terça-feira, 18 de outubro de 2011

Helmut Koster, Martin Hengel: Cristianismo, Judaísmo e Helenismo nunca formaram blocos monolíticos e imutáveis




Em primeiro lugar, deveremos considerar as categorias “Cristianismo”, “Judaísmo” e “Helenismo” não como blocos monolíticos e absolutamente imutáveis; uma vez que o seu desenvolvimento e dinâmica situam-se no dinamismo e na dialética da história. Segundo André Chevitarese e Gabriele Cornelli “o judaísmo, o cristianismo e o politeísmo grego nunca existiram, enquanto formas culturais autônomas e independentes, fora das simplificações manualísticas ou das identificações ideológicas posteriores”.


Para Chevitarese e Cornelli, “ao nos referirmos às culturas judaicas, cristãs e politeístas, estamos admitindo o uso de um conceito que estabelece a todo o momento, em termos individuais ou coletivos, um diálogo constante entre o presente e o passado...”.


a. Judaísmo

O judaísmo monoteísta se fundamenta na fé em Deus e na obediência às Leis. Nisso consiste sua pertência à Deus e aqui se fundamenta a apologia. A relação fé/Lei torna-se uma peculiaridade para os judeus, por causa de seu caminho de vida. Nessa adesão, os judeus como povo eleitos de Deus, torna-se a base de toda a apologia. A Toráh pode ser identicada com a lei da natureza e da humanidade. Os gentios politeístas eram adoradores da criação mais que do Criador. Adoravam as coisas, matérias do universo. Os judeus respondiam às calunias concernentes às suas origens recitando a história da criação e seu contexto na história do povo; referindo-se às Leis.


Em base na Bíblia, os judeus foram capazes de levar em frente sua cronografia como um contraposto alternativo, que era plausível para eles mesmos e para os demais. A prova da antiguidade dos judeus (cronografia) pode ser determinada assim: ‘Moisés precede Orpheos e a filosofia grega. Moisés era a figura principal, porém outros serão incluídos no argumento, como Abraão, que nos textos apologéticos veio a ser o inventor. A cronologia judaica se dá em três fases: a. Fora da cronologia bíblica; b. Mistura de dados bíblicos com mitologia extra-bíblica; c. os eventos bíblicos como parte da cronologia universal da história do mundo.


O que melhor concerne ao judaísmo, quando eles iniciam sua residência na terra, foi com a instituição cúltica. E a instituição cúltica incluia especialmente o particular caminho judaico para a vida, expressa em termos de doutrina grega de virtudes (Catálogo de virtudes) – como era delineado antes por Moisés.


A relação entre religião e nação na constituição do judaísmo pós-exílico era muito visível e seu desenvolvimento muito dependeria das ações proféticas, fortalecendo assim uma identidade voltada ao nacionalismo e à plena observância aos preceitos religiosos estabelecidos. “Desde sua instalação na Palestina até o cativeiro, e a despeito da pressão de vizinho muitíssimo mais forte, os israelitas haviam conseguido manter uma relativa independência nacional nos limites do reino que fundaram, mais tarde cindido em dois pelo cisma. Com base nesse quadro nacional, cujos marcos geográficos eram formados pelas fronteiras da Palestina, praticavam a religião que desde o início se caracterizava pelo acentuado cunho étnico. Em virtude do pacto do Sinai, que os unira a Deus, os hebreus consideravam-se o povo eleito. Havia perfeita correspondência entre nação e religião.


O esforço dos profetas visou preservar o patrimônio religioso de Israel contra quaisquer influências estrangeiras e defendê-lo de toda contaminação oriunda do substrato cananeu. É suficientemente verdadeira que, a literatura apologética judaica era uma reação ao antisemitismo.


Mas não há evidência de escritos anti-semíticos antes do tempo dos Macabeus. Após o Exílio da Babilônia (587 a.C.), desde as “leis” e o “Templo” (centro da vida religiosa judaica), a constituição da identidade judaica foi se consolidando a partir das diversidades étnicas e socioculturais dos povos mobilizados, com forte acento em uma “nação judaica” restaurada e definida desde “o Projeto do Segundo Templo (Ex 25-40)”, porém acentuando o caráter étnico.


Sendo assim, o movimento de migração das diásporas judaicas no contexto da consolidação do “judaísmo” possibilitou um pluralismo de matizes étnicas e culturais ao interior da construção do mesmo. “No judaísmo helenístico era possível fazer uso de uma mistura de elementos do judaísmo e da sabedoria grega”.


Para Simon e Benoit, “no interior ou fora de sua pátria, os judeus experimentaram contato permanente e direto com diferentes civilizações (egípcia, mesopotâmica, persa e, sobretudo, a grega, em seguida a romana). Mesmo com muitas precauções, entretanto, não chegaram a impedir a atuação das influências externas. À medida que se dava a instalação definitiva do reino da lei, percebe-se que também se formava no judaísmo um corpo de doutrina, parcialmente constituído de elementos estrangeiros tomados de empréstimo, em especial do Irã e da Grécia”.


O judaísmo, em sua mobilização, vai se situar num campo mais complexo com o início da helenização, tanto na Palestina como em outros territórios onde se fará presente; contudo, sem que imaginemos que se tratara de um processo homogêneo para todo o domínio grego e, posteriormente, romano. “Edward Ullendorff diz que, Conti Rossini (1895) já havia sugerido que o judaísmo professado pela guarnição militar divergia consideravelmente das formas judaicas como era preservada na Etiópia”.


No que concerne à constituição da identidade judaica, no contexto da helenização, observa-se enfaticamente seu caráter de conflito, tensão e fluidez.


Entre o período de Antíoco IV Epifânio (175-164.a.C.) e a ascensão dos Asmoneus houve um conglomerado de ocorrências como a imposição de valores culturais e religiosos gregos à Palestina, como também a todo o dominio greco-romano. A respeito da comunidade judaica da Palestina e das diásporas judaicas fez-se necessário o consentimento parcial judaico a respeito da recepção da oferta grega, não obstante a resistência e oponência radical dos Macabeus, conferindo à identidade judaica seu caráter de fluidez, de conflitos, dinamismo entre as fronteiras étnicas e de reconhecimento da demarcação de sua identidade. Segundo Helmut Koster a rebelião dos Macabeus havia começado devido a tentativa de facer de Jerusalém uma cidade helénica. O pensamento mesmo de um pluralismo cultural e religioso era necessariamente inadmisivel a respeito de Jerusalém.


Desde a perspectiva da fé judaica tradicional, a continuidade lógica da rebelião consistía no retorno de todo o país a fé no Dios de Israel. Por isso quase todas as cidades gregas de território palestino foram conquistadas pelos Asmoneos. A população era expulsa ou obrigada a se converter ao judaísmo, e outros foram incorporados ao imperio asmoneo sem seus direitos cívicos. Enquanto que ao princípio das guerras macabeias pela independência predominava o componente ideológico de liberar o templo, a cidade e o país dos horrores pagãos, depois a religião se converteu nas mãos dos asmoneos como um meio para ligar todos os habitantes com Jerusalém, onde o soberano era ao mesmo tempo o sumo sacerdote.


Foi conquistada a capital samaritana, Siquém, se destruiu o templo de Monte Garizim, sendo obrigados os samaritanos a reconhecer a supremacia religiosa de Jerusalém. Porém, torna-se prematuro afirmar uma supremacía judaica desde Jerusalém pelos asmoneus, com incidência a todo judaísmo das diásporas. Na suposição de que Jerusalém tivesse uma autoridade sobre las comunidades da diáspora, esta seria de caráter ideal e não institucional. Em nenhum momento as autoridades de templo tiveram direitos judiciales e poder policial sobre os judeus que viviam fora dos limites políticos dominados por Jerusalém. Por regra geral a diáspora procurava se manter à margem das questões políticas de Palestina, ainda que somente fosse por motivos de subsistência e de obediência à autoridade política correspondente, que teinha poder sobre ela. Esta atitude básica a adotaram mais tarde muitas comunidades cristãs (cf. Rm 13,1ss.; 1 Pe 2,13).


O judaísmo no período greco-romano vai se desenvolvendo a partir de um caráter pluri-étnico, abrangendo realidades socioculturais distintas, porém sem deixar de considerar no seu processo de interação entre fronteiras étnicas a alteridade presente em suas origens e as diversidades presentes em seu dinamismo histórico.


b. Helenismo

No que se refere ao Helenismo, abre-se um novo período na história do judaísmo, isto é, a “helenização”, que antecede a Antioco IV Epifânio (175-164 a.C.). A história helenista veio a ser uma história universal. Esse foi um esquema que penetrou no judaísmo. O estabelecimento de uma era universalmente válida. Uma universalidade aceitável, datando de eventos que transcenderá os sistemas locais. Assim como o judaísmo vai se definindo por meio do caráter plural do processo de interação com outras culturas e povos, preservando sua autonomia com seus valores étnicos e religiosos, o helenismo também se apresenta como categoria de pensamento na órbita das diversidades, não isento das correntes de resistências, como também de consentimentos, porém com certas especificidades no que se refere à filosofia e às religiões. André Chevitarese e Gabriele Cornelli14, a partir das concepções de Werner Jeager (1991) e L. I. Levine (1998), apresentam duas definições de helenismo: Werner Jeager demonstra que o termo ‘helenismo’ sofreu um processo de interpretações variadas na Antiguidade. De imediato, com Teofrasto no quarto século a.C., esta palavra adquire o sentido do uso gramaticalmente correto da língua grega, o grego livre de barbarismos e solecismos.


Posteriormente, porém, o helenismo vai caracterizar a adoção das maneiras gregas, do modo de vida grego, em especial fora da Hélade, onde a cultura grega tornara-se moda. L. I. Levine define o helenismo como um meio cultural, largamente grego dos períodos helenísticos, romano e uma extensão mais limitada do bizantino, enquanto que, por helenização, Levine chama o processo de adoção e adaptação desta cultura em nível local.


Consideramos que nas duas concepções estão presentes elementos como “maneiras gregas e sua expressão na linguagem”, assim como sua adaptação e assimilação em novos meios locais, onde também se situam as comunidades judaicas e outros povos judaizados. É o caso do Egito, que desde a Alexandria desenvolveu fortemente uma literatura marcada pela cultura helenística. “Cerca de trezentos anos antes de Cristo, o Egito foi conquistado por Alexandre Magno (332 a.C.). O país dos Faraós foi então aberto à intensa colonização dos gregos, chamada helenizaçao (Helenos – Gregos). A língua e a cultura grega não se restringiram aos muitos comerciantes gregos que se estabeleceram em Alexandria e outras cidades, mas foram aceitos praticamente por toda a população urbana”.


O processo de helenização em várias nações não foi motivo para a abdicação da língua nacional e suas representações simbólicas, mesmo que houvesse o consentimento ou aceitação do processo dentro de um consenso coletivo ou parcial, não isentando, porém, as nações onde tal fenômeno de fato ocorreu. Segundo Helmut Köester “na Babilônia e Palestina, a maioria dos judeus falava o arameu, enquanto que na diáspora do Egito, de Ásia Menor e do Ocidente se havia imposto a língua grega”. Essa realidade não nega outras conseqüências menos ou mais drásticas geradas no interior das culturas e dos povos helenizados. Como conseqüência geral da helenização, considera-se que, como processo histórico-cultural, esta afetava a todos os judeus da Palestina e da diáspora.


O processo de romanização que se segue às categorias de pensamento grego vai ampliar, no âmbito universalista que caracterizava o império romano desde Pompeu (65 a.C.) até Constantino (século IV d.C.), as já mencionadas categorias do Judaísmo e Helenismo. Para uma melhor compreensão dessa ampliação e ao mesmo tempo das influências greco-romanas na concepção judaica do mundo, recorremos a James M. Scott.


Este apresenta “o quadro das nações do rei Agripa e a discrição da soberania universal do Império Romano, enquanto Flavio Josefo o coloca como sendo Agripa II, com o início da guerra (Bj 2.345-401). Agripa inclui um impressionado quadro das nações sob o controle romano, isto é, gregos e macedônios, como os miríades de outras nações, incluindo as quinhentas cidades da província da Ásia e outras nações da Ásia Menor, os tracianos, os gauleses, os ibéricos, os germanos, os bretões, os partos, os cirenaicos, numerosas nações do continente africano e Egito.


c. Cristianismo

A construção das identidades dos povos oriundos de diversas nações e geografias irão apresentar uma constituição flexível, não isento os conflitos e tensão no seu processo de interação com outros povos e culturas, porém com autonomia quando se refere ao consenso de identificar seu passado e seu presente na história. Dessa forma, “a pertença étnica não pode ser determinada senão em relação a uma linha de demarcação entre os membros e os não membros. Para que a noção de grupo étnico tenha sentido, é preciso que os atores possam se dar conta das fronteiras que marcam o sistema social ao qual acham que pertencem e para além dos quais eles identificam outros atores implicados em um outro sistema social”.


O cristianismo, procedendo do judaísmo, implantou-se e desenvolveu-se em ambientes greco-romanos, assimilando, integrando, interagindo e reinterpretando muitos elementos socioculturais e categorias de pensamentos neles encontrados, especificamente de cunho religioso, culto de mistérios, hermetismos e gnoses pagãs. Para Martin Hengel “O cristianismo primitivo é uma religião sincrética com várias raízes. O judaísmo não foi o único berço do Cristianismo primitivo, mas havia diversas outras correntes como o gnosticismo, religiões mistéricas gregas e orientais, magias, astrologia, politeísmo pagão, histórias de homens divinos (theioi andres) e seus milagres, filosofia helenista popular com a influência do culto pagão e não judeu, e também influência da imaginação e linguagem religiosa helenista na diáspora”.


O processo de interação étnico-cultural entre os povos e nações, e a constituição do Cristianismo primitivo estão inseridos no movimento das Diásporas e das Sinagogas, como mediações judaicas, helênicas e de inserção cristã. “Enquanto o acesso ao Templo era rigorosamente vedado aos pagãos, o culto sinagogal estava aberto a todos. Por nele se usar normalmente a língua comum, e devido também ao lugar capital que nele se reservava à instrução, esse culto prestou-se com grande eficácia à difusão do judaísmo”. De acordo com os decretos conferidos por César aos judeus, a sinagoga ocupava um “lugar central”, ou seja, um espaço aglutinador dos costumes e das tradições judaicas. A sinagoga garante aos judeus o espaço para as assembléias, para guardar o sábado, a Torá e todas as prescrições que norteiam suas vidas individuais e coletivas; religiosas e culturais. Segundo E. P. Sanders, os decretos em favor dos judeus na Diáspora consistiam nos seguintes pontos: “O direito para assembléia ou para fazer um lugar de assembléia: 5 tempos; o direito para guardar o sábado: 5 tempos; o direito para fazer suas comidas ancestrais: 3 tempos; o direito para resolver seus assuntos pessoais: 2 tempos; o direito para a contribuição monetária: 2 tempos”. Isso tudo era fundamental para a vida judaica.


Porém, no contexto greco-romano essa realidade não era passível de críticas e oposições, uma vez que “os judeus insistiam em reclamar para si um status especial que lhes garantissem a prática de sua religião, o desfrute de alguns privilégios fiscais, o envio a Jerusalém do tributo do templo e, ao mesmo tempo, depreciavam aos deuses dessas cidades”.


É notória a presença de antigas sinagogas no contexto das Diásporas, e essa realidade é testemunhada por fontes literárias como também pela arqueologia. O prefácio da obra editada por Steven Fine apresenta um mapeamento das sinagogas na Palestina e nas diásporas. Aponta a localização das mesmas nas geografias de Egito, África e Gaza. “Na região do Egito (entre Alexandria, Atribes e Crocodilopolis) encontramos, pelas fontes literárias três sinagogas. Em Naro (território africano) encontramos, pelas evidências arqueológicas, uma sinagoga. Em Gaza, situada mais ou menos a 100 km ao sudoeste de Jerusalém, encontramos, pelas evidências arqueológicas, uma sinagoga”.


Porém, qual seria a concepção de sinagoga, a partir da prática judaica da Palestina e das diásporas no contexto do Cristianismo do primeiro século? Tratar-se-ia de espaços informais e comuns de encontros e assembléias, mas não de estruturas já consolidadas. Paulo, em Antioquia, participa de uma sunagwgh/j (“assembléia, reunião”) de judeus e prosélitos (At 13,43).


Para Pieter W. van der Horst, “apenas depois da queda do Templo, para resistir, numa atitude de solidariedade fundamental para a preservação da identidade judaica, que sinagoga veio a ser um termo para a casa da assembléia de adoração. Nas fontes judaicas, porém, até o terceiro século d.C., a palavra sinagoga é usada apenas como ‘assembléia’ ou ‘congregação’, em concordância com o significado original da palavra e com o uso grego, e não para um lugar de assembléia ou a construção. Para o lugar da assembléia, as fontes primitivas sempre usam proseuchê, literalmente (lugar de) oração. Os lugares de reuniões eram meramente partes privadas da casa. Isto se aplica igualmente para Palestina e para a Diáspora. Nas passagens do Novo Testamento; nos Evangelhos e no livro de Atos, sinagoga refere-se à congregação judaica ou à reunião informal de crenças judaicas.


Como considerações provisórias Alguns conflitos e desafios inerentes ao processo da construção da identidade do Cristianismo primitivo


O processo da construção da identidade do Cristianismo primitivo não esteve isento de conflitos e tensão. Como vimos anteriormente, o seu processo interacional entre fronteiras étnicas e geográficas está impregnado de fatores de diferenciação e aproximação que irá construir um tecido identitário plural e diversificado. Segundo Martim Hengel, no tempo de Antíoco IV, o judaísmo helenístico tinha ameaçado a exclusividade do judaísmo monoteísta com seu esforço pela secularização do templo e integração entre a nação do mundo (O templo, o culto, a famosa Jerusalém das perigrinações teve a marca da cultura helenista no tempo dos asmoneus e Herodes; diferentemente do helenismo de Alexandria e de outras geografias helenizadas).


Porém, isso não era tão problemático para o judaísmo quanto à eminência da vinda do Reinado de Deus e a proclamação da escatologia realizada da profecia do A. T. O significado do templo e da Toráh foi diretamente colocado em questão. Da fé e obediência à Lei, como foi dado para Israel no Sinai, passa para uma pessoa messiânica, um mediador, com quem a oração de Isaias (64,1) era certamente atualizada: Deus vem para seu povo em forma de ser humano. Há um verdadeiro Deus, chamado Deus de Israel que em breve envia um Salvador. Cristo é o fim da lei e a luz de todos os que creem26. Aqui reside um conflito entre o judaísmo normativo e o novo movimento messiânico. Já não é Moisés e a Lei os intermediários entre Deus e a humanidade, mas sim o Messias, o que traz o novo pacto. Para Hengel é o começo de uma nova religião tanto para Israel como para o mundo. A eminente chegada do Reinado de Deus e a parusia de Jesus de Nazaré, o Messias crucificado de Israel, o Filho de Deus.


No desenvolvimento do Cristianismo primitivo, estão presentes outros acontecimentos históricos como a Guerra Judaica (64 d.C.), a morte de Pedro, Paulo, João (43 a.C.), a iliminação de vários grupos sociais e religiosos, a expulsão dos cristãos da sinagoga, a formação das diásporas cristãs helênicas e a consolidação do judaísmo rabínico. Aqui reside um outro conflito entre o judaísmo normativo e o movimento cristão.


A partir desses conflitos apresentam-se os desafios para dar passos na direção da separação. Martins Hengel afirma que segundo o descrito por Lucas no contexto da missão de Paulo, foi o fato de que os judeus messiânicos e seus pagãos, seguindo entre os tementes a Deus, foram expelidos das ordenadas sinagogas/comunidades, que foram finalmente distinguidos pelo termino ekklesia. Como uma nova seita escatológica, uma nova assembléia sinagogal, muito familiar, onde se lia a antiga Escritura, mas com novo entusiasmo; com uma oração confiante, mas também no “nome de Cristo”. Com hinos cristológicos, uma vivência segundo a ordem ética das escrituras e no amor (agape); contra a idolatria e vicios dos pagãos. O domingo, a liturgia, a eucaristia, as leituras litúrgicas eram formas dos cristãos se distinguirem da tradição mosaica. Assim como os judeus-cristãos, predominantementes comunidades cristãs gentílicas da Diáspora no Império romano, na segunda metade do primeiro século, não observavam a circuncisão, sábado, leis de dietas, dias de festas e festas anuais.


No contexto do desenvolvimento do Cristianismo predominantemente vemos a carta que Plínio descreve a respeito do cristianismo, em uma carta à Trajano, como degenerado e extravagante. Sutônio chama o movimento cristão como uma nova e maléfica superstição e magia. Tácito descreve o Cristianismo como detestável superstição, assim como em Atos dos Apóstolos 24,5; 24,15; 26,28; 26,5; 28,22.


Sendo assim, o Cristianismo primitivo abre-se às diversidades e às múltiplas experiências na construção de sua identidade. É nesse contexto de mobilidade dos povos e culturas, no horizonte de suas fronteiras étnicas e geográficas, no seu processo de interação e assimilação, conflitos e desafios, nos espaços das sinagogas ou sobre as influências das mesmas, que o Cristianismo vai se desenvolver.


O Logotipos se faz carne (Lógos-sarx); e o homem é assumido pelo Logotipos (Lógos-ánthropos).


O Cristianismo nasceu em um entorno presidido pela diversidade. Tratava-se de uma seita judaica sem qualquer unicidade: havia cristãos mais rigorosos com respeito à observância da Lei Mosaica, enquanto havia outros mais permissivos, chamados de "cristãos helenistas", que viam a observância da Lei como um peso, e aceitavam novos batizados de origem pagã.

Porém, os problemas de divergência doutrinária e de ideologia foram aumentando com os séculos, à medida que a seita crescia e se formava a Igreja. Foi nesse contexto histórico que as vozes discordantes em relação a ortodoxia – a qual se proclamava a herdeira da tradição apostólica - foram cada vez mais estridentes, até provocar grandes cismas e heresias. A seguir oferecemos um catálogo das principais heresias da Antigüidade, até o século VI, com a condenação do Orígenes por parte do imperador Justiniano.

Nas primeiras décadas de existência do cristianismo, o próprio apóstolo Paulo teve que lutar com cristãos que não viam com bons olhos o batismo e aceitação, nas primeiras comunidades cristãs, de pagãos que não seguiam os ritos próprios da Lei mosaica, e em especial da circuncisão. Existia, pois, desde o início e sobretudo em Jerusalém, uma corrente que representava a vertente mais tradicionalmente judia, matriz de que procedia a nova comunidade espiritual. Existiram vários tipos de cristãos judaizantes no século II, como os Ebionitas, os Nazarenos, e correntes que tinham sua origem em idéias judaizantes, como o Milenarismo e os Elcasaítas.

Os Ebionitas foram a facção mais radical, partidários de uma estrita observância da Lei mosaica, que consideravam Jesus como um homem que chegou a ser "Cristo" (o Messias ou o Ungido, o que era sinônimo do Rei do Israel) por sua fidelidade à Lei. Os Ebionitas dispunham de um próprio Evangelho, que tinha ao Evangelho de Mateus como referência. Entretanto, omitia o relato da infância do Jesus, pois os Ebionitas negavam o nascimento virginal, sendo que, para eles, a união de Jesus com o Espírito se produziu no batismo. O Evangelho dos Ebionitas foi composto na primeira metade do século II.

Em princípios do século II também foi composto o Evangelho dos Nazarenos, que fora escrito em aramaico ou siríaco, muito próximo a escrita do Evangelho de Mateus. Este evangelho era utilizado por uma comunidade judaizante de fala aramaica, na região da Ásia. Desta época é o Evangelho dos Hebreus, que também tinha conotações judaizantes, mas de uma comunidade egípcia.

Entre as idéias judaizantes dos dois primeiros séculos do Cristianismo, encontramos o Milenarismo ou Quiliasta, baseado no Apocalipse. Muitos cristãos acreditavam na iminente restauração messiânica do Reino dos mil anos, que Cristo presidiria, com o correspondente julgamento final. Estas idéias se plasmaram no Apocalipse sírio do Baruc e no livro de IV Esdras, mas também aparecem com mais ou menos intensidade entre muitos autores e escritos mais ortodoxos, como por exemplo, na Epístola do Barnabé, ou nas obras de Justino ou Irineu.

Uma seita milenarista que se estendeu a Roma nos princípios do século II foi a dos Elcasaítas, seguidores do Alcibíades da Apaméia, que pregava a mensagem contida no Livro do Elcasai, um profeta palestino que propunha um batismo muito complexo e certas penitências, que lhe tinha sido revelado através de uma visão. O Elcasítismo tinha também alguns componentes pagãos, de tipo fundamentalmente ritual.

Desde o começo, o Cristianismo carecia de uma opinião unânime sobre a natureza do Jesus, pois a idéia de sua divindade se associava com dificuldade com as idéias mais judaizantes sobre o Deus único, ainda que fosse de mais fácil aceitação pelos pagãos conversos. Já nos próprios Evangelhos não se encontra uma unidade clara de critério sobre a divindade de Jesus.

O Evangelho de João e o de Marcos não nos falam da infância do Jesus, e tudo parece indicar que foi partir do batismo que se produziu a união entre o Espírito e o homem Jesus. Esta última tese é a que aceitavam os Adocionistas, corrente que mantinha que no batismo, Deus tinha adotado Jesus como seu Filho. Outra corrente, conhecida como Docetismo, considerava que o corpo do Jesus não era real, mas somente aparente. Essa seita foi rebatida nas Epístolas de João, que afirma: "quem não confessa que Jesus veio em carne é o espírito do anticristo". Esta corrente considerava que Jesus gozava de um corpo aparente, pois sua divindade lhe impedia de mesclar-se com o perecível.

No século II apareceram vários autores que defenderam teses docetistas, subordinacionistas e adocionistas, como Noeto da Esmirna, que não podia aceitar que o Pai e o Filho fossem pessoas diferentes, e por isso em Cristo se encarnava o próprio Deus, mas só como projeção. Práxeas defendeu uma tese conhecida como Monarquianismo, pois Deus é monarca único, e é quem se encarnou no Filho. Desse modo, foi o próprio Deus quem sofreu paixão e morte na cruz. Uma idéia oposta, mas apoiada igualmente na unidade de Deus, é o Adocionismo de Teódoto e Artemón, que mantinham que Jesus foi um homem adotado por Deus como instrumento de salvação, já que Deus não podia relacionar-se com a carne. Sabélio foi o continuador de Noeto em Roma, pois para ele Pai e Filho não são mais que modos ou aspectos de uma mesma personalidade, pois Deus se manifesta como Pai na Criação e como Filho em seu papel de salvador. O bispo de Roma condenou a Sabélio e a seus seguidores, chamados de "Modalistas", como hereges. A disputa não fou resolvida até a implantação de uma fórmula intermédia: o Concílio de Nicéia determinou que o Pai, o Filho e o Espírito Santo eram uma única substância e três pessoas (um homoousion e três hipóstasis).

Havia na Samaria um profeta ao que chamavam "Simão o Mago", de que falam os Atos dos Apóstolos 8.9-24, e de que dizia que tinha redimido a sua companheira, uma ex-prostituta, encarnação da Sophia. Os Simonianos e os Bardesianos, seguidores do Bardesanes, filósofo aramaico, aproximam-se da grande heresia do século II, o Gnosticismo.

O Gnosticismo se trata de um complexo vigamento de mitos e crenças, de que participaram distintas Escolas, e que tinham como comum denominador uma Gnosis. Os Gnósticos se opunha radicalmente à entidade divina do Antigo Testamento, e por isso representam o pólo oposto ao cristianismo judaizante, sendo que representavam uma opção culta e helenizada dentro do Cristianismo. Tal tipo de Cristianismo se aproxima dos Mistérios pagãos e, sobretudo, do sincretismo filosófico da época. Simonianos, Bardesianos e Fibionitas foram três seitas, próximas ao Gnosticismo, que mantiveram complexas cosmologias e certo componente gnostico, como via de salvação.

O Maniqueísmo, por sua vez, foi criado pelo profeta persa Mani no século III. Esse autor escreveu seus próprios textos, e teve grande difusão desde a Pérsia ao Extremo Oriente, e também ao Ocidente, chegando até a Espanha e a Gália. De forte influência zoroástrica, Mani falava de dois princípios antagônicos, a Luz e as Trevas; no Cosmos se mesclam ambos os princípios, que também se encontram no homem, e por isso este deve despertar à Luz, por meio de uma certa gnosis e um determinado comportamento de vida.

O Montanismo é a última grande heresia dos séculos II e III; Montano, de origem frigia, fundou junto a duas profetisas, Prisca e Maximilla, um movimento profético, que se propõe a realizar uma renovação no Cristianismo frente ao iminente fim do mundo. Propunha uma vida ascética apoiada em jejuns e abstinência sexual, convidando seus ouvintes a uma resignada disposição para o martírio. O Montanismo se estendeu por todo o Norte da África, e conquistou para suas filas a Tertuliano, um dos grandes Pais da Igreja. Sua rigorosidade terminou por gerar uma importante disputa sobre a impossibilidade de redenção dos pecados depois do batismo, que terminou afastando o Montanismo do cristianismo ortodoxo.

O século IV começa com a grande disputa trinitária, quando surgiram grandes heresias orientais sobre a questão cristológica. Ário foi o promotor da primeira grande disputa. Desenvolveu uma teologia trinitária subordinacionista, segundo a qual, Deus, único e indivisível, não pode compartilhar sua essência (ousía) com outra pessoa, e por isso o Filho não pode ser da mesma substância que o Pai. Para Ário, Deus é princípio (arché) e Cristo, o Logotipos, sendo engendrado, a primeira e superior das criaturas, criado fora do tempo, de absoluta perfeição, mas não compartilhando nem da eternidade nem da essência do Pai. O Espírito é a primeira criatura engendrada pelo Filho. Desse modo, essa vertente discordava da ordem de hierarquia entre as três entidades divinas, que formam a Trindade.

As teses de Ário foram condenadas no primeiro Concílio Ecumênico, celebrado em Nicéia no ano 325, sob a presidência do Imperador Constantino. Em dito Concílio se estabelece o Símbolo da Nicéia, que ainda se reza como o Credo católico, no que se afirma que há um só Deus, Pai, e o Filho, da mesma natureza que o Pai (homooúsios).

O Arianismo teve uma grande difusão, e não desapareceu depois do Concílio da Nicéia, pois o Imperador Constâncio favoreceu a esse segmento, tendo inclusive nomeando a um deles, Eusébio da Nicomédia, Patriarca de Constantinopla. O problema era a aceitação do termo homooúsios, o qual foi o responsável por uma disputa que ainda durou alguns anos. Ainda assim, o Arianismo conseguiu estender-se entre as monarquias góticas européias. Foram os três grandes teólogos capadócios: Basílio de Cesárea, Gregório Nacianceno e Gregório de Nisa, quem pôs fim a essa disputa, e conseguiram impor a formula "uma natureza, três pessoas" (una ousía treîs hypostáseis). Teodésio o Grande convocou o I Concilio Ecumênico de Constantinopla, onde se confirmou o credo da Nicéia, condenando definitivamente o Arianismo e as heresias afins.

Outras duas grandes controvérsias trinitárias foram: o Macedonismo, promovida por Macedônio, bispo de Constantinopla, que negava a divindade do Espírito Santo de forma subordinacionista. Foi condenada no Concílio de Constantinopla, onde foi confirmada a divindade do Espírito Santo; e o Apolinarismo, que seguia as tese de Apolinário de Laodicéia, teólogo inimigo das teses arianas e defensor da divindade de Cristo; esta heresia introduz a questão cristológica, que será debatida nos próximos Concílios Ecumênicos, contra o Nestorianismo e o Monofisismo. Para Apolinário, o Logotipos se encarna em um corpo e uma alma humana, mas sem a parte racional, sendo que no homem Jesus haveria uma inteligência e vontade divina; esta tese foi defendida pela Escola da Alexandria, representada por Cirilo e mais tarde pelos Monofisistas. Teodoro da Mopsuéstia e João Crisóstomo, representantes da Escola de Antioquia, opuseram-se ao Apolinarismo, no I Concílio de Constantinopla. Aqui começava a batalha entre as duas grandes Escolas Catequéticas da Alexandria e Antioquia.

A disputa sobre a natureza do Cristo enfrentava duas visões distintas sobre a alma humana, uma visão platônica sobre as três classes de almas encerradas em um corpo, e uma visão aristotélica segundo a qual a alma é a substância do corpo. Estes dois pontos de vista permitiam interpretar a encarnação do Logotipos de duas maneiras distintas: a primeira uma cristologia descendente, em que o Logotipos se faz carne (Lógos-sarx); e a segunda uma cristologia ascendente, onde o homem é assumido pelo Logotipos (Lógos-ánthropos). A Escola da Alexandria assumiu a cristologia descendente, que finalmente acabou se impondo, enquanto que a Escola da Antioquia, com o Teodoro da Mopsuéstia à cabeça, mantinha que a união entre o Logotipos e homem é uma conjunção (sináfeia), o que deixava claro que não havia mescla de naturezas. No ano 428, o imperador Teodosio II nomeia ao Nestório Patriarca de Constantinopla. Nestório, orador ardente, combateu do púlpito a popular concepção da Maria como "mãe de Deus" (theotocos); da teologia antioquena, Maria só podia ser mãe de Cristo, não do Logotipos que lhe é anterior. Cirilo de Alexandria, apoiando-se em teses próximas ao apolinarismo, mantinha que Cristo tinha uma única natureza, porém também tendo corpo e alma humanos - tese que conseguiu se impor e predominar no Concílio de Éfeso do ano 431, o que custou a condenação e deposição de Nestório.
A polêmica continuou uma geração mais tarde, mas dessa vez a ameaça de heterodoxia provinha da Alexandria, que tinha aceito a interpretação radical do Eutiques das fórmulas do Cirilo, e afirmava que em Cristo só havia uma única natureza, e que da união do Logotipos e o homem, fundiam-se e mesclavam as duas naturezas em uma só. Eutiques foi condenado pelo Patriarca Flaviano de Constantinopla.

No ano 451 se celebrou o Concílio da Calcedônia, que pretendia pôr paz entre as duas tendências radicais: o nestorianismo antioqueno e o monofisismo alexandrino, confirmando o Símbolo da Nicéia, e estabelecendo que em Cristo havia duas naturezas completas, sem confusão, sem mescla, e sem que a diferença de naturezas desaparecesse pela união. A Fórmula da Calcedônia foi aceita como dogma oficial, e o Nestorianismo e Monofisismo foram condenados. Entretanto, nem todos os imperadores foram partidários das teses da Calcedônia, o que permitiu uma certa expansão sobretudo do Monofisismo. Os Nestorianos se transladaram a Pérsia, onde constituíram uma igreja independente.

O imperador Hereclio I (610-641) interessou-se pela unidade da Igreja, e tentou encontrar uma fórmula que pudesse ser aceita por calcedonianos e monofisistas, fórmula que se denominou "Monotelismo", reconhecendo que em Cristo houve uma só vontade. Essa doutrina, que se impôs durante algum tempo, foi retificada pelo III Concílio de Constantinopla, ainda que, durante o reinado do imperador Constantino IV Pogonato, tenha se condenado o Monotelismo, declarando que em Cristo havia duas naturezas e duas vontades, sempre concordantes, no sentido de que a vontade humana seguia à divina.

Enquanto no Oriente se debatiam as questões trinitárias e cristológicas, no Ocidente se suscitavam também outras importantes disputa contra duas grandes heresias: o Pelagianismo e o Donatismo, combatidas por Agostinho de Hipona. Cabe citar também a heresia Priscilianista, que se baseava nos ensinamentos do primeiro mártir da heterodoxia: Prisciliano. Pelágio, natural da Britânia, pregou suas doutrinas pelo Norte da África, no feudo de Agostinho da Hipona, opondo-se às doutrinas deste, especialmente a aquelas que se referiam ao pecado original, que tanto preocupava ao Agostinho. Pelágio e Agostinho mantiveram uma polêmica sobre o pecado original, em duas obras: Sobre a Natureza, de Pelágio, e Sobre a Natureza e a Graça, do Agostinho. O juiz dessa polêmica foi um Papa, que resolveu excomungar ao Pelágio, e Agostinho venceu a disputa.

O Donatismo, por sua vez, foi um movimento de renovação cismático, que mantinha uma estrita e austera concepção do pecado e sua impossibilidade de redenção depois do batismo. Donato foi bispo de Cartago, onde combateu todos os cristãos que tinham apostatado da fé para evitar o martírio, e mantinha a impossibilidade de que estes repartissem sacramentos. Nesse contexto, Agostinho da Hipona criou a fórmula que se impôs de modo predominante no pensamento cristão da época: o sacramento tem valor "ex opere operato" (pela ação mesma), e não "ex opere operantis" (pela ação de quem o reparte).

O Priscilianismo é também um movimento de reforma, que basicamente propunha o retiro da vida mundana, para uma vida mais ascética e contemplativa; tratava-se de voltar para um cristianismo original, incluindo práticas como continência, jejum e pobreza. O Priscilianismo foi visto como uma ameaça para a Igreja predominante, pois pregava a perda do poder, sobretudo eclesiástico, que na época era enorme. Com falsas acusações e por razões de oportunidade política, Prisciliano foi acusado de herege e julgado, sendo o primeiro mártir da heterodoxia cristã.

Por fim, é curioso salientar a condenação, no ano 543, de Orígenes e de seu Origenismo. Foi o imperador Justiniano, que tinha fechado a Academia de Atenas e tinha proibido aos pagãos ensinar filosofia, promulgando um decreto em que enumerava os enganos do grande teólogo cristão Orígenes, para pôr fim a certas disputas e especulações de alguns monges ilustrados.

John P. Meier, Geza Vermes e John Dominic Crossan: Por que Jesus foi detido? Do que foi acusado? Como o condenaram? Quem o matou?


A Acusação: Blasfêmia

A Galiléia da época de Jesus vivia um período de extrema pobreza. “A região, ao norte da Judéia, sempre havia sido pobre. Mas não miserável, como durante a dominação romana”, escreveu John Dominic Crossan, professor da DePaul University, de Chicago, Estados Unidos e autor de O Jesus Histórico, a Vida de um Camponês no Mediterrâneo. Segundo ele, os camponeses tinham de pagar impostos ao Império Romano, que havia tomado Jerusalém em 63 a.C., aos sacerdotes do Templo em Jerusalém, e ao rei Herodes Antipas. Isso deveria consumir pelo menos dois terços de toda a produção, segundo os cálculos de Crossan. Como resultado de tripla tributação, a população empobrecia e perdia a esperança em tempos melhores.

Também havia uma crescente desconfiança em relação aos sacerdotes do templo. “Em várias passagens dos evangelhos, Jesus critica duramente os sacerdotes por desprezarem os pobres e darem importância excessiva ao ouro”, diz o teólogo Fernando Altemeyer, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Esse descontentamento geral explodiria na guerra dos judeus contra Roma, que durou do ano 66 ao 70. Uma das primeiras ações dos rebeldes foi invadir o templo e rasgar todas as listas de devedores, os maus pagadores de impostos, que ficavam guardadas no local. Roma acabaria vencendo, e o templo foi destruído. “Mas o fato mostra que a revolta contra a cobrança de impostos e a política da elite sacerdotal era imensa”, diz André Chevitarese.

Era o cenário propício para que líderes como Jesus fossem ouvidos. A visão mais aceita hoje em dia é que Jesus, que vinha da parte mais afastada do Império Romano, era mais um entre tantos pregadores. Essa interpretação é sustentada por estudiosos como o padre católico John P. Meier, autor de Um Judeu Marginal, Repensando o Jesus Histórico, e professor da Universidade Católica da América, em Washington, Estados Unidos. “É um fato que na época de Jesus devia haver pelo menos outras cinco ou seis pessoas que se diziam o Messias”, afirma Antônio Manzatto.

O poder local, formado por uma aliança entre a elite judaica e os romanos, via esse movimento de líderes messiânicos com desconfiança. “O discurso era revolucionário, o que poderia abalar as estruturas do poder”, diz André. O de Jesus era seguramente bombástico. Ele pregava a igualdade, o respeito aos pobres, o amor.

Mas se Jesus era apenas um dentre tantos pregadores messiânicos, tudo mudou quando ele chegou a Jerusalém, pouco antes da Páscoa judaica, por volta do ano 30. Naquela época, Jerusalém triplicava de tamanho. Apesar de não ser a capital romana do território ocupado (os romanos preferiam governar de Haifa, de frente para o mar Mediterrãneo), lá ficava o Sinédrio, instituição judaica que funcionava como tribunal e poder legislativo, além do palácio de Pôncio Pilatos, a casa de Herodes Antipas, o rei e, é claro, o Templo Sagrado.

Segundo os evangelhos, Jesus já era conhecido na Galiléia por suas pregações, seus milagres e pela cura de enfermos quando chegou a Jerusalém. De acordo com as leis e tradições judaicas, isso bastava para ser considerado um blasfemo. A cura, na época, era um monopólio divino. No entanto, sua chegada a Jerusalém foi ainda mais recheada de provocações à ordem. Ao entrar na cidade a uma semana da Páscoa, sentado em um jumento, ele comparou-se ao Messias, invocando deliberadamente a profecia do livro de Zacarias sobre a sua chegada (“Aí vem o teu rei, justo e salvador, montado num burrinho”). A ofensa final, no entanto, foi invadir o templo e expulsar fariseus e saduceus. Se isso tiver ocorrido como dizem os evangelhos, ele acabava de comprar uma briga e tanto.

Os juízes: Judeus ou Romanos?

Segundo a Bíblia, Jesus estava reunido com seus seguidores no Monte das Oliveiras, em Jerusalém, quando foi preso, à noite, depois de ser traído por Judas. Jesus teria sido detido pelos guardas do templo, por ordem do Sinédrio – o conselho formado pela elite judaica que controlava o santuário. Mas há controvérsias. Segundo o próprio evangelho de Mateus, a população da cidade estranhou uma patrulha àquela hora na rua. De fato, isso seria pouco comum. “Para operar além das paredes do templo, os guardas devem ter contado com o apoio de soldados romanos”, diz a historiadora Norma Musgo Mendes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Os evangelistas discordam quando relatam os fatos após a prisão de Jesus. Em comum, eles trazem a versão de que os sacerdotes do templo decidem não condená-lo à pena capital. Se fosse sentenciado à morte pelo Sinédrio, provavelmente seria apedrejado. O prisioneiro é então enviado para a autoridade suprema local, o procurador romano na Palestina, Pôncio Pilatos, a quem cabia julgar questões de interesse do Império.

Aqui, começa outra grande polêmica sobre a narração bíblica. Não haveria nenhuma razão para Jesus não ser condenado sumariamente por Pilatos, mas os evangelhos, única fonte escrita do processo, contam que o governador teria hesitado em sentenciar Jesus e tentado libertá-lo pelo menos duas vezes. Numa, após interrogar Jesus e, tendo-o considerado inocente, resolveu soltá-lo, mas voltou atrás quando foi vaiado pelo povo que acompanhava o julgamento. Em outra, teria pedido que o povo escolhesse entre Jesus e Barrabás, um criminoso conhecido, para que ele soltasse um deles, em um perdão especial devido à Páscoa. O povo teria escolhido Barrabás para ser salvo. No fim, Pilatos teria lavado as mãos, para simbolizar sua inocência em relação ao veredicto. Segundo um dos evangelhos, o de Lucas, o governador ainda teria mandado Jesus para o rei Herodes, mas esse não aceitou julgá-lo e o enviou de volta.

Para alguns historiadores, todo o julgamento é inverossímil, distante das práticas das autoridades romanas na Palestina. “Jesus não era uma pessoa importante na época, era mais um pregador que vinha da distante Galiléia. O mais provável é que ele nem sequer tenha sido julgado, mas, em vez disso, condenado sumariamente à morte”, afirma Gabriele Cornelli. Segundo ele, a passagem do julgamento no Novo Testamento foi escrita com o propósito de orientar os primeiros cristãos a como se portar diante dos sacerdotes e dos romanos.

André Chevitarese concorda. “Os evangelhos devem ser lidos não como uma reportagem, mas como um programa teológico com fundo histórico”, diz. Ele defende que os autores dos evangelhos, que foram escritos entre 40 e 80 anos após a morte de Jesus (e, portanto, depois que os romanos destruíram Jerusalém), utilizaram a narração do julgamento de Jesus para reforçar a cisão entre cristãos e judeus. “Isso era fundamental para afirmar os preceitos da nova religião, e, ao mesmo tempo, não cutucar o Império Romano, com o qual o cristianismo teria de conviver”, afirma André.

Essa análise dos relatos explicaria porque Pilatos é retratado de modo tão brando nos quatro evangelhos. “Até a mulher dele, Cláudia, tenta influenciar o julgamento, a favor de Jesus. Tudo para construir a imagem de um Pilatos bonzinho e não o típico governante romano que estava lá para fazer valer a lei e a ordem”, diz André. No entanto, Filão, o Judeu, historiador que viveu entre 20 a.C e o ano 50 menciona a crueldade de Pilatos e seu autoritarismo em centenas de casos de julgamentos de rebeldes e escravos (aliás, Filão também não se refere a Jesus).

O teólogo Paul Winter, autor de Sobre o Processo de Jesus, aponta outras passagens conflitantes. Para ele, a cena em que o povo escolhe Jesus para morrer no lugar de Barrabás não faz sentido do ponto de vista histórico. Primeiro, havia quatro prisioneiros para serem julgados, incluindo os dois ladrões que morreram na cruz ao lado de Jesus. Nesse caso, de acordo com Winter, não faria sentido o povo escolher um entre dois prisioneiros, e não entre quatro. Em segundo lugar, o hábito de se libertar um preso na Páscoa era raro, e não um fato comum como fazem crer os textos bíblicos.

O veredicto: Cupaldo de Sedição

Outro dedo a apontar para Pilatos e os romanos, quando se procura um culpado pela morte de Jesus, é o debate sobre por qual crime, afinal, ele foi condenado. Vimos que, segundo os evangelhos, os judeus do templo de Jerusalém o acusaram de blasfêmia, mas o historiador Geza Vermes, da Universidade de Oxford, Inglaterra, duvida disso. “Casos de pessoas que se autoproclamavam messias eram comuns naquela época e não espantavam mais ninguém”, afirma. “Jesus foi levado à morte por crime de sedição, de rebeldia política contra os interesses romanos. Só isso justificaria o fato de ter sido julgado por Pilatos e condenado à crucificação.”

Para a historiadora Norma Mendes, é possível que tenha havido uma aliança entre os sacerdotes judeus e os romanos para que Jesus fosse condenado à morte. Aí faria sentido que o Sinédrio o acusasse de blasfêmia e o apresentasse a Pilatos como agitador político, para que fosse morto sem a participação direta da elite judaica.

A pena: Crucificação

“Uma vez que Jesus foi condenado por Pilatos, como aparece na Bíblia, a pena podia ser uma só: crucificação, precedida de açoitamento”, diz o historiador e arqueólogo Pedro Paulo Funari, da Universidade Estadual de Campinas, no interior de São Paulo. Essa era uma pena bastante comum nos territórios ocupados pelos romanos. No ano que Jesus nasceu, por exemplo, mais de 2 mil condenados foram mortos dessa forma. A crucificação era considerada a mais degradante e brutal pena capital. Primeiro, o condenado era violentamente espancado, chicoteado e flagelado. Depois disso, uma pesada tora de madeira era colocada sobre suas costas e seus braços presos às extremidades. Assim ele carregava sua cruz até o local onde seria erguida. O condenado podia ter o calcanhar preso com pregos à madeira, ou as mãos, se não fossem amarradas com cordas.

O teólogo Antônio Manzatto acredita que o sofrimento de Jesus descrito na Bíblia seja fiel ao que realmente ocorria em casos de crucificação. Para ele, não haveria interesse dos evengelistas de exagerar na narrativa dos sofrimentos de Jesus. “O mais importante naquele momento era ressaltar a mensagem do fundador da nova religião. Jesus deve ter sofrido como todos que eram crucificados. Nem mais, nem menos”, afirma.

Segundo Pedro Paulo Funari, a morte na cruz advinha da sede e da asfixia causada pela posição em que o corpo ficava pendurado. O suplício poderia levar dias. No caso de Jesus que, segundo os evangelhos, morreu em poucas horas, isso poderia ser explicado pela perda excessiva de sangue, já que ele teve as mãos pregadas à cruz. Guardas romanos tomavam conta o tempo todo do lugar, não permitindo que dessem água ao condenado ou o tirassem da cruz. A agonia era assistida por familiares e a população em geral.

A falta de sepulturas para os milhares de crucificados daquela época levou os historiadores e arqueólogos a uma conclusão surpreendente: os corpos crucificados não eram retirados da cruz, mas deixados expostos aos elementos até serem devorados pelos abutres e cães. “É a única explicação plausível. O que teria sido feito dos restos mortais dos condenados crucificados que jamais foram encontrados?”, diz o historiador Gabriele Cornelli. Segundo ele, fazia parte da pena a humilhação pública, mesmo depois da morte.

No caso dos familiares de Jesus, é possível que tenham obtido autorização para levar seu corpo. “Os romanos concediam essas autorizações às vezes”, afirma Norma Mendes. Três dias depois que Maria recolheu os restos mortais de seu filho, tem início o maior relato de fé até então conhecido, a ressureição. Está para nascer não só o Cristo (o ungido, em grego), mas uma religião que abraçaria todo o mundo ocidental a ponto de hoje, dois milênios após os fatos analisados nesta reportagem, o cristianismo ser o credo de mais de 2 bilhões de pessoas e influenciar o modo de pensar e agir de grande parte da humanidade. “Direitos humanos, amor ao próximo, perdão, são todos preceitos morais que regem a vida da maioria das pessoas, sejam elas cristãs ou não”, diz o teólogo Antônio Manzatto. “Faz todo o sentido que sua vida seja objeto de tantos estudos e polêmicas.”


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

"Heresias" uma verdade suplantada, ou "Ortodoxia" uma mentira adotada

"Não se opor ao erro é aprová-lo, e não defender a verdade é suprimi-la; e a nossa negligência em defender a verdade, quando podemos fazê-lo, é tão pecado quanto incentivar o erro.” Papa São Félix III.

"Jesus respondeu (a Pilatos): 'Tu o dizes: eu sou rei, para isso eu nasci e para isso eu vim ao mundo; para dar testemunho da verdade. Quem é da verdade escuta a minha voz'. Disse Pilatos: 'Que é a verdade?'" (Jo 18,37-38).

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Anabaptistas - iniciado no ano 225 dc, influenciaram ainda atualmente outras denominações religiosas, como os Quakers; Batistas; Dunkers.

Re-batizavam todos os que já tivessem sido batizados em criança, crendo que o verdadeiro batismo só tem valor quando as pessoas se convertem conscientemente a Cristo.

Paulicianos - 650 e 872 na Armênia,expressava o ato de batizarem por imersão e rebatizarem indivíduos provindos do catolicismo, pois rejeitavam a submissão à Igreja Romana,que professavam que Jesus nasceu humano, tornando-se posteriormente divino por ocasião do seu batismo, ponto em que foi adotado como filho de Deus

Montanismo - fundado por Montano por volta de 156-157,caracterizou-se como uma volta ao profetismo,negavam a absolvição aos réus de pecados graves

Ofismo - é um nome genérico para várias seitas gnósticas da Síria e do Egito que se desenvolveram por volta do ano 100 D.C,membros das seitas ofitas passavam por cerimônias de iniciação que incluíam símbolos de purificação, vida, espírito e fogo

Marcionismo - estabelecida por Marcião de Sinope (110-160),com características gnósticas,com interdição ao casamento.

Adocionismo - que professa que Jesus nasceu humano, tornando-se posteriormente divino por ocasião do seu batismo, ponto em que foi adotado como filho de Deus

Adamismo - dos século II e século III,consideravam-se livres do pecado original, proclamavam a promiscuidade entre homens e mulheres

Monarquianismo - enfatizam a Unidade Absoluta de Deus,a crença conflita com a doutrina da Trindade derivação mais conhecida do monarquianismo dinâmico foi o adocionismo

Gnosticismo - é a visão de mundo baseada na experiência de Gnose,tem como base elementos das filosofias pagãs que floresciam na Babilônia, Antigo Egito, Síria e Grécia Antiga, combinando elementos da Astrologia e mistérios das religiões gregas como os do Elêusis, do Zoroastrismo, do Hermetismo, do Sufismo, do Judaísmo e do Cristianismo.

Cristo se "esgueirou" através dos poderes das trevas para transmitir o conhecimento secreto (gnosis) e libertar os espíritos da luz, acreditam que Cristo não veio em carne e nunca assumiu um corpo físico, nem foi sujeito à fraqueza e às emoções humanas, embora parecesse ser um homem.

GRUPOS INFLUENCIADOS PELO GNOSTICISMO

  • Simão Mago e Marcião de Sinope: ambos tinham tendências gnósticas, mas as ideias que eles apresentaram estavam ainda em formação. Cerinto (c. 100 dC), o fundador de uma escola herética com elementos gnósticos. Como gnóstico, Cerinto mostrou Cristo como um espírito celeste separado do homem Jesus e citou o demiurgo ( antagonista de Deus, ou demonio), como criador do mundo material.
  • Os Ofitas, assim chamados por reverenciarem a serpente do Gênesis como um fonte de conhecimento.
  • Os Cainitas, que como o nome implica, veneravam Caim, assim como Esaú, Korah e os sodomitas. Eles acreditavam que indulgência no pecado era a chave para a salvação, pois dado que o corpo é intrinsecamente mau, é preciso denegri-lo com atitudes imorais (libertinismo).
  • Os Carpocracianos, uma seita libertina que acreditava unicamente no Evangelho dos Hebreus.
  • Os Borboritas, uma seita libertina gnóstica, que acredita-se ser uma derivação dos Nicolaítas
  • Os Paulicianos, um grupo adocionista, também acusado por fontes medievais como sendo gnóstica e maniqueísta.
  • Os Bogomilos, a síntese (no sentido do sincretismo) entre o Paulicianismo Armênio e o movimento reformista da Igreja Ortodoxa Búlgara, que emergiu durante o Primeiro império búlgaro entre 927 e 970, e se espalhou pela Europa.
  • Os Cátaros (Cathari, Albigenses ou Albigensianos) são tipicamente vistos como imitadores do Gnosticismo. Embora as concepções básicas da cosmologia gnóstica possam ser encontradas nas crenças cátaras (principalmente a noção de um deus criador inferior, satânico). Catarismo é a religião do Espírito (do Paracleto). Eles se separaram dos outros gnósticos deixando de lado os éons, os arcontes, os diagramas e os números cabalísticos.
  • Na Idade Média, o gnosticismo manifestou-se na Ordem dos Templários, foi revivificada pela Rosa-cruz ,pelas mãos de Johannes Valentinus Andreae, mantiveram ligações com a Maçonaria, com a Teosofia e com o Martinismo. Algumas afirmações gnósticas
  • Somente o batismo não liberta mas sim, a gnosis, o conhecimento interior de quem somos, o que nos tornamos, onde estamos, para onde vamos.
  • Acredita na existência de um deus interno, centelha divina ou divina essência
  • Consideram que o estado do homem neste mundo é "anti-natural.
  • Acreditam que o universo manifestado principia com emanações do Absoluto em forma de seres finitos chamados de Æons que se reúnem no Pleroma(plano imaginário), um desses eons deu origem ao demonio que criou o mundo material.
  • Sabelianismo - é a crença estabelecida no Século III de que a Trindade não se configura em três pessoas, mas em modos, ou atributos de Deus.
  • Maniqueísmo - é uma filosofia religiosa sincrética que prega que a matéria é intrinsecamente má, e o espírito, intrinsecamente bom.Para os maniqueus, havia duas divindades supremas a presidir o universo: o princípio do Bem e o do Mal – a luz e as trevas. Como consequência moral, afirmavam ter o homem duas almas. Cada uma presidida por um desses dois princípios. Logo, o mal é metafísico e ontológico. A pessoa não é livre nem responsável pelo mal que faz. Este lhe é imposto.
  • Donatismo -Iniciou-se no início do século IV e foi extinta no final do século VII,e sustentavam que a Igreja não devia perdoar e admitir pecadores.
  • Arianismo - Por volta de 319 Ário começou a propagar que só existia um Deus verdadeiro, o "Pai Eterno", negava a existência da consubstancialidade entre Jesus e Deus, que os igualasse, fazendo do Cristo pré-existente uma criatura, embora a primeira e mais excelsa de todas, que encarnara em Jesus de Nazaré. Jesus então, seria subordinado a Deus, e não o próprio Deus. Séculos mais tarde, o nome "Arianos" foi usado na Polónia para referir uma seita Cristã Unitária, a irmandade polaca (Frater Polonorum). Eles inventaram teorias sociais radicais e foram precursores do Iluminismo. A doutrina espírita ou kardecista compreende em Jesus o ser humano mais iluminado, que serve de guia e modelo à humanidade.
  • Apolinarianismo - Apolinário de Laodicéia (310 - 390 d.C.), quem tentou criar um modo de explicar a natureza de Jesus, sua humanidade e divindade, segundo o qual Jesus Cristo teria um corpo humano, porém dotado de uma mente divina.
  • Monotelismo - afirmava haver em Jesus Cristo duas pessoas, a divina e a humana, o que foi condenado pelo Concílio de Éfeso, em 431.
  • Nestorianismo - nascida no século V, segundo a qual há em Jesus Cristo duas pessoas distintas, uma humana e outra divina, completas de tal forma que constituem dois entes independentes. A doutrina surgiu em Antioquia e manteve forte influência na Síria, e é sustentada ainda hoje pela Rosa cruz e outras doutrinas ligadas à gnose.
  • Pelagianismo - atribuída a Pelágio da Bretanha. Sustenta basicamente que todo homem é totalmente responsável pela sua própria salvação e portanto, não necessita da graça divina.
  • Monofisismo - o monge Eutiques no seculo V proclamava a união quase completa das duas naturezas em Cristo, praticamente negando o caráter humano do Filho e, portanto, vendo-o como uma só natureza, a divina.
  • Catarismo - final do século XI até meados do séculos XIV cujas ideias tem fortes paralelos com o gnosticismo
  • Socianismo - doutrina sociniana é antitrinitária e considera que em Deus há uma única pessoa e que Jesus de Nazaré é um homem,rejeição da doutrina do pecado original e celebração do batismo e da santa ceia como símbolos memorativos.
  • Jansenismo - nos séculos XVII e XVIII apresenta um nítido parentesco com as doutrinas protestantes, sobretudo as calvinistas, sobre a graça, a natureza humana e a predestinação.
  • Quietismo - doutrina espiritual do século XVII, fiel alcançaria a Deus através da oração contemplativa e da passividade da alma. Assim ficaria reduzida toda responsabilidade moral.
  • Pietismo - surgido no final do século XVII dentro do Luteranismo, influenciou o surgimento de movimentos religiosos independentes de inspiração protestante tais como o pentecostalismo, o neo-pentecostalismo e o carismatismo, todos de caráter Anabatista. O Pietismo combinava o Luteranismo do tempo da reforma (como o Calvinismo) e o Puritanismo, enfatizando a piedade do indivíduo e uma vigorosa vida cristã.
  • Puritanismo - desenvolvida na Inglaterra por uma comunidade de protestantes radicais depois da Reforma,no século XVI, de confissão calvinista, que rejeitava tanto a Igreja Romana como a Igreja Anglicana.
  • Americanismo - início do século XX,os princípios estavam estreitamente associados às correntes modernistas (o modernismo já foi condenado pela Igreja), nomeadamente ao subjetivismo, ao relativismo, ao indeferentismo religioso e à desobediência ao Magistério da Igreja Católica.
  • Hermetismo - é o estudo e prática da filosofia oculta e da magia associados a escritos atribuídos a Hermes Trismegisto, escritos herméticos são uma coleção de 18 obras gregas relacionados a astrologia, magia e Alquimia
  • Cabala - é uma filosofia esotérica que promover o dualismo,atribuem todos os males de uma força sobrenatural conhecido como o "outro lado" que emana de Deus.
  • Mormonismo -iniciado no século XIX nos Estados Unidos da América e liderado inicialmente por Joseph Smith Jr., que recebeu uma visão e criou a igreja.
  • Adventismo -iniciado no século XIX,surgiu após a interpretação bíblica de Guilherme Miller de que as profecias da Bíblia se cumpririam na década de 1840
  • Testemunhas de Jeová - cristã não-trinitária,a partir da década de 1870 do Século XIX, quando Charles Taze Russell e alguns amigos formaram um pequeno grupo de estudo não sectário da Bíblia,ligada a sociedade Watch Tower.
  • Pentecostalismo -movimento de renovação carismática de dentro do cristianismo, que coloca ênfase especial em uma experiência direta e pessoal de Deus através do Batismo no Espírito Santo, no Brasil é comum os pentecostais se auto-identificarem com termo evangélico.
  • Pentecostalismo clássico é o que começou em 1901 entre cristãos que se reuníam na rua Azusa em Los Angeles, EUA e simultaneamente em vários outros lugares na América do Norte.
  • Neo-Pentecostalismo é uma vertente do evangelicalismo que congrega denominações oriundas do pentecostalismo clássico ou mesmo das igrejas cristãs tradicionais (batistas, presbiterianos), se baseiam em uma doutrina conhecida como "confissão positiva", também chamada Teologia da Prosperidade. O Neo-Pentecostalismo é a corrente doutrinária que ensina que uma vida medíocre do cristão indica falta de fé, contrário ao exemplo da Vida de Cristo.
  • Para além do Gnosticismo


    Alguns autores fazem uma distinção entre “gnosis” e “gnosticismo”. A gnose seria uma experiência baseada não em conceitos e preceitos, mas na sensibilidade do coração e o gnosticismo, por outro lado, é uma visão de mundo baseada na experiência de Gnose, que tem por origem etimológica o termo grego gnosis, que significa “conhecimento”, mas não um conhecimento racional, científico, filosófico, teórico e empírico a “episteme” dos gregos, mas de caráter intuitivo e transcendental; sabedoria. Sendo usado para designar um conhecimento profundo e superior do mundo e do homem, que dá sentido à vida humana, que a torna plena de significado porque permite o encontro do homem com sua essência eterna, a centelha divina.

    O movimento originou-se provavelmente na Ásia Menor, difundindo-se da região do Irã à Gália, exercendo a sua maior influência sobre o cristianismo entre os anos de 135 e 200. Tem como base elementos das filosofias pagãs que floresciam na Babilônia, Antigo Egipto, Síria e Grécia Antiga, combinando elementos da astrologia e mistérios das religiões gregas como os do elêusis, do zoroastrismo, do hermetismo, do sufismo, do judaísmo e do cristianismo.

    Num texto hermético lê-se que a gnosis da Mente é a “visão das coisas divinas“. G.R.S.Mead acrescenta que “Gnosis não é conhecimento sobre alguma coisa, mas comunhão, conhecimento de Deus“. Este é o grande objetivo, conhecer “Deus”, a Reali­dade em nós. Não é a crença, a fé ou o simples conhecimento o que importa. O fundamental é a comunhão interior, o religar da Mente individual com a Mente universal, a capacidade do homem “transcender os limites da dualidade que faz dele homem e tornar-se uma consciência divina“.

    A posse da Gnosis significa a habilidade para receber e compreender a revelação e o verdadeiro Gnóstico seria aquele que conhece a revelação interior ou oculta desvelada e que também compreende a revelação exterior ou pública velada. Não é alguém que descobriu a verdade a seu respeito por meio de sua própria desamparada reflexão, mas alguém para quem as manifestações do mundo interior são mostradas e tornaram-se inteligíveis.

    “Gnosis sobre quem éramos e no que nos tornamos; onde estávamos e onde viemos parar; para onde nos dirigimos e onde somos redimidos; o que é a geração, e o que é a regeneração”. Extratos de Theodotus

    Doutrina Gnóstica

    O pré-requisito essencial da filosofia gnóstica é o postulado da existência de uma “entidade imortal”, que não é parte deste mundo, que pode ser chamado de Deus interno, Centelha divina, Crístico, divina essência etc, que existe em todos os homens e é a sua única parte imortal. Os gnósticos consideram que o estado do homem neste mundo é “anti-natural”, pois ele está submetido a todo tipo de sofrimentos. Para eles, é necessário que o homem se liberte deste sofrimento, e isto só pode ocorrer pelo conhecimento.

    Os gnósticos, de um modo geral, acreditavam que o Universo manifestado principia com emanações do Absoluto, seres finitos chamados de Æons que se reúnem no Pleroma. No princípio tudo era Uno com o Absoluto, então em um determinado momento, emanaram do Absoluto estes éons, formando o pleroma. O pleroma dos gnósticos é um plano arquetípico, abaixo do qual está o plano material, manifestado. Assim, o que antes era Uno, vivia no pleroma, se despedaça em partes, e este gera um estado de infelicidade, pela descida no pleroma (e separação do Todo Uno), é o que ocasiona o sofrimento do homem neste mundo.

    Um dos éons, Sophia deu à luz o Demiurgo (artesão em grego), que criou o mundo material “mau”, juntamente com todos os elementos orgânicos e inorgânicos que o constituem. Os gnósticos ensinavam que a salvação vem por meio de um desses éons, geralmente apresentado como o décimo terceiro éon, distinto dos doze éons que regem o mundo decaído. Segundo a doutrina, Cristo se esgueirou através dos poderes das trevas para transmitir o conhecimento secreto (gnosis) e libertar os espíritos da luz, cativos no mundo material terreno, para conduzi-los ao mundo espiritual mais elevado.


    Segundo algumas linhas gnósticas, Cristo não veio em carne e nunca assumiu um corpo físico, nem foi sujeito à fraqueza e às emoções humanas, embora parecesse ser um homem, enquanto a principal linha de gnosticismo cristão, a Valentiniana defende a tese próxima do nestorianismo doutrina cristã, nascida no Século V, segundo a qual há em Jesus Cristo duas pessoas distintas, uma humana e outra divina, sendo Cristos (o ungido) o éon celestial que a um tempo se une a Jesus.

    Alguns historiadores afirmam que o apóstolo João se refere a esse assunto quando enfatiza que “o Verbo se fez carne” (Jo l .14) e em sua primeira epístola que “todo o espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus…” (l Jo 4.3). Os escritos joaninos são do final do primeiro século, quando nasceu o gnosticismo. No entanto, muitas comunidades gnósticas tinham o Evangelho de João em alta conta.

    Dualismo e Monismo

    Normalmente, os sistemas gnósticos são vagamente descritos como sendo “dualistas” em natureza, o que significa que tem a visão do mundo constituído ou explicável como duas entidades fundamentais. Hans Jonas escreve: “A característica central do pensamento gnóstico é o radical dualismo que rege a relação de Deus e o mundo e, correspondentemente, do homem e o mundo. “ Dentro desta definição, que funcionam a gama do dualismo radical dos sistemas de maniqueísmo, do dualismo mitigado de alguns movimentos gnósticos; a evolução Valentiniana indiscutivelmente aborda uma forma de monismo, expresso em termos anteriormente utilizados de forma dualista.

    O dualismo radical – ou dualismo absoluto que postula duas forças divinas co-iguais. O Maniqueísmo concebe dois reinos anteriormente coexistente da luz e da escuridão que se envolveu em conflito, devido à caótica ações deste último. Posteriormente, alguns elementos da luz tornaram-se aprisionados dentro da escuridão, o propósito da criação material é para decretar o lento processo de extração destes elementos individuais, a fim de que o reino de luz prevalece sobre as trevas.

    Esta mitologia dualista do zoroastrismo , no qual o espírito eterno Ahura Mazda é a oposição de sua antítese, Angra Mainyu , os dois estão envolvidos em uma luta cósmica, a conclusão de que será ver Ahura Mazda triunfante. A criação no mito Mandeano, emanações progressivas do Supremo Ser de Luz, com cada emanação provocando uma corrupção progressiva que resulta no aparecimento eventual de Ptahil, o deus das trevas, que teve uma mão na criação de regras e passam a constituir o reino material.

    Além disso, o pensamento gnóstico geral, comumente incluíam a crença de que o mundo material corresponde a algum tipo de intoxicação provocada pelo mal os poderes das trevas para manter elementos da luz aprisionada dentro dele, ou, literalmente, para mantê-los no escuro “, ou ignorantes, em um estado de distração bêbado.

    Dualismo mitigado – quando um dos dois princípios é, de alguma forma inferiores aos outros. Tais movimentos gnósticos clássicos como o Sethiniano concebeu o mundo material como sendo criado por uma divindade menor do que o verdadeiro Deus, que era o objeto de sua devoção.

    O mundo espiritual é concebido como sendo radicalmente diferente do mundo material, co-extensivo com o Deus verdadeiro, é a verdadeira casa de alguns membros iluminados da humanidade, portanto, estes sistemas foram expressivos de um sentimento agudo de alienação do mundo, e seu objetivo era permitir um resultado da alma, para escapar das limitações apresentadas pelo reino físico.

    Nesses mitos, a malevolência do demiurgo é mitigada; sua criação de uma materialidade falha não é devido a qualquer falha moral da sua parte, mas devido a sua imperfeição em contraste com as entidades superiores de que ele desconhece.

    Para que o homem possa se libertar dos sofrimentos deste mundo, segundo os gnósticos, ele deve retornar ao Todo Uno, por ascensão ao pleroma, e isto só pode ser alcançado pelo Conhecimento Verdadeiro (representado pela Gnose). Este despertar só pode ocorrer se o homem se descobre, “conhecendo-se a si próprio”. Para o Gnosticismo existem três níveis de realização. No nível mais elevado estão aqueles que eram chamados eleitos, ainda que sem um sentido elitista de exclusão. Entre os gnósticos, eles eram conhecidos como pneumáticos, que significa espirituais.O grupo seguinte, os intermediários, são os psíquicos ou religiosos.

    E, finalmente, os homens comuns, os muitos, na linguagem de Jesus, eram chamados pelos gnósticos, de ílicos ou materiais, pois aqueles que só estão voltados para os prazeres da vida material imediata, sem nenhum interesse pelo objetivo último da vida. Os textos gnósticos também tratam estes níveis como descendentes de Seth, Abel e Caim.

    Assim, o ensinamento do Mestre Jesus, o Cristo – Aeon da Salvação, foi estruturado para atender as necessidades desses três grupos de pessoas. Para o povo em geral, para aqueles que estão voltados exclusivamente para a vida neste mundo, a ênfase eram os ensinamentos sobre a ética e a vida diária. Para os homens intermediários, que os gnósticos chamavam de religiosos, eram ensinamentos mais abrangentes sobre a vida e a prática espiritual, sendo esses ensinamentos encontrados nas escrituras cristãs.

    E é interessante lembrar que esse grupo intermediário, eram aqueles que nesta vida, em função de suas decisões, determinações e postura de vida poderiam cair no grupo dos muitos, os materialistas, ou então, elevarem-se e entrar no grupo dos eleitos, daqueles que poderiam vir a ser salvos ou libertos. E, finalmente, para o grupo dos assim chamados espirituais, os poucos, a tradição oferece ensinamentos sobre o caminho acelerado. O caminho acelerado, com suas naturais exigências de purificação e dedicação, só está aberto a poucos.

    Assim, os primeiros cristãos sabiam que dois tipos de pessoas se achegariam ao cristianismo, um tipo sem o toque pneumático, e, portanto, incapaz de aproximar-se da salvação pelo conhecimento e pela sabedoria dos Mistérios, mas possuindo apenas capacidade de assimilar pela fé o lado superficial da Lei; o outro tipo, tocado pelo dom pneumático, pela centelha-espírito, que possuiria plena capacidade de assimilar os conhecimentos e a sabedoria dos Mistérios divinos e descer ao nível profundo e espiritual da Lei, podendo gozar de completa iluminação e redenção.” Orígenes ” De Principiis”

    Grandes escolas gnósticas e seus textos

    As escolas do Gnosticismo podem ser definidas de acordo com um dos sistemas de classificação como membros de duas grandes categorias. São elas as escolas “Orientais/Persas” e as escolas “Siríacas/Egípcias”. As escolas da primeira categoria possuem tendências dualistas mais pronunciadas, refletindo a forte influência das crenças do Zorastrismo Zurvanista persa. Já as escolas síriaco-egípcias e os movimentos que elas deram origem têm tipicamente uma visão mais Monista.

    Notáveis exceções existem, incluindo movimentos relativamente modernos, que parecem ter incluído elementos de ambas as categorias, como os cátaros, os bogomilos e os carpocracianos.

    Gnosticismo persa

    As escolas persas, que apareceram na província da Babilônia e cujos escritos foram produzidos originalmente em dialetos aramaicos falados na região na época, representam o que se acredita serem as formas mais antigas do pensamento gnóstico.

    Estes movimentos são considerados pela maioria como religiões por si sós e não seitas emanadas do Cristianismo ou do Judaísmo.

    Mandeísmo é ainda praticado por pequenos grupos no sul do Iraque e na província iraniana do Khuzistão. O nome do grupo deriva do termo Mandā d-Heyyi, que significa “Conhecimento da Vida”.

    Embora a origem exacta deste movimento não seja conhecida, João Batista eventualmente se tornaria uma figura chave nesta religião, assim como ênfase no batismo se tornou parte do cerne de suas crenças. Assim como no Maniqueísmo, apesar de certos laços com o Cristianismo, os mandeanos não acreditam em Moisés, Jesus ou Maomé. Suas crenças e práticas também tem poucas sobreposições com as religiões fundadas por eles.

    Uma quantidade significativa das Escrituras originais Mandeanas sobreviveram até a era moderna. O texto principal é conhecido como Genzā Rabbā e tem trechos identificados pelos estudiosos como tendo sido copiados já no século II dC. Existe também o Qolastā, ou “Livro Canônico de Oração” e o sidra ḏ-iahia, o “Livro de João Batista”.

    Maniqueísmo, que representa toda uma tradição religiosa e que agora está quase extinto, foi fundado pelo profeta Mani (216-276 dC).

    Embora acredite-se que a maior parte das Escrituras dos maniqueístas tenha se perdido, a descoberta de uma série de documentos originais ajudou a lançar alguma luz sobre o assunto. Preservados agora em Colônia, Alemanha, o Codex Manichaicus Coloniensis contém principalmente informações biográficas sobre o profeta e alguns detalhes sobre seus ensinamentos.

    Como disse Mani, “O Deus verdadeiro não tem nada a ver com o mundo material e o cosmos”, e “É o Príncipe das Trevas que falou com Moisés, os judeus e seus sacerdotes. Portanto, cristãos, os judeus e os pagãos estão envolvidos no mesmo erro quando adora este Deus. Pois ele os leva para perdição através dos desejos que lhes ensinou”.

    Gnosticismo siríaco-egípcio

    A escola siríaca-egípcia deriva muito de sua forma geral das influências platônicas. Tipicamente, ela apresenta a criação numa série de emanações de um fonte primal monádica, finalmente resultando na criação do universo material.

    Como consequência, há uma tendência nestas escolas em ver o “mal” (ou a maldade) como a matéria, inferior à bondade, sem inspiração espiritual e sem bondade, ao invés de retratá-lo como uma força igual.

    Podemos dizer que estas escolas gnósticas utilizar os termos “bem” e “mal” como sendo termos “relativos”, pois se referem aos relativos apuros da existência humana, aprisionada entre estas realidades e confusa na sua orientação, com o “mal” indicando a distância extremada do princípio e fonte do “bem”, sem necessariamente enfatizar uma negatividade inerente.

    Como pode ser visto abaixo, muitos destes movimentos incluíram fontes relacionadas ao Cristianismo, com alguns inclusive se identificando como cristãos (ainda que de forma distintamente diferente das chamadas formas ortodoxas ou católica romana).

    Escrituras siríaco-egípcias

    A maioria da literatura nesta categoria nos é conhecida ou foi confirmada pela descoberta da Biblioteca de Nag Hammadi. Obras Setianas, assim chamadas em homenagem ao terceiro filho de Adão e Eva, Sete (ou Seth), que eles acreditavam possuir e ser o disseminador da gnosis. As obras tipicamente setianas são:

    • O Apócrifo de João
    • O Apocalipse de Adão
    • A Hipóstase dos Arcontes, também conhecido por “A Realidade dos Regentes”
    • Trovão, Mente Perfeita
    • Protenóia trimórfica
    • Livro Sagrado do Grande Espírito Invisível também conhecido por “Evangelho Copta dos Egípcios”
    • Zostrianos
    • Alógenes
    • As Três estelas de Sete
    • O Evangelho de Judas
    • Obras Tomistas, assim chamadas por causa da escola de Tomé Apóstolo. Todos são pseudepígrafos. Os textos geralmente atribuídos a ela são:
    • Hino da Pérola, também conhecido como “Hino de Tomé Apóstolo Dídimo no país dos Indianos”
    • Atos de Tomé
    • O Evangelho de Tomé
    • Livro de Tomé o Adversário

    Obras Valentianas são assim chamadas em referência ao Bispo e professor Valentim (ca. 153 dC). Ele desenvolveu uma complexa cosmologia fora da tradição setiana. Em certo ponto chegou a estar próximo de ser nomeado o Bispo de Roma, naquela que hoje é a Igreja Católica Romana. As obras geralmente atribuídas a eles estão listadas abaixo, sendo que os fragmentos que podem ser diretamente relacionadas a elas estão marcados com asterisco:

    • A Divina Palavra presente na Criança (Fragmento A) *
    • Sobre as Três Naturezas (Fragmento B) *
    • A Habilidade de falar de Adão (Fragmento C) *
    • Para Agathopous: O Sistema Digestivo de Jesus (Fragmento D) *
    • Aniquilação do Reino da Morte (Fragmento F) *
    • Sobre Amizade: A Fonte da Sabedoria Comum (Fragmento G) *
    • Epístola sobre Conexões Sentimentais (Fragmento H) *
    • Colheita de Verão *
    • Evangelho da Verdade *
    • A versão Ptolemaica do Mito Gnóstico
    • Prece do apóstolo Paulo
    • Epístola de Ptolomeu à Flora
    • Tratado sobre a Ressurreição, ou Epístola a Reginus.
    • Evangelho de Filipe

    Obras Basilidianas, assim chamadas por causa do fundador da escola, Basilides (132–? dC). Quase todas as obras são conhecidas por nós principalmente através da crítica de um de seus oponentes, Ireneu de Lyon, no seu livro Adversus Haereses. Outros trechos são conhecidos através das obras de Clemente de Alexandria, principalmente a Stromata:

    • O Octeto das Entidades Subsistentes (Fragmento A)
    • A The Singularidade do Mundo (Fragmento B)
    • Ser Eleito Naturalmente requer Fé e Virtude (Fragmento C)
    • O Estado da Virtude (Fragmento D)
    • Os Eleitos Trascendem o Mundo (Fragmento E)
    • Reincarnação (Fragmento F)
    • O Sofrimento Humano e a Bondade da Providência (Fragmento G)
    • Pecados Perdoáveis (Fragmento H)
    • Gnosticismo posterior e grupos influenciados pelo Gnosticismo

    A cruz circular, harmônica era um emblema utilizado pelos cátaros, uma seita medieval relacionada ao Gnosticismo.Simão Mago e Marcião de Sinope: ambos tinham tendências gnósticas, mas as ideias que eles apresentaram estavam ainda em formação; por isso, eles podem ser descritos como pseudo- ou proto-gnósticos.

    Ambos desenvolveram um considerável conjunto de seguidores. O pupilo de Simão Mago, Menandro de Antióquia também pode ser incluído neste grupo. Marcião é popularmente identificado como gnóstico, porém a maior parte dos estudiosos não entende assim.
    Cerinto (c. 100 dC), o fundador de uma escola herética com elementos gnósticos. Como gnóstico, Cerinto mostrou Cristo como um espírito celeste separado do homem Jesus e citou o Demiurgo como criador do mundo material.

    Porém, ao contrário dos gnósticos, Cerinto ensinava os cristãos a observar a lei judaica; seu demiurgo era sagrado e não inferior; e acreditava na Segunda vinda de Cristo. Sua gnosis era um ensinamento secreto atribuído a um apóstolo. Alguns estudiosos acreditam que a Primeira Epístola de João foi escrita em resposta a Cerinto.

    Os Ofitas, assim chamados por reverenciarem a serpente do Gênesis como um fonte de conhecimento.

    Os Cainitas, que como o nome implica, veneravam Caim, assim como Esaú, Korah e os sodomitas. Há pouca evidência sobre a natureza deste grupo; porém, é possível inferir que eles acreditavam que indulgência no pecado era a chave para a salvação, pois dado que o corpo é intrinsecamente mau, é preciso denegri-lo com atitudes imorais (veja libertinismo). O nome ‘cainita’ não é utilizado aqui no sentido bíblico de “descendentes de Caim” (que segundo a Bíblia foram exterminados no Dilúvio).

    Os Carpocracianos, uma seita libertina que acreditava unicamente no Evangelho dos Hebreus.

    Os Borboritas, uma seita libertina gnóstica, que acredita-se ser uma derivação dos Nicolaítas

    Os Paulicianos, um grupo adocionista, também acusado por fontes medievais como sendo gnóstica e quasi-maniqueísta. Eles floresceram entre 650 e 872 na Armênia e nas províncias (ou temas) orientais do Império Bizantino.

    Os Bogomilos, a síntese (no sentido do sincretismo) entre o Paulicianismo Armênio e o movimento reformista da Igreja Ortodoxa Búlgara, que emergiu durante o Primeiro império búlgaro entre 927 e 970, e se espalhou pela Europa.

    Os Cátaros (Cathari, Albigenses ou Albigensianos) são tipicamente vistos como imitadores do Gnosticismo. Se os cátaros possuíam ou não uma influência histórica direta do antigo Gnosticismo ainda é tema disputado, embora alguns acreditem que numa transferência de conhecimento dos bogomilos.

    Embora as concepções básicas da cosmologia gnóstica possam ser encontradas nas crenças cátaras (principalmente a noção de um deus criador inferior, satânico). Catarismo é a religião do Espírito (do Paracleto). Eles se separaram dos outros gnósticos deixando de lado os éons, os arcontes, os diagramas e os números cabalísticos.

    Conceitos e Termos Importantes

    Note que o texto a seguir é formado por resumos das várias interpretações gnósticas existentes. Os papéis de alguns seres mais familiares, como Jesus Cristo, Sophia e o Demiurgo geralmente compartilham os temais centrais entre os vários sistemas, mas pode haver algumas diferentes funções ou identidades atribuídos a eles em cada uma.

    Æon
    Em muitos sistemas gnósticos, os aeons são várias emanações de um deus superior, que também é conhecido por nomes como Mônada, Aion teleos (grego: “O Perfeito Aeon”), Bythos (grego: Βυθος – ‘profundidade’) e muitos outros.

    Deste ser inicial, também um Aeon, uma série de diferentes emanações ocorreram, começando em alguns textos gnósticos com o hermafrodita Barbelo de quem sucessivos pares de Aeons emanam, frequentemente em pares masculino-feminino chamados de sizígias; o número destes pares varia de texto para texto, embora alguns identifiquem seu número como sendo trinta.

    Os Aeons como uma “totalidade” constituem o Pleroma, a “região de luz”. As regiões mais baixas do Pleroma estão mais perto da escuridão, ou seja, do mundo material.

    Dois dos Aeons mais frequentemente emparelhados são Jesus e Sophia (em grego: sabedoria). Ela se refere a Jesus como seu ‘consorte’ em Exposição Valentiana. Sophia, emanando sem o seu parceiro resulta na criação do Demiurgo (em grego: “construtor público”) também chamado de Yaldabaoth (ou variações) em alguns textos.

    Esta criatura está escondida fora do Pleroma em isolamento, e acreditando-se sozinha, ela cria a matéria e uma horda de co-atores, referidos como Arcontes. O Demiurgo é reponsável pela criação da humanidade, pois assim ele pode aprisionar as fagulhas do Pleroma roubadas de Sophia em corpos humanos.

    Em resposta, o Mônada emana dois Aeons salvadores, ‘Cristo e o Espírito Santo; Cristo então se incorpora na forma de Jesus para poder ensinar aos homens como alcançar a gnosis, pela qual eles poderão retornar ao Pleroma.

    Arconte
    No final da antiguidade, algumas variantes do Gnosticismo utilizaram o termo “Arconte” para se referir aos diversos servos do Demiurgo. Neste contexto, eles podem ser entendidos como tendo o papel dos anjos e demônios do Antigo Testamento.

    De acordo com Contra Celso, de Orígenes, a seita dos Ofitas (veja acima Gnosticismo posterior e grupos influenciados pelo Gnosticismo) propuseram a existência de sete arcontes, começando com o próprio Yaldabaoth, que criou os próximos seis: Iao, Sabaoth, Adonaios, Elaios, Astaphaios e Horaios.

    Assim como o Chronos mitráico e o Narasimha védico (uma forma de Vishnu), Yaldabaoth tem a cabeça de um leão (embora tenha o corpo de uma serpente de acordo com o Apócrifo de João).

    Demiurgo

    Uma divindade com face de leão encontrada numa gema gnóstica em L’antiquité expliquée et représentée en figures de Bernard de Montfaucon pode ser uma representação do Demiurgo; porém, veja também Chronos.

    O termo Demiurgo deriva da forma latinizada do termo grego dēmiourgos (δημιουργός), significando literalmente “servidor público ou trabalhador habilidoso” e se refere à uma entidade responsável pela criação do universo e de todo o aspecto físico da humanidade.

    O termo dēmiourgos ocorre em diversas outras religiões e sistemas filosóficos, principalmente o Platonismo. Julgamentos morais sobre o demiurgo variam de grupo para grupo dentro da grande categoria do Gnosticismo – estes julgamentos geralmente correspondem ao julgamento de cada grupo sobre o status da materialidade como sendo intrinsecamente má, ou meramente falha e tão boa quanto a passiva matéria que a constitui permite.

    Como Platão faz, O Gnosticismo apresenta uma distinção entre uma realidade supranatural, incognoscível e a materialidade sensível, da qual o Demiurgo é o criador.

    Porém, em contraste com Platão, os diversos sistemas gnósticos apresentam o demiurgo como um antagonista do Deus Supremo: seu ato de criação, seja ele inconsciente e uma imitação fundamentalmente falha do modelo divino (veja o Mito da Caverna), ou formado com a intenção maligna de aprisionar aspectos do divino “na” materialidade.

    Portanto, nestes sistemas, o Demiurgo age como uma solução para o problema do mal. No Apócrifo de João, o Demiurgo – ali chamado de Yaldabaoth – se proclama como Deus:

    Agora o arconte que é fraco tem três nomes. O primeiro nome é Yaldabaoth, o segundo é Saclas e o terceiro é Samael. E ele é ímpio em sua arrogância, que está nele. Pois ele disse: ‘Eu sou Deus e não há outro Deus além de mim’, pois ele é ignorante de sua força, do lugar de onde veio.

    — Apócrifo de João

    “Samael”, na tradição judaico-cristã, se refere ao anjo mau da morte e corresponde ao demônio cristão de mesmo nome, atrás apenas de Satã. Literalmente, pode significar “deus-cego” ou “deus dos cegos” em aramaico ; o outro título, Saclas, aramaico para “tolo”.

    No mito de Sophia, sua mãe, Sophia, também um aspecto parcial do Pleroma (ou “Totalidade”), desejava emanar de si algo sem a autoridade do Espírito Supremo. Neste ato abortivo e imperfeito, ela deu à luz ao monstruoso Demiurgo. Envergonhada com seu ato, ela o envolveu numa nuvem com um trono no meio para que os demais Aeons não percebessem.

    O Demiurgo então, isolado, sem ver sua mãe e ninguém mais, concluiu que era o único que existia e, ignorante, criou o mundo material, a humanidade e uma hierarquia de “poderes” (Arcontes) para governá-lo.

    Os mitos gnósticos descrevendo estes eventos são cheios de nuances intrincadas retratando a declinação de aspectos do divino até a forma humana; este processo acontece através do trabalho do Demiurgo que, tendo roubado um pouco do poder de sua mãe, passa a trabalhar na criação de uma imitação inconsciente do reino superior do Pleroma (como sombras das imagens).

    Assim, o poder de Sophia (as “fagulhas” ou “sopro” divino)fica aprisionado dentro das formas materiais da humanidade, também presa dentro do mundo material: o objetivo de todos os movimentos gnósticos era tipicamente acordar esta fagulha, o que permitiria o retorno do indivíduo à realidade superior, não material onde estava a fonte primal.

    Alguns filósofos gnósticos identificam o Demiurgo com Yahweh, o Deus do Antigo Testamento, em oposição e contraste ao Deus do Novo Testamento. Ainda outros o igualam com Satã. Os cátaros aparentemente herdaram sua idéia de Satã como o criador do mundo maligno diretamente ou indiretamente do Gnosticismo.

    Gnosis (ou Gnose)

    Gnosis vem da palavra grega para “conhecimento”, gnosis (γνῶσις). Porém, gnosis em si se refere a uma forma muito especial de conhecimento, derivada tanto do significado exato do termo grego quanto seu uso na filosofia de Platão.

    O grego antigo era capaz de discernir entre diversas formas diferentes de “conhecer”.

    Essas formas podem ser descritas em língua portuguesa como sendo conhecimento proposicional, indicativo de um conhecimento adquirido “indiretamente” através de reportes de outros ou por inferência (como em “Eu sei que Lisboa está em Portugal”), e o conhecimento conhecimento empírico, adquirido através de “participação direta” (como em “Eu sei que Lisboa está em Portugal pois estive lá”).

    Gnosis (γνῶσις) se refere ao conhecimento do segundo tipo. Portanto, em um contexto religioso, ser ‘gnóstico’ deve ser entendido como confiar não em conhecimento no sentido geral, mas como sendo especialmente receptivo às experiências místicas ou esotéricas de participação direta com o divino.

    De facto, na maior parte dos sistemas gnósticos, a causa suficiente para salvação é este “conhecimento do” (‘ser familiar com’) divino. Isto é geralmente identificado com o processo de conhecimento interno ou de auto-exploração, comparável com o que foi encorajado por Plotino.

    Porém, como se pode ver, o termo ‘gnóstico’ tem um uso precendente em diversas tradições filosóficas que precisa também ser levado em consideração para que seja possível entender as implicações sutis que este epíteto tem para diversos grupos religiosos antigos.

    Mônada

    Em muitos sistemas gnósticos (e heresiológicos), o Ser Supremo é conhecido como Mônade, o Uno, o Absoluto Aiōn teleos (O Perfeito Aeon, αἰών τέλεος), Bythos (Profundidade, Βυθός), Proarchē (Antes do Início, προαρχή, Hē Archē (O Início, ἡ ἀρχή) e Pai inefável. O Uno é a fonte primal do Pleroma, a região de luz. As várias emanações do Uno são chamados “Aeons”.

    A cosmogonia setiana como está no famoso Apócrifo de João (ou Livro Secreto de João) descreve um deus desconhecido, muito similar à Teologia negativa ortodoxa, embora muito diferente dos ensinamentos do credo ortodoxo de que existe um deus assim que também seja o criador do céu e da terra.

    Teólogos ortodoxos, quando descrevendo a natureza do deus criador associado aos textos bíblicos, muitas vezes tentam defini-lo através de uma série de afirmações explícitas e positivas (cataphrasis), por si sós universais, e que associadas ao divino se tornam superlativas: ele é onisciente, onipotente e verdadeiramente benevolente.

    Já na concepção setiana do deus trascendente e escondido descrita no texto, ele é definido, por contraste, através da teologia negativa (apophasis): ele é imóvel, invisível, intangível e inefável. Geralmente, ‘ele’ é visto como uma sendo hermafrodita, um símbolo potente para um ser, pois ele é o que ‘tudo contém’.

    Uma abordagem apofásica na discussão da Divindade pode ser encontrada por todo o Gnosticismo, nos Vedas, nas teologias de Platão e Aristóteles e em algumas fontes judaicas.

    Pleroma

    Pleroma (em grego: πληρωμα geralmente se refere à totalidade dos poderes de deus. O termino significa “plenitude” e é usado em vários contextos teológicos cristãos: tanto gnósticos em geral, como também no cristianismo (como em «Pois nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade» (Colossenses 2:9).

    O Pleroma celeste é o centro da vida divina, uma região de luz “acima” (o termo não deve ser entendido espacialmente) do nosso mundo, ocupado por seres espirituais como os Aeons e, às vezes, por arcontes.

    Jesus é interpretado como sendo um aeon intermediário que foi enviado do Pleroma e cuja ajuda seria fundamental para que a humanidade recupere o conhecimento perdido (ou esquecido) das suas origens divinas. O termo é, portanto, central na cosmologia gnóstica.

    Pleroma também é utilizado na língua grega comum e é utilizado pela Igreja Ortodoxa Grega na sua forma geral pois a palavra aparece em Colossenses. Proponentes da visão que Paulo seria na verdade gnóstico, como Elaine Pagels da Universidade de Princeton, enxergam a referência em Colossenses como algo a ser interpretado no sentido gnóstico.

    Sophia

    Sophia (em grego: Σοφία) é aquilo que detém o “sábio” (em grego: σοφός; “sofós”). Na tradição gnóstica, Sophia é uma figura feminina, análoga à alma humana e simultaneamente um dos aspectos femininos de Deus. Os gnósticos afirmam que ela é a sizígia de Jesus (veja a Noiva de Cristo) e o Espírito Santo da Trindade.

    Ocasionalmente é referenciada pelo equivalente hebreu Achamōth (em grego: Ἀχαμώθ) e como Prouneikos (em grego: Προύνικος, “A Libidinosa”). Nos textos da Biblioteca de Nag Hammadi, Sophia é o mais baixo dos Aeons ou a expressão antrópica da emanação da luz de Deus.

    Cristãos Gnósticos

    Nos séculos I e II o gnosticismo produziu manifestações dentro da cristandade, sobretudo no Egito, onde se destacaram líderes como Carpócrates, Basílides, Isidoro e Valentim, este último fundador de uma importante escola em Roma.

    Os Cristãos Gnósticos constituíram, nos primeiros anos dessa nossa era, uma comunidade fechada, iniciática, que guardou os aspectos esotéricos dos evangelhos, principalmente das parábolas do Mestre Jesus, o Cristo, apresentando um cristianismo muito mais profundo e filosófico do que daqueles cristãos que ficaram conhecidos como a ortodoxia.

    Dentre os grupos mais activos nos dois primeiros séculos de nossa era destacam-se os naasenos (palavra em aramaico com o mesmo significado de ofitas, de origem grega), perates, sethianos (de orientação judaica) docéticos (que propunham que a natureza exterior do Cristo era ilusória), carpocráticos, basilidianos e valentinianos.

    Com o passar do tempo, os herdeiros da tradição gnóstica e maniqueísta foram mudando de nome, podemos indicar o aparecimento dos seguintes grupos: entre os séculos III e IX: Euchites, Magistri Comacini, Artífices Dionisianos, Nestorianos e Eutychianos; no século X: Paulicianos e Bogomilos; no século XI: Cátharos, Patarini, Cavaleiros de Rodes, Cavaleiros de Malta, Místicos Escolásticos; no século XII: Albigenses, Cavaleiros Templários, Hermetistas; no século XIII: a Fraternidade dos Winklers, os Beghards e Beguinen, os Irmãos do Livre Espírito, os Lollards e os Trovadores; no século XIV: os Hesychastas, os Amigos de Deus, os Rosa-cruzes e os Fraticelli; no século XV: os Fraters Lucis, a Academia Platônica, a Sociedade Alquímica, a Sociedade da Trolha e os Irmãos da Boêmia (Unitas Fratrum); no século XVI: a Ordem de Cristo (derivada dos Templários), os Filósofos do Fogo, a Militia Crucífera Evangélica e os Ministérios dos Mestres Herméticos; no século XVII: os Irmãos Asiáticos (Irmãos Iniciados de São João Evangelista da Ásia), a Academia di Secreti e os Quietistas; no século XVIII: os Martinistas; no século XIX: a Sociedade Teosófica.

    Os Paulicianos formavam um grupo gnóstico ativo no Império Romano. Se declaravam contra todas hierarquias que exerciam seu poder para combater a iluminação interior. Até o século XI, os paulicianos foram mortos pela igreja romana, assim como o Maniqueísmo antes deles.

    Mas o gnosticismo sobreviveu, sua luz e força continuaram a irradiar com os bogomilos…A herança Gnóstica dos séculos XII e XIII, foram transmitidas aos Cátaros, que também foram perseguidos e mortos pela igreja romana. Na Idade Média, o gnosticismo manifestou-se na Ordem dos Templários, foi revivificada pela Rosa-cruz ,pelas mãos de Johannes Valentinus Andreae, mantiveram ligações com a Maçonaria,com a Teosofia e com o Martinismo.

    Todos testemunhando o Cristianismo Interior, descrevendo o caminho de retorno a Deus, que foi aberto pelo seu filho, Mestre Jesus, o Cristo.

    Fontes

    Pouco material chegou até os dias de hoje, a maioria dos personagens e suas doutrinas só puderam ser conhecidos por meio dos críticos do gnosticismo. A maior polêmica contra os gnósticos apareceu no período patrístico, com os escritos apologéticos de Irineu(130-200), Tertuliano (160-225) e Hipólito (170-236).

    Por isso a descoberta da Biblioteca de Nag Hammadi,em 1945, foi de suma importância, visto que seu conteúdo é eminentemente gnóstico. O achado impulsionou as pesquisas sobre o assunto na segunda metade do século XX.

    Estes manuscritos totalizavam cinquenta e dois textos, em treze códices de papiro, escritos em copta. Entre as obras aí guardadas encontravam-se diversos tratados gnósticos, três obras pertencentes ao Corpus Hermeticum e uma tradução parcial da República de Platão. Parte deles conhecidos também como Evangelhos gnósticos

    Os Manuscritos Pistis Sophia,”Piste Sophiea Cotice” ou “Códice Askew”, atribuidos a Valentim foi adquirido do médico e colecionador de manuscritos antigos Dr. Askew pelo Museu Britânico em 1795 , datam de 250–300 AD, relatam os ensinamentos Gnósticos do Mestre Jesus, o Cristo transfigurado aos apóstolos.

    Até a descoberta da biblioteca de Nag Hammadi em 1945, o Códice Askew era um dos três códices que continha quase todos os escritos gnósticos que tinham sobrevivido, sendo os dois outros códices o Códice Bruce e o Códice de Berlim.

    Mais recentemente um outro documento gnóstico foi encontrado, gerando diferentes especulações sobre o verdadeiro relacionamento de Jesus Cristo com o seu discípulo Judas, este documento é o Evangelho de Judas que estava desaparecido por mais de 1700 anos, tendo sido encontrado finalmente no Egito.

    Elaine Pagels professora de religião na Universidade de Princeton e Ph.D. da Universidade de Harvard.Em Harvard ela fez parte de um grupo que estudou os rolos de Nag Hammadi, dessa experiência resultou a base para o seu primeiro livro Os Evangelhos Gnósticos,

    Esse livro é uma introdução aos textos de Nag Hammadi para o público leigo e é, desde o seu lançamento, um best-seller. Nos EUA, ganhou os prêmios National Book Critics Circle Award e National Book Award e foi escolhido pela Modern Library como um dos 100 melhores livros do século XX.

    George Robert Stowe Mead (1863 – 1933).Com formação em línguas e filosofia por Oxford, estudioso altamente intuitivo e perspicaz, deve ser considerado como um pioneiro de primeira ordem no domínio dos escritos gnósticos e estudos herméticos, foi autor, editor, tradutor e um influente membro da Sociedade Theosophica.

    Seu maior mérito teria sido a sua capacidade de discernir o significado interior e espiritual dos dos escritos, capacidade esta reconhecida por C.G.Jung que fez uma viagem especial a Londres no último período de vida de Mead, para lhe agradecer por seu trabalho brilhante e pioneiro de traduzir e comentar as escrituras gnósticas.

    Bentley Layton(1941) é Professor de Estudos Religiosos e Professor do Oriente Próximo Línguas e Civilizações (copta) na Universidade de Yale (desde 1983).Autoridade reconhecida internacionalmente, em literatura gnóstica. Membro do projeto da UNESCO, CAIRO, que publicou a Biblioteca de Nag Hammadi.

    Formado em Harvard, “Redescoberta tardia do gnosticismo”, foi o título da conferência internacional que ele apresentou na Universidade de Yale em 1980. Seus interesses encontram-se na história do cristianismo desde suas origens até o surgimento do Islã, os estudos gnósticos e copta . Seu livro mais acessível é “As Escrituras Gnósticas”, que apresenta parte da literatura gnóstica enigmáticos do cristianismo.

    Ele apresenta sua seleção de escrituras gnósticas, os escritos de Valentino e seus seguidores, e os escritos relacionados que exibem tendências gnósticas no contexto mais amplo de cristianismo primitivo e do judaísmo helenístico, com introduções generosas e anotações abundantes.

    Para os especialistas, a gramática copta de Layton é um texto padrão. Ele catalogou todos os manuscritos coptas na Biblioteca Britânica. Ele é membro do conselho da Harvard Theological Review eo Journal of Studies copta.

    James M. Robinson (nascido em 1924) é professor Emérito de religião, na Universidade de Claremont, Califórnia. É o mais proeminente erudito do século 20, da biblioteca de Nag Hammadi.

    Stephan A. Hoeller (1931 – ) Ph.D. em filosofia da religião da Universidade de Innsbruck em Áustria, escritor, erudito e líder religioso.

    Dr. Marvin Meyer (Ph.D., Claremont Graduate University, M. Div. Calvin Theological Seminary) é professor de Bíblia e Estudos Cristãos e co-presidente do Departamento de Estudos Religiosos, Chapman University. Ele também é diretor do o Albert Schweitzer Chapman University Institute.

    Ele é diretor do Projeto dos Textos Mágicos Coptas do Instituto de Antiguidade e Cristianismo, Claremont Graduate University, membro do Seminário Jesus, e um ex-presidente da Society of Biblical Literature (Pacific Coast). Dr. Meyer é o autor de numerosos livros e artigos sobre a civilização greco-romana e religião cristã na antiguidade e da antiguidade tardia, e no Albert Schweitzer é ética de reverência pela vida.

    Kurt Rudolph (03 de Abril de 1929) Pesquisador do gnosticismo e Mandeismo.Nascido em Dresden Rudolph estudou teologia protestante, religião , história semitas nas universidades de Greifswald e de Leipzig.

    Posteriormente, durante seis anos, ele foi assistente de pesquisa , enquanto ele trabalhava em paralelo para o doutorado em teologia e, assim como a história religiosa. Em 1961 ele recebeu sua habilitação em história da religião e religião comparada.

    Durante seu trabalho na Universidade de Leipzig , Chicago e Marburg e Santa Barbara(University of California), ele adquiriu uma reputação internacional como um conhecedor do gnosticismo e maniqueísmo.Além disso, ele também ocupou-se com o Islão e questões metodológicas em estudos religiosos.

    Jakob Böhme ou Jacob Boehme, (Alt Seidenberg, 1575 — Görlitz, 17 de Novembro de 1624) foi filósofo e místico cristão alemão,as obras que escreveu são o maior monumento de conhecimentos teogônicos (concernentes ao surgimento dos primeiros princípios em Deus) e cosmogônicos (concernentes à criação do Universo e das criaturas) da história do cristianismo.

    Platão Πλάτων, Plátōn. (Atenas, 428/427– Atenas, 348/347 a.C.) foi um filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Juntamente com seu mentor, Sócrates, e seu pupilo, Aristóteles, Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e da filosofia ocidental.

    Plotino(ca. 205 – 270) O pai do neoplatonismo, natural de Licopólis, Egito, foi discípulo de Amônio Sacas e mestre de Porfírio. A influência de Plotino e dos neoplatônicos sobre o pensamento cristão, islâmico e judaico, bem como sobre os pensadores de proa do Renascimento, foi enorme.

    Foram direta ou indiretamente influenciados por ele, Dionísio Pseudo-Areopagita, Alberto Magno, Dante Alighieri, Mestre Eckhart, João da Cruz, Marsílio Ficino, Pico de la Mirandola, Giordano Bruno, Avicena, Ibn Gabirol, Espinosa, Leibniz.

    Hermes Trismegistus; em grego Ερμης ο Τρισμεγιστος, “Hermes, o três vezes grande” é o nome dado pelos neoplatônicos, místicos e alquimistas ao deus egípcio Thoth, identificado com o deus grego Hermes. Ambos eram os deuses da escrita e da magia nas respectivas culturas.

    Hermes era o autor de um conjunto de textos sagrados, “herméticos”, contendo ensinamentos sobre artes, ciências e religião e filosofia: O Corpus Hermeticum , datado entre o século I ao século III, representou a fonte de inspiração do pensamento hermético e neoplatônico renascentista.

    Na época acreditava-se que o texto remontasse à antiguidade egípcia, anterior a Moisés e que nele estivesse contido também o prenúncio do cristianismo. Autor também do Livro dos Mortos, e do mais famoso texto alquímico a “Tábua de Esmeralda”.

    Huberto Rohden, São Ludgero, 31 de Dezembro de 1893 foi um filósofo, educador e teólogo catarinense, radicado em São Paulo. escreveu mais de 100 obras (ao final da vida, condensadas em 65 livros), onde franqueou leitura ecumênica de temáticas espirituais e abordagem espiritualista de questões pertinentes à Pedagogia, Ciência e Filosofia, enfatizando o autoconhecimento, auto-educação e a auto-realização.Lecionou na Universidade de Princeton, American University, de Washington D.C.(EUA)

    Raul Branco Autor, tradutor é membro da Sociedade Teosófica, economista, mora em Brasília e dedica-se ao estudo da tradição cristã e do gnosticismo. Tradutor para o português de Pistis Sophia – G.R.S. Mead.

    Carl Gustav Jung, nasceu a 26 de Julho de 1875, em Kresswil, Basiléia, na Suíça, no seio de uma família voltada para a religião. Seu pai e vários outros parentes eram pastores luteranos, o que explica, em parte, desde a mais tenra idade, o interesse do jovem Carl por filosofia e questões espirituais e o pelo papel da religião no processo de maturação psíquica das pessoas, povos e civilizações.

    Criança bastante sensível e introspectiva, desde cedo demonstrou uma inteligência e uma capacidade intelectual notável. Gnóstico assumido, ficou célebre a resposta que Jung deu, em 1959, a um entrevistador da BBC que lhe perguntou: “O senhor acredita em Deus?” A resposta foi: “Não tenho necessidade de crer em Deus.

    Eu o conheço” Escreveu o livro Os Sete Sermões aos Mortos, foi amigo, admirador e colaborador de G.R.S.Mead, tradutor dos Manuscritos da Nag Hammadi, particularmente do Códice Jung, trabalho patrocinado pela Fundação Jung.

    Fernando Pessoa, 13 de Junho de 1888 nascia em Lisboa, gnóstico possuía ligações com a Tradição, com destaque para a Maçonaria e a Rosa-Cruz, havendo inclusive defendido publicamente as organizações iniciáticas, no Diário de Lisboa de 4 de Fevereiro de 1935, contra ataques por parte da ditadura do Estado Novo. O seu poema hermético mais conhecido e apreciado entre os estudantes de esoterismo intitula-se “No Túmulo de Christian Rosenkreutz”. Deixou escrito o Livro Rosa Cruz.

    Paralelos com religiões orientais

    O gnosticismo tem alguns elementos em comum com o sufismo, o budismo, o helenismo, o hermetismo, o zoroastrismo e o hinduísmo.

    Gnosticismo e psicologia

    No século XX, Carl Gustav Jung pesquisou profundamente as doutrinas gnósticas, inclusive ajudando no trabalho de organização da Biblioteca de Nag Hammadi, e fez uma ligação entre os mitos gnósticos e os arquétipos do inconsciente coletivo.

    Escreveu o livro “Sete sermões aos mortos”, sob o pseudônimo de Basilides de Alexandria, onde coloca a sua visão gnóstica em sete textos no formato dos evangelhos.