobre as leis e ensinamentos da Mishná. Mas, na realidade, trata-se de algo muito mais abrangente um conglomerado de milhares de anos de sabedoria, história, legislação, lendas e filosofia judaica. Sua santidade e autoridade, como veículos para a Revelação Divina, em nada são inferiores à da Torá Escrita. Ademais, mistura - entre outras áreas do conhecimento - as ciências à lógica, aconselhamento prático, lições e relatos extraordinários, palavras de perspicácia e inspiração e, até mesmo, ocasionais toques de humor. O Talmud é uma mescla de arte e ciências: é o livro da legislação judaica - técnico e preciso - mas é também uma enciclopédia e uma obra magistral de sabedoria, jamais igualada na história da humanidade.

Para um iniciante no estudo do Talmud, a Guemará pode parecer que foi escrita com total liberdade de pensamento. Geralmente envereda por apartes tangenciais ao assunto em pauta, daí partindo para a discussão de um mandamento, o relato de uma história ou simplesmente oferecendo pérolas de sabedoria que, de uma maneira ou de outra, têm alguma relação com o assunto tratado. No entanto, a bem da verdade, todo o seu arcabouço é extraordinariamente bem ordenado e lógico. Cada uma de suas palavras foi submetida à meticulosa revisão antes de ser transcrita.

É irônico que esta fonte básica e fundamental da lei judaica sirva muito raramente como autoridade final e definitiva para as discussões sobre o que a Torá nos ordena. Seguimos este Pentateuco de acordo com os ditames do Shulchan Aruch (o Código da Lei Judaica) e dos sábios contemporâneos que interpretam as aplicações de suas leis. Mas o Talmud permanece sendo o alicerce imutável para praticamente todas as leis que emanam da Torá.

A Torá Oral

O Talmud cobre uma ampla variedade de assuntos, seguindo, no entanto, um plano coerente e muito bem estruturado a dizer, a Mishná, pilar central da Lei Oral. Comparada à Guemará, é concisa e objetiva. Compõe-se de uma série de declarações, organizadas por assunto e tópico, que ensinam as leis, a tradição e a história judaica. Apesar de seu conteúdo se originar do Monte Sinai, algumas de suas declarações são atribuídas ao mestre ou à escola de pensamento que as elucidou e difundiu. Os sábios talmúdicos foram mais do que a simples “cadeia de transmissão” que remonta a Moshé Rabeinu. Pois está escrito que cada um deles tinha atingido tão elevado nível espiritual que conseguia até mesmo ressuscitar os mortos. Esses mestres da Torá personificavam a Vontade de D’us e, assim sendo, cada aspecto de sua conduta e cada uma de suas palavras foram marcadas por absoluta precisão e orientação Divina.

É a Mishná que provê a Guemará de sua base organizacional e factual. Cada uma das leis talmúdicas precisa ter uma fonte e esta é encontrada na Mishná. A Guemará pode dissecar e divagar sobre os ditames da Mishná, estabelecer conexões entre seus diferentes assuntos e esclarecer aparentes contradições, mas não pode abertamente discordar da mesma. A Mishná surge como o árbitro final em qualquer litígio talmúdico.

Há outras coletâneas de diretrizes e ensinamentos, que são parte integrante da Torá Oral: Sifra e Sifri, Tosefta e Bareitot, além dos Midrashim, que também foram preservados por escrito, muitos dos quais dentro da própria Guemará. No entanto, a Mishná tem precedência sobre os demais ensinamentos da Torá Oral. Isto significa que sempre que houver uma aparente contradição entre um ditado da Mishná e qualquer outro ensinamento da Lei Oral, caberá à Guemará buscar a verdade na qual se fundamenta o tema, com base na própria Mishná.

É importante mencionar que quando as pessoas falam no Talmud, geralmente estão-se referindo ao Babilônico. No entanto, há outro que foi escrito em Israel. Conhecido como o de Jerusalém o Talmud Yerushalmi foi revisado pelo Rabi Yochanan 300 anos após a destruição do Segundo Templo. É bem mais conciso que o Talmud Bavli, o Babilônico, pois, de fato, trata principalmente das leis referentes à Terra de Israel. Via de regra, os judeus que viviam na diáspora negligenciavam a obra compilada em Jerusalém, mas, nos últimos anos, vimos renascer o interesse por essa obra, devido grandemente ao retorno de milhões de judeus à Terra de Israel.

Desde o Monte Sinai, a Torá Oral - ou Torá she-be’alpê - como seu nome bem o indica, só foi transmitida oralmente. Por razões várias, nossos sábios nunca permitiram que fosse escrita. Mas, uma vez destruído o Segundo Templo, os líderes judeus começaram a se preocupar que a Torá Oral, sendo tão maciça e complexa, cairia no esquecimento em virtude da opressão romana e a conseqüente dispersão do povo judeu. No ano de 188 a.E.C., o Rabi Yehudá ha-Nassi, sábio cuja inigualável liderança e vastidão de conhecimentos sobre a Torá lhe valeram o título de o “Rabi (do Talmud)”, finalmente terminou de compilar a Mishná. Centenas de anos mais tarde, já no final do séc. IV da E.C., Rav Ashi, importante sábio babilônico, iniciou a compilação de todo o Talmud. Seus discípulos e os alunos destes deram continuidade à gigantesca obra de redigi-lo. No entanto, diferentemente da Mishná, o Talmud foi oficialmente completado por nenhum erudito em particular; daí dizer-se que “ainda está por ser terminado”. Através dos séculos, suas palavras e ensinamentos foram meticulosamente analisados, interpretados e explicados por incontáveis sábios, estudiosos e mestres. É geralmente comparado ao oceano sua vastidão é tremenda, mas sua profundidade é incomensuravelmente maior. De fato, é um fiel testamento da Infinita Torá de D’us.

O estudo do Talmud

Em hebraico, esta palavra significa literalmente “estudo” ou “aprendizado”. É a incorporação do fundamental mandamento judaico de “estudar a Torá” - Talmud Torá. Ao contrário de quase todos os outros campos do saber, o estudo do Pentateuco tem propósitos que vão muito além da simples aquisição de conhecimentos. É um meio e um fim, por si só; seu objetivo é o próprio aprendizado. Portanto, o grau de importância e aplicação prática da matéria em discussão tem importância secundária. Isto não significa que não tenha relevância. Pois como aprendemos com nossos mestres, o estudo da Torá é o maior de todos os mandamentos judaicos, uma vez que faz com que se evitem os pecados e se pratiquem atos positivos e boas ações que beneficiem nossos semelhantes. É óbvio que para aprender as leis do judaísmo - e os princípios e detalhamentos necessários para cumpri-las - é imprescindível estudar a Torá. Segundo esta perspectiva, este estudo tem um propósito prático. No entanto, o simples fato de a estudar - mesmo que não haja nenhuma aplicação prática ou razão para fazê-lo - é extraordinariamente precioso aos olhos dos Céus. Alguns de nossos mestres foram ainda mais longe, ao dizer que o estudo da Torá, apenas, é mais importante do que o cumprimento dos outros mandamentos, apesar de nenhum deles ter o poder de substituir o outro. Pois como está escrito nas preces matinais que recitamos todos os dias,...”Elu devarim…São estes os mandamentos que, se os praticar, o homem colherá os frutos neste mundo, enquanto que a sua recompensa final o esperará na vida futura: honrar pai e mãe, praticar atos de bondade, ...promover a paz entre os homens; mas, acima de tudo, reina soberano o estudo da Torá, cujo valor a todos eles se equipara” (Mishná: Peá 1:1).

A raiz da palavra hebraica Torá é hora’á - ensinamento. O Pentateuco ensina ao homem o caminho que terá que seguir se optar por viver de acordo com os desejos e diretrizes de D’us. Aquele que estuda a Torá precisa viver de uma forma que honre e eleve o judaísmo e o povo judeu. Sua vida e conduta devem refletir a sabedoria, piedade, compaixão e todos os outros ideais incorporados pela Torá. Pois, caso contrário, diziam nossos sábios, “melhor seria nunca ter vindo a este mundo”. Afirmavam, também, categoricamente, que aquele que alega ter adquirido a sabedoria da Torá, mas não cumpre os seus mandamentos nem pratica boas ações, não a incorporou, de fato, dentro de si.

Existe uma concepção errônea generalizada de que a Torá é simplesmente um livro de lei e história judaica-divina, mas, ainda assim, apenas isto. A verdade é que representa a Vontade e a Sabedoria do Criador. O Talmud discute uma grande variedade de assuntos - uns sublimes, outros mundanos - mas todos, de alguma forma, refletem o relacionamento e envolvimento de D’us com este Seu mundo. Diferentemente das obras da Cabalá, preocupa-se, sobretudo, com o terreno e o mundano. Discute o que há de mais intrincado e, às vezes, o que aparenta ser totalmente irrelevante na lei judaica. Porém, oculto em suas lições e ditames, escondem-se profundos segredos e ensinamentos espirituais e místicos.

A Torá abarca todos os assuntos e a estudamos para entender como nos relacionar e agir diante de cada um destes. Nas palavras do Rabino Steinsaltz: “Os mandamentos e as aplicações práticas das leis da Torá estão subordinados à busca pela verdade que se esconde por trás de todas as coisas. O propósito sublime do Talmud não é utilitário, de forma alguma - mas unicamente a busca da verdade”. É por esta razão, como vimos acima, que a aplicação prática de qualquer tema nele discutido é de importância secundária. O que esta obra busca é a verdade e a visão da Torá sobre qualquer assunto ou matéria, quer seja legal, histórico ou filosófico. Portanto, uma prova ou declaração que possa dar a impressão de ser auto-evidenciada poderá ser questionada ou mesmo rejeitada pelo Talmud - pois pode conter alguma falha sutil, quase imperceptível em sua lógica ou argumentação. Este apenas aceita a argumentação mais convincente. Simboliza a busca do judaísmo pela verdade absoluta. Não há dogmas na religião judaica: quase tudo pode e deve ser questionado, apesar de que a pessoa conscienciosa deve entender que a alma humana ainda não está preparada e, portanto, não pode pretender compreender, em toda a sua plenitude, a Vontade e a Sabedoria do Criador.

Como o objetivo primordial do Talmud é essa busca da verdade, esta obra é praticamente toda estruturada em perguntas e respostas. E mesmo quando as perguntas não são explicitamente articuladas, encontram-se por trás de cada afirmação e ensinamento. Talvez seja o único livro sagrado, no mundo, que não apenas permite, mas estimula os que o estudam a questioná-lo. A Sabedoria de D’us está oculta em suas palavras, cabendo a cada um dos que o estudam, seja este sábio ou iniciante, tentar desenterrá-la. No entanto, é preciso lembrar-se que a Torá, em sua plenitude, originou-se de D’us; cada um de seus ensinamentos que já foi ou venha a ser praticado, foi transmitido a Moisés no Monte Sinai. Assim sendo, quando um sábio Talmudista faz uma afirmação, ele não está agregando ou opinando sobre algo, mas sim revelando um assunto da lei ou da sabedoria Divina. Aquele que domina as matérias acerca da lei judaica precisa ser um verdadeiro mestre em Torá. E deve entender que carrega consigo a tremenda responsabilidade de discernir e transmitir a Vontade de D’us ao povo judeu. Seus ensinamentos devem ser firmemente arraigados no Talmud e no Código da Lei Judaica, devendo ser uma extensão viva da Torá, originalmente entregue a Moisés.

É bem verdade que há diferenças de opinião no Talmud e isto, infelizmente, tem sido usado como desculpa para interpretações pessoais e aplicações impróprias ou tentativas de “reformular” as leis da Torá. Estas concepções errôneas geralmente são oriundas da falta de entendimento da dimensão espiritual da lei judaica. Diferentemente dos campos de conhecimento secular, pontos de vista diferentes sobre a Torá não constituem imprecisão ou erro. Pelo contrário, os mandamentos aparentemente contraditórios - que na prática, são raros - refletem as diferentes maneiras pelas quais D’us se relaciona com o mundo: por vezes com flexibilidade e condescendência, por vezes, com maior severidade. Uma das maiores polêmicas históricas no Talmud ocorre entre as escolas de dois grandes sábios: Hillel e Shammai. Suas disputas acabaram sendo resolvidas por uma voz que emanou dos Céus, afirmando: “Ambos transmitem as palavras do D’us Vivo, mas a decisão está alinhada com a escola de Hillel”. O fato de um método ser preferível ao outro não invalida o outro nem significa que seja impreciso, de forma alguma. Os místicos judeus ensinaram que Hillel personificava o atributo Divino da flexibilidade e condescendência, enquanto que Shammai incorporava as qualidades Divinas da precisão e do rigor. Explicam que como vivemos em um mundo imperfeito, necessitando constantemente de misericórdia, seguimos, quase que sem exceção, os mandamentos da Torá de acordo com os ditames da escola de Hillel. Na era messiânica, no entanto, quando o mundo atingir um estado de perfeição, iremos seguir a Torá como a ensinava Shammai. Por isso, devemos sempre lembrar que não há ensinamento alheio, não pertinente, no Talmud. Ainda que não sejam seguidos os ensinamentos de um determinado sábio - qualquer que seja a razão para tal - não podem, de forma alguma, ser depreciados, pois também esses preceitos são oriundos do Monte Sinai. Há uma história sobre um sábio que afirmou que um certo ensinamento não era de seu agrado, sendo repreendido por seus colegas que lhe disseram ser errado afirmar que “isto é bom e isto não é”, em se tratando da Torá.

O Pentateuco, em sua totalidade, é perfeito e aquele que o estuda com o espírito preparado - e com todo o respeito que merece - conecta-se de imediato com D’us. Pois o Senhor de Tudo, cujo Saber é Infinito, “condensou” Sua Sabedoria em Sua Torá, para que o homem possa entender o pouco sobre Ele que pode ser compreendido pela mente humana. O mérito no estudo da Lei de Moisés, por si só - não com o intuito de conquistar honras e louvores - tem inestimável valor para os Céus. Sobre o estudo do Talmud, especificamente, declarou o Rabi Yehudá ha-Nassi: “Não há medida maior de recompensa do que esta”.

Através dos séculos, o povo judeu fez muitos sacrifício, para poder estudar e ensinar e, desta forma, preservar o Talmud. Entenderam - da mesma forma, como, infelizmente, o fizeram seus inimigos - que, de fato, era o que os preservava. Não há antídoto maior contra a assimilação judaica do que o estudo da Torá. E esta é uma das razões pelas quais, juntamente com a prática da caridade, constitui o maior dos mandamentos Divinos. Mas este estudo serve como uma confirmação disso, ainda maior do que a sobrevivência coletiva do povo judeu. Ensinam os nossos sábios que o estudo adequado da Torá “salva e protege” e é fonte de bênçãos para uma vida longa, com fartura e benesses. Pois está escrito: “O alongar-se da vida está na sua mão direita; na sua esquerda, riquezas e honra” (Provérbios, 3:16). Mesmo se apenas um único indivíduo estudar a Torá, são tantos e tão grandes os seus méritos, que têm o poder de acarretar bênçãos para o mundo inteiro. O judaísmo ensina que toda a existência física é sustentada pela força da oração, pelo estudo da Torá e pela prática de atos de bondade e justiça. Aquele que estuda a Lei de Moisés, torna-se, portanto, parceiro d’Aquele que sustenta o Universo por Ele criado.

Os sábios talmúdicos e mestres da Cabalá revelam que o estudo da Torá serve como escudo para a alma humana, protegendo-a após a vida. E, como “não há esquecimento diante do Trono de Glória do Senhor”, mesmo se uma pessoa esquecer parte da sabedoria da Torá que adquiriu, sua alma a recorda e a transporta para a eternidade. Contanto que a pessoa se mantenha fiel a seus preceitos, aprofundando-se nos mesmos e andando por seus caminhos, esta mesma Torá sempre implorará diante da Corte Celestial por essa pessoa e por todo o povo judeu. Por isso, afirmamos na prece que celebra o término de um tratado do Talmud: “A ti voltaremos e tu retornarás a nós; nossos pensamentos estão fixos em ti, assim como os teus estão fixos em nós; não te esqueceremos assim como tu não nos esquecerás - nem neste mundo, nem no Mundo Vindouro!”