segunda-feira, 3 de maio de 2010

Entre o Histórico e o Mitológico


De um modo geral, o cristão leigo conhece muito pouco sobre a história dos primeiros tempos do cristianismo e das origens dos textos e dogmas cristãos. O seu conhecimento se limita àquilo que o clero oficial da igreja e as cúpulas de liderança das muitas seitas atestam como verdadeiro. De tal modo, é nebulosa a história desses primeiros tempos, envolta nas muitas disputas teológicas que, remontá-la em detalhes é uma tarefa quase impossível. Contudo, as informações e os dados históricos aqui apresentados estão acessíveis a qualquer pesquisador. Encontram-se em diversos documentos e livros de pesquisadores imparciais e mesmo de teólogos cristãos. Não obstante tenham sido estabelecidas polêmicas sobre os diversos fatos históricos que deram origem aos dogmas, nenhum dos defensores das posições da Igreja Romana jamais negaram esses mesmos fatos. E é a partir deste ponto pacífico que iniciamos esta análise tentando lançar luz sobre os fundamentos dos dogmas aceitos pela cristandade e permitir ao leitor a reflexão sobre a validade dos mesmos.

Capítulo 1 - Da Origem dos Textos Canônicos

É crença aceita pela cristandade a origem divina (por inspiração ou revelação) de todos os livros que compõem o atual cânon bíblico (69 livros para os católicos, 66 para os protestantes). A compilação definitiva da bíblia tal como hoje a conhecemos foi realizada no século IV após o concílio de Cartago (397 d.c.), após diversas alterações no decorrer de 3 séculos. Livros que nas primeiras compilações não constavam, foram incluídos e livros como o Evangelho de Tomás foram por fim retirados, inclusive alguns livros antes aceitos pelo clero como de origem divina, foram depois perseguidos e incluídos no Index de obras proibidas. É conveniente que façamos algumas considerações:

1. Existindo centenas de textos e havendo pois, uma seleção dos textos feita por homens (clérigos), adotou-se certos critérios para realizá-la, logo não seria necessário apenas a origem divina dos textos, mas também a inspiração divina por parte dos selecionadores, de outro modo como poderiam definir o que era e o que não era de origem autenticamente divina?

2. Aceita a hipótese de inspiração divina dos compiladores, surge uma outra questão: Porque a seqüência de mudanças, a inclusão e a exclusão constante de textos por 3 séculos? Que espécie de “inspiração divina” poderia gerar tanta indecisão e equívoco? Acrescente-se a isso que os presbíteros desse período deixaram uma série de cartas e livros onde demonstram freqüente discordância entre si sobre quais seriam os livros inspirados e os que não o eram. Alguns bispos como Marcion foram excomungados e martirizados por aceitar livros não aceitos pela Igreja, e rejeitar obras já contidas no Cânon. Reportemos a história para buscar respostas para essas e outras questões:
O período em que a compilação bíblica se realizou sucedeu a oficialização da Igreja pelo Estado Romano. Longe de uma unidade, desde os primeiros tempos as comunidades cristãs se dividiram em diversas posições teológicas conflitantes. A igreja liderada por Paulo era mais uma, que com o decorrer do tempo conseguiu suplantar as demais, graças a aliança com o império.
Iniciou-se um período de cruel perseguição aos bispos e igrejas que se opunham às inovações que se firmavam com essa aliança. Para o império Romano o cristianismo na medida que se expandia surgia como um fator de unidade, e por isso mesmo a oficialização da Igreja de Roma poderia suprimir os conflitos e as revoltas populares que se verificavam especialmente no norte da África. Muito embora a Igreja Romana reivindicasse para si o título de Igreja de Cristo, legatária do apostolado de Pedro e de Paulo, várias outras igrejas também tinham sido originadas de apóstolos de Jesus e de seus discípulos contemporâneos. A igreja de Paulo não foi, portanto, a primeira, e jamais foi unanimidade entre os primeiros cristãos.

O primeiro século assistiu a duras disputas entre diversas igrejas que discordavam sobre diversas questões sobre Jesus, sua natureza, sua doutrina, os acontecimentos de sua vida, etc. A maior oposição a Paulo até o ano 70 d.c. foi a igreja formada por judeus cristianizados (que haviam aceito a Jesus) reunida em torno de sua família; Simão Cleofas, primo de Jesus, a liderou e esta igreja foi majoritária até a intervenção militar de Roma em Jerusalém no ano 70.

A razão maior das disputas se originou do fato de não haver nenhum texto do período imediato dos acontecimentos (ou que fosse reconhecido por todos como tal). Todos se baseavam apenas em relatos orais que na maioria das vezes demonstravam pontos discordantes (ainda que concordassem em linhas gerais).

Os quatro evangelhos canônicos só começaram a ser escritos por volta do ano 60 e só foram definitivamente reconhecidos e incluídos no cânon no ano de 170. Mesmo a crença difundida que tenham sido escritos pelo próprio punho ou na presença das pessoas a quem são atribuídos não é aceita nem pelos estudiosos cristãos. É mais plausível que seguidores dos apóstolos tenham recolhido relatos de episódios e dizeres e tenham mais tarde redigido os textos, seja como for, isto só foi realizado muito tempo depois dos acontecimentos.

As epístolas de Paulo (que surgiram antes dos 4 evangelhos) discorrem sobre algumas das divergências correntes na época, as quais se acentuaram nos séculos seguintes, até que a Igreja Romana se apossasse dos textos discordantes e os destruísse (calcula-se cerca de 300 livros proscritos). Ainda assim, alguns desses textos apócrifos chegaram até nossos dias, como o polêmico Evangelho de Barnabé que apresenta os fatos e a doutrina de Jesus de modo diverso do apresentado nos evangelhos aceitos no cânon oficial.

De fato, entre os primeiros presbíteros, Clemente e Policarpo citam em seus escritos dizeres de Jesus numa forma diferente daquelas encontradas nos 4 evangelhos. Em suas epístolas, Policarpo censura com veemência “os homens que distorcem os dizeres de Jesus em prol de sua própria cupidez” o que denota que as contradições nas tradições orais haviam se tornado comuns.

Hoje, após cuidadosas pesquisas históricas levadas a cabo por pesquisadores imparciais e alguns de confissão cristã concluiu-se que grande parte (cerca de 60%) dos dizeres atribuídos a Jesus nos evangelhos canônicos não podem ser considerados como “palavra textual” do Messias e alguns desses dizeres foram considerados como inserções flagrantes. Do mesmo modo, esses evangelhos não são considerados do ponto de vista histórico como documentos confiáveis. Com freqüência encontram-se referências a um livro anterior a estes evangelhos. Alguns estudiosos lançam a hipótese que tenha existido um evangelho denominado “Q” o qual teria servido de base para a composição dos 3 evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas).

Clemente de Alexandria, no final do século II, reconhecia como autênticos uma epístola de Barnabé e um Apocalipse de Pedro, infelizmente estes textos estão entre os proscritos e destruídos pela Igreja. À medida que a Igreja de Roma se fortalecia politicamente, os seus líderes foram moldando o seu parecer teológico e com isso selecionando o que atestava suas crenças e destruindo e perseguindo o que as contradizia.

Capítulo 2 – Os 4 Evangelhos, um Exame Objetivo e Revelador

Como já dissemos, estes 4 evangelhos surgiram a partir do ano 60 d.c.. Ao que parece, haviam escritos esparsos que foram tomados por base. Entretanto, já as primeiras cópias foram redigidas em grego; o que por si só se constitui num motivo de objeção: se houvesse qualquer documento redigido por algum apóstolo, somente poderia estar escrito em hebraico. Porém, nenhuma cópia destes textos escrita em hebraico existe no mundo e mesmo a igreja jamais reivindicou a posse de tal documento.

Os mais antigos manuscritos ou fragmentos existentes estão escritos em grego. Isto demonstra inclusive, que estes manuscritos são do período em que o império romano já havia se dividido, por volta de 100 ou 200 anos depois de Jesus (no tempo de Jesus, a língua oficial do império era o latim não o grego).

O códex Sinaiticus que se encontra no museu britânico, um dos primeiros e mais completos desses manuscritos gregos, data do século II. A mais antiga cópia dos 4 evangelhos em poder do Vaticano está em pergaminho escrito em grego datado do século IV e mesmo a fidelidade desta cópia é sempre posta em dúvida por teólogos da própria igreja.

O Evangelho de Mateus

Sobre este texto consta a seguinte observação incluída na introdução à 42º edição bíblica do Padre Matos Soares: “O texto original não chegou até nós pois perdeu-se talvez nas agitações e destruições da guerra de 70 d.c., porém desde os primeiros anos seguintes, fez-se a redação ou melhor a versão grega do texto sem contudo podermos saber qual o autor...”

Se um padre, um tradutor oficial, afirma que a igreja não sabe quem foi o autor, como afirmar que o texto seja de Mateus? Esta versão grega surgiu em Antioquia, o autor (desconhecido) provavelmente fez uso do documento Q e do Urmarcus (já perdidos). Decerto que se Mateus escreveu algo o fez em hebraico, e não há como provar a fidelidade desta versão em grego.

O Evangelho de Marcos

Marcos não foi discípulo de Jesus, ele era criança quando este estava a pregar aos judeus. Primo de Barnabé, é provável que Marcos tenha tomado por base os relatos deste e de Pedro para compor seu texto muito depois dos acontecimentos.

O documento denominado Urmarcus data de meados de 65 d.c. e é aceitável que o texto atribuído a Marcos tenha sido composto a partir deste. Todavia as cópias mais antigas contém 15 capítulos e não 16 como nas bíblias atuais. A inserção de um capítulo nunca foi muito bem explicada pelos teólogos de Roma.

O Evangelho de Lucas

Lucas jamais conheceu a Jesus, ele era médico e amigo de Paulo. O texto foi escrito em algum lugar da Grécia em torno de 80 d.c.. Em vista das relações pessoais de Lucas com Paulo o texto reflete um alinhamento com o ponto de vista de seu mentor, sua composição tomou por base pelo menos 3 documentos perdidos. Trata-se de uma apologia dirigida aos gentios, o que é evidente pela linguagem simples utilizada.

O Evangelho de João

O mais polêmico dos evangelhos canônicos, é em essência e forma diferente dos evangelhos sinóticos anteriores.

C.J. Caudoux escreve: “Os discursos neste evangelho são tão diferentes dos demais e tão parecidos aos comentários do próprio autor, que nenhum deles pode igualmente ser confiável como registro do que Jesus teria dito...”

Porém, a maior dúvida e razão para debate entre estudiosos imparciais e mesmo teólogos da Igreja é sobre a autoria do texto. É de forma unânime aceito que tenha sido escrito entre 110 e 115 d.c. em Éfeso e aí surge a objeção. Nenhum estudioso sério considera-o como obra de João, discípulo de Jesus, filho de Zebedeu, pois este, segundo as pesquisas históricas de diversas fontes foi martirizado por decapitação em 44 d.c. pelo Rei Agripa I, muito antes deste evangelho ser escrito por um outro João, um presbítero.

A Igreja reconhece a existência deste presbítero homônimo ao apóstolo, mas insiste que o citado evangelho tenha sido de autoria de João, filho de Zebedeu, embora mesmo alguns teólogos cristãos contestem tal autoria. O que poderia explicar a disparidade de linguagem e de conceitos presente neste evangelho em relação aos demais talvez seria o fato de ter sido escrito muito mais tarde.

A influência da filosofia grega é evidente nele, especialmente na abordagem da natureza de Jesus (divinizando-o) o que não é afirmado em nenhum dos outros evangelhos. De fato, alguns conceitos teológicos afirmados nesse evangelho, são inimagináveis para o mundo judaico em que Jesus viveu, flagrantes adaptações da filosofia grega (como o conceito da pré-existência de Jesus).

Estes 4 evangelhos foram compostos depois que os primeiros cristãos se dividiram em diferentes correntes de doutrina, afirmar categoricamente que seus autores tenham sido os mesmos a quem são atribuídos só é possível no caso de Lucas e com alguma probabilidade no de Marcos.

Surge outra questão: a quem e por que foram escritos?

A igreja de Roma que entitulou-os de “testamentos” pretendeu com isso identificar estes textos como uma mensagem católica (universal). Entretanto, seja quem tenham sido os autores, pareciam ter diferente propósito, principalmente porque é sabido que os primeiros cristãos acreditavam na proximidade eminente do fim dos tempos o que explica o fato que o texto atribuído a Mateus e o atribuído a Marcos possuírem uma linguagem mais próxima dos judeus enquanto os demais focam seu discurso nos gentios. De modo que, podemos aceitar que foram redigidos segundo as necessidades do momento e refletiam o caráter de coletânea de passagens e dizeres.

De maneira nenhuma podemos aceitar a hipótese de que os autores tenham escrito com o intuito de legar uma mensagem aos povos e gerações futuras quando, é plenamente sabido que os cristãos do primeiro século tinham a convicção que “o fim estava próximo” e o identificavam com a “iminente queda do império romano”.

Tampouco seus autores pretendiam “redigir a palavra textual de Deus”, mas sim relatar acontecimentos e ensinamentos recolhidos da tradição oral, relatos que corroboravam certas posições teológicas de uma ou outra facção, sob o ponto de vista humano dos autores.

O reverendo T.J. Tucker comenta sobre os manuscritos e textos deste período: “Não existia escrúpulo em alterar ou fazer acréscimos ou em omitir aquilo que não servisse aos propósitos de quem escrevia”. Se um teólogo cristão assim declara, não há nenhuma evidência racional para que se diga que os 4 Evangelhos são a palavra pura, inspirada e verídica sobre Jesus e os acontecimentos de sua vida.

Acrescente-se a isso, o fato de que como estes textos não eram reconhecidos como sagrados até o segundo século, os copistas não teriam o porquê de não alterá-los segundo os propósitos do momento. Existem consideráveis divergências entre os manuscritos mais antigos ainda existentes (CODEX SINAITICUS, CODEX VATICANUS E CODEX ALEXANDRINUS), remanescentes de uma infinidade de versões copiadas em grego, versões que devido à imprecisão levariam a Igreja a convocar concílios para resolver a questão.

As Epístolas, As Igrejas

Não obstante não haja nenhuma objeção quanto à autoria destas epístolas, o que se coloca como uma dúvida é até que ponto podemos considerá-las como escrituras inspiradas.

Ao analisarmos o teor delas percebemos uma profunda ruptura com a herança religiosa dos profetas, seu pertinaz afastamento, ou melhor, a apresentação da figura de Jesus e de sua missão não como o próprio Jesus se deu a conhecer, mas sim, segundo a interpretação pessoal de Paulo, o qual se auto-anuncia como portador da “Inspiração divina”. Contudo, muitos dos pontos da doutrina apresentada nela não encontram similaridade nos evangelhos e nem nas palavras de Jesus.

Um outro ponto a se chamar a atenção é que embora o autor exponha com veemência suas afirmações e reivindique inspiração divina no que escreve, em algumas passagens ele “sugere” ensinamentos. Ora, nas escrituras divinamente reveladas em que Deus fala aos profetas, diretamente ou por meio de seu Anjo, não há “sugestões”, mas sim “ordens”, porque Deus não acha, Deus tem certeza. Quando Paulo expõe, por exemplo, sua opinião sobre o casamento e o celibato deixando clara sua opção pessoal pelo segundo ele está honestamente dando o seu parecer, o parecer de um homem não uma ordem ou inspiração divina.

Na verdade, é preciso compreender que a razão dessas epístolas era aconselhar as igrejas, detalhar princípios de organização e expor os argumentos do autor a favor de sua doutrina. Essas epístolas só foram consideradas inspiradas pelos seguidores de Paulo e mais tarde pelas igrejas que seguiram esta diretriz doutrinária.

O Velho Testamento

A compilação da Igreja engloba o Pentateuco, os Salmos, alguns dos livros aceitos como divinos pelos judeus e alguns que não eram reconhecidos por eles. É pertinente dizer que os originais dos livros mais antigos da lei foram perdidos e reescritos por Ezra. De maneira similar ao que ocorreu aos evangelhos canônicos, os mais antigos documentos se perderam inteiramente. Os pesquisadores aceitam que os textos hoje existentes foram compostos com base em cópias antigas cuja fidelidade não pode ser comprovada.

A existência de pelo menos 4 versões e a constante prática dos rabinos de incluir ou omitir palavras no texto (prática denunciada por Jesus) não nos permite afirmar que não tenha havido nenhuma intromissão humana nos textos. Um exemplo dessa impossibilidade pode ser verificado em um desses textos adotados como fonte para as cópias: O chamado “pentateuco samaritano” apresenta 6000 variantes no texto, 2000 delas são variantes do sentido do texto.

Ao tratar-se das possíveis adulterações, pelo menos duas são flagrantes: com a intenção de afirmar a crença da exclusividade da herança abraâmica ao povo judeu a versão de Gênesis carrega a contradição que embora afirme que Ismael foi o primogênito de Abraão mais a frente afirma que Abraão tinha um único filho, Isaac. Pretendiam os copistas com isso negar aos descendentes de Ismael qualquer direito à promessa feita a Abraão. O texto omite o fato de que o sacrifício pedido a Abraão aconteceu antes do nascimento de Isaac, portanto a criança levada para o sacrifício foi Ismael (o próprio texto afirma que quando a primeira aliança foi estabelecida e a ordem da circuncisão foi dada, o único filho de Abrão era Ismael, o qual foi circuncidado).

Uma segunda adulteração foi a infâmia lançada sobre o profeta Lot, em que os autores acusam-no de ter deitado com suas próprias filhas (depois de ser salvo da destruição de Sodoma). Um sério pesquisador e teólogo católico explicou que esta caluniosa acusação aconteceu em razão de que dois dos povos inimigos de Israel descenderam dessas filhas de Lot, de maneira que os judeus para ridiculariza-los propagaram esta mentira sobre Lot (o qual foi um profeta e um justo e se assim não fosse não teria sido salvo de Sodoma).

De fato, pretende-se aos livros do chamado antigo testamento uma posição de “escritura divina” e no entanto, as próprias origens e a história de sucessivas perdas e assimilações operadas na trajetória do povo judeu, demonstram que há pouquíssima chance para que esses textos representem realmente algo que tenha sido legado aos profetas de Israel.

Estudiosos sérios e imparciais do mundo inteiro têm apontado para a intervenção flagrante dos copistas de diversas épocas presente nesses textos. É sintomática a posição da igreja de Roma, que pouco a pouco, diminui sua ênfase em relação ao compêndio do velho testamento, considerando-o mais de valor histórico, para a compreensão do cristianismo, do que palavra textual de Deus.

De fato, a posição de “escrituras inspiradas”, encontra muita dificuldade para se sustentar quando as muitas contradições presentes são conhecidas. Tais como a citação no Livro do Êxodo que, por quarenta anos os judeus praticaram sacrifícios no deserto, enquanto segundo o Livro de Amós e o de Jeremias, não se praticou sacrifício algum.

Mesmo como documentos históricos, os livros reunidos no velho testamento pouco podem ser considerados. Sua imprecisão referente a datas e acontecimentos não auxiliam os pesquisadores há determinar com exatidão a veracidade de muitos dos fatos ali relatados.

As Escrituras atuais são as Escrituras Antigas?

Mesmo antes de abordarmos o problema das traduções, surge a falaciosa crença que tenta confundir duas realidades históricas bastante diferentes. Os prosélitos cristãos, católicos ou protestantes, com freqüência apóiam seus argumentos num sofisma que apresenta as atuais traduções bíblicas como sendo as mesmas escrituras as quais Jesus e os apóstolos se referiam, ludibriando assim as pessoas desinformadas ou pouco atentas. Ora, como já vimos, a compilação final do atual cânone bíblico foi realizada no século IV, portanto qualquer tentativa de ligar as palavras de Jesus, dos apóstolos ou dos profetas antigos a estes textos atuais como “escrituras sagradas” é uma fraude.

Quando se diz que Paulo pregava examinando as escrituras (Atos: 13:10,11) ou que Jesus tenha dito: “Está escrito” (Mateus4:4,7) Lucas ( 24:27) deve-se entender que se referiam à “Torá Hebraica” e não a uma “Bíblia” que só surgiria séculos depois deles. Ou seja, Jesus não poderia atestar como escritura divina ou inspirada textos que nem sequer ainda existiam. Quando, pois, Jesus afirmava “este evangelho” não poderia estar se referindo senão a “Boa Nova”, jamais a estes textos que chegaram a nós.

Assim, de modo capcioso os prosélitos cristãos usam tais afirmações de Jesus e de Paulo para creditar a todos os livros da Bíblia moderna a posição de “escritura divina”.

Capítulo 3 – A Delicada Questão das Traduções e das Cópias

A complexidade dos idiomas utilizados nos textos constituiu um problema decisivo para a perpetuação da fidelidade dos mesmos. Consideremos que a tradução de um idioma de um tronco lingüístico para outro de um tronco lingüístico diverso é uma missão dificílima, mesmo para alguém que domine a ambos, na verdade uma tradução neste caso é sempre uma adaptação.

Os primeiros copistas da Igreja possuíam as versões gregas dos livros atribuídos aos apóstolos e diversos manuscritos em hebraico e aramaico dos livros dos judeus. Não se pode precisar em que grau havia concordância entre as cópias do século II (praticamente nada dessa época permaneceu).

Com a adoção no século V do latim como língua canônica da igreja, São Jerônimo recebeu a missão de transladar o cânon oficial. Surgiu então a Vulgata Latina, a qual a igreja pretendia manter como fonte para as futuras traduções. Contudo, tanto as cópias anteriores em grego, inclusive a Septuagint (composta por uma equipe de 72 sábios judeus trabalhando em períodos diferentes) e a própria Vulgata com o passar do tempo suscitaram cópias divergentes. Inúmeras versões se popularizaram nos séculos seguintes o que gerou profundas divergências no seio da Igreja, esta se viu obrigada a convocar sucessivos concílios para reavaliar a Vulgata para que o senso de unidade fosse mantido.

O presente texto padronizado como é aceito pela Igreja foi elaborado pelo Papa Clemente VIII (1592-1605). Considere-se ainda que as cópias aceitas pelas igrejas orientais como a compilação siríaca do século IV diferiam sobremaneira das demais e a influência do tempo, dos idiomas diversos e das interpretações teológicas produziram mais e mais discrepâncias.

Desde que não podem ser apresentados textos originais, nem sequer cópias destes no idioma original, toda e qualquer discordância nas cópias que as igrejas mais antigas detém se assemelha a uma situação a de uma propriedade da qual inúmeras pessoas apresentem escrituras de posse sem que nenhuma delas seja autêntica. O conjunto dos dados aqui apresentados obriga-nos a uma refutação racional à crença popularizada do “status de Escritura Divina” da bíblia de nosso tempo. Em conseqüência disso, muitos dos dogmas e interpretações teológicas dos sacerdotes cristãos e protestantes são igualmente duvidosos.

Do mesmo modo que um matemático ou um físico não chega a uma conclusão correta a partir de uma equação que contenha erros ou dados imprecisos, um teólogo cristão não pode concluir a partir do que é duvidoso ou impreciso. O capcioso argumento da fé utilizado pelos teólogos, nesta questão não é de modo nenhum aceitável. Se alguém tenha ardorosa fé que o sol gire ao redor da terra e mesmo que se prove a ele que isso seja um disparate e então persista tenazmente agarrado a esta crença, tal atitude não será mais fé, será mera teimosia ou soberba. Não nos parece admissível num diálogo sério ouvir de um prosélito cristão: “A palavra de Deus diz...” A pergunta seria: “Onde, quando e como se pode assegurar a veracidade desta afirmação?”

Capítulo 4 - Cristianismo Primitivo versus Cristianismo Ocidental

O cristianismo de nossos dias é o resultado de inúmeras assimilações culturais operadas desde o segundo século. O fator desencadeante deste processo de transformação teve lugar um pouco antes disso. A conversão de Paulo de certa forma marcou o nascimento deste “novo cristianismo” que se moldou ao pensamento grego, rompendo com a tradição semita, porque esta nova visão da mensagem cristã é antes de tudo a doutrina de Paulo e não a dos apóstolos que conheceram e conviveram com Jesus.

Paulo era judeu de origem, tornou-se cidadão romano e foi educado como tal o que significa que sua compreensão do mundo e da vida correspondia ao pensamento helenista. Convertido ao Cristianismo se destacou por sua brilhante inteligência e espírito de liderança, não há dúvida que se dedicou de corpo e alma na defesa de sua fé e em breve tempo sob sua liderança a igreja cresceu em número e em senso de organização.

Possivelmente sua ênfase em direcionar a pregação aos gentios levou-o a formular a doutrina com uma linguagem e conceituação própria da filosofia grega o que se chocava com a prática e crença existente antes dele. A medida que suas idéias se desenvolviam, a doutrina se afastava de tudo o que a ligava ao judaísmo, o que a tornava mais atraente e aceitável aos gentios. Havia em sua abordagem um pragmatismo estranho à mensagem dos profetas e do próprio Jesus. Crenças como a da divindade de Jesus e a da expiação dos pecados pelo sangue surgiram (ou passaram a ser destacadas) a partir de sua pregação, crenças que só existiam no paganismo grego.

Paulo atribuía a si próprio como suporte inquestionável de autoridade espiritual a “inspiração divina”, apresentava as circunstâncias de sua conversão (uma visão de Jesus) como suficiente atributo a sua condição de intérprete da palavra revelada. Toda a temática das epístolas gira em torno dessa autoridade espiritual, que buscava colocar todo opositor ou discordante na condição de desviado da verdade.

Podemos dizer que através desse discurso em que se colocava como porta-voz exclusivo da verdade, Paulo ousou fazer algo que jamais qualquer apóstolo de Jesus fez. Estes se mantiveram ligados ao que testemunharam e ouviram de Jesus, o que lhes parecia suficiente. Os cristãos de hoje atribuem a Paulo essa autoridade de inspiração divina ainda que nada saibam acerca das demais igrejas primitivas que não aceitavam sua doutrina.

O afastamento de Barnabé após a viagem de evangelização que fizeram juntos é citado na Bíblia, cita-se também de modo superficial uma discordância entre Paulo e alguns discípulos sobre o alimento impuro e a circuncisão. Apresentam-se os argumentos de Paulo, porém não os argumentos dos que discordavam.

Na verdade a discordância era muito maior: Paulo pregava ensinamentos que os discípulos que haviam vivido com Jesus jamais haviam ouvido de sua boca. Também nunca tinham ouvido Jesus abolir a proibição da carne impura ou pregar contra a circuncisão, ademais nunca o viram comer carne impura e era sabido que tinha sido circuncidado segundo a Lei.

Em adição a isso, o Evangelho de Barnabé inicia-se com um alerta dizendo que “Paulo e outros haviam se desviado e deturpavam a verdadeira mensagem de Jesus”. Nos séculos seguintes, a Igreja de Roma trataria de destruir textos e cartas que de algum modo discordassem com a pregação e a doutrina paulina. Nos dias de hoje diversos estudiosos imparciais tem afirmado que “o Cristianismo de Paulo não é o Cristianismo de Jesus”.

Jesus afirmou que “a salvação consistia em guardar os mandamentos da lei”. Ou seja, seu ensinamento corroborava a verdade revelada anterior a ele. A fé e a obediência aos preceitos divinos. Paulo por sua vez afirma que “a salvação é crer no sacrifício da cruz para que o sangue livre dos pecados”. Há nessa afirmação um sentido claro de ruptura com o ensinamento dos profetas. Paulo desenvolveu sua doutrina sobre este fundamento, e trouxe ao cristianismo uma nova visão repleta de conceitos filosóficos que mais tarde permitiram a outros teorizar a Trindade e revestir o cristianismo com um caráter ocidental e diversos formalismos e rituais de origem pagã. Não por acaso, Paulo é considerado por muitos pesquisadores e historiadores como “o fundador do Cristianismo moderno”, tal o caráter pessoal de sua doutrina.

A tradição paulina (não a de Jesus) legou também um novo entendimento da autoridade religiosa. A partir de Paulo, o pregador, o sacerdote ou o “pastor” se revestiu de uma autoridade sobre a comunidade (a igreja) até então desconhecida entre os primeiros cristãos. Aquilo que no princípio respondia a uma necessidade prática de organização comunitária, resultou com o passar do tempo numa instituição do “poder sobre os fiéis”. Este aspecto autoritário e frequentemente tirânico e intolerante tem marcado a história da Igreja, não apenas de Roma, mas também, do protestantismo em suas várias denominações.

O Dilema das Interpretações

Outro fator que intensifica a babel reinante na cristandade é a ausência de uma clareza teológica sobre o significado real dos conceitos e passagens bíblicas. Cada organização religiosa, cada teólogo ou líder religioso tece a sua interpretação utilizando a metodologia que lhe pareça mais conveniente, o que gera mais divisões e seitas.

Como os textos são antes de tudo, narrativas atreladas a um contexto histórico muito particular, não pareceu aos autores ser necessário adicionar notas explicativas para as gerações futuras (cabe lembrar a crença comum dos primeiros cristãos da proximidade do fim dos tempos). Na realidade, a própria forma em que os fatos e dizeres são apresentados nos 4 evangelhos permite interpretações das mais variadas. Isto se deve por que os autores não imaginavam escrever algo que se destinaria a épocas e povos diversos (não familiarizados com as tradições e a cultura judaica).

Por exemplo, na questão da Lei Mosaica: era inconcebível para qualquer judeu contemporâneo de Jesus que alguém compreendesse nas palavras do Messias o abandono da Lei, apenas os carentes de discernimento que se seguiram depreenderam da mensagem de Jesus alguma inovação das palavras eternas do Deus todo-poderoso.

Entre os primeiros presbíteros sempre houve diferentes interpretações dos textos aceitos, quando o Poder Papal se estabeleceu a excomunhão passou a ser empregada contra os que divergiam com a diretriz teológica oficial.

O protestantismo gerou uma nova situação, com a popularização dos textos as divergências se multiplicaram, movimentos como os anabatistas, o pentecostalismo e o adventismo surgiram desse processo de livre interpretação. Todas as facções surgidas reivindicavam a “autoridade espiritual através da profecia ou inspiração divina”.

Mas afinal, qual a probabilidade de que qualquer uma das muitas facções cristãs tem de representar a “verdade revelada” se tomam por base textos em que comprovadamente a palavra divina se confundiu com a palavra humana? E se a doutrina que pregam não é o Monoteísmo dos profetas (e do próprio Jesus)?

Imaginemos que a constituição de um país pudesse ser interpretada livremente por cada cidadão, o que aconteceria a esse país? Diante de tal libertinagem de interpretação a possibilidade de retornar a pureza original da mensagem em seu real contexto é praticamente nula. Seja se apoiando em supostos “dons divinos” ou em performances de forte apelo emocional, verdadeiros shows onde Jesus e a salvação ora são vendidos como um produto, ora a religiosidade é banalizada ao extremo.

Quanto à metodologia adotada especialmente nos meios evangélicos é o “uso do texto como pretexto”, ou seja, despreza-se o contexto e extrai-se o dizer ou versículo distorcendo-o segundo a vontade do intérprete. “O novo evangelismo americano” adotou esse método de pregação e mesmo setores católicos aderiram ao mesmo, que não passa de uma bizarra manipulação dos textos.

Capítulo 5 – Derrubando Mitos, Desmascarando Dogmas

Não é possível discernir e definir tudo o que no decorrer dos séculos foi introduzido na mensagem cristã, nem tudo o que foi banido, oculto ou distorcido. Nem o mais ingênuo crítico teria dúvidas que a julgar pelos rumos que a Igreja adotou ao estabelecer a aliança com o poder Romano, que o clero não teria escrúpulos para produzir sua própria versão do cristianismo, que atendesse a seus objetivos de poder espiritual e temporal.

Neste período (meados do séc. IV) a conturbação teológica nos meios cristãos era imensa e ameaçadora. A igreja enfrentava cisões e discórdias e isto representava perigo a ordem social, o que desagradava a Roma. Os bispos se dividiam entre duas posições opostas: os unitaristas (que acreditavam na Unicidade de Deus) e os trinitários (defensores da crença da Trindade).

O Dogma da Trindade, crença cristã ou de origem pagã?

Para responder a esta pergunta cabe reportarmos os primeiros tempos (primeiro e segundo século).

Entre os primeiros cristãos esta crença era absolutamente desconhecida (o que nos leva a crer que nas primeiras cópias dos textos e em vários outros livros não havia citações sobre isso).

Os primeiros presbíteros acreditavam no subordinacionismo: Somente Deus era o criador e senhor do universo e Jesus seria seu subordinado, dissociado de sua divindade.

Embora majoritária nos primeiros anos, esta crença viria a ser contestada por uma tendência que baseada na filosofia grega acreditava na natureza divina de Jesus e em sua condição de “pessoa na divindade”. Esta crença trinitária (que é um empréstimo do paganismo grego) se fortaleceu a partir do final do segundo século. Sua origem é inegavelmente não-cristã, e assumiu variantes entre algumas seitas da época (malkenitas, jacobitas, nestorianos, etc), que polemizavam com suas teorias sobre a natureza não-humana de Jesus ou uma suposta encarnação divina. Teorias que de modo flagrante se originavam das especulações filosóficas dos gregos e das crenças mitológicas do paganismo.

Contudo, em certas regiões do império a crença na Unicidade Divina permaneceu majoritária até o século V, diversos bispos condenavam a crença trinitária como uma heresia pagã e argumentavam que por milênios o Deus Vivo se deu a conhecer aos profetas como um Deus Uno, que não era homem e que não tinha filhos gerados, que ninguém compartilhava de sua natureza divina, pois do contrário seu poder não seria absoluto, mas sim relativo, e aduziam que “em nenhuma passagem dos Livros constava que Jesus tivesse citado a trindade” (o que demonstra que na época as passagens apontadas pelos trinitaristas como respaldo a sua crença não existiam nos evangelhos).

O historiador Arthur Weigall reitera que “Jesus nunca mencionou tal fenômeno e em parte alguma do Novo Testamento aparece a palavra “trindade”. As passagens comumente apresentadas como “provas” da trindade (Coríntios 1 12:4-6, 2 13:13 e 14, Mateus 28:12 apenas citam Deus, o Espírito Santo e Jesus juntos, mas não afirmam que constituam uma divindade trina. Outra referência se encontra em algumas traduções antigas em João (5:7). Peritos reconhecem porém que estas palavras não se encontravam nas cópias mais antigas, foram pois adicionadas muito mais tarde. Algumas traduções modernas omitem a parte espúria desse versículo.

A respeito da muito citada passagem de João 10:30, o próprio Calvino, um trinitarista, comenta que “os antigos usaram mal esta passagem para provar que Cristo é da mesma essência que o Pai, pois Cristo não argumenta a respeito da unidade em essência, mas sim a respeito da concordância dele com o Pai”. De fato, os defensores da doutrina da Trindade usam e abusam da livre interpretação para inferir do texto bíblico o que o texto não diz.

O bispo Arius (250-336) liderou a refutação à crença na trindade, a cúpula da Igreja o excomungou e o recebeu de volta várias vezes devido sua forte influência sobre o povo. As insurreições se sucederam entre os unitaristas e os trinitários até que o Imperador Constantino se viu forçado a convocar um concílio em Nicéia para resolver a controvérsia.

Os partidários da Trindade (todos próximos a corte) liderados por Atanásio negociaram concessões com o império e conseguiram se impor sobre os unitaristas. Seguiu-se um horrível massacre de cristãos que não aceitavam a crença na trindade. Tornou-se também um crime sujeito à pena capital a posse de algum livro não autorizado pela igreja (nesta ocasião destruiu-se cerca de 270 livros e evangelhos).

Em 346, o imperador persuadido pela princesa Constantina que professava a fé cristã como seguidora de Arius, ordenou sua volta. Arius foi aclamado ao visitar a catedral de Constantinopla e repentinamente apareceu morto. A igreja chamou a isto de “milagre” porém, o Imperador descobriu que Arius tinha sido assassinado, então, baniu Atanásio e outros dois bispos. O imperador formalmente aceitou o cristianismo e foi batizado por um bispo ariano.

Assim, o monoteísmo de Arius tornou-se a doutrina oficial da Igreja. Constatino morreu em 337, seu sucessor também aceitou o unitarismo. Em 341 o unitarismo foi plenamente aceito como a correta interpretação dos evangelhos, o que foi confirmado em Sirmium em 351. São Jerônimo escreveu em 359 que “o mundo cristão regozijava-se de encontrar-se Ariano”. Porém, as maquinações dos partidários da trindade em concílios posteriores suscitaram por fim a revisão do conceito monoteísta.

Em 385 Nestorius, bispo de Constantinopla e enérgico defensor do unitarismo foi martirizado. Apenas o Papa Honório daí por diante, ousou refutar a trindade. Em suas encíclicas ele reafirmou a crença na Unicidade de Deus com consistentes argumentos teológicos.

Em 680, 42 anos depois de sua morte ele foi anatematizado, evento único na história do papado. Finalmente a crença da trindade tornou-se dogma em todo ocidente. Seus defensores, diante da impossibilidade de explicá-lo, frequentemente recorrem ao sofisma de justificar a trindade por meio de um “mistério da fé”, o qual não pode ser compreendido racionalmente.

Verdadeira Natureza do Espírito Santo

Traduções confusas e as interpolações humanas produziram errôneas concepções que com o passar do tempo, foram usadas para corroborarem a doutrina da trindade.

A tradição judaica possuía uma clara compreensão que Deus se manifestava por intermédio de seus anjos e a expressão “anjo do Senhor” surge em diversas passagens dos textos do velho testamento, esses anjos eventualmente manifestavam a força divina de sinais, revelação e inspiração.

O nome do arcanjo Gabriel em hebraico Jabr - El (força de Deus) por si explica essa realidade espiritual, para os judeus não havia sentido em se crer que esta força se constituísse em algo distinto de Deus como uma personalidade ou divindade, ou seja, era o que parecia ser: a força manifesta de Deus, espírito no sentido de sopro (em hebraico, Ru'ahh - fôlego, verbo, espírito / em grego Pneuma, com um sentido similar), pois na tradição judaica a palavra espírito não tem necessariamente a conotação de alma individual, por isso esta Manifestação tinha o caráter de dons espirituais conferidos aos profetas e em casos especiais (como no dos apóstolos) a seus seguidores.

Esse “espírito santo” respondia a uma necessidade específica ligada à mensagem divina, uma assistência de Deus para a salvaguarda da mensagem e dos seus profetas e apóstolos. Jamais foi uma assistência sem uma razão que a justificasse. Com o advento das especulações filosóficas que deram origem a crença na trindade, lançou-se a hipótese que esta “força manifesta de Deus” seria a terceira pessoa da tríade. Nada na tradição semítica é encontrado sobre isso, apenas no paganismo grego.

Um segundo equívoco na tradição teológica cristã referente ao “Espírito Santo” diz respeito ao “advento do espírito” anunciado por Jesus, segundo o Livro de João. Os teólogos cristãos, baseados num erro de tradução acreditam que a palavra grega Parakletos se refere ao Espírito Santo. Este “erro” é bastante estranho, nada poderia justificá-lo, segundo a lógica do idioma grego. A palavra se encontra no gênero masculino, e é utilizada com pronome masculino. Quando usada em grego a palavra pneuma (espírito) é um pronome neutro (não masculino). Logo, Parakletos se refere a uma “pessoa”, a um “homem” e não a um espírito. Assim, se Jesus se referia ao “espírito Santo” no texto constaria a palavra “pneuma” e não Parakletos. Evidentemente, os tradutores trinitaristas sempre buscaram ocultar esse fato. Como sabemos, Jesus jamais falou grego. Seu idioma era o aramaico.

A palavra grega parakletos (que pode ser traduzida como “o que será louvado” ou “o que traz o louvor”) constante no texto grego de João, deve ser a tradução literal da palavra aramaica “Ahmath”. Assim, a anunciação feita por Jesus se referia a um Profeta a ser enviado cujo nome (em aramaico) seria Ahmath.

A crença de que a anunciação de Jesus se referia ao advento de um novo Mensageiro de Deus, permaneceu por séculos em algumas comunidades cristãs primitivas do oriente. Quando o Profeta Mohammad (cujo nome é a tradução árabe da palavra Ahmath) surgiu, alguns monges e sábios conhecedores dos textos antigos reconheceram o cumprimento da profecia de Jesus e se converteram ao Islam, o que confirma a existência de comunidades cristãs que sabiam do sentido correto da anunciação.

A Correta distinção do Espírito Santo

Quando se diz que este Espírito apenas se manifestava com uma missão justificável é para que se faça correta distinção do fato de pentecostes das muitas supostas manifestações, reivindicadas por várias facções e seitas da cristandade.

A manifestação de pentecostes correspondeu uma necessidade imediata para que a mensagem fosse levada aos povos. Portanto, aqueles seguidores próximos de Jesus que haviam se comprometido a propagar a verdade, foram assistidos pelo espírito de modo a cumprirem sua missão. Porém, como sabemos a mentira sempre está a se confrontar com a verdade e em pouco tempo os dons divinos autênticos foram misturados com as inventivas de Satã.

Mesmo Paulo nas epístolas, deixa claro sua preocupação com a proliferação de “dons” que alimentavam a confusão espiritual e a divisão já existente. A glossolassia (dom de línguas) tornou-se um problema, pois já haviam tantos abusando desta crença que o próprio Paulo escreveu: “Se há o dom de línguas, que haja intérprete”.

Não há de fato nada que sustente a crença que os dons autênticos tenham permanecido após a morte dos apóstolos (que foram próximos de Jesus). Do contrário, a divisão não se instalaria e a doutrina original não seria substituída pelas inovações.

A partir do século III a igreja de Roma tomou a resolução de abolir inteiramente esta crença, pois não havia como “distinguir os espíritos” na prática, logo estas crenças foram condenadas como heréticas pois geravam mais dissensões teológicas.

Com a reforma, o pentecostalismo ressurgiu na Europa. A ânsia de retomar as origens tornou-o redivivo quase como uma negação da letra morta em que a igreja tinha reduzido seus ensinamentos.

Este delírio místico desde então tem concorrido para suscitar mais e mais seitas e novamente o “Espírito Santo” que tantos reivindicam só tem servido para aumentar as dissensões, jamais para unificar a cristandade.

Na verdade, certos princípios discernentes devem ser empregados se desejamos analisar com correção as muitas manifestações atribuídas ao Espírito Santo.

Consideremos que tais manifestações espirituais podem ser de 3 naturezas: De natureza humana, de Natureza demoníaca ou de natureza Divina.

O primeiro caso se refere ao fato de que a criatura humana é dotada de dons psíquicos que em determinadas circunstâncias se manifestam e produzem fenômenos que desafiam a razão. Tais fenômenos ocorrem em todas as épocas, culturas, povos e religiões. A própria fé pode representar esta força psíquica em potencial que pode explicar muitos dos fenômenos produzidos (como as curas que ocorrem em todas as religiões e seitas cristãs ou não). O estado de transe (que pode ser induzido ou auto-induzido) no qual uma pessoa eventualmente pode produzir fenômenos que podem ser compreendidos como extraordinários, é comum a todas as culturas e tradições religiosas.

O segundo caso (de natureza demoníaca) é quando estes dons psíquicos inerentes ao homem são postos conscientemente ou não a serviço de Satã. Ciências ocultas como a quiromancia, a necromancia, as várias modalidades de magia e as manifestações falsamente atribuídas ao Espírito Santo, são manifestações demoníacas para desviar o homem da Senda Divina. Não há sinal ou prodígio que Lúcifer e seus asseclas não consigam reproduzir, portanto, os que se baseiam em sinais e prodígios (e não consideram a coerência com a Verdade revelada aos Profetas) se tornam as principais vítimas dessa trama satânica.

O terceiro caso (natureza divina) é a manifestação da assistência divina no que se refere a Senda da Verdade, esta assistência se operava por sinais quando os Profetas e seus apóstolos se encontravam diante de perigos ou de desafios no cumprimento de sua missão.

Após a revelação concluída das escrituras sagradas (com o advento do Alcorão) e desde que a Verdade tenha se tornado conhecida e detalhada para toda humanidade e estar acessível a todo aquele que a busque, a assistência divina do Espírito se restringe “a orientação para a fé” e “a luz do discernimento espiritual” que é a graça divina que é concedida àqueles a quem o Altíssimo cobrir com sua misericórdia. E este discernimento espiritual capacita aos que se apeguem a fé monoteísta (adoração exclusiva a Deus) e a obediência a suas leis separar a verdade do erro e não serem ludibriados por Satã.

Na questão abordada o discernimento espiritual nos aponta certas diretrizes de grande importância para os que buscam a verdade e se firmam a ela:

1. A assistência divina do Espírito foi dada aos profetas do Altíssimo e (eventualmente) aos seus apóstolos que se mantinham firmes ao que foi revelado. Jamais esta assistência foi ou será dada aos que se afastam da palavra revelada e criam inovações, seitas, doutrinas estranhas ao Monoteísmo Original de Abraão, Moisés, Jesus, Mohammad e dos demais profetas, logo, os seguidores de crenças falsas como a Trindade, ou a salvação pelo sangue, e que seguem sacerdotes ou pastores ou que devotam adoração a qualquer criatura junto ao Deus Único não contam com assistência alguma senão de Satã que os ilude e os desvia mais ainda da Senda Divina.

2. Todas as manifestações do Espírito relatadas nas escrituras se referiam a salvaguarda da Mensagem Divina e dos que se apegavam a ela, assim o Espírito da Santidade não se relaciona com assuntos mundanos ou questões pessoais, toda e qualquer manifestação espiritual voltada para isso não pode ser de natureza divina.

3. A análise histórica e dos textos sagrados demonstra que a assistência do Espírito se caracterizava pela coesão e pela coerência da Mensagem divina. Ou seja, embora em épocas diferentes, a verdade revelada para Abraão foi a mesma verdade revelada para Moisés, para Jesus e Mohammad, de maneira que nenhum deles ou qualquer dos outros profetas de Deus jamais fundaram igrejas ou seitas. Havia uma única verdade e uma única religião (Islam - submissão a Deus) e o Espírito zelava pela unidade dessa mensagem.

Em contrapartida, ao analisarmos as diversas manifestações atribuídas ao “espírito santo” reivindicadas pelas igrejas e seitas chegaremos às seguintes conclusões: Estas manifestações em nada tem contribuído para unir ou manter qualquer senso de unidade, ao contrário promovem uma progressiva divisão e crescente profusão de doutrinas e interpretações contraditórias entre si. Tais manifestações são flagrantemente falsas, uma vez que reafirmam crenças que a própria história registra como criações humanas (se alguma fosse verdadeira conclamaria a senda original monoteísta revelada aos profetas, negaria a doutrina da trindade, por exemplo).

A Salvação: Fé e Conversão ou o Resgate pelo Sangue?

De todas as doutrinas estranhas à mensagem de Jesus, forjadas após sua missão, a crença do resgate pelo sangue é a mais declaradamente de origem pagã e sua inserção no cristianismo foi providencial: para sustentar e justificar uma das versões (hipóteses) surgidas entre os cristãos sobre a suposta morte de Jesus na cruz. Um dos fatos que os líderes religiosos ocultam dos seus seguidores é: a versão da morte de Jesus na cruz e sua posterior ressurreição não era unânime entre os cristãos primitivos. Ninguém dentre eles negava que a crucificação teria acontecido, a dúvida, porém, era: seria Jesus o homem que foi supliciado e suspenso na cruz?

A divergência estabeleceu-se de imediato, devido a dispersão em vários grupos por todo o país (e especialmente para a Síria), o temor da perseguição e a comoção que tomou todos os apóstolos e seguidores mais próximos (um grupo que chegou à cerca de setenta e dois), logo uma série de hipóteses surgiram.

A versão da crucificação de Jesus e sua ressurreição era sustentada por um grupo de testemunhas oculares. Porém uma dessas testemunhas oculares, Barnabé, registrou em seu evangelho que o próprio Jesus apareceu dias depois a alguns seguidores e declarou que não tinha sido crucificado (que outro homem havia sido supliciado em seu lugar). Barnabé ainda escreveu em seu evangelho que Jesus permaneceu 3 dias com eles e convocou os discípulos e seguidores que ainda haviam permanecido na cidade e declarou a estes que NÃO HAVIA MORRIDO e os alertou para que não se deixassem ludibriar por aqueles que pregariam sua morte na cruz e a sua ressurreição; pois muitos dos que tinham fugido para outras regiões já propagavam estas e outras hipóteses sobre os fatos. No terceiro dia Jesus foi arrebatado aos céus no monte das oliveiras à vista de um grande número de pessoas. Em outros escritos apócrifos encontram-se diferentes versões quanto à pessoa que tenha sido levada ao madeiro no lugar do Messias (A.S.).

Os seguidores dispersos continuaram a conjecturar sobre sua suposta morte na cruz nos anos seguintes. O pequeno grupo composto por Maria, Marta, Madalena e Barnabé, entre outros, passaram a tratar esta questão com sigilo, pois as autoridades romanas proibiram por um bom tempo qualquer debate público sobre Jesus. De fato, em muitos agrupamentos cristãos dos primeiros tempos a crença era de que Jesus não havia morrido na cruz, enquanto em outros grupos, acreditava-se na sua morte e ressurreição.

Ao se converter, Paulo também encontrou essa questão perturbadora a dividir os cristãos, muitos deles tentavam entender e racionalizar sobre os desígnios divinos: Se Jesus, o Messias tinha sido preso e morto como um criminoso apesar de inocente onde e como a justiça divina se conformava a isso? Qual a razão e o propósito de sua morte?

Paulo não se diferenciava dos demais nesta questão e mais uma vez recorreu ao pensamento grego para encontrar uma resposta a esse questionamento. Sendo um dos que acreditavam na morte na cruz e na ressurreição isso o obrigava a encontrar uma razão para o acontecimento.

O sacrifício de sangue inocente para aplacar a ira divina era crença e prática amplamente conhecida em todas as tradições pagãs; porém a razão que justificaria neste caso seria o objetivo maior da crença cristã: a salvação. Assim, Paulo organizou sua pregação aliando a visão gentílica à conclamação cristã da salvação “resolvendo” o perturbador questionamento que permanecia na mente dos cristãos que acreditavam na crucificação de Jesus.

Segundo Paulo e os que o seguiram, em razão do pecado haveria a necessidade do resgate, portanto, o sangue inocente do messias “pagaria” os pecados dos homens. Tomavam como argumento em apoio o sacrifício animal praticado pelos profetas e sacerdotes (embora a expiação não fosse a razão para esse preceito).

Para o mundo gentílico, esta doutrina era absolutamente lógica e correspondia às suas concepções de divindade onde Deus ou os deuses pensam e agem como os homens, segundo os padrões destes.

Nas mitologias pagãs existe esta mesma teorização, senão vejamos:

Um Deus de forma humana, que tem filho (gerado dele), envia-o ao mundo na forma humana (pois este é um Semideus ou um outro deus), e então exige em sacrifício o sangue e a vida de seu próprio filho para aplacar sua ira contra os homens.

Como vimos, a “salvação a preço de sangue” se enquadra perfeitamente ao pensamento gentílico, mas, e quanto a tradição profética (mensagem divina) que foi a única e verdadeira doutrina de Jesus? Se opõe sem dúvida a tudo o que os profetas e o próprio Jesus predicou.

1. O Deus vivo, Deus de Abraão, de Moisés, de Jesus e de todos os profetas enviados, o que confirma os ensinamentos e mensagens destes é absolutamente justo. Portanto não promoveria a injustiça exigindo o sangue de um inocente, uma de suas mui amadas criaturas, para redimir a culpa e o pecado de outros. Se o fizesse iria contra sua própria justiça, se colocaria na mesma condição dos falsos deuses e dos homens, o que é inconcebível.

2. O sacrifício animal praticado pelos profetas jamais foi o “preço do resgate”. O perdão divino não tem preço, é graça de Deus sobre o arrependido e o penitente. O sacrifício simbolizava a submissão, a devoção e o reconhecimento da glória de Deus, por exemplo: quando Abraão levou seu filho para o sacrifício não o fez para expiar pecados, mas para demonstrar sua submissão incondicional, seu amor a Deus sobre todas as coisas, e Deus aceitando o que havia em seu coração poupou seu filho (pois o Deus verdadeiro não aceita o sangue humano por sacrifício) e ordenou o sacrifício de um animal. Apenas quando os judeus se tornaram insubmissos e seus sacerdotes passaram a propagar que os pecados poderiam ser expiados por sacrifícios (sem um sincero arrependimento e o abandono do pecado) desviando a muitos da senda correta, é que Deus não mais aceitou seus sacrifícios.

3. Jesus pregou por três anos o arrependimento, a conversão e a penitência, reafirmou a Lei eterna e o apego aos mandamentos, princípios que formam o conjunto da FÉ. Se a salvação se originasse de algum sacrifício de sangue inocente todos esses princípios e toda sua pregação e missão seria vã e ele não precisaria ter chegado à idade madura, bastaria que Herodes conseguisse seu intento e o desígnio do resgate pelo sangue estaria consumado.

A Crença na Filiação Divina e na Natureza Divina de Jesus

Uma viciosa interpretação das passagens bíblicas desprovida de um conhecimento apurado da linguagem e do pensamento corrente da época gerou no segundo século o equívoco e a especulação de uma suposta filiação divina. Deus, não sendo criatura, mas sim, Criador, não sendo homem ou mulher, não teria um filho no sentido atribuído de reprodução ou geração.

A palavra do aramaico utilizada por Jesus, ABBA, tem em seu sentido literal a tradução de “Senhor” e não pai, mesmo se tivesse sido expressa Abbi poderia ser meu Senhor ou meu pai. A versão para o grego (e na ausência de textos em aramaico ou hebraico) possibilitou a assimilação do conceito Pai- filho tal como é comumente compreendido. A sensata interpretação é de que se essas palavras foram utilizadas estariam expressando um sentido figurado de amor entre Deus e seus servos diletos, pois nos textos aceitos encontramos a expressão filho de Deus utilizada para Jesus, Davi, Salomão e Adão; e o próprio Jesus dizendo “sois filhos de Deus”. (Em vista disso percebe-se a contradição na expressão bíblica de “filho unigênito (único) de Deus, ou seja, os textos se contradizem). Na crença da filiação divina de Jesus percebe-se claramente a nefasta influência do pensamento gentílico que atribuía filhos aos deuses.

A crença da natureza divina de Jesus como uma pessoa da trindade também surgiu dessa especulação filosófica de origem helênica que, pouco a pouco, se introduziu no pensamento cristão. O texto atribuído a João, que destoa sobremaneira dos demais evangelhos canônicos, é o texto que demonstra a forte influência dos conceitos filosóficos pagãos que buscavam interpretar a natureza e a vida de Jesus sob uma ótica absolutamente estranha àquela do mundo e da cultura semita. A divinização de Jesus seria na verdade impensável dentro do universo judaico em que os apóstolos e primeiros seguidores viveram, para esses primeiros cristãos a convicção de que Jesus teria sido um profeta, um homem como os outros, não obstante os milagres que Deus tenha operado por intermédio dele, era inquestionável.
Porém, a partir do segundo século, com a conversão em massa de gentios, a crença de que Jesus tivesse uma natureza divina, ou que fosse ele próprio “Deus” se tornava plausível, pelo menos entre o povo comum. Enquanto que, entre os primeiros presbíteros havia reticência quanto à aceitação de tais crenças. Como ocorreu com a crença da trindade, por pelo menos três séculos posições contraditórias se digladiaram até que o poder da igreja de Roma impôs a unificação por meio da força e da supressão dos seus opositores.

O texto tardio atribuído a João tem sido utilizado como base de argumentação por aqueles que professam a crença na “natureza divina” de Jesus. Como sabemos, o texto em questão surgiu por volta de 110 d.c., redigido provavelmente em grego, portanto, toda sua abordagem já se encontra dirigida pela tendência dominante de sua época: o pensamento gentílico. Logo, não é estranho que se proponha a propagar crenças que não se encontram nos evangelhos de Mateus, Lucas e Marcos.

A passagem de João 1:1 é comumente apresentada como “prova da natureza divina e da pré-existência de Jesus”. Contudo, o texto grego não parece afirmar nem uma coisa nem outra. A tradução mais comum dessa passagem: “No princípio era o verbo e o verbo estava com Deus e o verbo era Deus”. (Trad. João F. Almeida) simplesmente propõe duas expressões contraditórias. Antes de tratarmos do que há de incorreto nesta tradução, segundo as regras do idioma grego, é interessante observarmos algumas das várias “traduções” bíblicas divergentes para esta passagem:
1. New Testament in an improved version (1808) “ ...e a palavra era um Deus”.

2. J.M.P. Smith and J. Goodspeed (1935) “...e a palavra era divina”.

3. Johannes Schneider (1978) “e de sorte semelhante a Deus era o Logus (Palavra)”.

Algumas outras versões bíblicas apresentam variações de tradução para esta passagem, sem que considerem certas regras elementares da gramática grega. O substantivo Theos (Deus) ocorre duas vezes. Na primeira se refere a Deus Todo-Poderoso com quem a palavra (logus) estava. Este primeiro Theos é precedido do artigo definido Ton (o), o qual denota uma identidade (a referência a Um Ser, ou seja, O Deus Criador). No segundo theos, porém, não existe artigo, isto é, a referência ao verbo divino (Criador) não se faz aqui, a nenhuma entidade (pessoa). O que se diz é que a palavra criadora era divina e não “o próprio Deus”.

Jesus aboliu alguma lei?

A interpretação dos teólogos cristãos sobre esta questão reflete a tendência comum da igreja de Paulo em reinterpretar os princípios e adaptá-los ao que entendiam como necessidade do momento. Esta facção de seguidores reunidas em torno de Paulo, decidiu pelo afastamento das tradições judaicas, entretanto, nenhuma correta distinção entre a Lei Divina e as tradições tinha sido feita por eles. Provavelmente a intolerância dos judeus para com os primeiros cristãos pesou na decisão tanto quanto a estratégia paulina de tornar a doutrina mais aceitável aos gentios.

Um grupo de teólogos recorrem a argumentos astutos para justificar essa atitude. Afirmam por exemplo, que ao dizer: “Eu cumpri a lei”, Jesus não estava dizendo que havia observado a lei (portanto não era um transgressor), mas estava dizendo: “Eu revoguei a lei ao cumpri-la, vocês estão livres dela”. Na verdade Jesus jamais se insurgiu contra a Lei, muito ao contrário, reafirmou-a como prova manifesta da fé, do temor e da obediência. Sua declaração que toda lei se resumia em “Amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a tí mesmo” consagrava a essência da lei a qual estava sendo negligenciada pelos judeus (pois eles não cumpriam a lei mas, fingiam fazê-lo). A declaração não era autorização para abandonar os outros princípios da lei (ele não estava dizendo para ninguém adulterar, roubar, desobedecer aos pais etc.). A defesa que fez da adúltera ressaltava o cumprimento da lei com sabedoria e não com hipocrisia e farisaísmo como havia se tornado comum entre os judeus.

Jesus jamais pregou ou praticou qualquer desobediência a lei mosaica, jamais deu autoridade a nenhum discípulo para que saísse pelo mundo a dizer: “vocês estão livres para consumir a carne impura, livres da circuncisão” ou coisas do tipo. O que Jesus fez foi uma perfeita distinção entre a Lei Divina e os muitos costumes inventados e inseridos nas escrituras antigas pelos sacerdotes e escribas, insurgiu-se contra todas essas invenções e denunciou-as ao povo convocando-o ao Monoteísmo Original, ao abandono da hipocrisia que anula a fé e conduz ao inferno. Não obstante, entre os exemplos práticos de Jesus e as inovações de Paulo, os cristãos modernos em sua maioria seguem o segundo, embora afirmem a fé nas palavras do primeiro.

A Lei que tenha sido proferida pelo Deus vivo não pode ser abolida por pregadores ou seguidores dos profetas, seja Pedro, Paulo ou qualquer outro. Não havendo nenhum texto original e autêntico em que conste que Jesus tenha declarado a abolição da lei anterior a ele (como pretendem os inovadores e teólogos) a ninguém mais é dada autoridade de duvidar da validade permanente da Lei.

Um Comentário Final

As várias questões aqui levantadas se relacionam a uma questão central que na realidade deve ser considerada de modo prioritário por qualquer pesquisador ou pessoa que se sinta comprometida com a busca da verdade: Em que se baseia a “autoridade” de todos os reformadores e intérpretes da mensagem de Jesus?

O argumento largamente usado primeiro por Paulo e seus seguidores mais próximos, foi a da assistência divina do Espírito Santo. Sobre este argumento respaldado pelos fatos extraordinários relatados em atos (por eles próprios) Paulo manteve seu embate teológico com as outras facções cristãs da época. Como os relatos desses outros grupos de cristãos primitivos foram destruídos pela Igreja talvez jamais saberemos se tais sinais e prodígios eram ou não exclusivos ou mesmo se alguém (que não os seguidores) havia testemunhado os mesmos. De um modo ou de outro o papado foi instituído sobre esta argumentação: os Papas seriam os vigários de Jesus na terra, herdeiros de Pedro e de Paulo e como estes (segundo a crença) infalíveis e santos.

A história da Igreja e suas muitas alterações teológicas é prova suficiente que a infalibilidade nunca existiu. As outras facções cristãs de nosso tempo também reivindicam a herança de Pedro e Paulo, porém não fogem da regra das inovações, divisões e sub-divisões que colocam em cheque qualquer credibilidade neste sentido. São estes homens herdeiros de Jesus ou de qualquer um de seus apóstolos como dizem? Afinal que verdade é esta que pregam que em tempos em tempos pode ser alterada segundo o entendimento de suas lideranças? Que conclusões teológicas são estas que se baseiam em comprovadas inserções humanas nos textos nos quais insistem em denominar de “palavra de Deus”?

Os sofistas cristãos se defendem com slogans e argumentos vazios como “Jesus é o mesmo ontem e hoje”. Sim, isto é verdade, porém a bíblia tal como a conhecemos não foi sempre a mesma. Se pudéssemos por lado a lado um judeu ou um muçulmano dos primeiros tempos do judaísmo ou do Islamismo com um judeu ou um muçulmano de nossos dias, veríamos que os dois creriam no mesmo e praticariam o mesmo judaísmo ou Islamismo. Se o fizéssemos com um cristão primitivo e um cristão da atualidade pensaríamos que os dois professariam duas religiões diferentes. Será que um cristão primitivo entenderia um show de Rock Gospel, ou a encenação dos pastores televisivos ou a performance dos padres da moda como pregação real? Um cristão primitivo aceitaria as muitas crenças e dogmas que jamais conheceu e que hoje são consagradas como pilares da fé cristã? De que modo reagiria diante da Glossolassia (Dom de línguas) tal como é distorcida em nossos dias pelas inúmeras seitas onde nem quem fala e nem quem ouve entende coisa alguma? Aceitaria a doutrina da prosperidade forjada pelos chamados pastores para legitimar o individualismo capitalista? Entenderia os rituais das missas, os confessionários e o culto aos santos como a mensagem de Jesus?

Igreja e Idade Média

Em meio à desorganização administrativa, econômica e social produzida pelas “invasões” ou migrações germânicas e ao esfacelamento do Império Romano, praticamente apenas a Grande Igreja, com sede em Roma, conseguiu manter-se como instituição. Vemos os Vândalos na África, os Visigodos na Hispania, os Francos na Gália, os Anglos e Saxões nas Ilhas Britânicas, os bárbaros(Germânicos) na Itália. Consolidando sua estrutura religiosa, a Igreja foi difundindo o cristianismo entre os povos “bárbaros”, enquanto preservava muitos elementos da cultura greco-romana. Valendo-se de sua crescente influência religiosa, a igreja passou a exercer importante papel em diversos setores da vida medieval, servindo como instrumento de unificação, diante da “fragmentação política” (processo de atomização do poder – poder local forte) da sociedade feudal.

OBSERVAÇÃO: O termo católico (adjetivo grego que significa “Universal”) é usado a partir do Concílio de Trento (1545 - 1563) para designar a Igreja Romana em oposição às Igrejas da Reforma. Antes, o termo utilizado era Cristandade.

Entendendo a periodização

A Idade Média (Medium Aevum ou Middle Age) É o termo usado para o período situado entre a Antiguidade e a Idade Moderna. Conceito estipulado no período do Renascimento Cultural (século XVI) voltado somente para a região da Europa Ocidental, ou seja, não há Idade Média na África, Japão, China... Cada um desses locais possuem denominações próprias para esse período.

Tem como marco inicial o ano de 476 d.C (com o fim do Império Romano no Ocidente – tomada de Roma, pelo imperador germânico Odoacro) e tem seu término no ano de 1453 d.C (com o fim do Império Romano no Oriente - Tomada de Constantinopla pelos Turcos Otomanos). Suas características, entretanto, nunca foram às mesmas no tempo ou no espaço, pois não havia unidade nesse período. É preciso dizer o contexto específico.

O período está dividido em: Alta Idade Média (séc. VI - X), Idade Média Central (séc. XI - XIII) e Baixa Idade Média (séc. XIV e XV). Há até hoje um forte preconceito sobre este período, tomado como “Idade das Trevas”, “Escuridão”, de “Pestes e Guerras”, não havia “cidades, nem comércio”, dentre outros adjetivos. Contudo, deve ser levado em consideração que num período de mil anos, não houve apenas pestes, guerras... Temos que ter um olhar consciente: Nesse período houve a criação das Universidades, da letra minúscula, do parlamento, Hospitais, Tribunal com Júri, aperfeiçoamento da Matemática, geografia, escrita...

Entendendo o Surgimento da Cristandade

Entende-se Cristandade por um sistema de relações da Igreja e do Estado (ou qualquer outra forma de poder político) numa determinada sociedade e cultura. Ela perdura até praticamente a Revolução Francesa (1789), com várias modalidades dentro desse processo através dos séculos. Na história do cristianismo, o sistema iniciou-se por ocasião da Pax Ecclesiae em 313 (paz concedida pelo imperador Constantino à Grande Igreja), com o Edito de Milão (ele põe fim às perseguições) e deu origem à primeira modalidade de Cristandade dita “constantiniana”; a qual se apresenta como um sistema único de poder e legitimação da Igreja e do Império tardo-romano.

As características gerais desta modalidade “constantiniana” são, entre outras, o cristianismo apresentar-se como uma religião de Estado, obrigatória, portanto para todos os súditos; a relação particular da Igreja e do Estado dar-se num regime de união; a religião cristã tender a manifestar-se como uma religião de unanimidade, multifuncional e polivalente; o código religioso cristão, considerado como o único oficial, ser, todavia diferentemente apropriado pelos vários grupos sociais, pelos letrados e iletrados, pelo clero e leigos. A figura do “Monograma de Cristo”, da época de Constantino. É formado por duas letras entrelaçadas, as letras gregas "chi" (X) e "rô" (P). Essas letras são as iniciais de "Christós", em grego: CRISTOS.

Os Padres da Igreja

Os tempos de ouro da Patrística foram os séculos IV e V, embora possa se entender que se estenda até o século VII a chamada "idade dos Padres". Os principais Pais do Oriente foram: Eusébio de Cesaréia, Santo Atanásio, Basílio de Cesaréia, Gregório de Nisa, Gregório Nazianzo, São João Crisóstomo e São Cirilo de Alexandria. Os principais Padres do Ocidente são: Santo Agostinho, autor das "Confissões", obra prima da literatura universal e Santo Ambrósio; Eusébio Jerônimo, dálmata, conhecido como São Jerônimo que traduziu a Bíblia diretamente do hebraico, aramaico e grego para o latim. Esta versão é a célebre Vulgata, cuja autenticidade foi declara pelo Concílio de Trento. Outros pais que se destacaram foram São Leão Magno e Gregório Magno, este um romano com vistas para a Idade Média, as suas obras "os Morais e os Diálogos" serão lidas pelos intelectuais da Idade Média, e o canto "gregoriano" permanece vivo até os dias de hoje. Santo Isidoro de Sevilha, falecido em 636, é considerado o último dos grandes padres ocidentais.

A Cristandade Medieval

A Cristandade medieval ocidental é, em certa medida, a continuadora da Cristandade antiga, a do “Império Cristão” dos séculos IV e V. No contexto medieval, acentuaram-se muito mais a situação de unanimidade e conformismo, obtida por um consenso social homogeneizador e normatizador, consenso este favorecido pela constituição progressiva de uma vasta rede paroquial e clerical. As instituições todas tendiam, pois, a apresentar um caráter sacral e oficialmente cristão. Sabemos que nela predominou, em geral, a tutela do clero. Não, todavia durante os séculos IX e X, quando a tutela dos leigos sobre as instituições eclesiais a levou à sua feudalização, o que provocou a partir do século XI, o grito dos reformadores, sobretudo eclesiásticos: libertas Ecclesiae. Ocorreu então a reforma “gregoriana”, no século XI, que operou a síntese de uma reforma na e da Igreja, de uma reforma “na cabeça e nos membros”.

Alguns Fatos Históricos Importantes ocorridos no Período da Idade Média

A Distinção Gelasiana (494)

O Bispo de Roma, o Papa Gelásio I (492-496) efetuou a distinção entre o poder temporal dos imperadores e o espiritual dos papas, considerando superior o poder destes últimos. Envia um documento ao imperador do Oriente (Anastácio). Definiu a teoria dos dois poderes: o poder temporal (poder do imperador) e o poder espiritual (poder dos bispos). Os bispos, de acordo com essa teoria, seriam superiores ao poder temporal. Estabelecido ainda que a figura do papa não poderia ser julgada por ninguém. Dizia que o papel do Pontífice era antes ouvir do que julgar.

As Heresias

Define-se como negação ou dúvida pertinaz de uma verdade que se deve crer com fé divina e católica, por quem recebeu o batismo. Ao longo da história da Igreja vemos: O Gnosticismo (séc. II); Maniqueísmo (séc. III); Arianismo (séc. IV); Pelagianismo (séc. V); Iconoclastas (séc. VIII); Cátara e valdense (séc. XII-XIII); Protestantismo e Anglicanismo (séc. XVI); Jansenismo (séc. XVII); Modernismo (séc. XIX). O relativismo doutrinal e moral são tidos como a grande heresia atual. O rigor da Igreja no combate às heresias e cismas variou ao longo dos tempos, com períodos de grande repressão, sobretudo quando tais desvios eram cominados com penas graves pelo poder político.

Os Mosteiros

Vemos com São Bento de Nursia (529), uma retomada e revigoramento dos mosteiros. Os ermitões (Ermo – significa desertos) atuavam sozinhos e passam a se organizar em pequenos grupos. São Bento traça uma regra, dando uma forma a vida monástica, a qual passa a ser copiada em outros mosteiros. O dia do monge é dividido em 7 momentos de oração, mais o trabalho manual (penitência), produz seu alimento. “Ora et Labora”. Não é necessário buscar mosteiros distantes, mas se santificar com aqueles que convive. Deu forma ao monasticismo medieval. Ao longo da Idade Média vemos que os mosteiros preservam as escrituras sagradas, tornam-se refúgio, guardam as obras de arte e cultura...

Fragmentação do Império Romano no Ocidente

Com as migrações germânicas e a queda do Império Romano no ocidente (476) os bispos começam a buscar a unificação. Apelam para a elite romana “Romanitas”, que passam a defender os valores cristãos. Os reis bárbaros vão se convertendo ao longo dos anos. Vemos a ação do papa Gregório I, o Magno (590-604) assinala que “todo o poder foi dado ao alto aos meus senhores para ajudar os homens a fazer o bem”. Assim os bispos e o Imperador e os reis têm a função de ajudar o bem e punir o mal. Primeiro papa monge, intitulava-se Servidor dos Servidores de Deus. Aproveitou-se da falência imperial na Itália para assumir o poder temporal. Desligou-se da influência bizantina e aproximou-se dos germânicos. Visigodos, suábios e lombardos se converteram. Agostinho foi à Inglaterra e converteu os anglo-saxões. Os escritos de Gregório Magno instruíram o clero e fortaleceram a religiosidade dos fiéis. Sua Regra Pastoral serviu de manual para os padres em toda a Idade Média.

As Cruzadas

Atendendo ao apelo do papa Urbano II, em 1095, foram organizadas na Europa expedições militares conhecidas como cruzadas (esses missionários assim se chamavam pela cruz de pano que levavam na veste), cujo objetivo oficial era conquistar os lugares sagrados do cristianismo (Jerusalém, por exemplo) que estavam em poder dos muçulmanos e turcos. Entretanto, além da questão religiosa, outras causas motivaram as cruzadas: a mentalidade guerreira da nobreza feudal, canalizada pela Igreja contra inimigos externos do cristianismo (os muçulmanos); e o interesse econômico de dominar importantes cidades comerciais do Oriente. Os cristãos eram estimulados pelas indulgências que lhes prometiam o perdão dos pecados e a posse do céu. De 1095 a 1270, a cristandade européia organizou oito cruzadas, tendo como bandeira promover guerra santa contra os infiéis. Era a guerra santa, justa, pois eles estavam difamando o santo sepulcro, a terra santa. Foram, ao todo, oito grandes incursões. Vemos a Cruzada Popular ou dos Mendigos (1096), Primeira Cruzada (1096-1099), Segunda Cruzada (1147-1149), Terceira Cruzada (1189-1192), Quarta Cruzada (1202-1204), Cruzada Albigense, Quinta Cruzada (1217-1221), Sexta Cruzada (1228-1229), Sétima Cruzada (1248-1250), em março de 1270, o rei Luís IX, São Luís, decide organizar uma nova cruzada - Oitava Cruzada (1270), a qual fracassa e ele morre em combate.

Querela das Investiduras

A Questão das Investiduras refere-se ao problema de a quem caberia o direito de nomear sacerdotes para os cargos eclesiásticos, ao papa ou ao imperador. No século X, o imperador Oto I, do Sacro Império Romano Germânico, iniciou um processo de intervenção política nos assuntos da Igreja a fim de fortalecer seus poderes. Fundou bispados e abadias; nomeou seus titulares (abades leigos) e, em troca da proteção que concedia ao Estado da Igreja, passou a exercer total controle sobre as ações do papa. Durante esse período, a Igreja foi contaminada por um clima crescente de corrupção, afastando-se de sua missão religiosa e, com isso, perdendo sua autoridade espiritual. As investiduras (nomeações) feitas pelo imperador só visavam os interesses locais. Os bispos e os padres nomeados colocavam o compromisso assumindo com o soberano acima da fidelidade ao papa. No século XI surgiu um movimento reformista, visando recuperar a autoridade moral da Igreja, liderado pela Ordem Religiosa de do mosteiro de Cluny (França). Esses ideais foram ganhando força dentro da Igreja, culminando com a eleição, em 1073, do papa Gregório VII, antigo monge daquela ordem reformista.

A Reforma Gregoriana (Século XI)

Os papas escolhidos passam a ser de origem germânica (monges), logo os papas romanos saem de cena, pois os primeiros não teriam parte com a política local. Com isso as reformas têm inicio com esses papas de origem monástica, com amplas mudanças de cima para baixo, hierarquizada, uma reforma das instituições. Hildebrando, reformador ligado ao movimento de Cluny, tinha acesso ao papa e, sob sua influência, Nicolau II criou em 1059 o Colégio dos Cardeais, com finalidade de eleger o papa, limitado o cesaropapismo. Primeiro, há uma reforma do clero, contra os abusos existentes, das instituições (reforma da Igreja). Também havia a necessidade da mudança dos corações, dos pensamentos (reforma na Igreja). A reforma viria do papado, passaria pelos bispos, presbíteros e monges até chegar aos leigos. Esse espírito de reforma foi lento e progressivo, aos poucos, vemos os abusos sendo retirados. Em 1073, Hildebrando foi eleito papa, com o nome de Gregório VII. Instituiu totalmente o celibato dos sacerdotes, em 1074, e proibiu que o imperador investisse sacerdotes em cargos eclesiásticos, em 1075. O Imperador alemão Henrique IV reagiu dando o papa como deposto. Desenvolveu-se, então, um conflito aberto entre o poder temporal do imperador e o poder espiritual do papa. O papa considerou o imperador igualmente deposto, excomungando-o, e proibindo os vassalos de lhe prestar serviço, sob pena de excomunhão. Há uma interdição (sem batismos, sem eucaristia, sem extrema unção). Henrique foi ao Castelo de Canossa em 1077 e pediu perdão ao papa, que o concedeu. Esse conflito foi resolvido somente em 1122, pela Concordata de Worms, assinada pelo papa Calixto III e pelo imperador Henrique V. Adotou-se uma solução de meio termo: caberia ao papa a investidura espiritual dos bispos (representada pelo báculo), isto é, antes de assumir a posse da terra de um bispado, o bispo deveria jurar fidelidade ao imperador.

Hospitalários (Ordem dos)

O ideal cavalheiresco da Idade Média levou à criação de várias instituições de apoio aos doentes internados, ordem leiga de caráter assistencialista (1113), hospital para os peregrinos que vinham feridos e cansados.

Os Templários

Ordem fundada em França (1119) para lutar contra os infiéis. O nome veio-lhes da casa que tiveram em Jerusalém sobre as ruínas de uma mesquita (cavaleiros da Ordem doTemplo). Fazem votos dados pelo patriarca de Jerusalém. Em 1129, vê-se a implantação militar. Prestaram notáveis serviços na Terra Santa e no Sul da Europa, chegando a ter 5 províncias e 4000 membros. É oficializada em 1199. As benesses recebidas de reis e papas deram-lhes grande poder financeiro, o que levou Filipe o Belo, rei de França, a acusá-los, com a conivência da Inquisição, de crimes graves, obrigando o Papa (Clemente V) a suprimi-los. Muitos foram mortos. Os seus bens, em França, foram confiscados pelo rei; em Portugal, passaram para a Ordem de Cristo, fundada por D. Dinis.

O Cisma do Ocidente (1378-1417)

Resultante da coexistência de papas e antipapas foi fruto de rivalidades dentro e fora da Igreja. Não há um “cisma” de fato, pois o que se dividiu é a obediência a dois papas e não à obediência eclesial.

Após a morte do papa Gregório XI, há um conclave com 16 cardeais e depois de muitas dificuldades elegem um italiano, Urbano VI. Ele era intransigente, rude, indelicado e os cardeais assinalam que querem rever a decisão e pedem a sua renúncia. Ele rejeita. Grande parte dos cardeais vão para Nápoles e realizam novo Conclave, elegendo Clemente VII. A Igreja passa a ter “dois papas”. Eles ficam em Avinhão (França). A obediência fica dividida, ambos governando. Estados que apoiavam Urbano VI (Escandinávia, Flandres, Inglaterra, o Imperador e a maioria dos príncipes) usam a força para destituir Clemente VII (apoiado pelos parentes do rei da França Carlos V, Escócia, Castela), como uma cruzada. Essa seria a “Via Facti”. Os reis, os prelados, os párocos, as ordens religiosas tomam partido e ajudam nessa adesão de obediências. Em 1394, morre Clemente VII e é eleito Bento XIII. Também morre Urbano VI e é eleito Gregório XII. Continuam dois papas a governar. Em 1409, os dois grupos buscam uma via conciliar para resolver a situação, com o Concílio de Pisa, destituem os dois papas e elegem Alexandre V (com a maior parte das Ordens Religiosas decididas a fazer uma inteira reforma na Igreja). Os dois papas não aceitam e a igreja passa a ser governada por 3 papas. Alexandre V morre e é eleito João XXIII (nome depois cancelado e renascido somente no século XX - e já no ano seguinte tomou posse da catedra romana). Apenas em 1417, vemos uma solução: João XXIII se demite, Gregório XII abdica e Bento XIII é deposto e se isola na Catalunha, sem apoio. Martinho V (1417-1431) é eleito e traz a unicidade novamente. Retorna para Roma. Em 1439, ainda teríamos o antipapa Félix V, contudo, não avança tal fato.

A Inquisição

Tribunal eclesiástico para averiguar e julgar os acusados de heresia. A sua instituição jurídica data de 1232 (Inquisição Medieval); pelo papa Gregório IX, para disciplinar as freqüentes práticas persecutórias da parte do povo e dos príncipes, muitas vezes sob a forma de linchamentos. A desmoralização pública era a maior pena para os hereges condenados pelos inquisidores (bispos).

No séc. XI apareceu uma heresia fanática e revolucionária, como não houvera até então: o Catarismo (do grego katharós, puro) ou o movimento dos Albigenses (de Albi, cidade da França meridional, onde os hereges tinham seu foco principal). Em geral, a Inquisição quando condenava um herege entregava-o ao braço secular, para lhe aplicar o castigo previsto nas respectivas leis e costumes, incluindo a morte na fogueira. A Igreja aplicava a condenação espiritual, “no outro mundo”. O seu funcionamento dependia muito dos inquisidores, que eram normalmente dominicanos, alguns deles elevados às honras dos altares (como S. Pedro de Verona, morto às mãos dos Cátaros). Devem reconhecer-se, além da crueza própria dos costumes de então, verdadeiros abusos e injustiças (como a condenação dos Templários e de Sta. Joana de Arc). Ficou também célebre a condenação (sem execução) de Galileu.

Nos séculos. XV e XVI, a Inquisição foi reorganizada para enfrentar a heresia protestante, em geral, a pedido dos príncipes católicos. Em Espanha foi autorizada em 1478, em moldes que a fazia depender muito do poder civil. Em Portugal teve acuação moderada desde o séc. XIV, mas só se tornou particularmente rigorosa com D. Manuel I e D. João III, pelas medidas discriminatórias contra judeus e cristãos-novos.

A Inquisição é inconcebível para a atual mentalidade, mas a sua correta apreciação deve ter em conta os tempos em que vigorou, em que a heresia era sentida como perigo grave para a unidade da Igreja e do Estado, e em que as penas aplicadas eram comuns no direito corrente dos povos. A Igreja aplicava as penas espirituais (na outra vida), tais como a excomunhão. Os condenados pela inquisição eram entregues às autoridades administrativas do Estado, que se encarregavam da execução das sentenças seculares. As penas aplicadas a cada caso iam desde a confiscação de bens até a morte em fogueiras.

A intervenção do poder secular exerceu profunda influência no desenvolvimento da inquisição. As autoridades civis anteciparam-se na aplicação da forma física e da pena de morte aos hereges; instigaram a autoridade eclesiástica para que agisse energicamente; provocaram certos abusos motivados pela cobiça de vantagens políticas ou materiais.

OBS.: De resto, o poder espiritual e o temporal na Idade Média estavam, ao menos em tese, tão unidos entre si, que lhes parecia normal recorrer um ao outro em tudo que dissesse respeito ao bem comum. Quanto a Inquisição Romana instituída no séc. XVI era herdeira das leis e da mentalidade da lnquisição medieval.

“Em nossos tempos, o Papa Bento XVI (Joseph Ratzinger) pede perdão repetidamente por falhas dos filhos da Igreja. É de notar que não mencionou "falhas da igreja", mas "falhas dos filhos da Igreja". Implicitamente retomou a distinção entre pessoa e pessoal da Igreja: pessoa seria a Igreja Esposa de Cristo, que o Senhor vivifica e à qual garante a fidelidade ao Evangelho; pessoal seriam os fiéis, que nem sempre obedece às normas da Santa Mãe Igreja. O pecado está na Igreja, mas não é da Igreja; é resquício da velha criatura dentro da novidade da criatura oriunda do Batismo e da inserção em Cristo.”



sábado, 24 de abril de 2010

O Nascimento do Deus Vingativo.

Teologia Deuteronomista: "Teologia influenciada pela retribuição é norteada pela barganha. Quanto mais DOO, mais TENHO, quanto mais FAÇO, mais POSSUO. Desta forma, fica difícil enxergar a atuação da graça de Deus se movimentando na história da humanidade. Deus não está preso em um esquema de retribuição” .

A Teologia Deuteronomista foi pregada pelos sacerdotes de Israel e Judá durante todo o judaísmo antigo. A base está no livro de Deuteronômio 28 é também conhecido como Teologia da Retribuição, como será muitas vezes chamada neste texto.

O texto de Deuteronômio 28 mostra-nos as bênçãos e/ou as maldições de Yahweh que virão sobre aquele que praticam ou não as suas leis.

De fato o texto é base para judeus de várias épocas. E essa Teologia foi defendida pelos sacerdotes de Israel em seus pronunciamentos e criticada por sábios do antigo Israel.

“... Todavia, se não obedeceres à voz de Yahweh, teu Deus, cuidando de pôr em prática TODOS os teus mandamentos e estatutos que hoje te ordeno, todas essas maldições virão sobre ti e te atingirão...” Deuteronômio 28,15.

Esse texto muitas vezes foi usado para julgar pessoas e taxá-las como pecadoras, ou impuras, somente por estarem sofrendo de/por alguma enfermidade.

Como exemplo:

Os sacerdotes pegam o texto de Deuteronômio 28,22 “Yahweh te ferirá com tísica e febre, com inflamação, delírios, secura, ferrugem e mofo, que te perseguirão até que pereças” e dizem que uma pessoa que está com febre por causa de um dente está em pecado.

Se uma pessoa estivesse doente por qualquer causa isso era sinal de que ela não cumpriu a lei e por isso Yahweh está castigando-a.

Mas, se você cumprir a lei... As bênçãos de Yahweh virão sobre você e “sereis benditos no campo a na cidade” Deuteronômio 28.3

“Quem faz o bem, tanto a Deus, quanto ao próximo, será contemplado com todas as bênçãos”Muitos “pobres” foram oprimidos por causa deste discurso, pessoas, que tinham pouco grau de instrução, facilmente, eram infectadas em Israel e as autoridades judaicas designava-os como impuros, pecadores.

A Teologia da Retribuição

É um jogo de política com Yahweh, pois se você for “bonzinho” ele te abençoa, mas se você for mal vai se dar mal nas mãos de Yahweh. Essa Teologia coloca Deus como uma criança mimada que quer que sejam feitas as suas vontades. Hoje, existem duas correntes ideológicas que lembram essa teologia, não com tanta forma como a da retribuição na sociedade judaica.
Uma delas é a que diz: - Se você está em pecado o seu corpo sofre com doenças, ou seja, a doença é o reflexo do pecado na vida das pessoas.

A outra, é a Teologia da Prosperidade que na verdade tirou a obediência às leis e estatutos de Yahweh e começou a dizer que se você fizer votos, pactos, acordos, com ele, ele te retribuirá. A primeira está ligada a Deuteronômio 28,22 e a segunda a Deuteronômio 28,3.

Com o sofrimento do povo, sábios de Israel levantam-se para criticar essa teologia e assim surgem textos/livros como Jó para explicar que mesmo sendo um “homem justo e integro que igual não há na face da terra” (Jó 2,3b) ele sofre mesmo assim e por isso não depende da obediência a lei, porém ao foto de estar vivo e depois Eclesiastes faz a mesma crítica.

“A literatura do Eclesiastes e de Jó abordam a temática de uma Teologia retributiva, sendo a crença de que todas as ações humanas recebem, sem exceção, uma resposta e/ou ação de Deus. Se o individuo pecou ele receberá em vida e/ou sua descendência a punição devida de seus pecados”.

Assim como os sábios de Israel devemos desmascarar estas “falsas” teologias que nos cercam e temos que mostrar que Yahweh é SOBERANO.

NOTA:

Ganhadora do Prêmio Pulitzer em 1994 e publicada pelo The New York Times, a foto foi tirada em 1993 no Sudão, pelo fotógrafo sul-africano Kevin Carter(1960-1994). Esta descreve uma criança faminta sem forças para continuar rastejanado para um campo de alimento da ONU, a um quilômetro dali. O urubu espera a morte desta para então poder devorá-la.

Carter disse que esperou em torno de vinte minutos para que o urubu fosse embora, mas isto não aconteceu. Então rapidamente tirou a foto e fez o urubu fugir dali, açoitando-o. Em seguida, saiu dali o mais rápido possível.

O fotógrafo criticou duramente sua postura por apenas fotografar, mas não ajudar, a pequena garota: “Um homem ajustando suas lentes para tirar o melhor enquadramento de sofrimento dela talvez tambem seja um predador, outro urubu na cena". Teria dito.

Um ano depois o fotógrafo, em profunda depressão, suicidou-se. O paradeiro da criança é desconhecido. "Eu estou depressivo… sem telefone… dinheiro para o aluguel… dinheiro para o sustento de criança… dinheiro para dívidas… dinheiro!!!… Eu estou sendo perseguido pela viva memória de matanças, cadáveres, cólera e dor… pela criança faminta ou ferida… peloss homens loucos com o dedo no gatilho, muitas vezes policial, assassinos…". Trecho de sua carta de suicídio.


quinta-feira, 22 de abril de 2010

Voltando no tempo em busca de Jesus

Ele não nasceu em Belém, teve vários irmãos e sua morte passou quase despercebida no Império Romano. A história e a arqueologia desencavam o Jesus histórico, um homem bem diferente daquele descrito nos evangelhos. Foi um dia de trabalho como outro qualquer. Depois da festa da Páscoa do ano 3790 do calendário hebraico, a maioria dos camponeses seguia sua rotina normalmente, assim como os coletores de impostos, os pescadores, os soldados romanos, os carpinteiros, os sacerdotes e as prostitutas. Em Jerusalém, contudo, algumas pessoas deviam estar comentando o tumulto do dia anterior, que resultou na morte de um judeu. Nada que não estivessem acostumados a ouvir. Naquele tempo, a cidade já era palco de conflitos político-religiosos sangrentos e quase sempre algum agitador morria por incitar a rebelião contra os romanos, que governavam a região com o apoio da elite judaica do templo de Jerusalém. Dessa vez, o fuzuê foi causado por um judeu camponês chamado Yeshua, que foi aprisionado e condenado à morte por ter desafiado o poder romano e o templo de Jerusalém em plena Páscoa. “Se você quisesse chamar a atenção de multidões para as suas idéias, essa era a data ideal”, afirma Richard Horsley, professor de Ciências da Religião na Universidade de Massachusetts e autor do livro Bandidos, Profetas e Messias - Movimentos Populares no Tempo de Jesus. “A festa tinha um forte conteúdo político, já que comemorava a libertação dos hebreus do Egito, que agora estavam sob o domínio dos romanos.” No meio da multidão (imagine a cidade paulista de Aparecida do Norte em dia de peregrinação), pouca gente deve ter se comovido com a prisão e morte de mais um judeu agitador - a não ser um punhado de parentes e amigos pobres. Mas nem eles poderiam imaginar que a cruz em que Jesus pagou sua sentença (sim, Yeshua é Jesus em hebraico) seria, no futuro, o símbolo mais venerado do mundo. Da suntuosa Basílica de São Pedro, no Vaticano, à pequena igrejinha da Assembléia de Deus, encravada no interior da Floresta Amazônica, a cruz se tornou o símbolo de fé para mais de 2 bilhões de pessoas. Sua morte dividiu, literalmente, a história em antes e depois dele. Mas, afinal, quem foi Jesus?

Pode parecer estranho, mas para os estudiosos há pelo menos dois Jesus. O primeiro, que dispensa apresentações, é o Cristo (o ungido, em grego), cuja história contada pelos quatro evangelistas deixa claro que ele é o enviado de Deus para salvar os homens com a sua morte. Os judeus costumavam sacrificar animais como cordeiros no templo para se purificarem. Ao morrer na cruz, Cristo torna-se o símbolo do cordeiro enviado por Deus para tirar o pecado do mundo.

O outro Jesus, já citado no início da matéria, é Yeshua, o homem que morreu sem chamar muita atenção dos cidadãos do Império Romano. Além dos evangelhos - que não podem ser considerados fontes imparciais de sua vida, já que foram escritos por seus seguidores - há apenas uma menção direta a ele citada pelo historiador judeu Flávio Josefo, que escreve sobre sua morte no livro Antiguidades Judaicas, feito provavelmente no fim do século 1. Para os pesquisadores, essa falta de citações seria um indício da pouca repercussão que Jesus teria tido para os cronistas da época. “Se existisse um grande jornal em Israel no tempo de Jesus, sua morte provavelmente seria noticiada no caderno de polícia, e não na primeira página”, diz John Dominic Crossan, professor de Estudos Religiosos da Universidade De Paulo, em Chicago, Estados Unidos. Autor dos livros O Jesus Histórico - A Vida de um Camponês Judeu no Mediterrâneo e Excavating Jesus - Beneath The Stones, Behind The Texts (”Escavando Jesus - Por Baixo das Pedras, Por Trás dos Textos”, inédito no Brasil), ele diz que a escassez de fontes diretas sobre Jesus não significa que seja impossível recompor a vida do homem de carne e osso que morreu em Jerusalém. “A interpretação correta dos textos históricos e a arqueologia estão trazendo surpreendentes revelações sobre o Jesus histórico.”

Uma dessas revelações pode estar contida numa pequena caixa de pedra cor de areia encontrada em Jerusalém com uma inscrição feita em língua e caligrafia de 2 mil anos atrás. Ao lê-la em aramaico, da direita para esquerda, como a maioria das línguas semitas, está escrito inicialmente “Yaákov, bar Yosef”, ou seja: Tiago, filho de José. E continua, mais desgastada, “akhui di…” irmão de “Yeshua”, Jesus. Isso mesmo. Segundo André Lemaire, especialista em inscrições do período bíblico da Universidade de Sorbonne, em Paris, há uma alta probabilidade de que a caixa tenha sido usada como ossário de Tiago (São Tiago, para os católicos), o mesmo do Novo Testamento, já que a possibilidade que a associação entre esses três nomes seja uma referência a outras pessoas é estatisticamente baixa.

Apesar de não ter sido encontrada num sítio arqueológico (como foi comprada por um colecionador num antiquário, as chances de fraude seriam maiores), ela poderá se tornar a primeira evidência material associada a Jesus. “Caso fique provado que a inscrição é verdadeira, a descoberta levantará uma série de novas questões”, diz Crossan. “Vamos ter que nos perguntar, por exemplo, se termos como irmão e pai significam exatamente o mesmo que hoje: pai e irmão de sangue.

Apesar de o Evangelho de São Mateus, no capítulo 13, versículos 55-56, citar: “Porventura não é este o filho do carpinteiro? Não se chamava sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas: e suas irmãs não vivem elas todas entre nós?”, a Igreja sempre pregou aos fiéis que irmão e irmã, nesse caso, significavam apenas primos ou um forte vínculo de amizade e companheirismo entre os que faziam parte de um grupo.

“Como esse é um campo cheio de fé e paixões, a busca do Jesus histórico sempre foi um desafio”, diz André Chevitarese, professor de História Antiga da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos maiores especialistas sobre o tema no país. “Enquanto um religioso conservador ressalta a dimensão espiritual de Jesus, um teólogo da libertação vai buscar nele sua atuação como revolucionário político.”

Mesmo que a diversidade de visões de Jesus seja proporcional ao número de igrejas, correntes e seitas que existem em seu nome, historiadores e arqueólogos estão conseguindo reconstituir como era o mundo em que ele vivia: um retrato fascinante da política, da religião, da economia, da arquitetura e dos hábitos cotidianos que devem ter moldado a vida de um homem bem diferente daquele retratado pelas imagens renascentistas que povoam a imaginação da maioria dos cristãos. A começar pela aparência. Baseados no estudo de crânios de judeus que viviam na região na época, os pesquisadores dizem que a fisionomia de Jesus deveria ser mais próxima da de um árabe moderno, como na imagem que abre essa reportagem. “Em tempos turbulentos como o de hoje, ele provavelmente teria dificuldades de passar pela alfândega de um aeroporto europeu ou americano”, diz Chevitarese.

Um presépio diferente

Imagine que nesse Natal você pudesse entrar numa máquina do tempo para visitar Jesus recém-nascido (quem conhece o argumento da série Operação Cavalo de Tróia, do escritor J. J. Benítez, sabe que a idéia não é original). Se isso fosse possível, os arqueólogos garantem que você teria algumas surpresas. A primeira delas teria relação com a data da viagem. Ao programar a engenhoca para o ano zero, provavelmente você iria se deparar com um menino de quatro anos. É que Jesus deve ter nascido no ano 4 a.C. - o calendário romano-cristão teria um erro de cerca de quatro anos. Tampouco adiantaria chegar em Belém no dia 25 de dezembro. Em primeiro lugar, porque ninguém sabe o dia e a data em que Jesus nasceu. O mês de dezembro foi fixado pela Igreja no ano 525 porque era a mesma época das festas pagãs de Roma. E o segundo problema, ainda mais grave, é que provavelmente Jesus não nasceu em Belém. “Há quase um consenso entre os historiadores de que Jesus nasceu em Nazaré”, diz o padre Jaldemir Vitório, do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, em Belo Horizonte. Então por que o evangelho de Mateus diz que o nascimento foi em Belém? Vitório explica que o texto segue o gênero literário conhecido por midrash. Basicamente, o midrash é um forma de contar a história da vida de alguém usando como pano de fundo a biografia de outras personalidades históricas. No caso de Jesus, ele explica, a referência a Belém é feita para associá-lo ao rei Davi do Antigo Testamento - que, segundo a tradição, teria nascido lá. Mas as associações não parariam por aí. Assim como o nascimento em Belém, a terrível execução de recém-nascidos ordenada por Herodes e a fuga de Maria e José para o Egito também teriam sido uma “licença poética do texto”, dessa vez para simbolizar que Jesus é o novo Moisés - já que essa narrativa é bem semelhante ao que se contava da vida do patriarca bíblico. “Isso não foi uma criação maquiavélica para glorificar Jesus, era apenas o estilo literário da época”, diz Vitório. Até os simpáticos três reis magos estariam ali para representar que Jesus foi reconhecido como messias por povos do Oriente - e quase nenhum historiador defende que, de fato, eles tenham existido. (Apesar dos muitos fiéis que visitam todos os anos a Catedral de Colônia, na Alemanha, que acreditam que os restos mortais dos três estão lá.)

Mas se essas passagens são representações e não fatos históricos, o que um viajante no tempo encontraria de semelhante às imagens estampadas nos cartões de Natal? “Jesus deve ter nascido numa casa de camponeses extremamente pobres, cercada de animais”, diz Gabriele Cornelli, professor de Teologia e Filosofia da Universidade Metodista de São Paulo. “Cresceu numa das regiões mais pobres e turbulentas daquela época.”

Um judeu pobre da Galileia

Um vilarejo de trabalhadores rurais numa encosta de serra com, no máximo, 400 habitantes. Segundo os arqueólogos, essa é a cidade de Nazaré no tempo em que Jesus nasceu. De tão pequena, a vila praticamente não é citada nos documentos da época. “As escavações arqueológicas na cidade não encontraram nenhuma sinagoga, fortificação, basílica, banho público, ruas pavimentadas, enfim, nenhuma construção importante que datasse do tempo de Jesus”, diz o historiador John Dominic Crossan. “Em compensação, foram encontradas pequenas prensas de azeitonas para a fabricação de azeite, prensas de uvas para vinho, cisternas de água, porões para armazenar grãos e outros indícios de uma vida agrária de subsistência.”

A casa em que Jesus cresceu devia ser como a de todo camponês pobre da época: chão de terra batida, teto de estrados de madeiras cobertos com palha e muros de pedras empilhadas com barro, lama ou até uma mistura de esterco e palha para fazer o isolamento. Ao entrar na casa, talvez alguém lhe oferecesse água tirada de uma cisterna servida num dos muitos vasilhames de pedra e barro achados pelos arqueólogos na região - a água era preciosa, já que a chuva era escassa. Para comer, a cesta básica era formada por pão, azeitona, azeite e vinho e um pouco de lentilhas refogadas com alguns outros vegetais sazonais, servido às vezes no pão (que você deve conhecer como pão árabe). Com sorte, nozes, frutas, queijo e iogurte eram complementos bem-vindos, além de um peixe salgado vez ou outra. Segundo os arqueólogos, a carne era rara, reservada apenas para celebrações especiais. A maioria dos esqueletos encontrados na região mostra deficiência de ferro e proteínas e sinais de artrite grave. “A mortalidade infantil era alta e a expectativa de vida girava em torno dos 30 anos”, diz Crossan. “Só raros privilegiados alcançavam 50 ou 60 anos de idade.”

Para garantir o sustento, as famílias precisavam ter um número razoável de filhos que ajudassem no duro trabalho no campo. “É pouco provável que Jesus tenha sido filho único”, diz o historiador Gabriele Cornelli. “Assim como um menino de roça que vive em comunidades pobres no interior, ele deve ter crescido cercado de irmãos.” Mesmo pesquisadores católicos como o padre John P. Meier, autor dos quatro volumes da série Um Judeu Marginal, sobre o Jesus histórico, dizem que é praticamente insustentável o argumento de que, no Novo Testamento, “irmão” poderia significar “primo”. “A palavra grega adelphos, usada para designar irmão, deve ter sido usada no sentido literal”, diz Meier. Sua conclusão reforça ainda mais as chances de que o ossário atribuído a São Tiago, irmão de Jesus, possa ser verdadeiro.

E quanto à profissão de Jesus? O historiador Gabriele Cornelli diz que, baseado nas parábolas atribuídas a ele, é muito provável que Jesus tenha sido um camponês. “Sua pregação está repleta de imagens detalhadas da vida agrícola”, diz Cornelli. “É quase impossível que esse grau de detalhamento possa ter surgido de alguém que não lidava dia a dia no campo.” Mas José não era carpinteiro e seu filho não o teria seguido na profissão?

O professor de Ciências da Religião Pedro Lima Vasconcellos, da PUC de São Paulo, diz que a palavra carpinteiro (tekton) usada no Novo Testamento pode significar também “biscateiro”, no sentido de uma classe inferior que faz serviços manuais. “É o que chamamos atualmente do trabalhador pau-pra-toda-obra.” Uma das hipóteses levantadas pelos arqueólogos é de que Jesus pode ter trabalhado no campo e, eventualmente, atuado em algumas obras de construção civil. Os arqueólogos descobriram que, a apenas 6 quilômetros de Nazaré, uma série de novos edifícios em estilo greco-romano estava sendo construída na cidade de Séforis. “É possível que Jesus tenha trabalhado lá”, diz Vasconcellos. A construção era apenas uma das várias obras que estavam sendo erguidas por Herodes Antipas, governante da Galiléia no tempo de Jesus. Além das intervenções em Séforis, os edifícios construídos nas cidades de Tiberíades e Cesaréia Marítima (nome dado em homenagem ao imperador Júlio César) tornavam a região cada vez mais parecida com as cidades romanas. “O problema é que todas essas obras representavam um fardo a mais aos camponeses pobres, que já pagavam muitos impostos”, diz o historiador Richard Horsley. “Não é à toa que surgiram nesse período vários movimentos populares de contestação ao poder romano, do qual Jesus era mais um representante.”

Messias de um novo reino

Se o rei Herodes Antipas precisasse se candidatar para se manter no poder na Galiléia no tempo de Jesus, seus assessores de marketing o venderiam como o “realizador de grandes obras” e seu slogan provavelmente seria “Herodes faz”. No seu governo (4 a.C. a 39 d.C.), enormes palácios foram construídos na Galiléia, muitos deles para abrigar a elite judaica que dominava a imensa massa de judeus pobres na região. O esquema de poder na Galiléia, assim como em outras regiões de Israel, funcionava num sistema de clientela: para reinar, Herodes contava com o apoio dos romanos. Estes, por sua vez, exigiam em troca que ele recolhesse impostos para Roma e se responsabilizasse pela repressão de qualquer movimento de contestação ao poder imperial. Sob essas condições, Roma permitia que os judeus cultuassem o seu Deus único, Javé, em vez de celebrarem as várias divindades do panteão romano. Estando bom para ambas as partes, o equilíbrio de poder era mantido. “O problema é que apenas os romanos e uma elite sacerdotal judaica eram beneficiados”, diz o professor André Chevitarese. “A maioria dos judeus tinha que trabalhar cada vez mais para sustentar essas duas classes.”

Ninguém sabe ao certo até que ponto Jesus começou a sua pregação motivado por esse sentimento de injustiça social. Até mesmo porque a tentativa de retratá-lo como um revolucionário político (e não um líder espiritual) parece fazer pouco sentido considerando-se a época em que ele viveu. “Essa distinção de uma consciência política separada da espiritualidade é uma invenção dos pensadores ocidentais modernos, como Maquiavel”, diz Chevitarese. “Para os movimentos apocalípticos de então, o modelo de sociedade perfeita é o Reino de Deus, algo que para essas pessoas estava prestes a se concretizar.”

Os estudiosos dizem que há uma dificuldade natural de quem vive nas sociedades modernas de entender a verdadeira dimensão da palavra apocalipse na época de Jesus. “Algumas pessoas hoje entendem o apocalipse como um futuro distante, o fim dos tempos que chegará somente quando todos estiverem mortos”, diz Paulo Nogueira, professor de Literatura do Cristianismo Primitivo da Universidade Metodista de São Paulo. “Na época de Jesus, os movimentos apocalípticos viam esse futuro como algo para daqui a alguns dias, quando o Reino dos Céus fosse se sobrepor ao Reino da Terra.” Enfim, era preciso se preparar logo.

Para os judeus pobres, estava claro que o tal reino terrestre prestes a ruir era aquele formado por Roma, pelos governantes locais e pela elite judaica representada pelo suntuoso Templo de Jerusalém. E o que as pessoas deveriam fazer para se preparar para o advento do novo reino? Um bom começo era ouvir as profecias de um dos mais conhecidos pregadores da época: João Batista. “Naquele tempo, a figura de João Batista era mais importante do que a de Jesus, que somente se tornou uma ameaça a Roma depois da crucificação”, diz o historiador John Dominic Crossan. Depois de ouvir suas profecias, as pessoas podiam se preparar para a chegada da nova era submetendo-se a um ritual de imersão na água: o famoso batismo de João Batista. “Ao entrar e sair da água, as pessoas sentiam-se como se estivessem deixando para trás os pecados e renascendo purificadas para o novo reino de Deus”, diz Nogueira. (Não é à toa que algumas igrejas até hoje só batizam o fiel quando ele já é adulto - e tem consciência da força do ato como marca da conversão.)

A maioria dos historiadores acredita que João Batista, de fato, deve ter batizado Jesus adulto. “Afinal, não deve ter sido fácil para os evangelistas explicar por que o messias foi batizado, já que, como enviado de Deus, ele é que devia batizar os outros”, diz o historiador André Chevitarese. Mas ele explica que o evangelho logo “resolve” a polêmica ao narrar que, na hora do batismo, a pomba do Espírito Santo aparece sobre Jesus e João Batista diz que ele é que deveria ser batizado.

“As fontes que estão nos ajudando a compreender esses movimentos apocalípticos são os manuscritos do mar Morto”, diz Paulo Nogueira. Descobertos em 1947, os manuscritos foram encontrados no convento de Qumran, uma espécie de condomínio de cavernas habitado pelos essênios, grupos de judeus que viviam como monges seguindo uma rígida disciplina de orações e uma dieta rigorosa. “Apesar de os manuscritos não revelarem nada diretamente sobre Jesus, eles mostram como os cultos apocalípticos já estavam disseminados nessa época”, diz Nogueira. Há até quem defenda a hipótese de que Jesus tenha tido uma ligação direta com os essênios.

Do que os crentes e céticos parecem não ter dúvida é que o batismo de João Batista foi um divisor de águas na vida de Jesus. A partir dali, ele teria se retirado para o deserto para depois dar início à trajetória de sermões e milagres que o levaria à condenação na cruz.

Milagres subversivos

Se os historiadores e arqueólogos estão conseguindo reconstituir o ambiente físico em que Jesus viveu e até têm bons palpites sobre a veracidade de certas passagens da sua vida, tudo muda da água para o vinho quando o assunto são os milagres. Afinal, como um pesquisador pode estudar objetivamente feitos considerados sobrenaturais?

Uma moda no passado (que até hoje tem muitos adeptos nos Estados Unidos) foi a tentativa de explicar a origem de alguns desses fenômenos como tendo causas naturais. Você provavelmente conhece algumas dessas teses: a estrela de Davi no nascimento de Jesus era na verdade o cometa Halley, Lázaro foi ressuscitado por Cristo porque estava em coma, não havia morrido biologicamente…

“Explicações desse tipo conseguem às vezes ser mais absurdas do que o próprio milagre”, diz André Chevitarese. Para ele, em vez de querer esclarecer racionalmente esses fenômenos, o historiador deve manter a mente aberta para entender como as comunidades da época encaravam esses feitos, estudando, por exemplo, qual a noção que se tinha então da doença e da cura.

Os pesquisadores sabem que no tempo de Jesus a doença estava associada à impureza. “A grande preocupação da lei judaica, já prevista em textos como o Levítico, era demarcar o que é puro e o que não é puro”, diz o professor Manuel Fernando Queiroz dos Santos Júnior, da Faculdade de Saúde Pública da USP. “E as doenças de pele, as mais visíveis, logo eram associadas à impureza espiritual.” Especialista em hanseníase, o professor diz que o que a Bíblia chama de lepra servia para nomear, na verdade, todas as doenças de pele na época, de eczemas a micoses. “Traduzir a palavra sara’at na Bíblia para o termo lepra ou hanseníase é errado”, diz o professor. “Quem lê a Bíblia sem atentar para esse detalhe tem a impressão errônea de que existia uma verdadeira epidemia da doença na época de Jesus.” O pior é que, graças a esse erro, os leprosos foram segregados por centenas de anos como portadores de uma doença impura.

Segundo os historiadores, essa associação perversa entre doença e impureza (ou pecado) terminava favorecendo a elite judaica do Templo de Jerusalém. “Afinal, para se curar, o doente tinha que pagar mais taxas e oferecer mais sacrifícios no templo”, diz Crossan. “Isso gerava para o doente um ciclo interminável de sofrimento e dívidas.” O templo era comandado por uma casta sacerdotal que detinha o monopólio de conduzir os fiéis aos rituais de purificação - que, na época, incluíam o sacrifício de animais como cordeiros (quem não tinha posses para tanto, podia sacrificar uma pomba branca comprada no mercado do templo).

Imagine agora o mal-estar que os sacerdotes deviam sentir ao ouvir relatos de que, com um simples toque, um judeu pobre da Galiléia andava curando doentes, declarando, com esse gesto, que a pessoa estava livre dos pecados. “Hoje é difícil de entender como um ato desses era radicalmente subversivo”, diz Richard Horsley. Ele diz que Jesus não estava só. “Uma série de outros curandeiros também usavam esse ritual para desafiar o poder do templo naquela época”, diz o historiador.

Como Jesus conseguia curar as pessoas? Poucos pesquisadores se arriscam a dar palpites. O certo é que, ao se misturar com doentes, mendigos, gentis, prostitutas, enfim, toda classe de pessoas consideradas impuras, Jesus conseguiu incomodar a maioria dos grupos judaicos da época. Entre esses incomodados, se incluíam os fariseus, membros de uma escola religiosa que insistia na completa separação entre os judeus e os gentios (fariseu quer dizer “o que está separado”). Eram provavelmente hostis a Jesus e não deviam entender por que ele comia na mesma mesa dos “impuros” - se você leu os evangelhos, deve ter notado como os primeiros cristãos retratam os fariseus de forma pouco lisonjeira. Jesus provavelmente também não agradou saduceus, pequeno grupo judeu que não acreditava na imortalidade da alma nem nos anjos, muito menos nos milagres de Jesus. “Seu estilo de ensinar e de viver desagradou muitos judeus, que o colocaram à margem do judaísmo palestino”, diz o padre e historiador John P. Meier, no seu livro Um Judeu Marginal. “Mesmo sendo um galileu rústico que nunca freqüentou uma escola de escribas, ele ousou desafiar as doutrinas da época”, diz Meier.

A escolaridade é outro ponto polêmico sobre a vida de Jesus - já que, para muitos historiadores, ele provavelmente era analfabeto. “Somente uma ínfima parcela da população que trabalhava para os governantes sabia ler e escrever”, diz Richard Horsley. “Não acredito que ele fizesse parte dessa parcela.” Então, como explicar o trecho do evangelho que o retrata lendo numa sinagoga? “A palavra ler no evangelho pode significar recitar”, diz Horsley. “O fato de Jesus não saber ler nem escrever não significa que ele não conhecesse os textos e as tradições judaicas.” Juan Arias, correspondente do jornal El País no Brasil e autor do livro Jesus, Esse Grande Desconhecido, discorda. “Apesar de ter vindo de uma família muito pobre, é difícil imaginar que as discussões polêmicas que ele teve com seus contemporâneos relatadas nos evangelhos possam ter sido feitas por um homem que não sabia ler”, diz Arias.

Mesmo que não tenha sido analfabeto, o judeu pobre da Galiléia não deve ter chamado a atenção da elite intelectual da época. A não ser, talvez, pelos tumultos que deve ter causado quando resolveu pregar diretamente em Jerusalém, chegando a derrubar barracas dos mercadores que comerciavam no templo. O resto da história você conhece: para os romanos, apenas mais um agitador crucificado, nada anormal em meio a centenas de outras crucificações. Para um punhado de seguidores, o símbolo de uma nova fé que mudaria o rumo da humanidade.

De Jesus a Cristo

Imagine Nova York como o centro espiritual do mundo muçulmano. Ou mesmo a Basílica de São Pedro, no Vaticano, transformada numa mesquita dedicada ao profeta Maomé. Improvável, não? “Foi algo dessas proporções que aconteceu com a expansão do cristianismo”, diz André Chevitarese. “Em cerca de três séculos, a crença de uns poucos seguidores se tornou a religião oficial do Império Romano, o mesmo império que havia ordenado a sua morte.”

Como isso ocorreu?

Para os cristãos, a resposta é simples: Jesus ressuscitou. Essa seria a evidência de que o homem crucificado não era, afinal, apenas um homem e sim Cristo, o messias esperado pelo povo judeu. Mas como entender o evento da ressurreição? “Nenhum outro tipo de milagre se choca mais com a mentalidade cética da moderna cultura ocidental”, diz o padre John P. Meier. Para ele, ficar especulando sobre o que aconteceu com o corpo de Jesus é, do ponto de vista da história, uma tarefa inútil. “A essência da crença na ressurreição é que, ao morrer, Jesus ascendeu em sua humanidade à presença de Deus”, diz Meier. “Descobrir qual a ligação dessa humanidade com o seu corpo físico não é matéria dos historiadores.”

Mas se a ressurreição é uma questão de fé e não de história, os estudiosos estão pelo menos conseguindo esclarecer detalhes sobre o terrível momento que a teria antecedido: a crucificação. Tudo começou em 1968, quando foi descoberto na região de Giv’at há-Mivtar, no nordeste de Jerusalém, o único esqueleto de um crucificado conhecido pela ciência. Depois que os ossos foram analisados pelos pesquisadores do Departamento de Antiguidades de Israel e da Escola de Medicina Hadassah, da Universidade Hebraica de Jerusalém, conclui-se que os braços não foram pregados, mas amarrados na travessa da cruz. Já as pernas do condenado foram colocadas em ambos os lados da base vertical de madeira, com pregos segurando o calcanhar em cada lado. Não havia evidências de que suas pernas haviam sido quebradas depois da crucificação para apressar a sua morte. “O curioso é que uma revelação surpreendente sobre a morte na cruz não surgiu da descoberta de esqueletos, mas da falta deles”, diz Pedro Lima Vasconcellos, da PUC de São Paulo. “Afinal, se centenas e até milhares de pessoas foram crucificadas na época, por que apenas um esqueleto foi encontrado?”

O historiador John Dominic Crossan diz que há uma razão terrível para isso: “As três penas romanas supremas eram morrer na cruz, no fogo e entregue às feras”, diz Crossan. “O que as tornava supremas não era a sua crueldade desumana ou sua desonra pública, mas o fato de que não podia restar nada para ser enterrado no final.” Apesar de ser fácil de entender por que não sobraria nada de um cadáver consumido pelo fogo ou devorado por leões, ele diz que a maioria das pessoas esquece que, no caso da crucificação, o corpo era exposto aos abutres e aos cães comedores de carniça. Como um ato de terrorismo de Estado, a extinção do cadáver também tinha como vantagem para as autoridades evitar que o túmulo do condenado se tornasse local de culto e resistência.

Mesmo que ninguém saiba o que ocorreu após a morte de Jesus (alguns historiadores acham razoável que a família e os amigos pudessem ter reivindicado o seu corpo), o fato é que seus seguidores passaram a relatar suas aparições. “Não se deve subestimar o poder dessas experiências em nome do racionalismo”, diz Paulo Nogueira, professor da Universidade Metodista de São Paulo. “Afinal, as pessoas tinham visões, entravam em transe. É uma simplificação, por exemplo, ficar tentando encontrar razões sociológicas para explicar a experiência mística responsável pela conversão de Paulo.”

Nascido na cidade de Tarso, na atual Turquia, Paulo (São Paulo, para os católicos) talvez seja o homem que, sozinho, fez mais pela expansão do cristianismo que qualquer outro dos seguidores de Jesus. O curioso é que, antes de se converter, ele era uma espécie de agente policial encarregado de perseguir os cristãos. “Sua conversão foi tão surpreendente na época como seria hoje ver um embaixador israelense se converter à causa palestina”, diz Monica Selvatici, doutoranda em História da Unicamp e especialista em Paulo. “Suas idéias terminaram afastando o cristianismo do judaísmo da época.”

Ela explica que, depois da morte de Jesus, não havia uma distinção clara entre judeus e cristãos. “Os seguidores de Jesus eram apenas judeus que defendiam a tese de que ele era o messias, ao contrário daqueles que não o reconheciam como tal”, diz Mônica. “Eram uma ala do judaísmo, assim como o PT tem alas que não representam as idéias predominantes do partido.” Como falava grego muito bem e foi um dos cristãos que mais viajaram, ele discordava dos judeus-cristãos que defendiam a tese de que os gentios convertidos precisavam seguir rigorosamente a lei judaica, incluindo aí a necessidade da circuncisão - não vista com bons olhos pelos estrangeiros. Em suas cartas (epístolas), são famosas as polêmicas travadas com Tiago (São Tiago, para os católicos), suposto irmão de Jesus, que teria sido um defensor de um cristianismo mais fiel ao judaísmo.

Mas a idéia central de Paulo, resumida na frase de que “o verdadeiro cristão se justifica pela fé e não pelos trabalhos da lei”, prevaleceu. Os gentios podiam agora se converter sem tantos empecilhos e o cristianismo ganhou novas fronteiras. “Paulo ajudou a tirar de Jesus a imagem de um messias para o povo hebreu, transformando-o num salvador de todos os povos”, diz Mônica. “Jesus deixou de ser um fenômeno regional para ganhar um caráter universal.”

A influência de Paulo é tão grande, que há historiadores que chegam a dizer que o cristianismo como o conhecemos é, na verdade, um “paulismo”. “Isso é um exagero”, diz Paula Fredriksen, professora de estudos religiosos da Universidade de Boston e autora do livro From Jesus To Christ (”De Jesus a Cristo”, inédito no Brasil). “Com ou sem Paulo, já havia um movimento forte entre os judeus cristãos de que os gentios não precisavam seguir estritamente as leis para serem salvos”, diz Paula.

Mas o que levaria um cidadão romano a trocar os seus deuses para cultuar um judeu da Galiléia? (Lembrando que, na época da morte de Jesus, um cidadão romano sabia tão pouco sobre as várias correntes do judaísmo como um ocidental hoje sabe sobre as linhas do Islã.) “O cristianismo trouxe uma idéia de salvação da alma que não existia na religião romana”, diz Pedro Paulo Funari, professor de história e arqueologia da Unicamp. “A religião romana tinha um aspecto formal, público, pouco ligado às inquietações da vida depois da morte”. Mas Funari explica que, apesar do formalismo das crenças romanas, a idéia de salvação da alma já estava difundida na população pela influência de algumas religiões orientais, como o culto a Íris e Osíris, do Egito. “Isso deve ter facilitado ainda mais a expansão do cristianismo em Roma”, diz Funari.

O ápice dessa expansão se deu quando o imperador romano Constantino converteu-se ao cristianismo, no século 4. Ninguém sabe ao certo se ele foi motivado mais por dilemas espirituais do que razões políticas (afinal, ao se converter, ele pôde contar com o apoio dos cristãos e com a estrutura de um Igreja já bem organizada.)

O certo é que alguns séculos depois, a cruz, imagem brutal da sua crucificação, foi usada para invocar a guerra e a paz entre os povos. E Yeshua, o judeu pobre que morreu praticamente despercebido durante a Páscoa em Jerusalém, já era conhecido por boa parte do mundo como o Cristo. O mesmo Cristo cujo nascimento passou a ser celebrado todos os anos, no mês de dezembro, no dia de Natal.
Fonte: Revista Superinteressantehttp://super.abril.com.br/super2/home/

domingo, 11 de abril de 2010

Qual Deus que criamos: Teísta, Atéista, ou um D (d) eus Intermediário?


1- Teísmo é um conceito filosófico - religioso desenvolvido para se compreender o Criador. Esta filosofia defende que este Ser é a única entidade responsável pela criação do Universo; é Onipotente, capaz de realizar tudo sem a ajuda de ninguém; Onisciente, ou seja, Aquele que tudo conhece; detém infinita liberdade e suprema generosidade.

2- Teísmo Aberto ou Teologia Relacional se propõe a rever os conceitos da igreja histórica sobre Deus, por julgá-los inadequados e ultrapassados, e tem por objetivo apresentar uma nova visão de Deus, e da sua maneira de se relacionar com a criação. Rejeita alguns dos atributos de Deus, tais como:- Onisciência, Onipotência, Imutabilidade, e, inclusive a soberania de Deus!

Podemos resumir o pensamento do Teísmo Aberto ou Teologia Relacional mais ou menos assim:

Principal atributo de Deus é o Amor - Deus é sensível e se comove com os dramas de suas criaturas.

Deus não é soberano - Deus abriu mão da sua soberania. Ele é incapaz de realizar tudo o que deseja como impedir tragédias e erradicar o mal. O homem tem capacidade e liberdade para cooperar ou contrariar os desígnios de Deus. Deus se molda às decisões humanas e, ao final, vai obter seus objetivos eternos, redesenhando a história de acordo com as decisões humanas.

Deus ignora o futuro - Ele não é atemporal, ele vive no tempo. O futuro inexiste. Deus não sabe antecipadamente que decisões as pessoas haverão de tomar, pois os seres humanos são absolutamente livres para tomarem as suas decisões. O futuro é determinado pela combinação do que Deus e as suas criaturas decidem fazer.

Deus se arrisca - Ao criar seres racionais livres, Deus se expôs a riscos... Deus não sabia qual seria a decisão dos Anjos, no céu, e nem a de Adão e Eva, no Éden. E ainda hoje, por respeitar a liberdade concedida ao homem, Deus se arrisca diariamente.

Deus não é onipotente - Ele pode sofrer e cometer erros em seus conselhos e orientações. Seus planos podem ser frustrados. Ele se frustra e expressa esta frustração quando os seres humanos não fazem o que ele gostaria.

Deus é mutável - Ele é imutável apenas em sua essência. Deus pode se arrepender de decisões tomadas, como reação às decisões das suas criaturas. Deus é mutável e aprende com o passar do tempo histórico. Esta postura é chamada de teologia do processo.

3- D(d)eus Intermediário - “Não acredito que Deus fez isso. Eu não tenho Deus no meu coração. Não acredito que Deus quis fazer isso com elas. Minha dor não passa. Eu fiquei presa e não consegui salvar minhas filhas. Por que Deus prendeu as minhas pernas?"

São palavras de uma mãe que teve três filhas soterradas no deslizamento de terras no morro do Bumba em Niterói. Estas palavras de desespero definem a 3º maneira de se conceber Deus.

Explico! É um D(d)eus ao nosso bel prazer, um D(d)eus segundo as nossas vontades e interesses pessoais, um D(d)eus tão terrível com qualquer deus adorado na forma das entidades que repudiamos, presente nas chamadas religiões Espíritas, Afro-Brasileiras ou de Mistério.

Falta na maioria de nós, cristãos, sinceridade, primeiro com nós mesmos e segundo para com o Deus Verdadeiro, O Soberano Criador dos Céus e da Terra e de tudo que nela existe e habita.

É verdadeiro o desepero dessa mãe ao experimentar a maior dor que o ser humano pode sentir, a perda de um filho, e no caso em destaque foram três vidas ceifadas. Mas são blasfemas ou no mínimo emotivas as afirmações feitas sobre a culpabilidade de Deus sobre tais acontecimentos.

A origem do sofrimento humano consiste em três falsos pilares que são construídos em relação a Pessoa do Verdadeiro Deus:

1º- Deus é compreensível e tolerante.
2º- Deus é capaz de transformar maldição em benção.
Deus está em tudo e em todos.

Infeliz Homem!

Pensar dessa forma sobre Deus é o mesmo que atravessar uma via de mão dupla sem querer ser atropelado e esmagado pelos carros. É justamente o contrário que Deus diz na sua Palavra:

1º- ...visito a maldade dos pais nos filhos até a terceira geração e quarta geração daqueles que me odeiam.
2º- ...por causa da maldição a terra chora.
3º- ...Ouvi isto, vós que vos esqueceis de Deus, para que não vos faça em pedaços, sem haver quem os livre.

Resumindo:

"O SENHOR está convosco, enquanto vós estais com ele, e, se o buscardes, o achareis; porém, se o deixardes, vos deixará". 2 Crônicas 15.1:2.

Que direito o Homem tem de se queixar dos infortúnios, das calamidades, dos males que lhe assolam, uma vez que não buscam ao Verdadeiro Deus, e sim, a um deus do tipo robô, vodu, de madeira, mudo, de gesso, cego, de prata, surdo. Este é o deus que se busca. Somos a semelhança do povo que pereceu no deserto, dos traiçoeiros membros do Sinédrio, dos interesseiros discípulos, da multidão faminta e doente, só queremos o melhor de Deus para saciar as nossas necesidades humanas e carnais. Quanto ao buscar o Reino dos céus e a sua justiça. Passa de mim Senhor este cálice!

Sentimos a dor dos nossos amigos, parentes, desconhecidos sempre superficialmente, ou seja, até desligarmos o telefone ou fecharmos a nossa porta. E isso se dá por três motivos:

1º- Somos realmente limitados e incapaz de absorver problemas em grande quantidade.
2º- Somos de fato egoísta e acreditamos que jamais passaremos por tal desgraça, até que nos ocorra tal coisa.
3º- Somos juízes dos outros ao arbitrar que tais desgraças é fruto de pecado.

Temos sempre a primazia de achar que somos sempre corretos, somos especialistas em realizam julgamentos imediatos, e aqueles que, até então nos eram queridos e sinceros, de um momento para o outro passam a ser nossos algozes. É como bem disse Salomão "O que apresenta primeiro a sua causa se diz correto, até que vem outro e o contradiz".

Somos mestres em não reconhecer totalmente a nossa culpa e gostamos de dividir nossa inteira injustiça com o outro. Massageia o nosso ego mentiroso, satisfaz a nossa alma doente, acalenta nossos maus desígnios.

Aonde esteve Deus na vida desses construtores de "Babel" do morro do Bumba?

"Quem deu crédito a nossa pregação?"
"Qual de vós fez do "braço do Senhor " a sua força?"
"Aonde está o meu louvor, a minha honra, e a minha glória?"


quarta-feira, 7 de abril de 2010

Os Judeus e suas Mentiras, por Martinho Lutero.

Ainda no começo da sua posição como teólogo e reformador Lutero até gostava dos judeus veja o que ele dizia sobre eles: “Os judeus são parentes de sangue do Senhor; se fosse apropriado vangloriar-se na carne e no sangue, os judeus pertencem mais a Cristo do que nós. Rogo, portanto, meu caro papista, que se te cansares de me vilipendiar como herético, que comeces a me injuriar como judeu”.

Entretanto, quando eles não se uniram a Lutero em suas críticas violentas à Igreja Romana, ele afirmou: “Todo sangue da mesma linhagem de Cristo queime no inferno, e eles com certeza merecem isso, de acordo com suas próprias palavras que falaram a Pilatos”.

É importante ressaltar que o ódio alemão aos judeus não é o mesmo que o Nazista, embora o que o Nazismo fez pode muito bem ser a representação do que Lutero tinha recomendado cerca de 400 anos antes. O ódio de Lutero aos judeus se baseava na religião, ou seja, se um judeu que passasse a ser protestante não seria mais um alvo de Lutero, já o ódio Nazista matava todos os judeus possíveis (cristãos ou não).

Embora não seja o único, o texto anti-judeu mais famoso de Lutero se denomina Sobre os Judeus e Suas Mentiras, ou Contra os Judeus e Suas Mentiras. Caso você tenha interesse em comprar, existe uma editora neonazista no Brasil (Editora Revisão de S.E. Castan) que ainda tenta publicar ele (embora seja proibida a circulação de livros dessa editora). Engraçado que o famoso Reformador possua hoje textos sendo publicados em uma editora Neonazista. Eis aqui o famoso panfleto na integra:

SOBRE OS JUDEUS E SUAS MENTIRAS - Martinho Lutero

O que devem fazer os cristãos contra este povo rejeitado e condenado, os judeus? Já que eles vivem entre nós, não devemos ousar tolerar a sua conduta, agora que sabemos das suas mentiras e suas injúrias e suas blasfêmias. Se o fizermos, tornamo-nos participantes de suas mentiras, sua injúria e sua blasfêmia. Portanto não temos como apagar o inextinguível fogo da ira divina, da qual falam os profetas, e tampouco temos como converter os judeus. Com oração e temor de Deus devemos colocar em prática uma dura misericórdia, para ver se conseguimos salvar pelo menos alguns deles dentre as chamas crescentes. Não ousamos vingar a nós mesmos. Vingança mil vezes pior do que qualquer uma que poderíamos desejar já os toma pela garganta. Quero dar-lhes minha sincera recomendação:

Em primeiro lugar, queimem-se suas sinagogas e suas escolas, e cubra-se com terra o que recusar-se a queimar, de modo que homem algum torne a ver deles uma pedra ou cinza que seja. Isso deve ser feito em honra de nosso Senhor e da Cristandade, de modo que Deus veja que somos cristãos, e não fazemos vista grossa ou deliberadamente toleramos tais mentiras, maldições e blasfêmias públicas tendo como alvo seu Filho e seus cristãos. Pois o que quer que tenhamos tolerado inadvertidamente no passado – e eu mesmo estive ignorante dessas coisas – será perdoado por Deus. Mas se nós, agora que estamos informados, protegermos e acobertarmos essa casa de judeus, deixando-a existir debaixo do nosso nariz, na qual eles mentem, blasfemam, amaldiçoam, vilipendiam e insultam a Cristo e a nós, seria o mesmo que se estivéssemos fazendo tudo isso e muito mais nós mesmos, como bem sabemos.

Em segundo lugar, recomendo que suas casas sejam também arrasadas e destruídas. Pois nelas eles perseguem os mesmos objetivos que em suas sinagogas. Eles devem ao invés disso ser alojados debaixo de um único teto ou pavilhão, como ciganos. Isso fará com que eles aprendam que não são senhores no nosso país, da forma como se vangloriam, mas que vivem em exílio e no cativeiro, da forma como gemem e lamentam incessantemente a nosso respeito diante de Deus.

Terceiro, recomendo que todos os seus livros de oração e obras talmúdicas, nos quais são ensinadas tais idolatrias, mentiras, maldições e blasfêmia, sejam tirados deles.

Quarto, recomendo que seus rabis sejam de agora em diante proibidos de ensinar, sob pena de morte ou da amputação de algum membro. Pois eles perderam da forma mais justa o direito a tal posição ao manterem os judeus cativos com a declaração de Moisés (em Deuteronômio 17.10ss.) na qual ele ordena que obedeçam os seus mestres sob pena de morte, embora Moisés acrescente claramente: “o que eles ensinam segundo a lei do Senhor”. Esses desprezíveis ignoram isso. Eles arbitrariamente empregam a obediência do pobre povo de forma contrária à lei do Senhor, infundindo neles esse veneno, essa maldizer, essa blasfêmia. Do mesmo modo o papa nos manteve cativos com a declaração de Mateus 16, “Tu és Pedro,” etc, induzindo-nos a crer em todas as mentiras e falsidades que provinham de sua mente diabólica. Ele não ensinava em conformidade com a palavra de Deus, e perdeu, portanto seu direito a ensinar.

Quando um judeu se converter, serão dados a ele cem, duzentos ou trezentos florins.

Quinto, recomendo que o salvo-conduto para o livre-trânsito nas estradas seja completamente negado para os judeus. Eles não tem o que fazer no campo, visto que não são proprietários de terras, oficiais do governo, mercadores ou coisa semelhante. Que fiquem em suas casas.

Sexto, recomendo que sejam proibidos de emprestar a juros, e que todo o dinheiro e peças de ouro e prata sejam tomados deles e colocados sob custódia. O motivo de tal medida é que, como foi dito, eles não possuem qualquer outro modo de ganhar a vida que não seja emprestar a juros, e através da usura furtaram e roubaram de nós tudo que possuem. Esse dinheiro deveria ser agora usado para nenhum outro fim que não o seguinte: quando acontecer de um judeu se converter, serão dados a ele cem, duzentos ou trezentos florins, da forma como sugerirem suas circunstâncias pessoais. Com isso ele poderá estabelecer-se em alguma ocupação de modo a sustentar sua pobre mulher e filhos e dar suporte aos velhos e fracos. Pois tais ganhos malignos são amaldiçoados se não colocados em uso com a benção de Deus numa causa digna e justa.

Sétimo, recomendo que se coloque um malho, um machado, uma enxada, uma pá, um ancinho ou um fuso nas mãos dos jovens judeus e judias, e deixe-se que eles ganhem o seu pão com o suor do seu rosto, como foi imposto sobre os filhos de Adão (Gênesis 3:19). Pois não é justo que eles deixem que nós, os gentios malditos, labutemos debaixo do nosso suor enquanto eles, o povo santo, gastam o seu tempo atrás do fogareiro, banqueteando-se e peidando, e acima de tudo isso vangloriando-se blasfemamente do seu senhorio sobre os cristãos através do nosso suor.
Martinho Lutero,
Sobre os Judeus e Suas Mentiras, 1543

Em um outro texto Shem Hamphoras(um tratado contra os judeus) Lutero rapidamente reproduz uma lenda judaica e a ataca os judeus em todo o resto do livro. Nesse tratado ele faz a seguinte referência ao panfleto Sobre os Judeus e Suas Mentiras:

“Eis porque não dei àquele panfleto o nome de Contra os Judeus, mas Contra os Judeus e Suas Mentiras, para que os alemães possam conhecer através da evidência histórica o que é um judeu, de modo a poderem alertar nossos cristãos contra eles da mesma forma que os alertamos contra o próprio Diabo, a fim de fortalecermos e honrarmos nossa crença; não para converter os judeus, o que seria quase tão impossível quanto converter o Diabo.” — Martinho Lutero, em ‘Shem Hamphoras’.

Difícil de acreditar que um homem tão especial como Martinho Lutero tenha falado em poucos escritos tanta bobagem, declarado tanto ódio, e chutado tudo que Jesus disse sobre amar ao próximo, perdoar, e claro sobre "as ovelhas perdidas de Israel", "os filhos de Abraão", povo que Deus tanto ama.