quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

"Babilônia, a Grande Mãe das religiões idólatras e abomináveis da terra".

Os pregadores batistas reunidos em 09 de abril de 1877, na Capela dos Marinheiros, em Olver Street. Muitos missionários estrangeiros estavam presentes. O Rev. John W. Sarles, do Brooklin, leu um discurso, em que defendia a proposição de que todo gentio adulto que morrer sem o conhecimento do Evangelho está condenado para toda a eternidade. De outra maneira, argumentou o reverendo ensaísta, o Evangelho é uma maldição, em vez de uma bênção, os judeus que crucificaram Cristo obraram com justiça e toda a estrutura da religião revelada cai por terra.

"O Irmão Stoddart, um missionário da Índia, endossou as opiniões do pastor do Brooklin, dizendo que os hindus era grandes pecadores. Certa vez, depois de ter ele pregado num mercado público, um brâmane se acercou dele e lhe disse: `Nós, os hindus, podemos avantajar-nos o mundo em mentiras, mas este homem nos vence. Como pode ele dizer que Deus nos ama? Olhai para as serpentes venenosas, os tigres, os leões e todas as espécies de animais perigosos que nos rodeiam. Se Deus nos ama, por que Ele não os afugenta?'

"O Reve. Sr. Pixley, de Hamilton, N. Y., aderiu entusiasticamente à doutrina do ensaio do Irmão Sarles e solicitou 5.000 dólares para o ensino de jovens aspirantes ao sacerdócio."

E esses homens - não diremos que ensinam a doutrina de Jesus, pois isso seria insultar a sua memória, mas - são pagos para ensinar a sua doutrina! Podemos nos espantar com o fato de que pessoas inteligentes prefiram a aniquilação a um fé fundamentada numa doutrina tão monstruosa? Duvidamos que qualquer brâmane respeitável confessasse o vício da mentira - uma arte cultivada apenas naquelas regiões da Índia britânica onde se encontram os cristãos. Mas desafiamos qualquer homem honesto desse imenso mundo a dizer se ele acha que o brâmane estava longe da verdade ao afirmar, em relação ao missionário Stoddart, que "este homem nos vence" em mentiras. Que mais poderia ele dizer, se este pregava a eles a doutrina da condenação eterna, porque, na verdade, haviam passado suas vidas sem ler um livro judaico, de que nunca haviam ouvido falar, ou sem procurar a salvação num Cristo de cuja existência eles nunca haviam suspeitado! Mas o clero batista, que precisa de alguns milhares de dólares, há de recorrer a representações terroríficas para acender o coração de sua congregação.

A MORAL DO CRISTIANISMO MODERNO.

O novo credo, portanto, tão como possa parecer, incorpora a essência mesma da crença da Igreja, tal como inculcada por seus missionários. Consideram-se menos ímpio, menos infiel, duvidar da existência pessoal do Espírito Santo, ou da Divindade de Jesus, do que questionar a personalidade do Diabo. Mas, está quase esquecido um resumo do Koheleth.* Quem cita as palavras de ouro do profeta Miquéias, ou parece preocupar-se com a exposição da Lei, tal como foi ouvida do próprio Jesus? Toda a moral do Cristianismo moderno se resume no mandamento de "temer o Diabo". (* Eclesiástico, XII, 13: ver Lang, Commentary on the Olt Testament, ed. por Tayler Lewis, Edimburgo, 1870, p. 199:

“A grande conclusão ouvi: Temei a Deus
E seus mandamentos guardai,
Pois tudo isto é do homem.”

O clero católico e alguns dos paladinos da Igreja romana brigam ainda mais pela existência de Satã e de seus diabretes. Se des Mousseaux afirma a realidade objetiva dos fenômenos espiritistas com um ardor tão inflexível é porque, em sua opinião, esses fenômenos são a prova mais evidente do Diabo em função. Ele é mais católico do que o Papa, e sua lógica e suas deduções de premissas infundadas e não estabelecidas são singulares e provam um vez mais que o credo oferecido por nós expressa com grande eloqüência a crença católica.

"Se a Magia", diz ele, "fosse apenas uma quimera, teríamos que dar uma adeus eterno a todos os anjos rebeldes, que agora perturbam o mundo; pois, assim, não haveria demônios aqui. E, se perdemos nossos demônios, PERDEREMOS também O NOSSO SALVADOR. Pois de que nos redimiria o Redentor? Por conseguinte, não existiria o Cristianismo!"

O Diabo é o gênio protetor do Cristianismo teológico. Tão "santo e reverenciado é seu nome" na concepção moderna, que ele não pode, exceto ocasionalmente no púlpito, ser pronunciado para não ferir os ouvidos dos fieis. Da mesma maneira, antigamente, não era lícito pronunciar os nomes sagrados ou repetir o jargão dos mistérios, exceto no claustro sagrado. Mas conhecemos os nomes dos deuses samotrácios e não podemos precisar o número dos Kabiri. Os egípcios consideravam blasfemo pronunciar o epíteto dos deuses de seus ritos secretos. E mesmo agora, o brâmane só pronuncia a sílaba Om em pensamento silencioso, como os rabinos, o Inefável Nome. Por essa razão, nós que não exercemos tal veneração, fomos levados à cincada da adulteração dos nomes de HISIR e YAVA, nos abusivos Osíris e Jeová. Uma fascinação similar promete muito mais, como se pode perceber, para reunir as designações da personagem obscura de que tratamos; e, no uso familiar, é bastante provável que choquemos as sensibilidades peculiares de muitas pessoas que consideram uma blasfêmia a simples menção dos nomes de Diabo - o pecado dos pecados, que "nunca terá perdão" (Marcos, III, 29: "Aquele que blasfemar contra o Espírito Santo nunca jamais terá perdão, mas estará em perigo de condenação eterna" )

Faz alguns anos um amigo nosso escreveu um artigo de jornal para demonstrar que o diabolos ou Satã do Novo Testamento denota a personificação de uma idéia abstrata e não um ser pessoal. Foi contestado por um clérigo, que concluiu sua réplica com uma expressão deprecatória: "Temo que ele tenha negado seu Salvador". Na sua tréplica, nosso amigo afirmou: "Oh, não! só negamos o Diabo". Mas o clérigo não conseguiu perceber a diferença. Em sua concepção do assunto, a negação da existência objetiva pessoal do Diabo era "o pecado contra o Espírito Santo.

É tarde para esperar que o clero cristão refaça e emende sua obra. Há muita coisa em jogo. Se a Igreja cristã abandonasse ou mesmo modificasse o dogma de um diabo antropomórfico, isso equivaleria a empurrar a carta da base de um castelo de cartas. Toda a estrutura ruiria. Os clérigos a que aludimos percebem que, após a abdicação de Satã como um diabo pessoal, o dogma de Jesus Cristo como a segunda divindade de sua Trindade sofreria a mesma catástrofe. Por incrível, ou mesmo horrendo, que pareça, a Igreja romana baseia sua doutrina da divindade de Cristo inteiramente no satanismo do arcanjo caído. Temos o testemunho do Padre Ventura, que proclama a importância vital desse dogma dos católicos.

Muitas almas zelosas e ardorosas revoltaram-se contra o monstruoso dogma de João Calvino, o papinha de Genebra, para quem o pecado é a causa necessária do maior bem. Essa afirmação foi apoiada, no entanto, por uma lógica como a de des Mousseaux e ilustrada pelos mesmos dogmas. A execução de Jesus, o homem-deus, na cruz, foi o crime mais horrendo do universo e foi necessário para que a Humanidade - esses seres predestinados à vida eterna - pudesse ser salva. D'Aubigné cita o que Martinho Lutero extraiu do cânone e o faz exclamar, em enlevo extático: "O beata culpa, qui talem meruisti redemptorem!" "Ó pecado abençoado, que mereceste esse Redentor". Percebemos agora que o dogma que parecia tão monstruoso é, afinal, a doutrina do Papa, de Calvino e de Lutero - os três são apenas um.

Maomé e seus discípulos, que tinham Jesus em grande respeito com um profeta, observa Éliphas Lévi, costumavam pronunciar, quando falavam dos cristãos, as seguintes palavras: "Jesus de Nazaré era verdadeiramente um profeta de Alá e um grande homem -, mas eis que todos os seus discípulos um dia enlouqueceram e fizeram dele um deus".

Max Müller acrescentou benevolentemente: "Foi um erro dos padres antigos tratar os deuses gentios como demônios do mal e devemos ter cuidado de não cometer o mesmo erro em relação aos deuses hindus".

Mas Satã nos é apresentado como o arrimo e o esteio do sacerdotalismo - um Atlas, que sustenta em seus ombros o céu e o cosmo cristão. Se ele cair, então, em sua concepção, tudo estará perdido e voltará ao caos.

O DOGMA DO DIABO E DA REDENÇÃO.

Esse dogma do Diabo e da redenção parece ter sido baseado em duas passagens do Novo Testamento: "Para destruir as obras do Diabo é que o Filho de Deus veio ao mundo". "E então houve no céu uma guerra; Miguel e os seus anjos pelejavam contra o Dragão e o Dragão com os seus anjos pelejavam e não prevaleceram; nem o seu lugar se achou mais no céu. E foi banido o grande Dragão, aquela velha serpente, chamada Diabo e Satã, que seduz a todo o mundo". Que nos seja permitido, então, explorar as teogonias antigas, a fim de verificar o que significavam essas expressões notáveis.
A primeira indagação refere-se ao fato de saber se o termo Diabo, tal como usado aqui, representa atualmente a maligna Divindade dos cristãos, ou uma força antagônica, cega - o lado escuro da Natureza. Com esta última expressão não queremos dizer que a manifestação de qualquer princípio do mal é malum in se, mas apenas a sombra da Luz, por assim dizer. As teorias dos cabalistas tratam dela como uma força que é antagônica, mas ao mesmo tempo essencial para a vitalidade, a evolução e o vigor do princípio do bem. As plantas poderiam perecer em seu primeiro estágio de existência se fossem exposta a um luz solar constante; a noite que alterna com o dia é essencial ao seu crescimento saudável e ao seu desenvolvimento. O bem, da mesma maneira, deixaria rapidamente de sê-lo se não alternasse com seu oposto. Na natureza humana, o mal denota o antagonismo da matéria com o que é espiritual, e assim eles se purificam mutuamente. No cosmos, o equilíbrio deve ser preservado; a operação dos dois contrários produz a harmonia, tais como as forças centrípeta e centrífuga, e uma é necessária à outra. Se um delas cessar, a ação da outra se tornará destrutiva imediatamente.

A personificação denominada Satã, deve ser contemplada de três planos diferentes: o Velho Testamento, os padres cristãos e a antiga atitude gentia., Supõe-se que ele fosse representado pela Serpente do Jardim do Éden; não obstante, o epíteto de Satã não se aplica, em nenhum dos escritos sagrados hebraicos, nem a essa, nem a qualquer outra variedade de ofídios. A Serpente de Bronze foi adorada pelos israelitas como um deus, porque era o símbolo de Esmun-Asklepius, o Iao fenício. Na verdade, o caráter do próprio Satã é apresentado no Primeiro Livro de Crônicas, instigando Davi a contar o povo israelita, um ato depois declarado como tendo sido ordenado pelo próprio Jeová a inferência inevitável é a de que os dois, Satã e Jeová, eram tidos como idênticos.

Nas profecias de Zacarias encontra-se outra menção a Satã. Esse livro foi escrito num período posterior à colonização da Palestina e, por essa razão, pode-se supor que os assideus devem ter trazido diretamente do Oriente essa personificação. É bastante conhecido o fato de que esse corpo de sectários estava profundamente imbuído das noções mazdeístas e que representava Ahriman ou Angra-Mainyur pelos deuses-nomes da Síria. Set ou Set-an, o deus dos hititas e dos hicsos, e Beeel-Zebub, o oráculo-deus, mais tarde o Apolo grego. O profeta iniciou os seus trabalhos na Judéia, no segundo ano de Darius Hystaspes, o restaurador da adoração mazdeísta. Eis como ele descreve o encontro com Satã: "Depois mostrou-me o Senhor o sumo-sacerdote Jesus, que estava diante do anjo do Senhor, e Satã estava à sua direita para ser seu adversário. E o Senhor disse a Satã "O Senhor te reprima, ó Satã; e reprima o Senhor, que elegeu a Jerusalém! Acaso não é este um tição que foi tirado ao fogo?"

Percebemos que essa passagem, que citamos, é simbólica. Há duas alusões no Novo Testamento que indicam que assim deve ser. A Espístola Católica de Judas refere-se a isso com os seguintes termos: "Quando o arcanjo Miguel, disputando com o Diabo, altercava sobre o corpo de Moisés, não se atreveu a fulminar-lhe a sentença de blasfemo, mas disse 'O Senhor te reprima'". Vemos aqui o arcanjo Miguel mencionado como idêntico ao Senhor, ou anjo do Senhor, da citação anterior, e demostra-se assim que o Jeová hebraico tem um caráter duplo, o secreto e o manifestado como o anjo do Senhor, ou o arcanjo Miguel. Uma comparação entre essas duas passagens deixa claro que "o corpo de Moisés" sobre o qual alternavam era a Palestina, que, como "a terra dos hitias", era o domínio peculiar de Seth, seu deus tutelar. Miguel, o paladino da adoração de Jeová, lutou com o Diabo ou Adversário, mas deixou o julgamento ao seu superior.

Belial, não deve ser considerado, nem como deus, nem como diabo. O termo BELIAL, é definido nos léxicos hebraicos como destruição, assolamento, esterilidade; a frase AISH-BELIAL ou homem-Belial significa um homem destruidor, daninho. Se Belial deve ser personificado para agradar nossos amigos religiosos, seríamos obrigados a fazê-lo distinto de Satã e a considera-lo como uma espécie de Diakka espiritual. Os demonógrafos, todavia, que enumeram nove ordens distintas de daimonia, fazem-no chefe da terceira classe - um conjunto de duendes, nocivos e imprestáveis.

Asmodeu tem origem puramente presa, não é nenhum espírito judaico. Bréal, autor de Hercule et Cacus, mostra que ele é o Eshem-daêva, o espírito maligno da concupiscência, de quem Max Müller nos diz ser "mencionado muitas vezes no Avesta como um dos devas", originalmente deuses, que se tornaram espíritos do mal.

Samuel é Satã; mas Bryant e outras autoridades demonstram ser ele o nome de Simoom - o verbo do deserto, e o Simmom é chamado Atabul-os ou Diabolos.

Plutarco observa que por Typhon se deve entender alguma coisa violenta, ingovernável e desregrada. O transbordamento do Nilo era chamado pelos egípcios de Typhon. O Baixo Egito é muito plano e quaisquer morretes erguidos ao longo do rio para evitar as inundações freqüentes eram chamados Typhonian ou Taphos; aí, a origem de Typhon. Plutarco, que era um grego rígido, ortodoxo, e que nunca foi conhecido como alguém que olhasse egípcios com muita simpatia, testemunha em seu Ísis e Osíris que, longe de adorarem o diabo (de que os cristãos os acusam), os egípcios mais desprezavam do que temiam Typhon. No seu símbolo de poder oposto e obstinado da natureza, acreditavam fosse ele uma divindade pobre, batida, semimorta. Assim, mesmo naquela remotíssima era, já havia pessoas ilustradas o bastante para não acreditarem num diabo pessoal. Como Typhon era representado em um de seus símbolos sob a figura de um asno, no festival dos sacrifícios em honra do sol, os sacerdotes egípcios exortavam os adoradores fiéis a não vestirem ornamentos de ouro sobre seus corpos para não alimentar com eles o asno!

PLATÃO EXPRESSA SUA OPINIÃO A RESPEITO DO MAL.

Três séculos e meio antes de Cristo, Platão expressou sua opinião a respeito do mal dizendo que "existe na matéria uma força cega, refratária, que resiste à vontade do Grande Artífice". Essa força cega, sob o influxo cristão, tornou-se fidedigna: foi transformada em Satã!

Sua identidade com Thyphon não pode ser posta em dúvida se lê o relato de Jó a respeito de sua semelhança com os filhos de Deus, diante do Senhor. Ele acusa Jó de ser capaz de maldizer o Senhor, após suficiente provocação. Assim também Typhon, no Livros dos Mortos egípcio, figura como acusador. A semelhança estende-se até os nomes, pois uma das designações de Typhon era Seth, ou Set; como Shatan, em hebraico, significa adversário. Em árabe, a palavra é Shâtana - ser adverso - perseguir - e Manetho diz que assassinou traiçoeiramente Osíris, em cumplicidade com os semitas (os israelitas). Este fato pode ter dado origem à fábula narrada por Plutarco, segundo a qual, na luta entre Hórus e Typhon, Typhon, com medo da maldade que cometera, fugiu por sete dias em um asno e, escapando, gerou os meninos Hierosolymus e Judaeus (Jerusalém e Judéia).

O Professor Reuvens refere-se a uma invocação a Typhon-Seth, e Epifânio diz que os egípcios adoravam Typhon sob a forma de um asno, ao passo que, de acordo com Busen, Seth "surgia gradualmente entre os semitas como pano de fundo de sua consciência religiosa". O nome de asno em copta, AO, é uma variante fonética de IAÔ, e assim o animal tornou-se um trocadilho-símbolo. Assim, Satã é uma criação posterior, nascida da fantasia ardente dos padres da Igreja. Por um revés da sorte, a que os deuses estão tão sujeitos quanto os mortais, Typhon-Seth caiu das alturas eminentes de filho deificado de Adão-Cadmo para a posição degradante de um espírito subalterno, um demônio mítico - um asno. Os cismas religiosos são tão poucos isentos de mesquinhez frágil e dos sentimentos vingativos da Humanidade quanto às querelas sectárias dos leigos. Prova desse fato nos é oferecida pela reforma zoroastriana, quando o Magismo se separou da velha crença dos brâmanes. Os brilhantes devas do Veda tornou-se, sob a reforma religiosa de Zoroastro, devas, ou espíritos do mal do Avesta. Até mesmo Indra, o deus luminoso, foi enviado às trevas para ser substituído, com uma luz mais brilhante, por Ahura-Mazda, a Divindade Sábia e Suprema.

A VENERAÇÃO DA SERPENTE.

A estranha veneração que os ofitas dedicavam à serpente que representava Cristos se tornará menos perplexa se os estudiosos lembrarem de que em todas as épocas a serpente foi o símbolo da sabedoria divina que mata para fazer ressurgir, destrói para melhor reconstruir. Moisés era descendente de Levi, uma tribo-serpente. Gautama Buddha pertence a uma linhagem-serpente, através da dinastia Nâga (serpente) e reis que reinou no Magadha. Hermes, ou o deus Taautos (Thoth), em seu símbolo-serpente, é Têt; e, de acordo com as lendasofitas, Jesus ou Cristos nasceu de uma serpente (sabedoria divina, ou Espírito Santo), isto é, tornou-se um filho de Deus por meio de sua iniciação na "Ciência da Serpente". Vishnu, idêntico ao egípcio Kneph, repousa sobre a serpente celestial de sete cabeças.

O dragão vermelho ou ígneo dos tempos antigos era a insígnia dos assírios. Ciro adotou-a deles, quando a Pérsia se apoderou do seu país. Os romanos e os bizantinos foram os próximos a assumi-la; e então o "grande dragão vermelho", além de ser o símbolo da Babilônia e de Nínive, tornou-se o de Roma.

A tentação, ou provocação, de Jesus é, todavia, a ocasião mais dramática em que surge Satã. Como que para provar a designação de Apolo-Esculápio e Baco, [como] Diabolos, ou filho de Zeus, ele também é chamado de Diabolos, ou acusador. A cena da provação foi o ermo. O deserto entre o Jordão e o Mar Morto era a morada dos "filhos dos profetas" e dos essênios. Estes ascetas costumavam sujeitar seus neófitos a provocações, análogas às torturas dos ritos mitricos, e a tentação de Jesus foi evidentemente uma cena dessa índole. Por essa razão, afirma-se no Evangelho segundo São Lucas [IV, 13, 14] que "o Diabolos, tendo completado a provação, deixou-o por tempo específico; e voltou Jesus em virtude do Espírito para a Galiléia. Mas o Diabo, neste exemplo, não é evidentemente nenhum princípio maligno, senão o princípio que exerce a disciplina. Os termos Diabo e Satã são empregados repetidas vezes neste sentido. (Ver 1 Coríntios, V, 2; 2 Coríntios, XI, 14; 1 Timóteo, I, 20). Assim, quando Paulo estava propenso a um júbilo excessivo em virtude da abundância de revelações ou descobertas epópticas, foi-lhe dado "na carne, um estímulo, o anjo de Satanás", para o esbofetear. (2 Coríntios, XII, 7. Números, XXII, 22, o anjo do Senhor é descrito como desempenhando o papel de um Satã a Balaam).

A HISTÓRIA DE SATÃ NO LIVRO DE JÓ.

A história de Satã, no Livro de Jó, tem um caráter familiar. Ele é introduzido como um dos "Filhos de Deus", que se apresentam diante do Senhor como numa iniciação mística.

Em todas estas cenas não se manifesta nenhum diabolismo que se supõe caracterizar o "adversário das almas".

É opinião de alguns escritores de mérito e erudição que o Satã do livro de Jó é um mito judaico, que contém a doutrina mazdeísta do Princípio do Mal. O Dr. Haug observa que "a religião zoroastriana apresenta uma afinidade muito estreita ou antes uma identidade, com muitas doutrinas importantes da religião mosaica e o cristianismo, tais como a personalidade e os atributos do diabo e a ressurreição dos mortos". A batalha do Apocalipse entre Miguel e o Dragão pode ser remontada, com igual facilidade, aos mitos mais antigos dos arianos. No Avesta, lemos sobre a luta entre Thraêtaoma e Azhi-Dahâka, a serpente destruidora. Burnouf esforçou-se por demostrar que o mito védico de Ahi, ou a serpente, que lutou contra os deuses, foi gradualmente evemerizado, na "batalha de um homem peidoso contra o poder do mal", na religião mazdeísta. Segundo essas interpretações, Satã seria idêntico a Zohâk ou Azhi-Dahâka, que é uma serpente de três cabeças, uma das quais é humana.

De acordo com Josefo, os hicsos foram os ancestrais dos israelitas. Esse fato é, sem duvida, substancialmente verdadeiro. As Escrituras hebraicas, que contam uma história um pouco diferente, foram escritas num período posterior e sofreram várias revisões antes que fossem promulgadas com qualquer grau de publicidade. Typhon tornou-se odioso no Egito e os pastores, "uma abominação". "No curso da vigésima dinastia foi tratado repentinamente como um demônio do mal, além de suas efígies e nome terem sido obliterados em todos os monumentos e em todas as inscrições onde haviam sido gravados".

A PROPENSÃO DE EVEMERIZAR OS DEUSES EM HOMENS.

Em todas as épocas, existiu a propensão de se evemerizar os deuses em homens. Mencionam-se túmulos de Zeus, Apolo, Hércules e Baco para demonstrar que eles foram originalmente apenas seres mortais. Sem, Cam, e Jafé são as personificações respectivas das divindades Shamas, da Assíria, Kham, do Egito, e Iapetes, o Titã. Seth era deus dos hicsos, Enoch, ou Inaco, dos argivos; e Abarão, Isaac e Judá têm sido comparados a Brahmâ, Ikshvaku e Yadu, do panteão hindu. Typhon caiu da divindade para a diabolicidade, tanto no seu caráter próprio de irmão de Osíris quando no Seth, o Satã da Ásia. Apolo, o deus do dia, tornou-se, na sua roupagem fenícia mais antiga, não mais Baal-Zebul, o Oráculo-deus, mas o príncipe dos demônios e finalmente o senhor do mundo subterrâneo. A separação do mazdeísmo, do vedismo, transformou os devas, ou deuses, em potências do mal. Indra, também, subordina-se a Ahriman na Vendîdâd, criado por ele com material extraído das trevas, junto com Shiva (Sûrya) e os dois Aswins. Até mesmo Jahi é o demônio da Luxuriam - provavelmente idêntico a Indra.

As muitas tribos e nações tinham seus deuses tutelares e avaliavam os dos povos inimigos. A transformação de Typhon, Satã e Belzebus tem esse caráter. De fato, Tertuliano fala de Mithra, o deus dos Mistérios, como um diabo.

No capítulo doze [9,11] do Apocalipse, Miguel e seus anjos venceram o Dragão e seus anjos: “e o Grande Dragão foi precipitado na Terra, aquela Serpente Antiga, chamada Diabolos e Satã, que seduz a todo o mundo”. E em seguida: “E eles o venceram pelo sangue do Cordeiro”. O Cordeiro, ou Cristo, tinha de descer ao inferno, o mundo dos mortos, e permanecer ali durante três dias antes de subjugar o inimigo, sendo o mito.

Miguel foi denominado pelos cabalistas e pelos gnósticos de “o Salvador”, o anjo do Sol e o anjo da Luz. Ele era o primeiro dos Aeons (Espíritos Estelares) e bastante conhecidos dos antiquários como o “anjo desconhecido” representado nos amuletos gnósticos.

O autor do Apocalipse, se não era um cabalista, deve ter sido um gnóstico. Miguel não foi uma personagem original de sua revelação (epopteia), mas o Salvador e Matador-do-dragão. As investigações arqueológicas o têm indicado como idêntico a Anubis, cuja efígie foi descoberta recentemente num monumento egípcio, com uma couraça e uma lança, no ato de matar o dragão que possui a cabeça e a cauda de uma serpente.

O estudioso de Lepsius, Champollion e outros egiptólogos reconhecerão imediatamente que Ísis é a "mulher com a criança", "vestida de Sol e com a Lua a seus pés", que o "grande Dragão feroz" perseguiu e a quem "foram dadas duas asas da Grande Águia de modo que pudesse fugir para o deserto". Typhon tinha a pele vermelha.

Os Dois Irmãos, os Príncipes do Bem e do Mal, aparecem nos mitos da Bíblia, bem como nos dos gentios, e assim temos Caim e Abel, Typhon e Osíris, Esaú e Jacó, Apolo e Píton, etc. Esaú ou Osu é representado, quando nascido, como "todo vermelho como uma veste felpuda". Ele é o Typhon ou Satã, que se opõe aos seu irmão.

Desde a mais remota antigüidade, a serpente foi venerada por todos os povos como a incorporação da sabedoria divina e como o símbolo do espírito e sabemos por Sanchoniathon que foi Hermes Thoth o primeiro a considerar a serpente como "o mais espiritual de todos os répteis"; e a serpente gnóstica como as sete vogais sobre a cabeça não é senão uma cópia de Ananta, a serpente de sete cabeças sobre a qual repousa Vishnu.

A LENDA DO DRAGÃO SOB VÁRIOS ASPECTOS.

Na mitologia hindu, Vasuki, o Grande Dragão, cospe contra Durgâ um fluído venenoso que se estende por sobre a terra, mas, seu consorte, Shiva, faz a terra abrir sua boca para suga-lo.

Assim, o drama místico da virgem celestial perseguida pelo dragão que quer devorar seu filho não foi visualizado nas constelações do céu, como já foi mencionado, mas também foi representado na adoração secreta dos templos. Era o mistério do deus Sol e foi inscrito numa imagem negre de Ísis.

O menino Divino foi caçado pelo cruel Typhon. Na lenda egípcia, o Dragão persegue Thuêris (Ísis), enquanto esta tenta proteger seu filho. Ovídio descreve Dione (a consorte de Zeus pedágio original, e mãe de Vênus) a fugir de Typhon para o Eufrates, identificando assim o mito como pertencente a todos os países em que os mistérios eram celebrados. Virgílio canta a vitória:

"Salve, querido filho dos deuses, grande filho de Jove!
Recebi a suma honra; os tempos se avizinham;
A serpente morrerá!"

Alexandre Magno, alquimista e estudioso de ciências ocultas, bem como bispo da Igreja Católica Romana, declarou, entusiasmado pela astrologia, que o signo zodiacal da virgem celestial eleva-se acima do horizonte no vigésimo quinto dia do mês de dezembro, no momento assinalado pela Igreja para o nascimento do Salvador.

O signo e o mito da mãe e do filho eram conhecidos milhares de anos antes da era cristã. O drama dos Mistérios de Dmeter representa Perséfone, sua filha, raptada por Plutão ou Hades para o mundo dos mortos; e quanto a mãe finalmente a descobre lá, foi instalada como rainha do reino das Trevas. Esse mito foi transcrito pela Igreja na lenda de Sant'Anna indo em busca de sua filha Maria, que fora levada por José para o Egito. Perséfone é descrita com duas espigas de trigo na mão; assim também Maria, nas imagens antigas; assim também a Virgem Celestial da constelação. Albumazar, o árabe, indica a identidade de muitos mitos da seguinte maneira:

"No primeiro decano da Virgem nasce uma donzela, chamada em árabe Aderenosa [Ardhhanâri?], isto é, virgem pura imaculada, a graça em pessoa, encantadora na postura, modesta no hábito, cabeleira flutuante, segurando em suas mãos duas espigas de trigo, sentada sobre um trono bordado, amamentando um menino eu alimentando-o justamente num lugar chamado Hebréia; um menino, quero dizer, chamado Iessus por determinadas nações, que significa Issa, a quem chamam também de Cristo em grego".

Por essa época, as idéias gregas, asiáticas e egípcias haviam sofrido uma transformação notável. Os Mistérios de Diônisio-Sabazius haviam sido substituídos pelo rito de Mithra, cujas “cavernas” sucederam as criptas do deus antigo da Babilônia à Bretanha. Serapis, ou Sri-Apa, do Ponto, usurpara o lugar a Osíris. O rei do Indostão Oriental, Asoka, abraçara a religião de Siddhârtha e enviara missionários à Grécia, à Ásia, à Síria e ao Egito para promulgar o evangelho da sabedoria. Os essênios da Judéia e da Arábia, os terapeutas do Egito e os pitagóricos da Grécia e da Magna Grécia eram evidentemente adeptos do novo credo. As lendas de Gautama sucederam os mitos de Hórus, Anubis, Adónis, Atys e Baco. Foram incorporados aos mistérios e aos Evangelhos e a eles devemos a literatura conhecida como os Evangelhos e o Novo Testamento Apócrifo. Foram guardados pelos ebionitas, nazarenos e outras seitas como livros sagrados, que podiam “mostrar apenas aos sábios”; e foram preservados até que a influência ofuscante da política eclesiástica romana os arrebatasse.
Quando o sumo sacerdote Hilkiah encontrou o Livro da lei, os Purânas (Escrituras) hindus eram conhecidos dos assírios. Os assírios haviam dominado durante muito tempo a região compreendida entre o Helesponto e o Indo e talvez tenham empurrado os arianos da Bactriana para o Puñhab. O Livro da lei parece ter sido um purâna. “Os brâmanes cultos”, diz William Jones, “pretendem que as seguintes cinco condições devam constituir um purâna verdadeiro:
“1a. Tratar da criação da matéria em geral.
“2a. Tratar da criação ou produção de material secundário e dos seres espirituais.
“3a. Fornecer um resumo cronológico dos grandes períodos de tempo.
“4a. Fornecer um resumo genealógico das famílias principais que reinaram sobre o país.
“5a. Finalmente, fornecer a história de algum grande homem em particular.”

É indubitável que quem quer que tenha escrito o Pentateuco se sujeitou a essas condições, bem como aqueles que escreveram o Novo Testamento estavam muito bem familiarizados com a adoração ritualista budista, com as lendas e as doutrinas por meio dos missionários budistas que se contavam em grande número, naquela época, na Palestina e na Grécia.

Mas “nem Diabo, nem Cristo”. Este é o dogma básico da Igreja. Devemos perseguir os dois ao mesmo tempo. Há uma conexão misteriosa entre os dois, mais estreita do que talvez se supunha, que leva à identidade. Se aproximarmos os filhos míticos de Deus, todos aqueles que eram considerados como os “primogênitos”, eles se harmonizarão e se fundirão nesse caráter dual. Adão-Cadmo desdobra-se da sabedoria conceptiva espiritual em criativa, que desenvolve a matéria. O Adão feito de barro é o filho de Deus e Satã; e Satã também é um filho de Deus, de acordo com Jó.

AS ALEGORIAS DO LIVRO DE JÓ.

A alegoria de Jó, que já foi citada, se corretamente entendida, nos dá a chave para todo esse assunto do Diabo, sua natureza e seu ofício, e substancia nossas declarações. Que nenhum indivíduo piedoso se alarme com essa designação de alegoria. O mito era o método favorito e universal de ensinar nos tempos arcaicos. Paulo, escrevendo aos Coríntios, declara que toda a história de Moisés e dos israelitas era típica; e na sua Epístola dos Gálatas afirma que toda a história de Abraão, suas duas esposas e seus filhos era uma alegoria. De fato, segundo toda probabilidade, que raia à certeza, os livros históricos do Velho Testamento tinham o mesmo caráter. Não tomamos liberdade extraordinária com o Livro de Jó, quando damos a ele a mesma designação que Paulo dá às histórias de Abraão e Moisés.

Mas devemos, talvez, explicar o uso antigo da alegoria e da simbologia. A veracidade da primeira devia ser deduzida; o símbolo expressava alguma qualidade abstrata da Divindade, que os leigos podiam apreender facilmente. Seu sentido superior terminava aí e era empregado pela multidão, portanto, como uma imagem a ser utilizada em ritos idólatras. Mas a alegoria foi reservada para o santuário interior, onde só os eleitos eram admitidos. Donde a resposta de Jesus, quando os seus discípulos o interrogaram em virtude de ele ter falado à multidão por meio de parábolas. "A vós outros", disse ele, "vos é dado saber os mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não lhes é concedido. Porque ao que tem, se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado". Nos mistérios menores, lavava-se uma porca para exemplificar a purificação de neófito; a sua volta à lama indicava a natureza superficial da obra que fora realizada.

"O Mito é o pensamento não-manifestado da alma. O traço característico do mito é converter a reflexão em história (uma forma histórica). Como na epopéia, também no mito predomina o elemento histórico. Os fatos (os eventos externos) constituem freqüentemente a base do mito e neles se entretecem as idéias religiosas."

Toda a alegoria de Jó é um livro aberto para quem compreende a linguagem pictórica do Egito, tal como ela está registrada no Livro dos mortos. Na Cena do Julgamento, Osíris aparece sentado em seu trono, segurando em uma das mãos o símbolo da vida, "o garfo da atração", e, na outra, o leque báquico místico. Diante dele estão os filhos de Deus, os quarenta e dois assessores dos mortos. Um altar está imediatamente diante do trono, coberto de oferendas e rematado pela flor do lótus sagrado, sobre a qual se podem ver quatro espírito. Na porta de entrada, permanece a alma que está prestes a ser julgada, a quem Thmei, o gênio da Verdade, está recebendo a conclusão da provação. Thoth, segurando um junco, registra os procedimentos no Livro da Vida. Hórus e Anubis, diante da balança, inspecionam o peso que determina se o coração do morto equilibra ou não o símbolo da verdade. Num pedestal está uma prostituta - o símbolo do Acusador.

A iniciação nos mistérios, como todas as pessoas inteligentes sabem, era uma representação dramática das cenas do mundo subterrâneo. Assim se desenvolve a alegoria de Jó.

Vários críticos têm atribuído a autoria desse livro a Moisés. Mas ele é mais antigo do que o Pentateuco. Jeová não é mencionado no poema; e, se o nome ocorre no prólogo, esse fato deve ser atribuído ou a um erro dos tradutores, ou à premeditação exigida pela necessidade posterior de transformar o politeísmo numa religião monoteísta. Adotou-se o plano muito simples de atribuir os mitos nomes de Elohim (deuses) a um único deus. Assim, em um dos mais antigos dos textos hebraicos de Jó (no cap. XII, 9), ocorre o nome de Jeová, ao passo que todos os outros manuscritos apresentam "Adonai". Mas Jeová está ausente do poema original. Em lugar desse nome encontramos Al, Aleim, Ale, Shaddai, Adonai, etc. Portanto, devemos concluir que ou o prólogo e o epílogo foram acrescentado num período posterior, o que é inadmissível por muitas razões, ou o texto foi adulterado, como o restante dos manuscritos. Assim, não encontramos nesse poema arcaico nenhuma menção à Instituição Sabática; mas um grande número de referência ao número sagrado sete, do qual falaremos adiante, e uma discussão aberta o sabaísmo, a adoração dos corpos celestes que prevalecia, naquela época, na Arábia. Satã é chamado no texto de um "Filho de Deus", membro do conselho que se apresenta diante de Deus, a quem induz a tentar a fidelidade de Jó. Nesse poema, mais claramente do que em qualquer outro lugar, vemos corroborado o significado da denominação Satã. É um termo para o ofício ou o caráter de acusador público. Satã é o Typhon dos egípcios, que grita suas acusações no Amenti; um ofício tão respeitável quanto o do promotor público em nossa época; e se, apesar da ignorância dos primeiros cristãos, ele se tornou posteriormente idêntico ao Diabo, isso não se faz com a sua conivência.

O Livro de Jó é uma representação completa da iniciação antiga e das provas que geralmente precedeu tão agusta cerimônia. O neófito se vê privado de tudo a que dava valor e afligido por uma doença abominável. Sua esposa o exorta a amaldiçoar Deus e a morrer; não há mais esperança para ele. Três amigos aparecem em cena para visitá-lo; Elifaz, o temanita culto, pleno do conhecimento "que os sábios receberam dos seus pais (...) as únicas pessoas a quem a terra foi dada"; Baldad, o conservador, que toma as coisas como elas vêem e que opina que a aflição de Jó é conseqüência de suas culpas; o Sofar, inteligente e habilidoso em "generalidades", mas de sabedoria superficial. Jó responde corajosamente: "Se eu errei, meu erro ficará comigo. Vós vos engrandeceis e me argüis com as minhas calamidades; mas foi Deus quem me aniquilou. (...) Por que me perseguis e não estais satisfeitos com minha carne destruída? Mas eu sei que meu Paladino vive e que num dia futuro ficará no meu lugar; e embora minha pele e tudo que a rodeia sejam destruídos, mesmo sem minha carne eu verei Deus. (...) Vós direis: `Por que o molestamos?', pois a raiz da matéria está em mim!"

Essa passagem, como todas as outras em que se poderia encontrar alusões mais tênues a um "Paladino", "Libertador" ou "Vindicador", foi interpretada como uma referência direta ao Messias; além disso, esse versículo está traduzido da seguinte maneira nos Septuaginta:

"Pois eu sei que é eterno
Aquele que há de me libertar na Terra
Para restaurar esta minha pele que sofre estes males" etc.

Na versão do rei James, como foi traduzida, ela não guarda semelhança alguma com o original. Tradutores artificiosos deram "Eu sei que meu Redentor viverá", etc. E os Septuaginta, a Vulgata e o original hebraixo devem ser considerados como a inspirada Palavra de Deus. Jó refere-se a seu próprio espírito imortal que é eterno e que, quando viu a morte, o libertará desse pútrido corpo terreno e o vestirá com um novo revestimento espiritual. Nos Mistérios báquicos e eleusinos, no Livro dos mortos egípcios e em todas as outras que tratam de assuntos ligados à iniciação, esse "ser eterno" tem um nome. Para os neoplatônicos era o Nous, o Augoeides; para os budistas é Agra; e, para os persas, Feroher. Todos eles são chamados de "Libertadores", "Paladinos", "Metatrons", etc. Nas esculturas mítricas da Pérsia, o feroher é representado por uma figura alada que volteia no ar sobre seu "objeto" ou corpo. É o Eu luminoso - o Âtman dos hindus, nosso espírito imortal, o único que pode redimir nossa alma, e o fará, se o seguirmos em vez de sermos arrastados pelo nosso corpo. Portanto, nos textos caldaicos, lê-se "Meu libertador, meu restaurador", isto é, o Espírito que restaurará o corpo decaído do homem e o transformará numa vestimenta de éter. E é esse nous, augoeides, Feroher, Agra, Espírito dele mesmo, que o triunfante Jó verá sem sua carne - isto é, quando tiver escapado da sua prisão corporal -, e ao qual os tradutores chamam "Deus".

Não só existe a mínima alusão no poema de Jó a Cristo, como também se provou que todas as versões feitas por tradutores diferentes, que concordam com a do rei James, foram escritas com base em Jerônimo, que tomou estranhas liberdades em sua Vulgata. Ele foi o primeiro a enxertar no texto esse versículo de sua própria criação:

"Eu sei que meu Remidor vive,
E que no último dia eu me erguerei da terra,
E serei novamente recoberto de minha pele,
E em minha carne verei meu Deus".

Tudo o que lhe deve ter parecido uma boa razão para crer que ele o sabia, mas que outros não sabiam, e que, além disso, encontravam no texto uma idéia bastante diferente - isso só prova que Jerônimo decidira, com mais uma interpolação, reforçar o dogma de uma ressurreição "no último dia", e com a mesma pele e os mesmos ossos que possuía na terra. Trata-se na verdade de uma agradável perspectiva de "restauração". Por que não ressuscitar também com as mesmas roupas com que o corpo morre?

E como poderia o autor do Livro de Jó saber algo do Novo Testamento quando ignorava o Velho? Há uma ausência total de alusões a qualquer um dos patriarcas; foi sem dúvida obra de um Iniciado, pois que uma das três filhas de Jó recebeu um nome mitológico decididamente "pagão". O nome Keren happuch é traduzido de varas maneiras. Na Vulgata tem "chifres de antimônio"; e em LXX tem "chifre de Amalthea", a preceptora de Júpiter e uma das constelações, emblema de "chifre da plenitude". A presença no Septuaginta dessa heroína de fábula pagã mostra a ignorância dos transcritores em relação ao seu significado, bem como da origem esotérica do Livro de Jó.

Em vez de oferecer consolo, os três amigos do sofrido Jó tentam fazê-lo acreditar que merece sua desventura como uma punição por algumas transgressões extraordinárias que praticou. Respondendo veementemente a todas essas imputações, Jó jura que, enquanto tiver alento, manterá a sua causa.

Os três haviam tentado confundir Jó com alegações e argumentos gerais e ele lhes solicitou uma consideração dos seus atos específicos. Então surgiu o quarto: Eliú, o filho de Baraquel, o buzita, da estirpe de Ram.

Eliú é o filho do hierofante; começa com uma repreensão e os sofisma de Jó se desvanecem com a areia que o vento do oeste leva.

"E Eliú filho de Baraquel, disse: `Os grandes homens nem sempre são sábios (...) há um espírito no homem; o espírito que está em mim me constrange. (...) Deus fala uma vez, uma segunda, embora o homem não perceba. Num sonho; numa visão noturna, quando o sono profundo cai sobre o homem, em cochilos na cama; então ele abre os olhos dos homens e lhes dá suas instruções. Ó Jó, ouve-me; cala-te e eu te ensinarei a SABEDORIA."

E Jó diante das falácias dogmáticas de seus três amigos, no amargor do deserto, exclama: "Não há dúvida de que vós sóis o povo e a sabedoria morrerá convosco. (...) Todos vós sóis uns cosoladores miseráveis. (...) Certamente falarei ao Todo-poderoso e com Deus desejo conversar. Mas vós sóis os que forjam as mentiras, vós sóis médicos de nenhum valor!" O devorado pelas chagas, o Jó que recebera as visitas e que para o clero oficial - que não oferecia outra esperança senão a condenação eterna - havia em seu desespero vacilado em sua fé paciente, respondeu: "Isso que vós sabeis, também eu sei a mesma coisa; não sou inferior a vós. (...) O homem que como flor cai e é pisado foge como a sombra e jamais permanece num mesmo estado. (...) Quando o homem morrer, despojado que seja e consumido, onde estará ele? (...) Se um homem morrer, ele viverá novamente? (...) Quando se passarem alguns anos, então seguirei um caminho de onde não poderei retornar. (...) Oxalá se fizera o juízo entre Deus e o homem, como se faz o de um filho do homem com o seu vizinho'." Jó encontra alguém que responde ao seu grito de agonia. Ouve a SABEDORIA de Eliú, o hierofante, o mestre perfeito, o filósofo inspirado. De seus lábios rígidos brota a representação justa da impiedade de ter censurado o Ser SUPREMO pelos males da Humanidade. "Deus", diz Eliú, "é excelente em poder e em julgamento e em plenitude de justiça. ELE não condenará".

Enquanto o neófito se satisfazia com sua própria sabedoria mundana e irreverente compreensão da Divindade e Seus desígnios e enquanto dava ouvidos às sofisticarias perniciosas dos seus conselheiros, o hierofante se mantinha calado. Mas, quando essa mente ansiosa estava pronta para os conselhos e as instruções, sua voz se fez ouvir e ele fala com a autoridade do Espírito de Deus que o "constrange": "Certamente Deus não ouvirá em vão, nem o Todo-poderoso verá as causas de cada um. (...) Ele não respeitará aqueles que se dão por sábios".

Magnífica lição para o pregador da moda, que "miltiplica palavras sem conhecimento"! Esta magnífica sátira profética deve ter sido escrita para prefigurar o espírito que prevalece em todas as denominações dos cristãos.

Jó escuta as palavras de sabedoria e então o "Senhor" responde a Jó "fora do redemoinho" da Natureza, a primeira manifestação visível de Deus: "Pára, Jó, pára! e considera as maravilhosas obras de Deus; só por meio delas podes conhecer Deus. `Com efeito, Deus é grande, e não o conhecemos', Ele que `faz pequenas as gotas d'água; mas elas vertem segundo o vapor"; não segundo o capricho divino, mas segundo leis estabelecidas e imutáveis; lei que "transferiu os montes e não é conhecida por eles; que move a terra; que ordena ao Sol e o Sol não nasce; e que selou as estrelas; (...) que faz coisas grandes e incompreensíveis, e maravilhosas, que não têm número. (...) Se ele vier a mim, eu não o verei; e se for, eu não o perceberei!"

Então, "Quem é este que obscurece os conselhos com palavras desprovidas de conhecimento?", diz a voz de Deus por meio de Seu porta-voz -, a Natureza. "Onde estava tu quando eu lançava os fundamentos da terra? dize-mo, se é que tens compreensão. Quem deu as medidas para ela, se é que o sabes? Quando os astros da manhã contavam todos juntos, e quando todos os filhos de Deus estavam transportados de júbilo? (...) Estavas presente quando eu disse aos mares: `Até aqui podes vir, mas além daqui; até aqui tuas orgulhosas ondas poderão rolar'? (...) Sabes quem obriga a chuva a cair sobre a terra, onde não havia homem algum; no deserto, onde não havia homem algum? (...) Acaso poderás reunir as doces influências das Plêiades ou impedir a evolução de Orion? (...) Poderás enviar os raios, que possam ir e vos dizer `Aqui estamos'?"

"Então Jó respondeu ao Senhor." Ele compreendeu quais são os seus caminhos e os seus olhos estão abertos pela primeira vez. A Sabedoria Suprema desceu sobre ele; e, se o leitor ficar confuso diante deste PETROMA final da iniciação, pelo menos Jó, ou o homem "afligido" em sua cegueira, entendeu então a impossibilidade de caçar "Leviatã cravando-lhe um arpão no nariz". O Leviatã é a CIÊNCIA OCULTA, em que se pode pôr a mão, "não mais do que isso", e cujo poder e cuja "proporção conveniente" Deus não quer esconder.

"Quem pode descobrir a superfície de sua vestimenta? e quem entrará no meio da sua boca? Quem pode abrir as portas do seu rosto? Em roda dos seus dentes está o seu orgulho, e eles estão selados. O seu espirro é resplendor do fogo e os seus olhos como as pestanas da aurora". Que "faz brilhar uma luz atrás de si", para que se aproxime dele os que não têm medo. E então eles também verão "todas as coisas altas, pois ele é rei apenas sobre todo os filhos da soberba".

Jó, agora à guisa de retratação, responde:

"Eu sei que podes todas as coisas,
E que nenhum pensamento se te esconde.
Quem é este que fez uma exibição de sabedoria arcana
Sem nada saber dela?
Por isso falei sobre o que não compreendia
Coisas que estavam acima de mim, as quais não conhecia.
Ouve! suplico-te e eu falarei;
Perguntar-te-ei, e me responderás:
Eu te ouvi com meus ouvidos,
E agora te verei com meus olhos,
Por isso me repreendo a mim mesmo,
E me penitencio no pó e na cinza?"

Ele reconheceu seu "paladino" e se converteu de que havia chegado a hora da sua vindicação. Imediatamente o Senhor ("os sacerdotes e os juizes", Deuteronômio, XIX, 17) disse aos seus amigos: "Minha ira se voltou contra ti e contra teus dois amigos, porque não me haveis falado retamente diante de mim, como meu servo Jó . Então "o Senhor voltou-se para a penitência de Jó" e "lhe deu em dobro tudo quanto ele havia tido".

Assim, no julgamento [egípcio], o morto invoca quatro espíritos que residem no Lago de Fogo e é purificado por eles. Ele então é conduzido à sua morada celestial e é recebido por Athar e por Ísis e permanece diante de Atum (Âtman a Centelha Divina que habita o Homem), o Deus essencial. Ele agora é Turu, o homem essencial, um espírito puro, e em conseqüência On-ait, o olho de fogo, e um companheiro dos deuses.

Esse grandioso poema de Jó era muito bem compreendido também pelos cabalistas. Enquanto muitos dos hermetistas medievais eram homens profundamente religiosos, eles eram, no fundo de seus corações - como os cabalistas de todas as épocas -, os inimigos mais mortais do clero. Como parecem verdadeiras as palavras de Paracelso quando exclamou, afligido por uma perseguição feroz e por calúnias, e incompreendido por seus amigos e por seus inimigos, maltratado pelo clero e pelos leigos:

"Ó vós de Paris, Pádua, Montpellier, Salermo, Viena e Leipzig! Não sóis mestres de verdade, mas confessores de mentiras. Vossa filosofia é uma mentira. Se quereis saber o que realmente é a MAGIA, procurai-a no Apocalipse de São João. (...) Posto que não podeis aprovar que vossos ensinamentos derivam da Bíblia e do Apocalipse, acabai com vossas farsas. A Bíblia é a verdadeira chave e o verdadeiro intérprete. João, não menos do que Moisés. Elias, Enoch, Davi, Salomão, Daniel, Jeremias e os outros profetas, eram um mago, cabalista, um adivinhador. Se todos eles, ou pelo menos um dos que nomeei, vivessem agora, eu não duvidaria que faríeis deles um exemplo em vosso matadouro miserável e os aniquilaríeis e, se fosse possível, o Criador de todas as coisas também!"

Paracelso demostrou na prática que aprendeu algumas coisas misteriosas e úteis do Apocalipse e de outros livros da Bíblia, bem como da Cabala; e tanto o fez, que é chamado por muitos de o "pai da magia e fundador da física oculta da Cabala e do Magnetismo".

O DIABO SEGUNDO O VELHO TESTAMENTO, E SEU CONCEITO MODERNO.

Essa extensa ilustração pode mostrar que o Satã do Velho Testamento, o Diabolos ou Diabo dos Evangelhos e das Epístolas são personificações do princípio antagônico da matéria, necessariamente inerente a ele, e não mau no sentido moral do termo. Os judeus, vindo do país persa, trouxeram consigo a doutrina de dois princípio. Não puderam trazer o Avesta, pois ele não estava escrito. Mas eles - queremos dizer os assideus [chasîdîm] e parsis - investiram Ormuzd com o nome secreto de Ahriman, com o nome dos deuses do lugar, Satã dos hititas e Diabolos, ou antes Diobolos, dos gregos. A Igreja primitiva, pelo menos sua parte paulina, a dos gnósticos e seus sucessores refinaram posteriormente as suas idéias e a Igreja católica as adotou, enquanto passava pelo fio da espada os seus promulgadores.

A Igreja protestante é uma reação contra a Igreja Católica Romana. Não é necessariamente coerente em suas partes, mas uma multidão de fragmentos que se chocam ao redor de um centro comum, atraindo-se e repelindo-se. Algumas partes se dirigem centripetamente para Roma, ou para o sistema que fez a velha Roma existir; outras ainda são empurradas pelo impulso centrífugo para longe da ampla região etérea de Roma, ou mesmo da influência cristã.

O Diabo moderno é o legado principal da Cibele romana, "Babilônia, a Grande Mãe das religiões idólatras e abomináveis da terra".

Mas talvez se pudesse argumentar que a teologia hindu, tanto bramânica quanto budista, está tão impregnada da crença em diabos objetivos quanto a própria cristandade. Há uma pequena diferença. A sutiliza mesma da mente hindu é uma garantia suficiente de que as pessoas educadas, a porção mais culta pelo menos dos teólogos bramânicos e budistas, consideram o diabo segundo uma outra luz. Para elas o Diabo é uma abstração metafísica, uma alegoria do mal necessário; ao passo que para os cristãos o mito se tornou uma entidade histórica, a pedra fundamental sobre a qual se erigiu a Cristandade, com seu dogma de redenção. Ele é tão necessário - como o mostrou des Mousseaux - para a Igreja, quanto a vesta do capítulo dezessete do Apocalipse para seu leitor. Os protestantes de fala inglesa, não considerando a Bíblia suficientemente explicativa, adotaram a Diabologia do celebrado poema de Milton, Paradise Lost, embelezando-a aqui e ali com trechos extraídos do celebrado poema de Fausto, de Goethe. John Milton, primeiramente um puritano e depois quietista e unitário, sempre considerou sua grande produção como uma obra de ficção, ainda que ajustada às linhas gerais de diferentes partes da Escritura. O Ialdavaôth dos ofitas foi transformado num anjo de luz e na estrela da manhã e feito o Diabo, no primeiro ato do Diabolic Drama. Assim, o capítulo doze do Apocalipse foi traduzido para o segundo ato. O grande Dragão vermelho foi identificado com a mesma ilustre personagem de Lúcifer, e a última cena é a sua queda, como a de Vulcano-Hefaistos, do Céu, para a ilha de Lemnos; as hostes fugitivas e seu líder "caem no abismo tenebroso" do Pandemonium. O terceiro ato é o Jardim do Éden. Satã preside um concílio num salão erigido por ele para seu novo império e determina empreender uma expedição exploradora à procura do novo mundo. O ato seguinte refere-se à queda do homem, sua passagem pela Terra, o advento do Logos, ou Filho de Deus, e sua redenção da Humanidade, ou sua porção eleita, como se deu.

A MAGIA NOS TEMPOS.

Talvez devamos dar uma breve notícia do Diabo europeu. Ele é o gênio que intervém na bruxaria, na feitiçaria e em outros malefícios. Os padres, tomando a idéia dos fariseus, transformaram em diabos os deuses pagãos, Mithra, Serapis e outros. A Igreja Católica Romana denunciou a adoração antiga como comércio com os poderes da escuridão. Os malefici e as feiticeiras da Idade Média eram nada menos do que adeptos da adoração proscrita. A Magia nos tempos antigos fora considerada como ciência divina, sabedoria e conhecimento de Deus. A arte de curar nos templos de Esculápio e nos santuários do Egito e do Oriente sempre foi magia. Até mesmo Darius Hystaspes, que exterminou os magos medos e expulsou, da Babilônia para a Ásia Menor, os teurgos caldaicos, fora instruído pelos brâmanes da Ásia Superior e, finalmente, estabelecia o culto de Ormusde, foi ele próprio denominado de instituidor do magismo. Tudo agora está mudado. A ignorância foi entronizada como a mãe da devoção. A erudição foi condenada e os sábios prosseguiram em sua obra científica como o perigo de suas vidas. Foram obrigados a expor suas idéias em uma linguagem enigmática compreendida apenas pelos seus adeptos e a aceitar o opróbio, a calúnia e a pobreza. Os fieis da adoração antiga foram perseguidos e condenados à morte por feiticeiros. Os albigenses, descendentes dos gnósticos, e os waldenses, precursores dos protestantes, foram caçados e exterminados sob acusação semelhante. O próprio Martinho Lutero foi acusado de conivência com Satã em pessoa. Todo o mundo protestante ainda está sob o peso da mesma imputação. Não há distinção nos julgamentos da Igreja entre dissensão, heresia e feitiçaria. E, exceto onde a autoridade civil lança sua proteção, eles representam ofensas capitais. A liberdade religiosa é vista pela Igreja como intolerância.

OS PRIMEIROS SÉCULOS CRISTÃOS E OS PRIMEIROS EVANGELHOS.

Relatada a biografia do Diabo desde seu primeiro acidente na Índia e na Pérsia, seu progresso entre os judeus e na teologia cristã antiga e recente até as últimas fases da sua manifestação, examinemos agora algumas opiniões dominantes nos primeiros séculos cristãos.

Avatares ou encarnações eram comuns às velhas religiões. Na Índia, os Avatares chegaram a constituir um sistema. Os persas esperavam Saoshyant e os escritores judaicos aguardavam um libertador. Tácito e Suetônio relatam que o Oriente, na época de Agusto, ardia de expectativa por uma Grande Personagem. "Assim, doutrinas tão óbvias para os cristãos eram os arcanos supremos do Paganismo". O Maneros de Plutarco era um menino de Palaestinus; seu mediador Mithras, o Salvador Osíris, é o Messias. Nas nossas "Escrituras canónicas" atuais descobrem-se os vestígios das adorações antigas; e nos ritos e nas cerimônias da Igreja Católica Romana encontramos as formas da adoração budista, suas cerimônias e sua hierarquia. Os primeiros Evangelhos, que já foram tão canónicos quanto os quatro atuais, contêm páginas tomadas quase integralmente das narrativas budistas, como podemos mostrar. Após as provas fornecidas por Burnouf, Cosma de Körös, Beal, Hardy, Schmidt e as traduções do Tripitaka, é impossível duvidar que todo o esquema cristão não emanasse de um outro. Os milagres da "Concepção Milagrosa" e outros incidentes se deixam ver claramente no A Manual of Buddhism, de Hardy [p. 141 e seguintes]. Compreendemos prontamente por que a Igreja Católica Romana está ansiosa para manter o vulgo na ignorância mais completa da Bíblia hebraica e da literatura grega. A Filosofia e Teologia comparada são seus inimigos mais mortais. As falsidades deliberadas de Irineu, Epifânio, Eusébio e Tertuliano tornaram-se uma necessidade.

Naquele tempo, parece que os Livros sibilinos gozavam de muita consideração. Pode-se perceber facilmente que eles foram inspirados na mesma fonte de onde brotaram as obras gentias.

Eis uma página de Gallaeus:

"Uma Nova Luz surgiu
Que, descendo do Céu, assumiu forma mortal.
Primeiro Gabriel apresentou sua poderosa pessoa sagrada,
Depois, dando a mensagem, dirigiu-se com palavras à Virgem:
Virgem, recebe Deus em teu peito puro. (...)
E a coragem voltou a ela e a PALAVRA entrou em seu útero.
Tornando-se encarnado e animado por seu corpo,
Formou-se uma imagem mortal e um MENINO foi criado
Por um parto da Virgem. (...)
A nova estrela enviada por Deus foi adorada pelos Magos.
A criança envolta em panos foi mostrada numa manjedoura ao obediente a Deus
Belém foi chamada `terra divina' da Palavra".

À primeira vista, essa passagem parece uma profecia do nascimento de Jesus. Mas não poderia ela referir-se a algum outro Deus criador? Temos expressões análogas relativas a Baco e a Mithras.

"Eu, filho de Zeus, vim ao país dos tebanos. Sou Baco, a quem partiu Semelê [a virgem], filha de Cadmo [o homem do Oriente], e, engendrado pela chama portadora do raio, assumi forma em vez de divina."

As Dionisíacas, escritas no século V, são úteis para tornar essa matéria mais clara e até mesmo para pôr em relevo sua conexão estreita com a lenda cristã do nascimento de Jesus:

"Perséfone-Vrigem, não escapaste do casamento
E foste esposada nos epitalâmios do Dragão
Quando Zeus, todo enrolado e de aparência modificada,
Um Dragão-noivo transbordante de amor,
Deslizou para teu leito virginal
Agitando a barbas ásperas. (...) Pelos esponsais dracontianos etéreos,
O útero de Perséfone foi agitado por um jovem frutuoso.
E nasceu Zagreus, o Menino coroado de chifres."

Temos aqui o segredo da adoração ofita e a origem da fábula cristã posteriormente revisada da concepção imaculada. Os gnósticos foram os primeiros cristãos a possuir algo como um sistema teológico regular e é bastante evidente que Jesus é que foi adaptado para Cristos em sua teologia, e não foi a sua teologia que se desenvolveu a partir dos seus ditos e das suas ações. Seus ancestrais afirmam, antes da era cristã, que a Grande Serpente - Júpiter, o Dragão da Vida, o Pai e a "Divindade do Bem" - deslizara para o leito de Semelê e os gnósticos pré-cristãos, com uma modificação muito insignificante, aplicaram a mesma fábula ao homem Jesus e afirmaram que a mesma "Divindade do Bem", Saturno (Ialdabaôth), na forma do Dragão da Vida, deslizou por sobre o leito da menina Maria. A seus olhos, a Serpente era o Logos - Cristos, a encarnação da Sabedoria Divina, por meio de seu Pai Ennoia e sua Mãe Sophia.

"Agora minha mãe o Espírito Santo me tomou", diz Jesus no Evangelho dos Hebreus, assumindo seu papel de Cristos - o Filho de Sophia, o Espírito Santo.

"O Espírito Santo descerá sobre ti e o PODER do Supremo te cobrirá da sua sombra; e por isso mesmo a coisa santa que há de nascer de ti será chamada de Filho de Deus", diz o anjo (Lucas, I, 35).

"Deus (...) nos falou nestes dias por seu Filho, ao qual apontou como herdeiro de todas as coisas, e por quem fez os Aeons. (Emanações)."

Todas essas expressões são variações cristãs do versículo de Nonnus "(...) por meio do dracônteo etéreo", pois Éter é o Espírito Santo ou a terceira pessoa da Trindade - a Serpente com cabeça de falcão, o Kneph egípcio, emblema da Mente Divina, e a alma universal de Platão.
"Eu (Sabedoria) saí da boca do Altíssimo e cobri com nuvem toda a terra."

Poimandres, o Logos, surge da Escuridão Infinita e cobre a terra com nuvens que, em forma de serpente, se espalham por sobre toda a Terra. O Logos é a mais velha imagem de Deus e é o Logos ativo, diz Filo. O Pai é o Pensamento Latente.

Sendo esta idéia universal, encontramos uma fraseologia idêntica para expressa-la entre os pagãos, os judeus e os cristãos primitivos. O Logos caldaico - persa é o Primogênito do Pai na cosmogonia babilônica de Eudemus. O "Hino a Eli, filho de Deus", inicia um hino homérico ao Sol. Sôl-Mithra é uma "imagem do Pai", com o cabalístico Zeir-Anpîn.

Parece impossível, e todavia esta é a triste realidade, que, entre todas as várias nações da Antigüidade, não houve uma só que acreditasse num diabo pessoal mais do que os cristãos liberais do século XIX. Nem os egípcios, que Porfírio chama de "a mais erudita nação do mundo, nem os gregos, seus fiéis imitadores, caíram em absurdo tão grande. Podemos acrescentar que nenhum deles, nem mesmo ou judeus antigos, acreditou no inferno ou numa condenação eterna mais do que no Diabo, embora nossas igrejas cristãs atribuam ao demônio tudo quanto se relacione com os gentios. Em todo lugar em que a palavra "inferno" ocorre nas traduções dos textos sagrados hebraicos, ela está distorcida. Os hebreus ignoravam essa idéia, mas os Evangelhos contêm exemplos freqüentes de compressões erradas. Assim, quando Jesus diz (Mateus, XVI, 18) "(...) e as portas do Hades não prevalecerão contra ela", o texto original apresenta "as portas da morte". Em nenhum lugar aparece a palavra "inferno" - aplicada com o significado de condenação, seja temporária ou eterna - utilizada no Velho Testamento com o sentido que lhe deram os forjadores desse dogma. "Tophet", ou "o Vale do Hinnom" não tem esse significado. O termo grego "Gehenna" tem um sentido bastante diferente e equivalente, na opinião de escritores competentes, ao Tártaro homérico.

O próprio Pedro nos dá prova desse fato. Em sua segunda Epístola (II, 4), o Apóstolo, no texto original, diz sobre os anjos pecadores, que Deus "os lançou ao Tártaro". Essa expressão, que lembra muito inconvenientemente a guerra entre Júpiter e os Titãs, foi alterada e agora, na versão do rei James, apresenta "os lançou no inferno".

No Velho Testamento as expressões "portas da morte" e "câmaras da morte" aludem simplesmente às "portas do túmulo", mencionadas especificamente nos Salmos e nos Provérbios. O inferno e seu soberano são ambos invenções do Cristianismo, contemporâneos do seu poder e do recurso à tirania. São alucinações nascidas dos pesadelos dos Antônios do deserto. Antes da nossa era, os sábios antigos conheciam o "Pai do Mal" e não o tratavam senão como asno, o símbolo escolhido de Typhon, "o Diabo". Triste degeneração de cérebros humanos!

Assim como Typhon era a sombra escura de seu irmão Osíris, Python é o lado mau de Apolo, o brilhante deus das visões, o vidente e adivinho. É o morto por Python, mas mata-o por sua vez, redimindo a Humanidade do pecado. Foi em memória dessa façanha que as sacerdotisas do deus-Sol se vestiam com peles de serpente, típicas do fabuloso monstro. Sob sua poderosa influência - a pele da serpente era considerada magnética -, as sacerdotisas caiam em transes magnéticos e "recebiam de Apolo as suas vozes", tornavam-se proféticas e proferiam oráculos.

Além disso, Apolo e Python são apenas um, e moralmente andróginos. As idéias do deus-Sol são todas duais, sem exceção. O Calor benéfico do Sol traz o germe à existência, mas o calor excessivo mata a planta. Quando toca a lira planetária de sete cordas, Apolo produz a harmonia; mas, como outros deuses-sóis, sob seu aspecto sombrio ele se torna o destruidor, Python.

Sabe-se que São João viajou pela Ásia, uma região governada pelos magos e imbuída de idéias zoroastrinas e, naqueles dias, repleta de missionários budistas. Se ele não tivesse visitado esses lugares e entrando em contato com os budistas, seria duvidoso acreditar que o Apocalipse pudesse ter sido escrito. Além das suas idéias do dragão, dá narrativas proféticas inteiramente desconhecidas dos outros apóstolos e que, relativas ao segundo advento, fazem de Cristo uma cópia fiel de Vishnu.

Assim, Ophios e Ophiomorphos, Apolo e Pyton, Osíris e Typhon e Cristos e a Serpente são termos equivalentes. Todos eles são Logos e um é ininteligível sem o outro, como não se poderia saber o que é dia, se não se conhecesse a noite. Todos são regeneradores e salvadores, um num sentido espiritual, o outro num sentido físico. Um assegura a imortalidade para o Espírito Divino; o outro a concede através da regeneração da semente. O Salvador da Humanidade tem de morrer, porque ele oculta à Humanidade o grande segredo do ego imortal; a serpente do Gênese é amaldiçoada porque disse à matéria "não morrerás". [III, 4]. No mundo do Paganismo, a contrapartida da "serpente" é o segundo Hermes, a reencarnação de Hermes Trismegistro.

Hermes é o companheiro constante e o instrutor de Osíris e Ísis. É a sabedoria personificada; como Caim, o filho do "senhor". Ambos construíram cidades, civilizaram e instruíram a Humanidade nas artes.

A ORIGEM DO MITO DO DRAGÃO.

A origem do mito do "Dragão", que ocupa um lugar importante no Apocalipse e na Lenda dourada, e da fábula sobre Simão Estilita convertendo o Dragão e inegavelmente budista e até mesmo pré-budista. Foram as doutrinas puras de Gautama que atraíram para o budismo os cachemirianos cuja adoração primitiva era a ofita, ou a adoração da Serpente. O olíbano e as flores substituíram os sacrifícios humanos e a crença em demônios pessoais. O Cristianismo herdou a degradante superstição de diabos investidos de poderes pestilentos e assassinos. O Mahâvansa, o mais antigo dos livros cingaleses, relata a história do rei Covercapal (cobra-de-capelo), o deus-serpente, que foi convertido para o budismo por um santo Rahat *; e desta lenda derivou seguramente a de Simão Estilita e seu Dragão, que faz parte da Lenda Dourada. * (Deixamos aos arqueólogos e aos filósofos a tarefa de decidir como a adoração de Nâga ou da Serpente pôde viajar da Cachemira para o México e se transformar na adoração do Nagal, que é também uma adoração da Serpente, e numa doutrina de licantropia.)

O Logos triunfa uma vez mais sobre o Dragão; Miguel, o arcanjo luminoso, chefe dos Aeons, vence Satã. * (Miguel, o chefe dos Aeons, também é "Gabriel, o mensageiro da Vida" dos nazarenos e o Indra hindu, o chefe dos Espíritos do bem, que venceram Vâsuki, o Demônio que se revoltou contra Brahmâ.)

É digno de menção o fato de que, enquanto o iniciado mantiver em segredo "o que sabe", ele estará perfeitamente seguro. Isso acontecia nos tempos antigos e acontece agora. Tão logo o Deus dos cristãos, emanado do Silêncio, se manifestava como a Palavra ou Logos, este último se tornava a causa de sua morte. A serpente é o símbolo da sabedoria e da eloqüência, mas é também o símbolo da destruição. Ousar, conhecer, querer e calar" são os axiomas caldeais dos cabalistas. Como Apolo e outros deuses, Jesus é morto por seu Logos *; ele se ergue novamente, mata-o por sua vez e se torna seu senhor. * (Ver o amuleto gnóstico chamado "Serpente Chnuphis", no ato de erguer sua cabeça coroada como as sete vogais, que são o símbolo cabalístico que significa "dom da fala para o homem", ou Logos.)

E agora que mostramos essa identidade entre Miguel e Satã e os Salvadores e Dragão de outros povos, o que pode ser mais claro do que todas essas fábulas filosóficas originadas na Índia, esse viveiro universal do misticismo metafísico? "O mundo", diz Ramatsariar em seus comentários sobre os Vedas, "começou com uma luta entre o Espírito de Deus e o Espírito do Mal, e em luta há de acabar. Após a destruição da matéria, o mal não mais existirá, deverá voltar ao nada".

Na sua Apologia, Tertuliano falsifica evidentemente toda doutrina e toda crença dos pagãos relativas aos oráculos e aos deuses. Chama-os, indiferentemente, de demônios e de diabos, acusando estes últimos de possuírem até mesmo as aves do ar! Que cristão ousaria duvidar de tal autoridade? Não afirmou o salmista que "Todos os deuses das nações são ídolos" e não explicou o Anjo das Escolas, Tomás de Aquino, com sua autoridade cabalística, a palavra ídolos por diabos? "Eles vêem até os homens", diz ele, "e os incitam a adora-los, valendo-se de certas obras que parecem milagrosas".

Max Müller diz que a serpente do Paraíso é uma concepção que deve ter brotado entre os judeus e "dificilmente parece convidar a uma comparação com as concepções mais grandiosas do poder terrível de Vritra e de Ahriman no Veda e no Avesta". Para os cabalistas, o Diabo foi sempre um mito - o aspecto invertido de Deus ou do bem. O Mago moderno, Éliphas Lévi, chama o Diabo de l'ivresse astrale. É uma força cega com a eletricidade, diz ele: e, falando alegoricamente, como sempre fez, Jesus observou que ele "considerava Satã como se fosse um raio caído do Céu".

Muito embora o catecismo cristão nos ensine que Satã in própria persona tentou nossa primeira mãe, Eva, num paraíso real, e na forma de uma serpente, que de todos os animais era o mais insinuante e o mais fascinante! Deus ordena a ela, como castigo, arrastar-se eternamente sobre seu ventre, e comer a poeira do chão. "Uma sentença", observa Lévi, "que em nada se parece às tradicionais chamas do inferno". Não levaram em consideração os autores dessa alegoria que a serpente zoológica real, criada antes de Adão e Eva, arrastava-se sobre seu ventre e comia a poeira do chão, antes que existisse qualquer pecado original.

Por outro lado, não foi Ophion, o Daimôn ou Diabo, como Deus, chamado Dominus? A palavra Deus (deidade) deriva da palavra sânscrita Deva, e Diabo provêm do persa deva palavra substancialmente semelhante. Hércules, filho de Jove e de Alcmena, um dos deuses-sóis mais elevados e também o Logos manifesto, e, não obstante, representado numa dupla, como todos os outros.

O Agathodaimôn, o daemon beneficente, o mesmo que encontramos posteriormente entre os ofitas com a denominação de Logos, ou sabedoria divina, era representado por uma serpente que se mantinha ereta sobre uma vara, nos mistérios das Bacanais. A serpente com cabeça de falcão está entre os emblemas egípcios mais antigos e representa a mente divina, diz Deane.

No Velho Testamento, Jeová exibe todos os atributos do velho Saturno, apesar de suas metamorfoses de Adonais em Elói e em Deus dos Deuses, Senhor dos Senhores.

A TENTAÇÃO DE JESUS, E A DE BUDDHA.

Jesus é tentado na montanha pelo Diabo, que lhe promete reinos e glórias se prostasse e o adorasse (Mateus IV, 8, 9). Buddha é tentado pelo Demônio Wasawartti-Mâra, que lhe diz, no momento em que deixava o palácio de seu pai: "Fica, que possuíras as honras que estiverem ao teu alcance; não vás!" E com a recusa de Gautama em aceitar suas ofertas, rangeu seus dentes com raiva e prometeu vingar-se. Como Cristo, Buddha triunfa sobre o Diabao.

Nos mistérios báquicos, um cálice consagrado, chamado cálice de Agathodaimôn, passava de mão em mão entre os fieis após o jantar. O rito ofita de mesma descrição foi evidentemente tomado desse mistério. A comunhão, que consistia de pão e vinho, foi usada na adoração de quase todas as divindades importantes.

DIVINDADES PAGÃ QUE DESCERAM AO INFERNO.

Em relação com muitas divindades pagãs que, após a morte, e antes de sua ressurreição, desceram ao Inferno, seria útil comparar as narrativas pré-cristãs com as pós-cristãs. Orfeu fez a sua viagem, e Cristo foi o último desses viajantes subterrâneos. No Credo dos Apóstolos, que está dividido em doze frases ou artigos, que foram inseridos cada um por um apóstolo em paticular, segundo Santo Agostinho, a frase "Desceu ao inferno, no terceiro dia ressurgiu dos mortos" é atribuída a Tomé, talvez como uma expiação da sua incredulidade. Seja como for, diz-se que a frase é uma falsificação e não há evidência "de que esse Credo tenha sido modelado pelos apóstolos, ou pelo menos que existisse como credo em sua época".

Trata-se da adição mais importante que foi efetuada no Credo dos Apóstolos e data do ano 600. Esse artigo não era conhecido na época de Eusébio. O Bispo J. Pearson diz que ele não fazia parte dos credos antigos ou das regras de fé. Irineu, Orígens e Tertuliano não parecem conhecê-lo. Não é mencionado em nenhum dos Concílios realizados antes do século VII. Theodoret, Epifânio e Sócrates silenciam-se a seu respeito. Difere do credo de Santo Agostinho. Rufino afirma que, em sua época, ele não constava nem dos credos romanos nem dos orientais. Mas o problema se resolve quando lemos que séculos atrás Hermes falou da seguinte maneira a Prometeu, acorrentado no rochedo árido do Cáucaso:
"Teu tormento não cessará ATÉ QUE DEUS O SUBSTITUA EM TUA AFLIÇÃO E DESÇA AO LÚGUBRE HADES E ÀS PROFUNDEZAS SOMBRIAS DO TÁRTARO!"

Esse deus era Hércules, o "Unigênito", e o Salvador. E é ele que foi escolhido como modelo pelos padres engenhosos. Hércules - chamado Alexikakos porque converteu os malvados à virtude; Soter, ou Salvador, também chamado Neulos Eumêlos - o Bom Pastor, Astrochitôn, o vestido de estrelas, e o Senhor do Fogo. "Ele não sujeitou as nações pela força, mas pela sabedoria divina e pela persuasão", diz Luciano. "Hérules disseminou cultura e uma religião suave e destruiu a doutrina da punição eterna expulsando Cérbero (o Diabo pagão) do mundo inferior." E, como vemos, foi também Hércules quem libertou Prometeu (o Adão dos pagãos), pondo um fim à tortura infligida a ele por transgressões, descendo ao Hades e ao Tártaro. Como Cristo, ele apareceu como um substituto para as aflições da Humanidade, oferecendo-se em sacrifício numa pira funerária. "Sua imolação voluntária", diz Bart, "augurou o novo nascimento etéreo dos homens. (...) Com a libertação de Prometeu, e a ereção de altares, vemos nele um mediador entre os credos antigos e os novos. (...) Ele aboliu o sacrifício humano onde quer que fosse praticado. Desceu ao reino sombrio de Plutão, como uma sombra (...) ascendeu como espírito a seu pai, Zeus, no Olimpo".

A Antigüidade estava tão marcada pela lenda de Hércules, que até mesmo os judeus monoteístas (?) daquela época, para não serem ultrapassados pelos seus contemporâneos, utilizaram-na na manufatura das fábulas originais. Hércules é acusado, em sua mitobiografia, de uma tentativa de roubo do oráculo de Delfos. No Sepher Toledoth Yeshu, os Rabinos acusam Jesus de roubar do seu Santuário o Nome Inefável!

A ADORAÇÃO DE BAAL PELOS ISRAELITAS.

Já se provou que os israelitas adoravam Baal, o Baco sírio, ofereciam incenso à serpente sabaziana ou esculápia e realizavam os mistérios dionisíacos. Mas, como poderia ser de outra maneira, se Typhon era chamado Typhon Sete, e Seth, o filho de Adão, é idêntico a Satã ou Sat-an, e se Seth era adorado pelos hititas? Menos de dois séculos a. C., os judeus reverenciavam ou simplesmente adoravam a "cabeça dourada de um asno" em seu templo; de acordo com Apion, Antíoco Epifanes levou-o consigo. E Zacarias ficou mudo quando da aparição da divindade sob a forma de um asno no templo!.

Pleyte declara que El, o Deus-Sol dos sírios, dos egípcios e dos semitas, não é outro senão Set ou Seth, e que El é o Saturno primordial - Israel. Shiva é um Deus etiópio, da mesma forma que o Baal caldaico - Bel; portanto, ele também é Saturno. Saturno, El, Seth e Khîyûn, ou o Chiun bíblico de Amos, são uma única e mesma divindade e podem ser vistos no seu aspeto pior como Typhon, o Destruidor. Quando o panteão religioso assumiu uma expressão mais definida, Typhon foi separado do seu andrógino - a divindade boa - e caiu em degradação como um poder intelectual brutal.

Essas reações nos sentimentos religiosos de uma nação eram freqüentes. Os judeus adoraram Baal ou Maloch, o Deus-Sol Hércules, nos seus tempos primitivos - se é que tiveram tempos mais primitivos do que os persas e os macabeus - e então fizeram os seus profetas denuncia-los. Por outro lado, as características do Jeová mosaico exibiam mais da disposição moral de Shiva, do que um Deus benevolente e "que sofreu muito". Além disso, ser idêntico a Shiva não é pequena cortesia, pois ele é o Deus da sabedoria. Wilkinson descreve-o como o mais intelectual dos deuses hindus. Ele tem três olhos e, como Jeová, é terrível em sua vingança e sua cólera, às quais não se pode resistir. E, embora seja o Destruidor, é o "recriador de todas as coisas com perfeita sabedoria". É o tipo do Deus de Santo Agostinho que "prepara o inferno para os que espreitam os seus mistérios" e põe à prova a razão humana forçando-a a considerar, na mesma medida, suas boas e más ações.

Apesar das provas numerosas de que os israelitas adoravam um variedade de deuses e ofereciam sacrifícios humanos até um período posterior aos sacrifícios realizados pelos seus vizinhos pagãos, eles conseguiram esconder tais verdades à Humanidade. Sacrificaram vidas humanas até 169 a.C., e a Bíblia registra um grande número dessas ocorrências. Numa época em que os pagãos haviam abandonado essa prática abominável e haviam substituído o homem sacrificial por um animal, surge Jefté sacrificando sua própria filha em holocausto ao "Senhor".

A pluralidade dos deuses de Israel, está manifesta nessas denúncias. Seus profetas nunca aprovaram a adoração sacrifial. Samuel negou que o Senhor se agradasse com holocaustos e vítimas (I Samuel, XV, 22). Jeremmiasd afirmou, inequivocamente, que o Senhor, Yava Tsabaôth Elohe Israel, nunca exigiu nada desse tipo, mas exatamente o contrário (VII, 21-4).

Mas esses profetas que se opuseram aos sacrifícios humanos eram todos eles nazar e iniciados. Esses profetas comandavam um oposição nacional aos sacerdotes, como mais tarde os gnósticos combateram os padres cristãos. É por essa razão que, quando a monarquia foi dividida, encontramos os sacerdotes em Jerusalém e os profetas no país de Israel. Até mesmo Acab e seus filhos, que introduziram a adoração tíria de Baal-Hércules e das deusas sírias em Israel, foram auxiliados e encorajados por Elias e Eliseu. Poucos profetas apareceram na Judéia antes de Isaías, depois de derrubada a monarquia setentrional. Eliseu ungiu Jeú, com o propósito de que ele exterminasse as famílias reais de ambos os países e, assim, unisse os povos sob uma única coroa. Quanto ao Templo de Salomão, desconsagrado pelos sacerdotes, nenhum profeta ou iniciado hebraico moveu uma palha sequer. Elias nunca foi lá, nem Eliseu, Jonas, Naum, Amos ou qualquer outro israelita. Enquanto os iniciados aderiam à "doutrina secreta" de Moisés, o povo, levado pelos seus sacerdotes, embebia-se de idolatria, exatamente como os pagãos. Foram as opiniões e interpretações populares de Jeová que os cristãos adotaram.

OS CRISTÃOS PRIMITIVOS.

Pois bem, pode-se perguntar então: "Considerando-se as muitas evidências de que a teologia cristã é apenas uma miscelânea de mitologia pagãs, como relaciona-la à religião de Moisés?" Os cristãos primitivos, Paulo e seus discípulos, os gnósticos e geralmente os seus sucessoras, distinguiram essencialmente Cristianismo e Judaísmo. Este último, na sua opinião, era um sistema antagonístico, e de origem mais baixa. "Vós recebestes a lei", diz Estevão, "por ministério dos anjos", ou Aeons, e não do Altíssimo. Os gnósticos, como vimos, ensinaram que Jeová, a Divindade dos judeus, era Ialdabaôth, o filho do antigo Bohu, ou Caos, o adversário da Sabedoria Divina.

A pergunta pode ser respondida muito facilmente. A lei de Moisés, e o dito monoteísmo dos judeus, dificilmente poderá ser colocada para além de dois ou três séculos antes do advento do Cristianismo. O próprio Pentateuco, podemos demonstrar, foi escrito e revisto depois dessa "nova partida", num período posterior à colonização da Judéia sob a autoridade dos reis da Pérsia. Os padres cristãos, em sua ânsia de harmonizar seu novo sistema com o Judaísmo e assim esvaziar o Paganismo, fugiram inconscientemente de Scylla e foram apanhados pelo remoinho de Charrybdis. Sob o estuco monoteísta do Judaísmo descobriu-se a mesma mitologia familiar do paganismo. Mas não devemos ver os israelitas com mais desaprovação por terem tido um Moloch ou por serem como os nativos. Nem devemos obrigar os judeus a fazer penitência por causa de seus pais. Eles tiveram seus profetas e suas leis e estavam satisfeitos com ambos. O presente testemunha um povo antes glorioso que leal e que nobremente se manteve unido graças à sua fé ancestral por ocasião das perseguições mais diabólicas. O mundo cristão tem estado num estado de convulsão desde o primeiro século até o atual; dividiu-se numa infinidade de seitas; mas os judeus continuam substancialmente unidos. Mesmo as divergências de opinião não destroem sua unidade.

As virtudes cristãs inculcadas por Jesus, no Sermão da Montanha, não são exemplificadas como deveriam ser no mundo cristão. Os ascetas budistas e os faquires indianos parecem ser os únicos que as inculcam e as praticam. Ao passo que os vícios achados, por caluniadores viperinos, ao paganismo são correntes entre os padres cristãos e as Igrejas cristãs.

O grande abismo entre o Cristianismo e o Judaísmo, apoiado na autoridade de Paulo, existe apenas na imaginação do devoto. Somo nada mais, nada menos, do que os herdeiros dos israelitas intolerantes dos tempos antigos; não dos hebreus da época de Herodes e do domínio romano, que, com todas as suas falhas, se mantinham estritamente ortodoxos e monoteístas, mas dos judeus que, sob o nome de Jeová-Nissi, adoravam Baco-Osíris, Dio-Nyssos, o multiforme Jove de Nysa, o Sinai de Moisés. Os demônios cabalísticos - alegorias do significado mais profundo - foram adotados como entidades objetivas e constituíram uma hierarquia satânica cuidadosamente elaborada pelos demonólogos ortodoxos.

A INTERPRETAÇÃO DE "INRI". O MITO DE BACO.

O mote rosicruciano Igne natura renovatur integra [INRI], que os alquimistas interpretam como natureza renovada pelo fogo, ou matéria pelo espírito, tem sido imposto até hoje como Iesus Nazarenus rex Iudeorum. A sátira sarcástica de Pilatos é aceita literalmente e os judeus a tomaram inadvertidamente como reconhecimento da realeza de Cristo; no entanto, se essa inscrição não for uma falsificação feita no período constantiniano, ela será uma ação dirigida a Pilatos, contra quem os judeus foram os primeiros a protestar violentamente. Interpreta-se I. H. S. como Iesus Hominum Salvator e In hoc signo, ao passo que IH∑ e um dos nomes mais antigos de Baco. E mais do que nunca começamos a descobrir, à luz brilhante da Teologia comparada, que o grande propósito de Jesus, o iniciado do santuário interior, era abrir os olhos da multidão fanática para a diferença entre a Divindade suprema - o misterioso e nunca pronunciado IAÔ dos iniciados caldaicos antigos e dos neoplatônicos posteriores - e o Yahuh hebraico, ou Yaho (Jeová). Os Rosa-cruzes modernos, tão violentamente censurados pelos católicos, agora têm atirado contra eles, como a maior das suas responsabilidades, o fato de acusarem Cristo de ter destruído a adoração de Jeová. Melhor fora se ele o tivesse feito, pois o mundo não estaria tão irremediavelmente confuso após dezenove séculos de massacres mútuos, com trezentas seitas brigando entre si e com um Diabo pessoal reinando sobre uma cristandade aterrorizada.

Apoiado na exclamação de Davi, parafraseada na Versão do Rei James como "todos os deuses das nações são ídolos", isto é, diabos, Baco ou o "primogênito" da teogonia órfica - o Monogenes, ou o "unigênito" do Pai Zeus e Lorê - foi transformado, com o restante dos mitos antigos, num diabo. Por meio dessa degradação, os padres, cujo zelo piedoso só poderia ser ultrapassado por suas ignorâncias, forneceram inadvertidamente as provas contra si mesmo.

É o mito de Baco que manteve escondida durante longos e tenebrosos séculos a vindicação futura dos vilipendiados "deuses das nações" e a última chave do enigma de Jeová. A estranha dualidade de caraterísticas divinas e mortais, tão conspícua na Divindade Sinaítica, começa a entregar seu mistério diante da pesquisa incansável de nossa época. Uma das contribuições mais recentes pode ser encontrada num artigo pequeno, mas altamente importante, publicado em The Evolution, um periódico de Nova Yorque, cujo parágrafo final lança um raio de luz sobre Baco, o Jove de Nysa, que foi adorado pelos israelitas como Jeová do Sinai.

"Assim era o Jove de Nysa para os seus adoradores", conclui o autor. "Representava para eles o mundo da natureza do pensamento. Era o `Sol da retidão, que trazia a saúde em suas asas', e não trazia apenas a alegria para os mortais, mas descortinava para eles a esperança que está além da mortalidade da vida imortal. Nascido de uma mãe humana, elevou-a do mundo da morte para o ar superno, para que fosse reverenciada e adorada. Sendo o senhor de todos os mundos, era em todos eles o Salvador.

"Assim era Baco, o Deus-Profeta. Uma mudança de culto, decretada pelo Assassino Imperador Teodósio, por ordem do Padre Espectral Ambrósio de Milão, modificou seu título para Padre das Mentiras. Sua adoração, antes universal, foi denominada pagã ou local, e seus ritos foram estigmatizados como feiticeiros. Suas orgias receberam o nome de Sabbath das Bruxas e sua forma simbólica favorita, o pé bovino, tornou-se a forma representativa moderna do Diabo, com o casco rachado. O pai da família, que antes fora chamado de Beel-zebub, passou a ser acusado de manter relações com os poderes das trevas. Levantaram-se cruzadas, povos inteiros foram massacrados. A sabedoria e a erudição foram condenados como a magia e feitiçaria. A ignorância tornou-se a mãe da devoção hipócrita. Galileu penou durante longuíssimos anos na prisão por ensinar que o Sol era o centro do universo solar. Bruno foi queimado vivo em Roma em 1600 por restaurar a filosofia antiga; mas, apesar de tudo, a Liberlia converteu-se em festa da Igreja. Baco é um santo do calendário repetido quatro vezes e representado em muitos santuários nos braços de sua mãe deificada. Os nomes mudaram, mas as idéias perduraram inalteradas".

BACO - Exotéricamente e superficialmente, é o deus do vinho e da vindima, bem como da devassidão e do alvoroso. Porém, o significado Esotérico desta personificação é mais abstruso e filosófico. É o Osíris do Egito e tanto sua vida quanto sua significação pertencem ao mesmo grupo dos demais deuses solares, todos eles “carregando com a culpa”, mortos e ressuscitados, como por exemplo Dionísio ou Atys de Frígia (Adónis ou o Tammuz sírio), como Ausonius, Baldur etc. Todos eles foram condenados à morte, pranteados e restituídos à vida. As festas em honra de Atys ocorriam nas Hilarias, celebradas na Páscoa “pagã”- o dia 15 de março. Ausonius, uma forma de Baco, era morto no equinócio de primavera (21 de março) e ressuscitava três dias depois. Tammuz, o duplo de Adónis e Atys, era pranteado pelas mulhares num “bosquezinho” que levava seu nome, “além de Beyhlehem, onde chorava o menino Jesus”- diz São Jerônimo. Baco é assassinado e sua mãe recolhe os pedaços de seu corpo dilacerado, como o fez Ísis com os de Osíris e assim sucessivamente. Dionysos Iacchus, destroçado pelos titãs, Osíris, Krishna e todos os demais desceram ao Hades e retornaram. Astronomicamente todos eles representam o Sol; psiquicamente, são emblemas da “Alma” (o Ego em sua reencarnação), que sempre ressuscita; espiritualmente, todas as vítimas propiciatórias inocentes que expiam os pecados dos mortais, seus próprios invólucros terrenos e, na realidade, imagem poetizada do Homem Divino, a forma de barro animada por seus Deus. G. Teosófico E. Grond.)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O martírio dos Macabeus e as restrições do Sabath

O SURGIMENTO DA CONCEPÇÃO DE ESCRITURAS SAGRADAS.
Uma análise de como os escritos judaicos passaram de registros históricos e religiosos para Revelação Divina.

Em 538 aC. os persas conquistaram a Babilônia, o Rei Ciro mandou libertar todos os povos prisioneiros da cidade, assim, os judeus tiveram permissão de voltar para sua terra. Voltar era um desafio e muitos bem sucedidos preferiram ficar e voltaram os aventureiros e os religiosos com a idéia de reconstruir o templo.

Mas pior para os judeus foi voltar e ver sua terra transformada em uma região estéril e sofrer com a desconfiança dos que ficaram. Jerusalém estava uma metade em ruínas e a outra abandonada e o povo que voltou foi morar nas ruínas de pedra abandonadas em uma situação deprimente. Após um tempo eles perderam as esperanças e se resignaram a uma vida sem perspectivas. Até a reconstrução do templo perdeu força e surgiram conflitos entre os que ficaram e os que chegaram.

Na Judéia a lei e a ordem praticamente não existiam, os forasteiros convenceram os persas que os judeus pretendiam se rebelar após o fim de reconstrução do templo, assim, os persas proibiram sua reconstrução. A ordem foi revogada alguns anos depois, mas, o ritmo foi irremediavelmente quebrado.

Oitenta anos depois, os exilados se arrependiam de ter voltado, foi quando um homem notável chegou a Jerusalém: Esdras, ele foi enviado para restaurar a ordem e era escriba e sacerdote, sendo que ninguém nascia escriba, era preciso ter talento, inteligência e preparo e era também um homem de posição e poder político. Vinha da Babilônia onde os escribas tinham escrito a primeira versão da Bíblia hebraica, A Torá, mas, os exilados não eram letrados e não conheciam o livro nem suas histórias e leis. Esdras disse: "É isso o que somos e é assim que devemos viver" Seria este um dos maiores eventos da história dos judeus. Esdras reuniu todo o povo em uma praça e leu todo o livro. Isso tornou Esdras quase como Moisés. Ele comunicou a Lei e disse ao povo que antes não sabia como agir, mas que agora tinha que refazer a aliança usando o Rolo Sagrado."Vós sois os filhos de Javeh, porais os dízimos para que o estrangeiro, os órfãos e viúvas comam, é uma ordem: Abra sua mão ao irmão necessitado que vive em sua terra, lembrem-se do Egito e da servidão que vocês foram resgatados".

Antes, eles conheciam a Tora através de citações e agora a tinham completa: O ideal, a história, as leis, os princípios, tudo ressurgiu naquele momento para os judeus. O Deus dos israelitas, não se importava apenas com os sacerdotes, mas com todo o povo: fazendeiros, artesãos, etc. Foi uma revolução religiosa e democrática. O que Esdras declarou naquele dia foi que não existiam conceitos secretos em Israel. Em outras culturas, havia ritos que só os sacerdotes conheciam, mas, a Torá descrevia os ritos do templo, seus utensílios, etc. Assim, todos os israelitas sabiam o que acontecia.

"A revelação de Deus é para quem quiser compreendê-la, não há uma para sacerdotes e profetas e outra para o povo, todos podem buscar Deus e entender seus ensinamentos".

A convocação de todos os judeus para participar da aliança revitalizou Jerusalém, a reconstrução do templo foi terminada e ele ocupava papel central na vida judaica.

Durante o segundo templo, havia um só lugar onde o tempo e o espaço sagrado se uniam: durante os sacrifícios, o povo se aproximava de Deus.

Se uma pessoa vivesse longe de Israel e fosse a hora de celebrar a páscoa, ele venderia o animal, faria a peregrinação para Jerusalém, compraria outro animal e o levaria para o sacrifício, era um presente para Deus.

Deus proibiu os judeus de se casarem com estrangeiros para que não adorassem outros deuses, nos anos tumultuados do cativeiro, muitos assim procederam. Depois que Esdras ordenou que todos se divorciassem "Vós pecastes tomando mulheres estrangeiras... separai-vos delas".

"Para Esdras, os judeus eram um povo sagrado, eram importantes porque viviam entre outros povos, assim, era importante criar um estado religioso à parte". (J. Krugel, Haward University)

A questão do divórcio das esposas estrangeiras gerou muitas controvérsias e essas controvérsias às vezes se agravavam em uma sociedade altamente religiosa.

Todos tinham um ideal para a sociedade quando voltassem do exílio. Essas expectativas se baseavam na história do passado e esse passado também gerava divergências e assim começaram a surgir discordâncias quanto às escrituras. Uma das maiores foi provocada por um livro que ousou questionar a mensagem dos profetas e dos escribas que editaram a Bíblia. A explicação dos escribas para a história judaica baseava-se na concepção de que Deus era justo e que recompensava o bem e punia o mal, mas, um livro escrito após o retorno alegava que poderia não ser assim: um herói chamado Jó, sofreu várias tragédias pessoais: sua colheita foi destruída, seu rebanho dizimado, seus filhos mortos e o próprio Jó contraiu lepra.

Enquanto se lamentava, Jó fez um dos maiores questionamentos da vida: Por que pessoas más prosperam enquanto os bons sofrem. "Como os maus crescem?", "o pavor me invade", "minha esperança é varrida com o vento", "minha esperança se desfaz como uma nuvem", "esperava a felicidade e veio desgraça", "caminho no escuro sem sol".

Jó parece reagir à idéia de que exista um Deus justo o poderoso e que recompensará o justo e punirá o mal, e essa é a idéia central da maioria dos livros bíblicos e dos profetas que vieram antes do exílio (Seth Schwartz,Seminário Teológico Judeu).

Jó sentia que isso não era verdade, para ele, a realidade não mostrava isso. Jó não esperava receber a recompensa por sua vida de desgraças após morrer. No Século IV aC., os judeus viam os escritos como a história de seu passado e pouco sobre seu futuro e a questão da vida após a morte, poucos criam nisto "para uma árvore há esperança, se ela for cortada, poderá rebrotar, mas, o homem quando morre, onde está ele?", "as águas correm, o rio se esgota, assim o homem se deita para não mais levantar".

A filosofia de Jô se tornaria crucial para o judaísmo. Se não havia recompensa ou punição, então por que seguir as leis de Deus? Era uma pergunta incômoda. Ao mesmo tempo, surgiu uma oportunidade de adotarem um modo de vida muito mais empolgante. No Século IV aC. um povo notável invadiu o Oriente Médio: os gregos liderados por Alexandre, conquistaram da Grécia à Índia, mas, eles possuíam mais que poderio militar, criaram a civilização mais sofisticada que já existira, sua arte era magnífica e se inspirava no corpo humano e os jogos olímpicos eram a maior expressão. Também reverenciavam a mente e seus grandes pensadores criaram a filosofia, a ciência e a matemática. Graças a isso, a economia, a arte, a arquitetura e a política deles estavam anos à frente dos outros povos do mundo. Para os judeus, a ameaça de sua cultura sucumbir era enorme, maior que o perigo representado por um exército poderoso.

"Quando o mundo grego se expandiu mais para o leste, os judeus se viram no meio do Império Grego, cercados por esta espetacular cultura". (Burton Vigotzky, Jewish Teological Seminary) e começaram a se helenizar (mistura da cultura grega com a oriental). Isso foi bom para muitos judeus, assim, ficaram em um dilema: manter sua identidade como povo ou não?

Esdras trouxera com a Torá, uma abordagem nova para o judaísmo mas, Bem Sirach e outros, ansiosos por uma alternativa começaram a estudar a vida dos heróis da Bíblia em busca da sabedoria divina que a história deles contava. Com a disseminação desta prática, uma idéia nova surgiu: os autores foram inspirados por Deus e tudo que "As escrituras" dizem é verdade.

A idéia de inspiração divina das escrituras emergiu devagar e gradativamente. "Os profetas falavam claramente em nome de Deus"; "Deus mandou dizer isto..."; "foi isso que Ele disse...".

Mas a concepção dogmática de inspiração divina das escrituras surgiu para outras partes da Bíblia. Os gregos podiam ser o povo mais rico e poderoso do mundo, mas, os judeus tinham uma arma poderosa: um livro escrito pelo próprio Deus e que dizia como eles deviam viver. Por causa das dificuldades de se entender o que Deus queria dizer em cada passagem, o significado de muitas histórias da Bíblia passou a estar aberto outras interpretações.

Os Judeus eram chamados de "o povo do livro" pelos gregos, mas na verdade, eles eram o povo da interpretação do livro onde muitas passagens têm mais de um significado ou interpretação especialmente em textos muito antigos que usavam palavras que não eram mais conhecidas, portanto, era preciso entender seu significado.

A incerteza quanto o que a Bíblia dizia, deu grande liberdade aos interpretes. Surgiram novas crenças que moldaram o judaísmo e o cristianismo. A mais importante delas respondia a uma questão fundamental: Por que os seres humanos tinham que ser bons? No Século IV aC. começaram a acreditar que os mortos ressuscitariam e que seriam julgados e os bons iriam para o paraíso e os maus para o inferno. Os que adotaram este conceito, diziam que encontraram estes conceitos na Bíblia e neste ponto, as pessoas começaram a ver a vida após a morte como a hora do acordo final, onde acertariam as contas com Deus.

A idéia de que a Bíblia era inspirada por Deus também provocou um grande interesse em profecias. A mais conhecida dizia que uma época conturbada se aproximava e que Deus ficaria ao lado daqueles que como os patriarcas e os profetas, perseveraram na aliança. Este novo jeito de compreender a Bíblia não só transformou o judaísmo mas, preparou-o para uma guerra de sobrevivência.
Os sucessores de Alexandre formaram uma nova dinastia: os Selêucidas, que assumiram o controle do Oriente Médio, o primeiro reino selêucida permitiu que os judeus se tornassem cidadãos gregos, mas, em 185 a C. um homem incomum subiu ao trono grego: Antíoco IV, o louco. Um de seus primeiros decretos registrado no livro de Macabeus exigia que todos os súditos substituíssem suas tradições ancestrais por gregas. O rei publicou um édito "todos os povos formem um único reino e que todos abandonem suas tradições particulares".

Muitos povos já haviam adotado o modo de vida grego, mas, não os judeus devotos que teriam que fazer uma escolha: abrir mão de sua crença ou lutar para defendê-la. Antíoco aliara-se a uma facção de judeus que adotaram o modo de vida grego para aumentar sua influência e ele deu o cargo mais importante a um judeu que pertencia a este grupo: o de Sumo Sacerdote do templo e este cargo foi comprado por Jasão com 360 talentos de ouro. Assim que assumiu, começou a converter seus compatriotas para o estilo de vida grego.

Para um Sumo Sacerdote na Jerusalém do Século II aC. a questão era simples: assumir o modo de vida grego ou não? Apoio ou não ao processo que já dominava todo o Oriente Médio (Isaías Gafui, Universidade Hebraica) e havia muitos dispostos a isso e a unir-se aos seguidores de Antíoco IV Epífanes.

Isso provocou uma reação violenta dos judeus ortodoxos. A circuncisão era o maior símbolo dos judeus, mas, durante este período, alguns judeus começaram a tentar mascarar a circuncisão para poderem participar dos jogos gregos, o processo chegou a tal ponto que os judeus perderam o interesse nas cerimônias e abandonaram tudo. "Para os judeus ortodoxos, certos costumes gregos como a nudez, o homossexualismo e os múltiplos deuses eram inaceitáveis" (Lawrence Schffman, New York University).

Segundo o livro de Macabeus o pior para os judeus foi a ordem de Antíoco de transformar o templo, o coração da religiosidade judaica em um templo grego. A revolta começou quando os cobradores de impostos receberam a ordem de levar uma imagem de Zeus. Matatias e seus filhos ao serem cobrados responderam: "Perseveraremos na aliança..." eles demoliram o altar a Zeus e mataram os cobradores.

Matatias e seus filhos seriam conhecidos como "Os Macabeus", sua revolta provava que o comprometimento dos judeus com o Livro Sagrado era tão forte que eles morreriam por ele e pelo templo que eles queriam purificado.

"Na história do mundo, essa foi a primeira vês que se fez uma guerra pela liberdade religiosa e de consciência". (Shave J. O. Cohen, Haward University) Pela primeira vez o estado mexeu com a religião, essa foi a Revolta dos Macabeus. Os revoltosos se refugiaram nas montanhas para fugir do exercito de Antíoco. O grupo era pequeno e ainda tinha que lutar seguindo a lei judaica: Era ilegal lutar no sábado e em uma ocasião, o exercito de Antíoco cercou um grupo de revoltosos, esperaram o anoitecer de sexta e atacaram. Mil judeus morreram nesta ocasião.

O evento introduziu o conceito de martírio, não lutaram no sábado e se tornaram mártires. "A Revolta dos Macabeus é o exemplo clássico de judeus lutando por sua religião e morrendo por isso" mas, depois do massacre os judeus decidiram reconsiderar a questão da obediência ao sabath, essa incerteza lhes deu liberdade. Tinham consciência de que se continuassem agindo assim, seriam exterminados e sua luta não teria sentido. Decidiram então combater no sábado para se defenderem, deixando parcialmente de lado as restrições do sabath.

Após a morte de Matatias, seu filho Judas o sucedeu na liderança dos revoltosos, era um líder carismático que usava líderes hebreus como exemplo para incentivar seus liderados "Logo cedo, Judas se preparava para a batalha... não temais... lembrem-se de como os nossos pais foram salvos no mar Vermelho..." depois de uma série de vitórias, Judas começou a ser chamado de "o macabeu", ou o martelo. Ele é um dos maiores heróis judeus...

Em 164 a C. os macabeus conquistaram Jerusalém , seu primeiro ato oficial foi retirar toda a influência grega do templo e reconsagraram-no. "Judas macabeu e seus companheiros purificaram o templo, fizeram sacrifícios rituais segundo a lei e acenderam os candeeiros".

O templo tinha que ser purificado pois ritos pagãos foram realizados nele. Isso levou ao chamado Festival do Hanuká, ou reconsagração do templo judeu. Embora o Hanuká seja um momento de triunfo, ele não foi o fim do conflito. As tropas de Antíoco contra atacaram e mataram Judas, "Israel chorou longamente...". O Hanuká tornou-se um símbolo de luta constante, após essas lutas, começaram as negociações políticas lideradas pelo irmão de Judas: Jonathas que em 152 a.C. tinha dez mil soldados sob seu comando, fez um acordo com um dos generais que disputavam o Reino Selêucida, aliou-se astutamente ao mais fraco e em comum acordo, nomearam o Sumo Sacerdote e o governante da Judéia. Esta se tornou independente pela primeira vez desde Davi. O reinado dos macabeus iniciou um período de renovação espiritual do judaísmo. A vitória da ortodoxia era a prova de que a Bíblia estava certa e que Deus ajudava os que perseveravam na fé. Prevaleceu o pensamento de que quando a luta é justa, poucos derrotam muitos.

Isto se tornou tradição tanto no judaísmo quanto no cristianismo. A idéia de morrer pela fé, o martírio e, a certeza de uma vida após a morte deu um dos alicerces espirituais que permitiram ao cristianismo sobreviver nas muitas perseguições que sofreu.

Do lado dos judeus, a convicção de que o destino deles dependia da confiança nas leis de Deus cresceria no período inter-testamentário, preparando os judeus para outra luta com um novo povo: os romanos.

As concepções sobre os mistérios da Vida, da Morte e do Além, nos textos Midráshicos, Torá, e no Livro da Sabedoria

Independentemente da catequese divina, vertical, na qual insistimos, também é verdade que se verificaram e verificam influências horizontais, a história assim o atesta (ambas se complementam em direção a um mesmo Alto Desígno!), e por isso não tem nada de singular o fato de certas crenças egípcias terem passado para os Hebreus, embora com um faseamento histórico diferente e até com significativas modificações de conteúdo.

No hebraísmo primitivo, a que poderíamos chamar período patriarcal, e durante bastantes séculos da história judaica, o destino post-mortem praticamente não existia (cf. supra, pp. 100-102), de modo que a justiça de Jahvé, para poder ser aceita e reconhecida, tinha de se exercer, com seus prémios e castigos, enquanto os seres humanos viviam neste mundo como nos testemunha, por exemplo, uma das seções mais antigas do livro de Jó, redigida provavelmente antes do século VIII a. C. mas que teria fixado uma tradição oral remontando aos séculos XII ou XIII a. C. Nesse trecho se estabelece um confronto entre a árvore, que mesmo cortada pode reverdecer, e o homem para o qual tudo termina com a morte:

Há sempre esperança para uma árvore:
mesmo caída, pode recomeçar a viver…
Mas um ser humano? Morre, e morto permanece,
solta o último suspiro, e para onde vai?…
Um ser humano, uma vez caído, nunca mais se reergue,
os céus desaparecerão e ele não despertará…
Acaso podem os mortos voltar à vida? - Jó 14, 7.10.12.14.

Como é que na mentalidade hebreia surgiu e se desenvolveu a fé numa vida após a morte e numa justiça retributiva ultraterrena ?

Sugerem alguns historiadores que esta crença se formou durante a helenização do Médio Oriente e se consolidou sobretudo a partir do século II a. C. com as perseguições religiosas praticadas pelo selêucida Antíoco IV, o Epífano (215-164 a. C.), monarca do reino helenístico da Síria.

Depois de ter invadido e ocupado o Egipto, Antíoco virou os seus apetites para Israel que tentou igualmente absorver, e desta musculada tentativa da sua ambição e dos seus exércitos resultou um extenso rol de destruições e pilhagens bem como a chacina dos Judeus mais ortodoxos que se lhe opunham, sobretudo os Hasidim .

Antíoco assolou Jerusalém e decretou a pena de morte para quem prestasse culto a Jahvé; ergueu no Templo da cidade um altar a Zeus Olímpico e ordenou que se fizessem sacrifícios diante dum ídolo à sua própria imagem. Judas Macabeu, chefe da oposição judaica à ocupação sírio-helénica, pôs-se à frente dos Hasidim e empenhou-se numa guerra sem quartel contra o invasor.

A tradicional teodiceia judaica, patente nos mais antigos livros da Bíblia, em que as penalidades e as recompensas sobrevinham por deliberação e intervenção divinas durante a vida terrena, sofreu um vigoroso abalo com estas perseguições de Antíoco e das suas tropas. Com efeito, aquele conceito de uma divina justiça atuando regularmente e diretamente no mundo físico revelou-se incapaz de dar conta do que se passava e de consolar as piedosas vítimas: nesses conturbados tempos eram precisamente os bons e os justos que padeciam os mais duros castigos, enquanto os apóstatas floresciam e prosperavam!

Os textos do Antigo Testamento vão-nos testemunhando como estes e outros fatos históricos igualmente escandalosos para os Israelitas (o exílio babilónico, por exemplo, no século VI a. C.) foram induzindo no ânimo dos perseguidos a ideia dum futuro prémio para os bons, que sacrificaram a vida pela causa de Israel, e dum futuro castigo para os ímpios perseguidores.

No primitivo hebraísmo, tal como nos testemunha por exemplo o Gênesis, o ser humano era uma "unidade de força vital", porque o seu corpo de carne (bâsâr) não só tinha um alento vital (nephesh) - por vezes apressadamente identificado com a "alma" - mas também um sopro espiritual (ruach) provindo de Deus. Aliás, o Prof. Sid Z. Leiman, catedrático de História e Literatura Judaicas na Universidade de Brooklyn, chama a atenção para um pormenor significativo: o ser humano não possuía um nephesh, diz ele, mas era um nephesh, e cita o Génesis: "…Wayehi ha-adam le-nephesh hayya" ("… e o homem tornou-se um ser vivente") (Génesis 2, 7).

Na prática, e nesses antiquíssimos tempos, nephesh e ruach quase se indistinguiam, e não podiam ter uma existência separada, fora do corpo; por conseguinte, com a morte, todo o conjunto se dissolvia e apenas uma vaga sombra permanecia no sheol. Foi só a partir do momento em que os Hebreus sentiram a tal necessidade dum futuro prêmio ou castigo, sobretudo a partir do século II a. C., como vimos, que o termo nephesh começou a ser encarado como uma entidade psíquica com existência independente do corpo.

Porém, já nesse tempo e mais ainda posteriormente, as diferentes escolas judaicas não se entendiam nem se coadunavam quanto ao que deveria acontecer após a morte, havendo mesmo sérias rivalidades, em algumas delas, quanto à validez de se irem buscar as velhas ideias egípcias de ressurreição e concomitante retorno dos corpos…

Vejamos um caso típico registado por Flávio Josefo no Bellum Judaicum, respeitante às disputas doutrinais do seu tempo (primeiro século da era cristã) sobre a morte e a vida após a morte, por exemplo entre os saduceus e os fariseus.

Estes últimos, que expressavam as ideias duma classe média mais liberal, seguiam a Lei escrita de Moisés - a Torah - mas complementavam-na com a tradição oral e admitiam, por exemplo, a ressurreição dos mortos e até, em certos casos, a reencarnação das almas em vários corpos sucessivos (cf. Epifânio de Salamina, Panarion I, 16).

Em contrapartida os saduceus, que se reclamavam da linhagem de Sadoq, sumo-sacerdote de Salomão (1 Reis 2, 35) e contemporâneo do célebre Iniciado Nathan da Irmandade dos Profetas, recusavam seguir outra Lei que não fosse a Torah (os cinco primeiros livros do Antigo Testamento, ou Pentateuco) e negavam a imortalidade da alma, a ressurreição dos corpos após a morte e a existência de espíritos angélicos.

Por sua vez a comunidade essênia, não deixou textos exotéricos, explícitos, sobre essa matéria: "A bem-aventurança dos eleitos tal como vem descrita na Regra da Comunidade ou no Documento de Damasco está muito mais próxima da "imortalidade da alma" do que da "ressurreição da carne" […] São surpreendentes a ambiguidade e a imprecisão, para não dizer a falta de provas, na literatura da seita de Qumrân sobre a ressurreição, individual ou geral" .

A ideia de uma futura "ressurreição dos corpos" constituiu, no Judaísmo, uma novidade teológica que começou a tomar forma sobretudo a partir do século II a. C., como nos testemunham alguns textos bíblicos dessa época:

Daniel 12, 2-3, Isaías 26, 9 ou o 2.º livro dos Macabeus (cf. supra, pp. 105-106).

Certos estudiosos admitem que esta ideia pode ter tido origem, também, na antiga religião Iraniana em que a Grande Batalha Cósmica, dualística, entre a vida e a morte, acabará por ser ganha pela vida através da ressurreição dos mortos. Por outro lado a influência grega, na época helenística, ajudou a transformar a sombras do sheol em verdadeiras "almas", com uma existência imortal à margem e independentemente do corpo .

Aliás, certos passos do 2.º livro dos Macabeus deixam alguma dúvida se se tratará do conceito de "ressurreição dos mortos", ou, antes, de alguma forma de "reencarnação", isto é, de renascimento num novo corpo, naturalmente humano e por isso semelhante ao atual.

No capítulo 7, que narra o martírio dos sete irmãos Macabeus às mãos do tirano Antíoco IV, deparamos com as seguintes frases:

"Ímpio brutal, podes arrebatar-nos a vida presente, mas o Rei do mundo reerguer-nos-á a fim de vivermos de novo para sempre, visto que morremos pelas suas leis" (2 Macabeus 7, 9).

"O céu deu-me estes membros; por amor às suas leis não me preocupo com eles; e dele espero recebê-los de novo" (7, 11).

"A nossa é a melhor escolha, encontrar a morte pelas mãos dos homens, confiando na promessa de Deus que seremos reerguidos por ele; ao passo que para ti não haverá ressurgimento para uma nova vida" (7, 14).

Por sua vez a mãe dos heróis encoraja os filhos a sofrerem varonilmente o martírio, dizendo-lhes:

"Não sei como aparecestes no meu ventre; não fui eu quem vos dotou de respiro e de vida, nem formei os vossos membros. Mas o Criador do mundo que fez os homens e ordenou a origem de todas as coisas, restituir-vos-á, na sua misericórdia, o vosso respiro e a vossa vida, visto que por amor das suas leis não vos preocupais convosco" (7, 22-23).

A ambiguidade deste conceito reflete-se mais adiante quando a mãe afirma que Deus criou o mundo ex nihilo , contrariando a tradição judaica, do Gênesis, bem como as concepções do nascente Judaísmo helenístico, antecipando de certo modo o gnosticismo de Basilides (meados do século II d. C.):

"Imploro-te, meu filho, olha para a terra e para o céu e tudo o que há neles, e de como Deus os fez a partir do nada, e de como os humanos vieram à existência da mesma maneira" (7, 28).

Alguns teólogos - como por exemplo o professor Willem B. Drees da Universidade de Groningen, Holanda (cf. Beyond the Big Bang, 1990) - admitem que este versículo acusa uma nítida influência grega no contexto judaico do século II a. C. Essa influência das ideias gregas sobre o conjunto das concepções judaicas do mundo e da morte poderá igualmente observar-se na maneira de conceber a doutrina da reencarnação, ou preexistência das almas com sucessivos renascimentos, como parece confirmar o livro bíblico da Sabedoria, escrito no séc. I a. C. por um judeu culto da diáspora e que naturalmente reflecte as ideias do seu autor. Nele podemos ler:

"Recebi por lote uma alma excelente, ou antes, por ser bom, entrei num corpo sem defeito" (Sabedoria 8, 19-20).

"Porque um corpo corruptível pesa sobre a alma, e essa tenda de barro sobrecarrega o espírito com os seus cuidados" (Sabedoria 9, 15)

Os teólogos mais conservadores tentam demonstrar que estes passos não se referem a nenhuma forma de reencarnacionismo, e que a escatologia do livro da Sabedoria pode ser explicada por categorias exclusivamente judaicas sem recorrer às (óbvias) influências helenísticas que nele existem.

Os exegetas laicos contra-argumentam que os teólogos bem podem considerar que não se trata de preexistência das almas, mas o que os teólogos consideram não anula o que lá está por mais que se empenham em demonstrar o indemonstrável, isto é, a não influência grega sobre o Judaísmo intertestamentário.

O problema reside em que o livro da Sabedoria, considerado apócrifo pelo cânone judaico (e luterano) foi aceito como canônico pela Igreja católica no Concílio de Trento (1545-1563) ao mesmo nível dos restantes livros inspirados da Bíblia - e este é um ponto absolutamente indisputável para um teólogo católico. Daí os malabarismos retóricos e dialéticos a que a teologia católica mainstream se vê obrigada a recorrer, a fim de analisar, reler e reinterpretar aqueles textos e subjacentes conceitos até fazê-los encaixar no corpus dos dogmas da Igreja - nomeadamente, neste caso, o dogma da ressurreição da carne.

Para o Judaísmo farisaico a crença na ressurreição dos corpos é um artigo de fé da Mishnah:

Todos os Israelitas terão a sua parte no mundo vindouro […] E não terão parte no mundo vindouro aqueles que dizem que não há ressurreição dos mortos prescrita na Lei, e os que dizem que a Lei não é do Céu, e os epicuristas. (Sanhedrin X, 1).

Já vimos que os saduceus rejeitavam a ressurreição dos mortos por não a encontrarem na Lei de Moisés (Torah), discordância que deu origem a muitas discussões e controvérsias: na literatura rabínica, talmúdica e midráshica podemos deparar com inúmeras opiniões diferentes sobre o destino da alma após a morte, a redenção messiânica, a ressurreição dos mortos, o mundo vindouro… como por exemplo se os mortos se recordam ou não do mundo que deixaram, com que corpo é que os ressuscitados (se é que ressuscitam!) irão eternizar-se, sobretudo os que em vida tiveram corpos malformados e doentes, ou se esses corpos se tornarão perfeitos, ou ainda se aparecerão nus ou vestidos, etc.

Um dos textos midráshicos chega ao ponto de afirmar:

"A única diferença entre os vivos e os mortos é o poder da fala" (Pesikta Rabbati XII, 46).

Acerca daqueles de entre os fariseus que acreditavam na reencarnação, diz-nos Flávio Josefo:

"… Concebem a alma como imperecível, mas só as almas dos bons passam para outro corpo, enquanto as dos maus sofrem um castigo eterno".

O filósofo judeu Fílon de Alexandria, contemporâneo de Jesus, argumentava que o corpo é uma coisa morta e um "conspirador contra a alma", e que a doutrina da ressurreição é secundária à da imortalidade da alma, e que no fundo o conceito de ressurreição não passa de uma maneira figurada de representar a verdadeira imortalidade espiritual. Modernamente, certas versões atuais do Judaísmo negam a crença na ressurreição a favor da doutrina da simples imortalidade, ou seja, afirmam que a ressurreição não deve ser tomada literalmente mas simbolicamente.

Enfim, não vale a pena adiantar muito mais para se perceber que já no tempo de Cristo vigoravam as concepções mais díspares e até opostas sobre os mistérios da vida, da morte e do além. Como os ensinamentos de Jesus sobre tais mistérios têm sido diversamente interpretados ao longo dos séculos - e ainda hoje -, importa ver um pouco mais de perto como é que esses ensinamentos ficaram registrados e que precauções exigem para a sua plausível decifração.

Christopher Hitchens, Juan Arias, e o fracassado Retorno de Jesus


É amplamente sabido que os primeiros cristãos, os cristãos do século I, esperavam para muito breve, para seu próprio tempo de vida, a volta, o retorno de Jesus Cristo, a Segunda Vinda, a chamada parousia, palavra grega que significa “presença”.

Selecionei três trechos de três obras diferentes que dão testemunho de tal expectativa.

O primeiro livro é God is not Great (Deus não é grande) do jornalista inglês Christopher Hitchens. Ele diz na p. 56 de sua edição americana em brochura:
“Paulo claramente pensava e esperava que o tempo estava acabando para a humanidade”.

Hitchens é confirmado por Richard Tarnas, filósofo americano, em A epopéia do pensamento ocidental, cuja p. 151 afirma:
“Como a Segunda Vinda não ocorreu conforme a primeira geração de cristãos havia esperado, o dualismo que tinha uma forma nos Sinópticos assumiu uma dimensão mais mística e ontológica sob a influência do Evangelho de João”.

Em A História do Futuro – O que há de verdade nas mais famosas profecias e previsões, o historiador canadense David A. Wilson trata do assunto de forma mais detalhada (pp. 41-42):
O cristianismo, em seus primórdios, era permeado de expectativas do milênio, intensificadas pelas próprias palavras de Cristo, como relatado nos evangelhos de Marcos e Mateus: “Em verdade vos digo que entre aqueles que estão aqui presentes”, disse Mateus a seus discípulos, “há alguns que não morrerão antes que vejam o Filho do Homem vir ao seu reino”. Ao mesmo tempo, a noção dos mil anos de reinado de Cristo foi ampliada para incorporar não só os mártires revividos, como todos os fiéis seguidores de Cristo. O milênio, acreditava-se, aconteceria em breve e abrangeria toda a comunidade cristã.

Prossegue Wilson:
O único problema é que a Segunda Vinda teimosamente se negava a se materializar. Algo estava claramente errado: crescia a lacuna entre as expectativas e a realidade e explicações faziam-se imperiosas. Na verdade, o cristianismo atravessava a mesma crise que cerca todos os movimentos cujas profecias não se concretizam. A solução, nesse caso, era sustentar que os textos apocalípticos deviam ser compreendidos em termos alegóricos, e não literais, e empurrar o milênio cada vez mais para o futuro.

Ainda Wilson:
A solução adequava-se bem ao caráter organizacional mutável do cristianismo. Ao final do século IV, com a conversão do Império Romano, o cristianismo evoluíra de uma seita perseguida para uma religião estabelecida. Sob essas circunstâncias, as tarefas práticas de assegurar uma estabilidade institucional a longo prazo tornaram-se mais importantes do que se preparar para o apocalipse – especialmente quando todas as previsões anteriores sobre a Segunda Vinda haviam provado ser falsas.

Cabe perguntar se o capítulo 16 do Evangelho de Mateus é causa ou conseqüência da expectativa cristã primitiva de um iminente retorno de Jesus.

Segundo o escritor espanhol Juan Arias, autor de Jesus, esse grande desconhecido, o Evangelho de Marcos foi escrito entre os anos 60 e 70, provavelmente no ano 64, pouco depois de Nero ter acusado os cristãos de incendiarem Roma e depois do martírio de Pedro e Paulo.
Escreve Arias na p. 41:
“Marcos escreve o evangelho com o propósito de preparar os cristãos perseguidos para a gloriosa segunda vinda do Messias. Essa missão condiciona muitos dos feitos e ditos de Jesus narrados em seu evangelho”.
De fato, em seu capítulo 13, o Evangelho de Marcos descreve uma imensa tribulação e o retorno do “Filho do Homem”, dizendo no versículo 30: “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que tudo isto aconteça”, e aparentemente se desdizendo logo a seguir (versículo 32): Mas a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe; nem os anjos no céu, nem o Filho, senão o Pai”.

Os versículos 3 a 13 da segunda epístola de Pedro e os versículos 6 a 8 do primeiro capítulo de Atos dos Apóstolos vão na mesma linha de Marcos 13:32. O capítulo 16 de Mateus, no entanto, segue a linha de Marcos 13:30. Isto nos traz finalmente ao Evangelho de Mateus, que costuma ser o primeiro a aparecer no Novo Testamento.

Calcula-se, diz Arias na p. 46, que o Evangelho de Mateus foi escrito por volta de 80 d. C., cerca de quinze anos após o Evangelho de Marcos. Não se tem certeza, acrescenta Arias, de que seu autor tenha sido o apóstolo Mateus, o coletor de impostos. Não há certeza também, sempre segundo Arias, de que este evangelho tenha sido escrito originalmente em grego: é possível que o Evangelho de Mateus tenha sido escrito primeiramente em aramaico.

Segundo Arias, o autor do Evangelho de Mateus usou duas fontes para escrevê-lo: o Evangelho de Marcos e a chamada fonte Q, ou Evangelho Q, uma coleção de mais de duzentas frases atribuídas a Jesus. Esta coleção foi conhecida originalmente como Quelle (“fonte”, em alemão), nome dado por H. J. Holtzman em 1861 e que J. Weiss abreviaria definitivamente como Q, tal como é hoje conhecida, informa Arias na p. 45.

Especula-se que a fonte Q começou a ser escrita em aramaico e terminou de ser escrita em grego, mas não se pode ter certeza, pois a Fonte Q não sobreviveu à escrita dos evangelhos de Mateus e Lucas. Arias acrescenta (p. 46) que o Evangelho de Mateus se dirigia a um público do âmbito judaico-cristão, “revelando preocupação pela redução do número de cristãos de origem judaica em relação aos de origem pagã, o que acabaria rompendo o equilíbrio existente até então”. Por exemplo: no Evangelho de Mateus, os apóstolos são apresentados com uma aura de grande dignidade, certamente para dar importância ao cristianismo mais primitivo, baseado nos apóstolos, que eram todos judeus (Arias, p. 46).

Tendo delineado todo o contexto, podemos agora abordar o capítulo 16 do Evangelho de Mateus, especialmente no que ele tem de mais importante: seu aspecto profético e apocalíptico, explícito nos versículos 24 a 28.

Antes dos versículos cruciais, porém, vamos dar uma olhada panorâmica no capítulo 16. Em sua primeira seção, versículos 1 a 4, Jesus pratica a ironia contra os fariseus e os saduceus, jogando-lhes na cara uma pergunta retórica: “Sabeis, na verdade, discernir o aspecto do céu e não podeis discernir os sinais dos tempos?”.

Na seção seguinte (versículos 5 a 12), Jesus aconselha seus discípulos a acautelar-se contra o fermento dos fariseus e saduceus. Os discípulos não entendem a metáfora, levando Jesus a esclarecer sua mensagem (“Como não compreendeis que não vos falei a respeito de pães?”). Os discípulos então entendem que ele se referia à doutrina dos fariseus e saduceus.

A terceira seção (versículos 13 a 20) traz o célebre versículo que tanta celeuma causa entre católicos e protestantes: “… Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Os protestantes argumentam que naquele momento histórico a palavra grega eklesia não significava ainda “igreja”, mas tão-somente “comunidade”.
A interpretação da metáfora de Pedro como pedra se complica ainda mais quando nos damos conta de que a conversa, se um dia ocorreu, certamente aconteceu em aramaico, e não em grego. Que palavra terá sido usada em aramaico?

Na quarta seção (versículos 21 a 23), Jesus prevê sua morte e ressurreição, o que leva Pedro a fazer um apelo para que ele não passe por tudo aquilo, apelo que provoca uma áspera e violenta reação de Jesus: “Arreda, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens”. Passamos da metáfora de Pedro como pedra fundamental da igreja ou comunidade para a metáfora de Pedro como pedra de tropeço.

Alcançamos, enfim, a quinta e última seção do capítulo, os versículos 24 a 28. Vou lê-la na íntegra, mas vou me deter em apenas um de seus aspectos (haveria outros a explorar, mas o tempo não permite). Estamos aqui diante de uma forma de expressão bem específica: a profecia apocalíptica. Por volta do ano 80, o Evangelho de Mateus veio reforçar, sendo ao mesmo tempo conseqüência e causa, o sentimento amplamente dominante na época: a parousia estava muito próxima.

Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.
Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa achá-la-á.
Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma?
Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras.
Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui se encontram, que de maneira nenhuma passarão pela morte até que vejam vir o Filho do Homem no seu reino [grifo meu].

Somente quando ficou claríssimo que já haviam morrido os últimos remanescentes daquela ocasião, os cristãos perceberam que o Filho do Homem talvez não viesse logo. Começaram a procurar outras interpretações para a profecia não cumprida. A Bíblia de Estudo Plenitude assegura:
Jesus está salientando o encontro que alguns dos que aqui estão verão em sua transfiguração.
A transfiguração é um breve episódio em que Jesus aparece resplandecente para alguns discípulos, enquanto se ouve uma voz, supostamente de Deus, apontá-lo como o Filho do Altíssimo.

É óbvio que se trata de uma interpretação forçada, destinada a tapar um buraco, pois Mateus 16:27 deixa absolutamente claro que não se está falando da transfiguração, mas da segunda vinda de Cristo:
Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu pai, com seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras [grifo meu].

Os anjos não estavam presentes na transfiguração. Além disso, a frase “e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras” não deixa margem para manobras: está se falando aqui do Juízo Final que deverá seguir a segunda vinda. A profecia falhou, não há como escapar a este fato. E quem estava profetizando não era qualquer um; era, segundo os cristãos majoritários, o próprio Deus encarnado.

A última seção de Mateus 16 segue, em qualquer um dos três primeiros níveis de interpretação (literal, entrelinhas e moral), um gênero literário que pode ser definido como profecia apocalíptica. Daí porque a interpretação da Bíblia de Estudo Plenitude não tem como se sustentar, pois a transfiguração não é, de modo algum, um apocalipse.

Quaisquer tentativas de interpretação da última seção de Mateus 16 devem levar em conta seu caráter de profecia apocalíptica.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Terror na Idade Média

A Roda de Despedaçamento

Também como este instrumento, a liturgia da morte era terrível. O réu era amarrado com as costas na parte externa da roda. Sob a roda, colocava-se brasas incandescentes. O carrasco, girando lentamente a roda, fazia com que o réu morresse praticamente “assado”.

Em outros casos, no lugar de brasas, colocava-se agulhões de madeira que o corpo, girando devagar e continuamente, era arranhado terrivelmente. Este suplício estava em voga na Inglaterra, Holanda e Alemanha, de 1100 a 1700.

Açoite de ferro

Mais que uma tortura, era uma arma de guerra. Na Idade Média, os cavaleiros, com esta arma, golpeavam os cavalos adversários ou procuravam desarmar da espada os outros cavaleiros. No final da batalha, esta bola de ferro era usada para acabar com os inimigos feridos. Como arma, era uma das três, juntamente com a espada e a lança, usada nos torneios.

Cadeira das Bruxas

O condenado era preso de cabeça para baixo em uma grande cadeira. Tal posição criava atrozes dores nas costas, desorientava e aterrorizava a vítima. Além disso, consentia a fácil imposição de uma interminável gama de tormentos. A esta tortura eram submetidas principalmente as mulheres acusadas de bruxaria. E foi usada de 1500 a 1800 em quase todos os países da Europa.

Depois de terem confessado, as bruxas eram queimadas em público e as suas cinzas eram levadas aos rios ou ao mar.

Cadeira de Inquisição

Instrumento essencial usado pelo Inquisidor, a cadeira era usada na Europa Central, especialmente em Nurembergue, onde é usada até 1846 durante regulares interrogatórios dos processos. O réu deveria sentar-se nu e com mínimo movimento, as agulhas penetravam no corpo provocando efeito terrível. Em outras versões, a cadeira apresentava o assento de ferro, que podia ser aquecido até ficar em brasas (era aquecido com uma fogueira por baixo). A agonia do metal pontiagudo perfurando a carne nua era intolerável; segundo registros, poucos acusados aguentavam mais de 15 minutos nessa cadeira, antes de confessar.

Esta exposta, foi encontrada no Castelo de San Leo, próximo a Rímini, na Itália. O Castelo era um cárcere do Papa até 1848 e nele morreu o célebre mago Caliostro, que com os seus poderes extraordinários conquistou todas as cortes reinantes da Europa. A cadeira tem 1606 pontas de madeira e 23 de ferro.

Cavalete

O condenado era colocado deitado com as costas sobre o bloco de madeira com a borda cortante, as mãos fixadas em dois furos e os pés em anéis de ferro. Nesta posição (atroz para si mesma, se pensarmos que o peso do corpo pesava sobre a borda cortante), era procedido o suplício da água. O carníficie, mantendo fechadas as narinas da vítima, introduzia na sua boca, através de um funil, uma enorme quantidade de água: dada a posição, o infeliz corria o risco de sufocar, mas o pior era quando o carníficie e os seus ajudantes pulavam sobre o ventre, provocando a saída da água, então, se repetia a operação, até ao rompimento de vasos sanguíneos internos, com uma inevitável hemorragia que colocava fim ao suplício.

Outro sistema de tortura que usava o cavalete, reservado às suspeitas de bruxarias, era aquele do “fio de água”. A imputada era colocada nua sob um finíssimo jato de água gelada e deixada nesta posição por 30 a 40 horas. Este suplício era chamado “gota tártara” porque foi inventada na Rússia (país que sempre privilegiou os sistemas de tortura lentos e refinados).

Esmaga Cabeça

Este instrumento, do qual se tem notícia já na Idade Média, parece que gozava de boa estima especialmente na Alemanha do Norte. O seu funcionamento é muito simples: o queixo da vítima era colocado sobre a barra inferior, depois a calota era abaixada por rosqueamento sobre sua cabeça. Primeiro despedaçavam-se os alvéolos dentais, depois as mandíbulas, quando advinha a saída da massa cerebral pela caixa craniana. Com o passar do tempo, este instrumento perde sua função de matar e assume aquela inquisitória, ou de tortura.

Em alguns países da América Latina, um instrumento muito similar a este é usado ainda hoje. A diferença é que a calota e a barra são protegidas por materiais macios, que evitam marcas visíveis na pele, mas fazem a vítima confessar após poucos giros da rosca.

Forquilha do herege

Ao herege era reservado um tratamento diferente daquele aos condenados comuns, visto que o objetivo era de salvar sua alma mesmo em ponto de morte. A Inquisição na Espanha representava a fase aguda do processo acusatório contra a heresia e tocou vértices de extrema crueldade. Todos estes instrumentos de tortura não era, senão que a antecâmara da condenação capital. Era encaixada abaixo do queixo e sobre a parte alta do tórax, e presa com um colar no pescoço. As pontas penetravam na carne com tormentos muito fortes. Esta tortura era muito comum de 1200 – 1600.

Não era usada para obter confissões, mas era considerada uma penitência antes da morte, à qual o herege, sem escapatória, era destinado.

Guilhotina

A Revolução Francesa apaga todos os rastros da tortura, mas deixa em pé o patíbulo. “A única árvore que, como disse Victor Hugo, as revoluções não conseguem desarraigar”. O inventor é um filantropo, o Dr. Ignace Guillotin. Em duas intervenções, na Assembléia de 9 de outubro e 1 de dezembro de 1789, ele propôs( em seis artigos), que os crimes de mesma natureza fossem punidos com o mesmo tipo de pena, independente da classe social.

Em 3 de julho de 1791, a Assembléia sancionou: “Todas as pessoas condenadas a pena de morte, terão a cabeça cortada”. Um ano depois, iniciou-se a utilização da guilhotina. O primeiro instrumento degolador é fabricado pelo Sr. Tobias Schimidt, construtor de violinos, sob desenho projetado e aconselhado pelo Dr. Lovis, secretario da Academia dos Cirúrgicos. Depois de vários experimentos executados em cadáveres, em 25 de abril de 1792, na Praça da Greve, em Paris, aconteceu a inauguração da guilhotina. Primeira vítima: Nicola Giacomo Pellettieri. Carrasco: Charles Henry Sansom, o mesmo que decapitaria, em seguida, Luiz XVI.

Mesa de Evisceração

Sobre a mesa de evisceração, ou “esquartejamento manual”, o condenado era colocado deitado, preso pelas juntas e eviscerado vivo pelo carrasco. A tortura era executada do seguinte modo: o carrasco abria o estômago com uma lâmina. Então prendia com pequenos ganchos as vísceras e, com uma roda, lentamente puxava os ganchos e as partes presas saíam do corpo até que, após muitas horas, chegasse a morte.

Pêndulo

A luxação ou deslocamento do ombro era um dos tantos suplícios preliminares a tortura propriamente ditas. Entre estas, o Pêndulo era o mais simples e eficaz. Era a tortura mais comum na Idade Média. Todos os tribunais ou castelos eram dotados do pêndulo. Em todos os impressos e quadros que reproduzem momentos de interrogatório nos locais secretos de inquisição dos tribunais pode-se notar o Pêndulo. A vitima era pendurada pelos braços a uma corda e levantado do chão.

Tronco

Existia nos locais de mercado e feira, ou na entrada das cidades. Era um instrumento considerada obrigatório na Idade Média, em quase todas as regiões da Europa. Este e outros instrumentos, como a máscara de infâmia, fazem parte de uma série de punições corporais, que devia constituir uma punição para a vítima e um exemplo para os outros. Tratavam-se de penas ou castigos que tinham um objetivo bem preciso: não impunham por impor, mas para defender a comunidade contra as intempéries dos irregulares.

Cozido até à Morte

Esta horrível forma de execução era levada a cabo com a ajuda de um enorme caldeirão que poderia estar cheio de água, azeite ou mesmo sebo.

A vítima seria então introduzida no caldeirão que seria depois aquecido com a ajuda de uma enorme fogueira.

Um método alternativo seria a utilização de um recipiente mais raso e menos profundo que o caldeirão. Estando a vítima parcialmente imersa, esta seria literalmente frita em lume brando até à morte.

Morte na Fogueira

A execução na fogueira tem uma longa história como forma de punir a traição ao rei, heresia e casos de bruxaria principalmente nos tempos da Inquisição. Na idade média era comum serem executados na fogueira vários condenados simultaneamente. Actualmente ainda se regista a prática deste método de execução em países como a Índia e o Quénia bem como no continente africano.

Este terrível suplício era feito numa mesa sobre a qual havia uma roldana e um sistema de cordas e pequenos ganchos. O carrasco abria o ventre da vítima, que se encontrava amarrada sobre a tábua de maneira a não poder debater-se, em seguida introduzia os ganchos na abertura prendendo-os firmemente às entranhas do condenado.

Ao manipular a roldana, as entranhas da vítima eram lentamente puxadas para fora, com ela ainda viva. Esta agonia podia prolongar-se por horas e até dias. Quanto mais tempo demorasse a morte, ou seja, quanto mais o condenado sofresse, maior seria considerada a perícia do verdugo.

Execução pela Espada

A execução pela espada é entretenimento público desde a idade média, sendo ainda hoje praticada em alguns páises. Era necessária uma longa aprendizagem para adquirir a perícia necessária para obter a decapitação com um só golpe, coisa que a multidão muito apreciava. Os carrascos mantinham-se “em forma” treinando em animais ou em espantalhos.

A decapitação, pena suave quando comparada com outros “métodos”, estava reservada apenas para a nobreza e pessoas importantes. Os plebeus caso fossem condenados à morte enfrantavam outras formas de execução que garantiam uma agonia mais prolongada.

O condenado deveria manter-se erecto, enquanto o executor efectuava um movimento horizontal com a espada ceifando o pescoço.

O Esmaga Cabeças

Este instrumento tipicamente medieval consistia num capacete e numa barra onde se apoiava o queixo da vítima. Seguidamente utilizava-se um parafuso que ia apertando o capacete comprimindo assim a cabeça na vertical.

O resultado era terrífico: os alvéolos dentários eram destruídos, depois as mandíbulas e caso a tortura não cessasse, os olhos saltavam das órbitas e o cérebro sairia pelo crânio despedaçado.

Breast Torture (Tortura dos Peitos)

Nos tempos da Inquisição, as mulheres acusadas de bruxaria sofriam por vezes a chamada tortura dos peitos. Esta tortura consistia em pressionar os peitos das suspeitas, utilizando-se para o efeito duas tábuas que frequentemente estavam cobertas de espetos, provocando grande agonia na vítima.

The Breast Ripper (O despedaçador de peitos)

Este cruel instrumento de tortura era frequentemente utilizado em mulheres acusadas de heresia ou adultério. Como o seu nome indica, ele era usado para rasgar lentamente os peitos das vítimas até ficarem irreconhecíveis.

Por vezes os quatro ganchos eram usados em brasa para aumentar a dor inflingida.

O Strappado

O trappado também conhecido como pêndulo era uma das formas mais fáceis e logo mais usadas de tortura na Idade Média. Tudo o que era necessário era uma corda e uma viga robusta.

Os pulsos da vítima eram amarrados atrás das costas e a corda passada por cima da viga. Ela era então repetidamente içada e largada causando grande dor, processo este que terminaria na deslocação dos ombros.

Acredita-se que Maquiavel foi sujeito a este tipo de tortura aquando da sua prisão em 1513.

Empalamento

Este é sem dúvida uns dos mais revoltantes castigos jamais idealizados pelo homem. Consistia em espetar uma estaca afiada no corpo da vítima. A penetração podia ser pelos lados, pelo recto, ou até pela boca. A estaca normalmente seria plantada no chão, deixando a vítima em agonia suspensa à espera da morte.

Em algumas formas de empalamento, a estaca seria inserida a fim de evitar morte imediata, e seria inserida de forma a prevenir a perda de sangue, estendendo a agonia da vítima durante longas horas quando não dias. Um meio de alcançar esta morte gradual seria inserir a estaca pelo ânus no corpo da vítima deixando-a perfurar lentamente e procurando evitar o coração prolongando assim o sofrimento.

Este tipo de tortura foi vastamente utilizada por diversas civilizações no mundo inteiro, sobretudo na arábia e europa. Os assírios da antiguidade, conhecidos por inventarem diversos métodos de tortura dos mais cruéis, séculos antes de Cristo, empalavam os inimigos derrotados em guerras e civis que cometiam certos crimes. Diz a lenda que Assurbanípal, monarca assírio das antiguidades, gostava de assistir a sessões de empalamento enquanto fazia as refeições.

As Botas

As botas eram um instrumento de tortura e interrogatório concebido para esmagar os pés e as pernas. Assumiram muitas formas em vários lugares ao longo dos tempos. Variedades comuns incluem a bota espanhola e a bota malaia. As vítimas quando não eram executadas em seguida ficavam com sequelas para toda a vida.

Consistiam em cunhas que assentavam as pernas dos tornozelos aos joelhos. O torturador usava um pesado martelo para bater as cunhas, apertando-as cada vez mais. Em cada pancada, o inquisidor repetia a pergunta. As cunhas dilaceravam a carne e esmagavam os osso, às vezes tão completamente que era impossível para a vítima voltar a andar, ficando com as pernas completamente desfeitas.

Uma variante desta forma de tortura é a chamada “Bota espanhola”, então usada na Inquisição naquele país. Era um invólucro de ferro para as perna e pés. Um parafuso ou manivela seria usado para o comprimir cada vez mais.

A bota espanhola era ainda frequentemente aquecida antes ou durante a sua aplicação, aumentando consideravelmente o sofrimento imposto à vítima.

Limpeza da Alma (Tortura pela Água)

Nos países católicos na idade média, existia a crença que a alma dos hereges e das bruxas estava corrompida e possuida pelo diabo. Optava-se então pela limpeza da alma antes do castigo (que seria a morte).

A vítima seria amarrada a um banco ou mesa, e um funil ou algo semelhante seria introduzido na sua boca sendo então obrigada a ingerir vários líquidos a ferver: água a escaldar, fachos escaldantes, até mesmo sabão.

A tortura pela água, era a consequência que um suspeito sofria caso não confessasse num interrogatório. Ele seria obrigado a ingerir grandes quantidades de água até o seu estômago atingir enormes proporções, causando grande agonia, até confessar, ou então eventualmente até a água atingir os pulmões acabando por o afogar.

The Rack (O Banco da Tortura)

Nenhuma câmara de tortura estaria completa sem este instrumento. Conhecido por vários nomes: os romanos chamavam “equuleus” (cavalo jovem); os franceses de “Banc de Tortura”, os espanhóis “escalera” (escada), Alemanha tratava-o como “Folter” (armação) ou “Liesel de Schlimme” (Eliza temeroso), os italianos nomearam-no “La Veglia” e o apelido britânico era “o Duque de Filha do Exeter”. Qualquer que fosse o nome, era um artifício temível que quebrou incontáveis prisioneiros.

A ideia básica da prateleira pode ter tido origem na lenda grega do gigante bandido Procrustes . Segundo a lenda ele tinha uma cama de ferro do tamanho exacto de cada convidado. Depois de atrair os incautos viajantes, ele os deitaria na cama e esticavá-os até que coubessem.

Isto era um meio popular muito simples de conseguir uma confissão. A vítima era amarrada através de uma tábua pelos seus tornozelos e pulsos. Os cilindros nos topos da tábua seriam então rodados puxando o corpo em direções opostas o que resultava em graves, e muitas vezes irreversíveis lesões nas rótulas e ossos.

O Cinto de Castidade

A utilização do cinto de castidade remonta ao ano de 1400, quando aparece em Itália sob Francesco II de Carrara. Foi principalmente usado em Itália, mas depressa se espalha por toda a Europa, Portugal incluído.

Sempre existiram interpretações diferentes sobre o seu possível uso. Alguns historiadores declaram mesmo que o cinto de castidade não era um instrumento que tinha por objectivo inflingir sofrimento, antes pelo contrário, seria um artifício destinado a prevenir as mulheres, por exemplo quando seu marido estava ausente durante muito tempo, (situação muito frequente na época dos Descobrimentos) do possível risco de violação.

Como alguns cintos de castidade eram feitos de materiais preciosos (prata por exemplo), alguns historiadores afirmam que eles seriam dados a mulheres como para um presente dos seus maridos ou amantes para encorajá-las a serem fíeis.

A Forquilha dos Hereges

Este instrumento era composto de dois pequenos garfos , um oposto ao outro e as pontas tocando na carne, uma sob o queixo e a outra sobre o peito.

Um colarinho pequeno apoiava o instrumento prevenindo assim qualquer movimento da vítima. Os garfos estavam colocados de forma a não penetrar em pontos vitais, prolongando assim o sofrimento da vítima antes da morte.

Obviamente, as mãos da vítima estariam amarradas atrás das costas, impedindo assim qualquer tentativa de resistência.

Bastante usado nos tempos da Inquisição para incitar a confissão real ou imaginária de heresias, a forquilha sempre inspirou medo entre as suas vítimas.

A Máscara da Infâmia
A máscara de infâmia proporciona simultaneamente dois diferentes tormentos: um espiritual e um físico. As vítimas eram ao mesmo tempo vítimas de humilhação pública e fisicamente torturadas.

As máscaras por vezes tinham artifícios interiores, tal como uma bola, ou lâmina que era forçada no nariz ou na boca da vítima, impedindo-a assim de gritar ou chorar. Se a vítima tentasse gritar os protestar a sua língua seria dilacerada pelas lâminas e espetos da máscara.

A máscara com orelhas longas representava uma pessoa ridícula, enquanto o com uma máscara com focinho de porco simbolizava o animal que considerava bastante sujo.

A Pata do Gato

Este instrumento muito parecido com uma pata de gato de garras afiadas e muito longas foi brutalmente utilizado para rasgar a carne da vítima em farrapos.

Por causa da dimensão das garras, músculos e ossos não eram obstáculo nesta bárbara tortura. A pata do gato era naturalmente usada com as vítimas amarradas nas mãos e nos pés.

A Cadeira Inquisicional

Todas tinham uma característica em comum: eram cobertas de espetos afiados no assento, nas costas, nos braços, nas pernas e nos pés. Era um instrumento básico no arsenal dos inquisidores.

É fácil de compreender o efeito das pontas perfurando o corpo da vítima, sendo que esta estava imobilizada por um sistema de barra de parafuso que a impedia de se mexer fazendo com que os espetos penetrassem mais profundamente.

O assento frequentemente feito de ferro podia ser aquecido. Estas inovações foram usadas na Alemanha até ao século XIX, em Itália e em Espanha até o fim do século XVIII, em França e noutros países europeus centrais, de acordo com certas fontes até ao fim do século XIX também.

A força da tortura piorará crescentemente, adota um modelo onde a dor começa “fácil” e então piora progressivamente. A ideia é que o Inquisidor pode interrompê-lo a qualquer momento, mediante a avaliação visual dos ferimentos infligidos.

A Pêra

O seu nome provém da sua forma. Este instrumento tem um mecanismo de parafuso que progressivamente se vai expandido até à abertura máxima dos dois ou três elementos de que é feito.

A pêra era então forçada na boca ou recto das vítimas masculinas e na vagina das vítimas femininas. A pêra rectal, vaginal ou oral foi infligida nas pessoas suspeitas de sodomia, em mulheres suspeitas de adultério e nas pessoas suspeitas de incesto ou “união sexual com Satã”, era também foi infligida em pregadores heréticos ou blasfemos.

Esta tortura tem implícita em si a ideia de infligir o castigo que era oposto ao tipo de crime que a pessoa tinha cometido.

Os usos diferentes da pêra oral, anal ou vaginal normalmente eram determinados pelo suposto crime. Um acusado de praticar actos homossexuais seria torturado analmente. Uma bruxa ou um blasfemo receberia a pêra oral.

De acordo com o livro “Torture Instruments: From the Middle Ages to the Industrial Era” a pêra tinha os seguintes efeitos:

São forçados na boca, recto ou vagina da vítima e aí aberta por força do parafuso até à abertura máxima dos segmentos. O interior da cavidade em questão é irremediavelmente mutilado, quase sempre fatalmente. Os dentes pontiagudos no final dos segmentos servem para melhor rasgar a garganta, os intestinos ou o útero.

O Garrote

Este mecanismo foi melhorado em Espanha onde se tornou um instrumento oficial de pena de morte e permaneceu em uso até 1975, quando a última pessoa executada foi um jovem estudante que veio mais tarde a ser declarado inocente.

Este instrumento tem origens muito antigas. Originalmente foi feito com um enorme barrote enterrado no chão e uma corda amarrada que servia para virar o pescoço da vítima.

Este tipo de tortura foi usado no mundo inteiro. A versão espanhola foi aperfeiçoada para este instrumento ser utilizado para execução. Teve um colarinho de ferro que possuia um ferro que penetrava as vértebras cervicais de maneira à vitíma morrer ou por asfixia ou devido a ter a espinha dorsal esmagada.

O Serrote

Este instrumento foi utilizado um pouco por toda a Europa na Idade Média. O serrote serviu para punir os mais variados crimes ( bruxaria, desobediência militar, rebelião, homossexualidade,…) provavelmente porque seria encontrado facilmente e garantia uma execução rápida.

A vítima era atada pelos pés de cabeça para baixo de modo a obter a máxima oxigenação cerebral e atrasar a inevitável perda de sangue, deste modo ela só perdia a consciência quando a serra lha atingisse o umbigo, ou às vezes até o peito.

Na Espanha o serrote foi um meio de execução até meados do século XVIII.

A Virgem de Nuremberga (A Dama de Ferro)

O nome deste instrumento parece ter a sua origem num protótipo que foi construído na cidade de Nuremberga. Também é dito que este tipo de sarcófago teve um rosto de donzela esculpido na sua porta principal provavelmente com o objectivo de tornar este horrível contentor ainda mais refinado.

O sarcófago foi contruído com pontas no interior que perfuravam diversas partes diferentes do corpo mas nunca os órgãos vitais isto para manter a vítima vivae, posição vertical.
Este mecanismo seria aberto tanto da frente como do lado traseiro sem que a vítima fosse capaz de sair. O sarcófago era tão grosso que nenhum grito poderia ser ouvido de fora a menos que as portas fossem abertas.

Quando as portas do sarcófago eram fechadas, as pontas de ferro afiadas penetrariam as mesmas partes do corpo e nas mesmas feridas como dantes, infligindo uma longa e cruel agonia.
O Berço de Judas
Neste instrumento mediaval a vítima era despida e pendurada por um cinto de ferro à volta da cintura, com as mãos e pés bem presos. As suas pernas eram mantidas levemente abertas por um pau de tal forma que ele só poderia movê-las ao mesmo tempo.

Era erguido sobre uma pirâmide pontiaguda, as suas pernas eram estendidos para a frente e unidas com uma corda nos tornozelos. A vítima seria abaixada sobre o topo afiado da pirâmide onde esta penetretraria o ânus ou vagina. Assim a vítima, com os seus músculos contraídos, não poderia relaxar ou cair no sono.

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fonte: http://tortura.wordpress.com/tortura-medi/

Malleus Maleficarium: O Martelo da Bruxas, A Inquisição

A Inquisição Católica Romana foi uma das maiores desgraças que ocorreram na história da humanidade. Em nome de Jesus Cristo, sacerdotes católicos montaram um esquema enorme para matar todos os "hereges" na Europa. A heresia era definida da forma como Roma quisesse definir; isso abrangia desde pessoas que discordavam da política oficial, aos filósofos herméticos (praticantes de Magia Negra), judeus, bruxas, e os reformadores protestantes.

Lendo livros de 50-150 anos atrás, vemos autores cristãos lutando com essa mesma questão; eles decidiram "sanear" a verdade de forma a não ofender a sensibilidade cristã. Portanto, seus livros escondem o horror verdadeiro da Igreja Católica Romana! Neste fim dos tempos, em que o Anticristo está aparentemente próximo, e em que o Falso Profeta já foi escolhido e é o papa, e quando as igrejas protestantes liberais estão se tornando íntimas da própria besta que matou um número estimado de até 75 milhões de protestantes, concluímos que chegou o tempo de "tirar fora as viseiras de sensibilidade". Citaremos documentos católicos exatamente como eles foram impressos, para que você possa ver a verdadeira face dessa besta que matou entre 75-100 milhões de pessoas ao longo de 1200 anos.

As Mulheres Penitentes Eram Ameaçadas Com a Inquisição se Não Fizessem Sexo Com o Sacerdote

No artigo N1675 (não traduzido), revelamos que os padres ameaçavam suas penitentes no confessionário que, a menos que fizessem sexo com eles, seriam entregues à Inquisição! Tão efetiva era essa ameaça que um sacerdote agonizante revelou em 1710 que "por essas persuasões diabólicas elas estavam ao nosso comando, sem medo de revelar o segredo." (pg 36, Master-Key to Popery, Padre Givens]

Visto que tão poucas pessoas hoje estudaram até mesmo os rudimentos de história, a maioria não sabe que a Inquisição foi REAL e VERDADEIRA. A maioria das pessoas hoje não tem nenhuma idéia do barbarismo flagrante e da tortura infligida sobre os infelizes habitantes da Europa durante 1200 anos! A maioria das pessoas não tem nenhuma idéia sobre como a população inteira foi consumida pelo medo, pois batidas na porta de alguém no meio da noite significavam o começo imediato de uma morte torturante nas mãos dos inquisidores.

A acusação era equivalente à culpa.

Portanto, se um sacerdote ameaçasse uma mulher dizendo que ele iria mentir sobre ela aos oficiais da "Santa" Inquisição, ela sabia o tipo de tortura e morte que a esperava. O sacerdote poderia provavelmente delatar a mulher aos inquisidores como bruxa. Como você verá em instantes, os inquisidores tratavam as mulheres acusadas de bruxaria com especial deleite, júbilo e atenção.

Muitas das vítimas eram simplesmente queimadas na estaca, como você pode ver aqui. Normalmente, essas execuções na fogueira eram realizadas em público, para que a população visse o que acontecia com aqueles que enfrentavam Roma. Entretanto, na maioria das vezes, as pessoas que eram queimadas em público, primeiro eram torturadas privadamente. Em toda a Europa, os reis e seus súditos sabiam que os torturadores do papa eram absolutamente os melhores; eles podiam forçar "confissões" por meio de técnicas de tortura hábeis e os reis sabiam que podiam contar com eles, caso seus homens não pudessem extrair as confissões. Veja, as confissões proviam a fina fachada de responsabilidade; o rei poderia mostrar a confissão de uma vítima ao público para convencê-lo que a tortura e a morte eram justificadas.

Um historiador secular - John J. Robinson - nos dá uma rápida e singular visão neste mundo papal tenebroso da tortura e do assassinato no ano de 1310. Escrevendo em seu livro, Born In Blood: The Lost Secrets of Masonry [Nascida em Sangue: Os Segredos Perdidos da Maçonaria], Robinson revela:

"Dois anos se passaram, e os Templários interrogados sem tortura não confessaram nada, constantemente reafirmando sua inocência ... Em resposta a uma exigência papal que a tortura fosse empregada, o rei Eduardo replicou que ela nunca tinha desempenhado um papel na jurisprudência eclesiástica ou secular na Inglaterra, de modo que ele não tinha no reino nem mesmo pessoas qualificadas que soubessem como realizá-la. Exasperado, o papa Clemente V escreveu, advertindo Eduardo que ele devia considerar o destino de sua própria alma ao mofar dessa maneira das ordens diretas do vigário de Cristo na Terra, e dizendo que iria tentar somente mais uma vez, dando ao rei o benefício da dúvida. O papa estava despachando dez torturadores hábeis à Inglaterra sob a responsabilidade de dois experimentados dominicanos; agora Eduardo não teria mais desculpas .... Diz alguma coisa da resolução do papa que ele separou tempo do seu ofício sagrado na véspera do Natal de 1310, para lidar com o problema dos prisioneiros templários. O presente de Natal dele ao povo inglês foi a introdução da tortura no sistema judicial do interrogatório." [pg 148]

Embora o imperador Constantino (ano 321) tenha iniciado a política de suprimir todas as pessoas e as doutrinas que não estavam em conformidade com o dogma oficial, a maioria dos estudiosos coloca o começo da Inquisição oficial com o papa Teodoro I (642-649), que iniciou a prática de mergulhar sua pena dentro de vinho consagrado antes de assinar a sentença de morte dos hereges. [The Magic of Obelisks, de Peter Thomkins, pg 55]

No livro Lives of the Popes, ficamos sabendo que o "vinho consagrado" com o qual o papa Teodoro I assinava esses mandados de morte era o vinho da eucaristia [McBrien, pg 105].

A Inquisição foi iniciada nesse período, e foi direcionada contra as heresias dos filósofos herméticos, isto é, os praticantes de Magia Negra da Europa. Nesta gravura, você pode ver o medo que a Inquisição gerava entre a população geral nas aldeias e nas cidades; os agentes da Inquisição entravam na cidade, armados com a bula papal que autorizava o líder das forças papais que tinham entrado na cidade. O representante principal do Vaticano caminhava até a praça central da cidade e, cercado por soldados fortemente armados, lia a declaração papal. Uma vez que a declaração tinha sido lida, os soldados começavam a prender os "hereges" - definidos como aqueles que discordam da Igreja de Roma. O dogma romano era o padrão, não a Bíblia Sagrada.

Exatamente como os pagãos sempre fizeram em todas as eras, os católicos romanos utilizaram a dor e tortura pelo puro pânico que espalham entre as pessoas. Na gravura a seguir, vemos um bispo católico tendo seus olhos arrancados para fora das órbitas por causa de alguma heresia da qual foi acusado e não se arrependeu. O vazamento dos olhos geralmente era aplicado nas pessoas cultas porque seu meio de vida e sua paixão na vida eram o estudo acadêmico. Depois que os olhos eram perfurados ou arrancados, essas pessoas ficavam destituídas e não podiam influenciar mais ninguém com sua "heresia". Verdadeiramente, esses aterrorizados aldeões logo descobriram que o jugo de Roma era pesado, horrível de ser carregado e terrivelmente opressor. O jugo suave do Salvador parecia uma memória distante, perdida nas névoas de muitos séculos, oculta pelo véu da Roma pagã.

Os praticantes de Magia Negra podem confirmar para você que o período inteiro de 1200 anos da Inquisição representou o ápice da infestação demoníaca em toda a história européia. A "Santa" Inquisição foi "possessão demoníaca coletiva", como você verá após examinar o documento católico que justificou os 1200 anos de assassinato.

O número de mortes foi incomensurável:

"E assim foi infligido no sul da França um dos mais ferozes massacres da história. Grupos de brigadas do norte pilhavam e saqueavam. Na Catedral de Saint-Nazaire, doze mil 'hereges' foram mortos ... Aqueles que tentaram fugir foram cortados e mortos. Milhares mais foram queimados na estaca. Em Toulouse, o bispo Foulque levou à morte dez mil pessoas acusadas de heresia. Em Beziers, a população inteira de mais de vinte mil pessoas foi chacinada. Em Citeau, quando questionado sobre como os soldados deveriam distinguir os católicos dos cátaros gnósticos, o abade respondeu com seu cinismo afamado: 'Matem todos; Deus saberá quais são os seus'." [Thompkins, pg 58]

"E assim foi infligido no sul da França um dos mais ferozes massacres da história. Grupos de brigadas do norte pilhavam e saqueavam. Na Catedral de Saint-Nazaire, doze mil 'hereges' foram mortos ... Aqueles que tentaram fugir foram cortados e mortos. Milhares mais foram queimados na estaca. Em Toulouse, o bispo Foulque levou à morte dez mil pessoas acusadas de heresia. Em Beziers, a população inteira de mais de vinte mil pessoas foi chacinada. Em Citeau, quando questionado sobre como os soldados deveriam distinguir os católicos dos cátaros gnósticos, o abade respondeu com seu cinismo afamado: 'Matem todos; Deus saberá quais são os seus'." [Thompkins, pg 58]

Durante sacrifícios anuais, como os treze dias do Sacrifício à Besta - de 19 de abril a 1 de maio - os sacrifícios humanos devem ser pelo fogo, e devem produzir tanto terror humano quanto possível.

Depois que a matança começou, o Vaticano decidiu que o esforço era tão válido que precisava ser sistemático, não dependente totalmente dos líderes católicos locais. Nesse tempo, foi estabelecido o Ofício da Inquisição. Não apenas esse Ofício fornecia uma liderança central para a matança, mas também podia usar os recursos da Igreja Católica para melhor treinar os executores e, mais importante de tudo, treinar cuidadosamente homens sádicos selecionados para serem os melhores torturadores do mundo.

Embora a maior parte das execuções fosse realizada publicamente, a tortura para obter "confissões" era realizada em recintos secretos, normalmente em um calabouço em uma igreja, especificamente projetado para a tortura. Nesta gravura, vemos um homem pendurado por cordas amarradas atrás de suas costas, enquanto um oficial da Inquisição se prepara para torturar um prisioneiro usando uma tenaz quente que ele logo colocará na ponta dos dedos do pé do homem. No centro da gravura, um prisioneiro está deitado em uma padiola que está sendo puxada por cordas e correias para uma posição vertical, em que ele permanecerá por várias horas, sujeito a todo tipo de torturas feitas nos ouvidos, olhos, nariz e boca. Nessa posição, bem como no enforcamento que você vê no canto esquerdo superior, as juntas da pessoa podiam facilmente ser deslocadas, produzindo dores terríveis.

Como mencionei anteriormente, a simples acusação equivalia a ser culpado de um crime. Nenhuma pessoa condenada saía ganhadora da causa, provando sua inocência e saindo livremente. Você pode ver este pobre homem acusado ante os padres que conduzem o espetáculo do julgamento. O crucifixo para o qual o frade está apontando está pendurando à direita do acusado, pois esses homens pensavam que suas atividades de tortura estavam realmente servindo e avançando o reino de Jesus Cristo.

Por 1200 anos, centenas de milhares de católicos leais torturaram e mataram dezenas de milhões de "hereges", pensando que estavam servindo ao Salvador por obedecer aos cruéis ditames do papa. Eles realmente pensaram que estavam fazendo "um serviço a Deus".

Nas formas de tortura mais comuns, pessoas eram amarradas com uma corda apertada em torno do pescoço e da cintura, que ficavam presos em uma tábua no formato de uma porta. Os pés da vítima eram colocados em um tronco, e diante das solas dos pés ficava uma bacia com carvão em brasa. O sentenciado seria torturado com fogo nos pés enquanto seu pescoço era cada vez mais apertado pela correia presa à tábua.

A Tortura Torna-se Mais Sofisticada

A vítima era suspensa por muitas cordas e era girada com uma ponta afiada colocada dentro do seu ânus. A dor era indizível e certamente insuportável. Da mesma forma mulheres eram suspensas nesse mesmo tipo de ponta afiada, que estava fincada dentro de seus genitais!

Na Inquisição, a dor infligida nos órgões sexuais era muito predominante, outro sinal claro da obsessão sexual.

As Mulheres Sentiam Um Medo Especial da Inquisição

Se uma mulher fosse acusada de bruxaria, ficava na iminência de sofrer uma tortura muito especial por parte do clero sedento de sexo. Como você descobrirá ao ler o "Malleus Maleficarium", o manual operacional da Inquisição, as mulheres eram especialmente visadas para perseguição como prováveis bruxas. Se uma mulher fosse meramente lançada de um lugar alto, como vemos aqui, podia chamar a si mesma de sortuda por ter uma morte relativamente rápida e com pouca dor. Como demonstraremos, um espírito demoníaco de obsessão de desvio sexual e luxúria soprou em toda a Inquisição depois da publicação do "Malleus Maleficarium"; em 5 de dezembro de 1484, o papa Inocêncio III emitiu a bula papal que estabeleceu esse documento como o padrão pelo qual a Inquisição deveria ser conduzida. O celibato clerical já estava em vigor há 361 anos, tempo bastante para tornar os sacerdotes em verdadeiros desviados sexuais.

Essa obsessão sexual rapidamente cresceu ao ponto em que uma mulher vivia com medo de que um dia, a partir do nada, pudesse ser acusada por alguém de ser uma bruxa; visto que a acusação era equivalente à culpa, aquela mulher podia esperar uma morte lenta sob tortura nas mãos de sacerdotes celibatários e com desvio sexual. Essa declaração é fato histórico, e provaremos isso, por meio do documento oficial da "Santa" Inquisição católica romana, o "Malleus Maleficarium".

Mulheres condenadas, acusada de bruxaria, era despidas e forçadas a engatinhar, diante dos olhares lascivos da multidão, para uma gaiola onde era colocada e depois pendurada para todos verem. Os padres acreditavam que uma bruxa perdia seus poderes quando era suspensa do chão; portanto, quando os soldados da Inquisição prendiam uma mulher acusada de bruxaria, podiam puxá-la fisicamente do chão e carregá-la à masmorra de confinamento.

Um dos mais hediondos de todos os instrumentos de tortura utilizados contra as mulheres na Inquisição eram os "fura-bruxas". Esses instrumentos são na verdade facas. O "Malleus Maleficarium" declarava que as bruxas têm uma "marca do Diabo" em algum lugar em seu corpo. Isso exigia que o sacerdote investigador fizesse ele mesmo uma inspeção minuciosa no corpo nu da pobre mulher. Essa inspeção era freqüentemente realizada em meio a um grupo de homens que agiam como voyeurs, mas ostensivelmente eram forçados a testemunhar essa "inspeção" por causa de seu ofício religioso!

"Para aumentar o número de toques [perfurações], foi inventada a noção sutil de que a marca do Diabo deixava um ponto insensível à dor, discernível apenas por um inspetor perito com uma ponta afiada [uma dessas facas]. Assim, surgiu uma guilda de 'perfuradores de bruxas', que eram remunerados apenas quando descobriam uma bruxa, o que por sua vez levou à 'prova cabal' do sistema de usar uma ponta retrátil auxiliar. O 'perfurador' oficial, tendo dolorosa e visivelmente retirado sangue de vários pontos da vítima nua, penetrava o perfurador substituto [a faca] ao máximo, surpreendendo a multidão, e assegurando seus honorários pela bruxa entregue para julgamento." [Thomkins, pg 391]

Em outras palavras, essa faca retrátil não penetrava na carne quando era pressionada com força, mas retraía para dentro do cabo. No entanto, a multidão não sabia disso, e acreditaria que a razão por que a mulher não gritava, e por que não jorrava sangue ao ser perfurada, era por que ela era uma bruxa.

Esses "fura-bruxas" procuravam também outras "marcas do Diabo" no corpo da mulher.

"Segundo a Igreja, em algum lugar no corpo da bruxa, o Diabo deixava sua marca, a mais óbvia das quais era um mamilo supranumerário - 'sinal seguro' de dedicação à deusa Diana, de muitos seios, a rainha das bruxas. E, enquanto a profissão médica moderna estima que três de cada cem mulheres tenham tais vestígios, as chances de 'encontrar' uma bruxa eram consideráveis. (Nota: O Novo Dicionário Aurélio define "supranumerário" como "que excede o número estabelecido"; portanto, uma mulher com um mamilo a mais tem um "mamilo supranumerário")

Certamente, os sacerdotes celibatários e "castos" estariam muito interessados em examinar cem mulheres para encontrar três que tivessem um "mamilo supranumerário"! No entanto, os "fura-bruxas" penetravam cada uma dessas "marcas do Diabo" com um desses "perfuradores", essas repugnantes facas de exame. Visto que o episódio inteiro era conduzido por um sacerdote celibatário e "casto", eles ficavam excitados sexualmente ao examinar as mulheres dessa maneira. Assim, você pode compreender a próxima revelação de Thomkins.

"... havia aquela depravada compulsão, descrita por Wilhelm Reich como a 'praga emocional', em que indivíduos sexualmente não-funcionais, incapazes de sentir prazer na prática natural do sexo, começam a aliviar sua sexualidade reprimida cortando, dilacerando e queimando a própria carne que não podem nem beijar, nem acariciar, nem inflamar com prazer." [Ibidem]