segunda-feira, 14 de setembro de 2015

As Origens do Monaquismo Cristão

As Origens do Monaquismo Cristão

A questão das origens do monaquismo cristão é uma das que voltam periodicamente. Sem dúvida porque se trata de uma questão à qual não se pode oferecer uma resposta totalmente satisfatória, e novas descobertas em muitas disciplinas correlatas a colocam sem cessar de um modo diferente.

Pelo final do século XIX, no momento em que se desenvolvia o estudo comparado das religiões, pesquisadores alemães liderados por H. Weingarten, pensaram que a origem do monaquismo cristão podia se explicar por uma evolução a partir da velha religião egípcia. O monge cristão continuaria a tradição dos reclusos (katochoi) do templo de Serápis. Foi relativamente fácil aos historiadores católicos demonstrar o caráter nitidamente cristão do monaquismo egípcio primitivo e de fazer ver que nenhuma dependência podia ser demonstrada em relação aos cultos pagãos. Enquanto por longo tempo os estudos neste tema se concentravam sobre a história das práticas ascéticas, o estudo de Peter Nagel sobre as motivações destas práticas em 1966, marcou uma reviravolta.

Estas discussões ocasionaram um renovado interesse pelas fontes literárias do monaquismo primitivo. Monges e monjas reaprenderam a buscar seu alimento espiritual naquilo que se começou a denominar de "Fontes monásticas", isto é, as obras do monaquismo antigo, em particular os "Apofetgmas", as Vidas de Antão e de Pacômio, sem esquecer seguramente Cassiano, que havia servido de traço de união entre o Oriente e o Ocidente.

Na onda de renovação dos estudos bíblicos e patrísticos do após-guerra, muitas boas edições críticas sobre o monaquismo antigo foram publicadas, obras estas pouco conhecidas ou de que não se dispunha ainda de edições antigas de acordo com os ditames da ciência contemporânea. Estas edições suscitaram por sua vez a aplicação da crítica textual, histórica e literária a estes escritos que só tinham até este momento servido como alimento para a "leitura espiritual". A questão das origens do monaquismo voltou, pois, a ser colocada de outro modo.

Com efeito, o mito do Egito como "berço do monaquismo", de onde teria em seguida se expandido para os outros países do Oriente inicialmente, e depois para o Ocidente, não podia mais ser mantido. Tornava-se evidente que o monaquismo havia nascido um pouco em toda parte ao mesmo tempo, sob formas muito variadas, e da vitalidade própria de cada Igreja local, no Oriente como no Ocidente. O esquema clássico de Antão e alguns outros eremitas fugindo para o deserto, antes que Pacômio inventasse o cenobitismo para remediar os inconvenientes do eremitismo, não correspondia à nenhuma realidade tal como revelada pelos documentos publicados. Descobria-se que desde suas primeiras manifestações, o monaquismo havia aparecido simultaneamente em todas as suas formas mais diversas: cenobitismo e eremitismo, monaquismo do deserto e monaquismo das cidades, etc.

Um outro mito que não resistiu mais à crítica histórica (mesmo se continua a resistir) é aquele segundo o qual o monaquismo teria nascido após o Edito de Constantino, ou em todo caso, depois da era das perseguições. Por um lado, cristãos ferventes que desejavam o martírio que não estava mais ao seu alcance desejavam fazê-lo através da ascese, e por outro lado, teriam se retirado ao deserto em reação contra uma Igreja cujo fervor diminuía. Uma tal visão das coisas não tinha nenhum fundamento nem na realidade, nem nos documentos históricos que tendiam mais a mostrar a expansão do monaquismo como o fruto do fervor da Igreja que resultava do testemunho corajoso dos mártires.

Os estudos de Anton Vööbus, e sobretudo sua obra monumental sobre o ascetismo cristão na Pérsia, Mesopotâmia e Síria, mostravam, pelo ano 1960, à comunidade científica todo um mundo "monástico" até ali desconhecido salvo de alguns especialistas. Mas poder-se-ia falar de monaquismo a propósito dos Filhos e Filhas do pacto conhecidos por Efrém e Afraat em Nisibe e em Edessa e das numerosas formas de ascese muito radicais que tinham conhecido as Igrejas judeu-cristãs muito antes de Antão e Pacômio? Como fosse difícil ir contra a convenção bem estabelecida pelos historiadores que remontavam o "monaquismo propriamente dito" ao final do século terceiro, começou-se a falar de um "pré-monaquismo".

Dom J. Gribomont, num artigo extremamente importante, que era de fato uma recensão da obra de Vööbus, mostrou bem a estreita ligação entre este pré-monaquismo e o monaquismo. Ora, o que se tornava cada vez mais claro era que não havia descontinuidade entre os dois e que ninguém podia distingui-los nitidamente entre si.

Pela mesma época, ou mesmo um pouco antes, Daniélou e outros interessaram-se pelo judeu-cristianismo Parecia claro que foi nas Igrejas judeu-cristãs que se manifestou em todo seu rigor a corrente ascética ao longo dos três primeiros séculos cristãos. Sob este ponto de vista, não é por acaso que a tradição monástica tenha se desenvolvido de modo particular no Egito.

Em Alexandria, à época de Cristo, achava-se a diáspora judaica mais numerosa. Esta comunidade judaica era particularmente aberta a todas as tendências filosóficas e teológicas. Dois eminentes representantes deste judaismo alexandrino, Filon e Plotino, tiveram uma influência marcante sobre toda a tradição mística cristã e, através de Orígenes e de Evágrio, sobre o monaquismo cristão, Uma comunidade cristã se formou em Alexandria imediatamente após o Pentecostes. Foi neste contexto muito rico que se desenvolveu a Escola de Alexandria com Panteno e Clemente, antes que Orígenes aí vivesse com seus discípulos um tipo de existência que só as convenções dos historiadores nos impedem de qualificar de "monástica". A obra recente de Samuel Rubenson mostrou que Antão e seus companheiros, longe de serem iletrados como se pensou por muito tempo, foram alimentados com o ensinamento filosófico e teológico da Igreja e Alexandria e de seus grandes doutores.

Os Essênios e os Terapeutas conhecidos pelo historiador Flávio Josefo e por Filon haviam vivido no Egito dois séculos antes de Antão e de Pacômio. Não é, pois, de se surpreender que depois da publicação dos documentos de Qumrân e sobretudo da Regra da Comunidade, descrevendo um gênero de vida monástica muito semelhante nas suas expressões exteriores ao dos monges cristãos, a questão das origens do monaquismo foi de novo colocada. Não seria o monaquismo critão a continuação do monaquismo essênio? Ou ainda, os primeiros monges cristãos não teriam sido monges essênios convertidos ao Cristianismo? A estas questões timidamente colcocadas, respondeu-se que as motivações espirituais do monaquismo cristão eram radicalmente diferentes daquelas dos Essênios - o que era bastante claro -e que havia, de toda maneira, um hiato de alguns séculos entre o desaparecimento dos Essênios e o que se convencionou considerar como "os primórdios" do monaquismo cristão, pelo fim do século III no Egito. A resposta era verdadeira, mas nem tudo estava dito.

Nos mesmos anos em que foram descobertos os manuscritos do Mar Morto, foi também achada uma biblioteca copta em Nag Hammadi, no Alto Egito, sobre o lugar de um dos primeiros mosteiros pacomianos. Por diversas razões, particularmente políticas, a publicação destes documentos só começou vários anos mais tarde. A questão das relações entre estes manuscritos e o mosteiro de Pacômio permanece obscura, mas o fato é que os milhares de estudos que esta biblioteca copta, da qual a maioria das obras é gnóstica sob diversos títulos, nos trouxeram uma quantidade inestimável de novos conhecimentos sobre o contexto religioso do Egito durante os séculos que precederam o de Antão e de Pacômio e os primeiros monges dos Desertos da Nítria, Sceta e des Kellia.

Paralelamente, os estudos maniqueus faziam pela mesma época progressos enormes. Depois da descoberta de importantes manuscritos no Xinjiang na China, no início do século e depois no Fayoum em 1930, aquele do Codex Mani de Colônia em 1970 trouxe novas luzes sobre esta grande corrente religiosa, também muito viva no Egito na mesma época e que havia conhecido sua própria forma de vida comunitária que muitos não hesitam em qualificar como monástica. E sobretudo, descobriu-se que Mani provinha de uma seita judeu-cristã.

Todos estes dados novos tinham levado os historiadores do monaquismo cristão a reconsiderar as teorias tradicionais sobre suas origens tomando em consideração este novo conhecimento do contexto religioso e cultural no qual havia se desenvolvido. Mas isto pouco impacto teve, exceto alguns breves mas excelentes estudos de Antoine Guillaumont reunidos num pequeno volume intitulado Aux origines du monachisme chrétien . Infelizmente os historiadores do monaquismo e os especialistas das correntes religiosas acima citadas continuaram - e ainda continuam - em seu conjunto seus estudos em paralelo.

Ora, a questão das origens do monaquismo foi alvo de um novo viez. E isto ocorreu quando um especialista na Antiguidade tardia (Late Antiquity), o Professor Peter Brown, numa série de estudos, a começar pelo bem conhecido "The Rise and Function of the Holy Man in Late Antiquity" e sobretudo naquele mais recente "The Body and Society. Men, Women and Sexual Renunciation in Early Christianity", nos habituou a considerar os fenômenos da ascese cristã num contexto muito mais amplo. O propósito de Peter Brown era mujito mais extenso do que a questão das origens do monaquismo mas seu modo de situar os principais "atores" do monaquismo antigo, cada um no seu meio próprio, se mostrou muito rico e, quer se queira ou não, mudou nosso modo de ver a história monástica.



Vários autores recentes retomaram esta abordagem de Brown, aplicando-a mais precisamente à história do monaquismo, mas talvez com um esquema mais preciso. Em Virgins of God, Susanna Elm concentrou-se no ascetismo feminino, muitas vezes negligenciado nos estudos históricos do passado -e reuniu uma soma importante de dados novos que eram pouco conhecidos ou estavam esparsos em obras pouco acessíveis. O estudo de David Brakke sobre as relações entre a ascese egípcia e as políticas anti-arianas de Atanásio é também uma mina de ensinamentos reunidos com um grande rigor científico. O problema com estas obras, que estão entre as melhores entre muitos outras publicadas nos últimos anos é este: trata-se de estudos feitos com um enorme rigor - coisa que não é sempre comum, infelizmente, nos estudos sobre o monaquismo escritos por monges - mas que ignoram, mesmo explicitamente e deliberadamente por vezes (em virtude de um a priori pós-modernista) a dimensão propriamente espiritual da vida dos monges que eles estudam.

Na esteira dos estudos de Peter Brown e de todas as descobertas mencionadas mais acima, um novo interesse se manifestou depois de vinte anos pelo ascetismo na antiguidade. Tornou-se claro que o monaquismo cristão fez parte de um fenômeno muito mais geral que é o da ascese cristã, e esta não pode ser estudada sem se remeter ao contexto mais geral da ascese humana em geral e de suas inúmeras manifestações na sociedade durante os primeiros séculos da era cristã.

Um grupo de professores e de pesquisadores foi constituído nos Estados Unidos no início dos anos 1980, no seio da American Academy of Religion para estudar o fenômeno do ascetismo sob todos os aspectos. Foi organizada uma conferência internacional em New York em 1993 com o tema: "A dimensão ascética na vida religiosa e a cultura". Uma importante coleção de comunicações feitas a esta conferência foi publicada em 1995 com o título "Asceticism". Se alguns destes estudos mostravam uma compreensão do monaquismo cristão, outros analisavam o fenômeno ascético sem nenhuma referência às motivações que podiam ter aqueles e aquelas que o viveram no passado e o vivem no presente. Muitos estudos parecem reinterpretar a ascese- cristã ou não - à luz das teorias de Michel Foucault.

Columba Stewart - monge beneditino que rompeu com os métodos das disciplinas acadêmicas, e que acaba de publicar o que permanecerá sem dúvida por muito tempo a obra "definitiva" sobre Cassiano , sublinhava recentemente a urgência de uma abordagem multidisciplinar para suprir esta necessidade. Se, por um lado, estudos com um grande rigor metodológico pecam por ignorar a dimensão propriamente espiritual do monaquismo, muitos escritos sobre a espiritualidade monástica, por outro lado, mostram falta do rigor científico que se deve esperar para os nossos dias.

Não se trata talvez de aqui considerar, nem mesmo de esboçar um estudo tal que exigisse, inicialmente, a colaboração de vários especialistas de diversas áreas. Com risco de pecar um pouco por presunção, gostaria de delinear, sem me detalhar, a visão das origens do monaquismo cristão primitivo que me parecem já surgir dos estudos recentes.

Raimundo Panikkar falava do monaquismo como "arquétipo humano", assim sublinhando o fato de que existe uma dimensão monástica em todo ser humano e que aqueles que chamamos "monges" são os que organizam toda sua vida em torno desta dimensão profundamente humana. É isto que explica que a presença do monaquismo seja achada em quase todas as grandes tradições religiosas da humanidade cada vez que elas atingem um nível suficiente de espiritualização. De uma tradição a outra, de um século a outro, as manifestações exteriores deste ascetismo não são muito diferentes - a imaginação humana tem apesar de tudo seus limites. O que é radicalmente diferente de uma tradição espiritual a outra, é o objetivo buscado por esta ascese e a significação última que lhe é conferida.

Havia, à época de Cristo, em toda a região que agora conhecemos como Oriente Médio, e particularmente no judaísmo tardio, uma corrente ascética e mística. João Batista, com seu batismo, se situa nitidamente nesta corrente pelo seu estilo de vida e por sua pregação, independentemente de sua pertença ou não à seita dos essênios. Jesus se fez batizar por João e assim assumiu este movimento - um gesto do qual não se saberia subinhar suficientemente a importância capital. E, é claro, assumindo-o, lhe deu um sentido radicalmente novo.

O próprio Jesus viveu com seus discípulos uma forma de vida comunitária que tinha muito mais em comum com esta tradição do que com as tradições dos rabinos de seu tempo, ou mesmo, com os profetas do Antigo Testamento. Eis porque a expressão "vita apostolica" na literatura monástica primitiva significará primeiramente toda esta vida dos Apóstolos com Jesus. Este último apresentava exigências extremamente radicais àqueles que desejavam segui-lo. Ou, quando, depois da morte de Jesus, certos cristãos desejaram adotar como modo permanente de vida os apelos radicais de Jesus ao celibato, à renúncia total, à pobreza, etc., tinham não só o exemplo de Jesus, mas achavam também nas formas contemporâneas de ascese, e também no arquétipo monástico no fundo de sua psique das estruturas humanas de expressão.

Um ascetismo cristão extremamente radical se desenvolveu muito depressa, em particular nas Igrejas judeu-cristãs, mais sensíveis ao radicalismo do Evangelho de Lucas e também ao papel transformador do batismo no Espírito do que as Igrejas sob a influência de Paulo. Foi a comunidade cristã toda que, em certos momentos, teve nestas Igrejas uma existência "monástica". Foi pouco a pouco que se desenhou no seio da comunidade eclesial a consciência de que nem todos eram chamados a seguir o Cristo pelo mesmo caminho e que se precisou uma via monástica distinta daquela do resto dos fiéis.

Quando se lêem os escritos dos monges cristãos do século 4, é muito claro que eles foram para o deserto ou se agrupavam nas fraternidades urbanas basilianas para seguir o Cristo e para se deixar transformar à imagem do Cristo sob a ação do Espírito Santo. Mas não se pode ignorar que segundo a própria lei da Encarnação, estavam condicionados na realização de seu "projeto" pelo contexto religioso e sócio-cultural no qual eles evoluiam.

As comunidades de Terapeutas e de Essênios no Egito de que faz menção Filon, tinham muito em comum com as comunidades cristãs para que o historiador Sócrates, escrevendo alguns séculos mais tarde, se engane e as considere como grupamentos cristãos. Houve certamente contatos e influências mútuas entre estes grupos e as comunidades cristãs. O erro seria buscar entre uns e outros uma dependência ou continuidade histórica. Para ficarmos ainda no Egito, não se pode negar que o gnosticismo, este movimento que, ao lado de expressões aberrantes, exprimia e veiculava uma grande sede de experiência espiritual , estava muito espalhado no Egito pouco antes do grande desenvolvimento do monaquismo cristão ao final do século 3. É evidente que o monaquismo cristão não deve sua origem ao gnosticismo!

Na verdade, a imagem que se desenha é a de um grande movimento espiritual que se desenvolveu no curso dos primeiros séculos de nossa era, ao mesmo tempo no cristianismo e e fora dele. Este movimento comporta aspectos sublimes e também, aberrações. Há influências recíprocas entre as diversas correntes que o constituem, influências estas que correm em todas as direções. Os grupamentos de origem não cristã sofreram talvez uma forte influência do cristianismo, e certos movimentos cristãos, por outro lado, sofreram influências estrangeiras a ponto de tornar-se heresias. O discernimento se faz pouco a pouco na Igreja através da vida e da experiência assim como pelo "sensus fidei" do povo cristão, até que a nova situação criada na Igreja constantiniana permita a realização de Sínodos onde os bispos terão a autoridade necessária para fazer a clara demarcação entre ortodoxia e heterodoxia.

Quando finalmente se desenha uma forma de vida cristã mais estruturada e reconhecida, utilizando os modos exteriores de expressões comuns aos ascetas de todos os tempos e de todas as tradições, mas exprimindo uma busca espiritual enraizada no Evangelho e vivida sob a direção do Espírito, começa-se a falar de "monaquismo". É o produto de uma longa evolução, e se está em presença do que chamaríamos hoje uma inculturação. O monaquismo cristão é, assim, a primeira, e talvez a mais bem sucedida forma de inculturação. Isto quer dizer que é o encontro da mensagem evangélica sobre a vida perfeita com uma tradição ascética várias vezes secular que exprime as aspirações mais profundas da alma humana criada à imagem de Deus. Neste encontro esta tradição humana - enraizada num arquétipo humano - é enriquecida, e aí acha sua significação última; além disto, a mensagem cristã também é enriquecida de uma forma particular de expressão. Este encontro e este enriquecimento mútuo constituem a própria natureza da inculturação.

Ao longo de toda a história do monaquismo que se desenrolará depois, os momentos de grandes desenvolvimento, de renovação ou de reforma foram aqueles onde, por ocasião de uma transformação cultural mais profunda, monges e monjas foram particularmente sensíveis às aspirações espirituais dos homens e mulheres de seu tempo e souberam dar, através de sua vida e na linha de sua tradição, respostas que foram valiosas não só para eles, mas também para seus contemporâneos.

A questão das origens do monaquismo cristão jamais nos deixará, pois o monaquismo só continua a existir porque é constantemente re-engendrado.

A CRIAÇÃO E A QUEDA (por santo Atanásio)

A CRIAÇÃO E A QUEDA
(por santo Atanásio)

Em nosso Livro anterior tratamos suficientemente sobre alguns dos principais pontos do culto pagão dos ídolos, e como estes falsos deuses surgiram originalmente. Nós também, pela graça de Deus, indicamos brevemente que o Verbo do Pai é Ele mesmo divino, que todas as coisas que existem devem seu próprio ser à sua vontade e poder e que é através dEle que o Pai dá ordem à criação, por Ele que todas as coisas são movidas e através dEle que recebem o seu ser. 


Agora, Macário, verdadeiro amante de Cristo, devemos dar um passo a mais na fé de nossa sagrada religião e considerar também como o Verbo se fêz homem e surgiu entre nós. Para tratar destes assuntos é necessário primeiro que nos lembremos do que já foi dito. Deves entender por que o Verbo do Pai, tão grande e tão elevado, se manifestou em forma corporal. Ele não assumiu um corpo como algo condizente com a sua própria natureza, mas, muito ao contrário, na medida em que Ele é Verbo, Ele é sem corpo. Manifestou-se em um corpo humano por esta única razão, por causa do amor e da bondade de seu Pai, pela salvação de nós homens.

Começaremos, portanto, com a criação do mundo e com Deus seu Criador, pois o primeiro fato que deves entender é este: a renovação da Criação foi levada a efeito pelo mesmo Verbo que a criou em seu início. Em relação à criação do Universo e à criação de todas as coisas têm havido uma diversidade de opiniões, e cada pessoa tem proposto a teoria que bem lhe apraz. Por exemplo, alguns dizem que todas as coisas são auto originadas e, por assim dizer, totalmente ao acaso. Entre estes estão os Epicúreos, os quais negam terminantemente que haja alguma Inteligência anterior ao Universo. Outros fazem seu o ponto de vista expressado por Platão, aquele gigante entre os Gregos. Ele disse que Deus fêz todas as coisas da matéria pre-existente e incriada, assim como o carpinteiro faz as suas obras da madeira que já existe. Mas os que sustentam esta opinião não se dão conta que negar que Deus seja Ele próprio a causa da matéria significa atribuir-Lhe uma limitação, assim como é indubitavelmente uma limitação por parte do carpinteiro que ele não possa fazer nada a não ser que lhe esteja disponível a madeira. Então, finalmente, temos a teoria dos Gnósticos, que inventaram para si mesmos um Artífice de todas as coisas, outro que não o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Estes simplesmente fecham os seus olhos para o sentido óbvio das Sagradas Escrituras. Tais são as noções que os homens têm elaborado. Mas pelo divino ensinamento da fé cristã nós sabemos que, pelo fato de haver uma Inteligência anterior ao Universo, este não se originou a si mesmo; por ser Deus infinito, e não finito, o Universo não foi feito de uma matéria pré-existente, mas do nada e da absoluta e total não existência, de onde Deus o trouxe ao ser através do Verbo.


Ele diz, neste sentido, no Gênesis:


"No início Deus
criou o Céu e a Terra";

e novamente, através daquele valiosíssimo livro ao qual chamamos "O Pastor":


"Crêde primeiro
e antes de tudo o mais
que há apenas um só Deus
o qual criou e ordenou a todas as coisas 
trazendo-as da não existência ao ser."

Paulo também indica a mesma coisa quando nos diz:


"Pela fé conhecemos 
que o mundo foi formado 
pela Palavra de Deus,
de tal modo que as coisas visíveis 
provieram das coisas invisíveis". (Heb. 11, 3)

Pois Deus é bom, ou antes, Ele é a fonte de toda a bondade, e é impossível por isso que Ele deva algo a alguém. Não devendo a existência a ninguém, Ele criou a todas as coisas do nada mediante seu próprio Verbo, nosso Senhor Jesus Cristo, e de todas as suas criaturas terrenas ele reservou um cuidado especial para a raça humana. A eles que, como animais, eram essencialmente impermanentes, Deus concedeu uma graça de que as demais criaturas estavam privadas, isto é, a marca de sua própria Imagem, uma participação no ser racional do próprio Verbo, de tal modo que, refletindo-O, eles mesmos se tornariam racionais expressando a Inteligência de Deus tanto quanto o próprio Verbo, embora em grau limitado. Deste modo, os homens poderiam continuar para sempre na bem aventurada e única verdadeira vida dos santos no paraíso. Como a vontade do homem poderia, porém, voltar-se para vários caminhos, Deus assegurou-lhes esta graça que lhes havia concedido condicionando-a desde o início a duas coisas. Se eles guardassem a graça e retivessem o amor de sua inocência original, então a vida do paraíso seria sua, sem tristeza, dor ou cuidados, e após ela haveria a certeza da imortalidade no céu. Mas se eles se desviassem do caminho e se tornassem vis, desprezando seu direito natal à beleza, então viriam a cair sob a lei natural da morte e viveriam não mais no paraíso, mas, morrendo fora dele, continuariam na morte e na corrupção. Isto é o que a Sagrada Escritura nos ensina, ao proclamar a ordem de Deus:


"De todas as árvores que estão no jardim 
vós certamente comereis,
mas da árvore do conhecimento do bem e do mal
não havereis de comer,
pois certamente havereis de morrer".

"Certamente havereis de morrer", isto é, não apenas morrereis, mas permanecereis no estado de morte e corrupção. Estarás talvez a divagar por que motivo estamos discutindo a origem do homem se nos propusemos a falar sobre o Verbo que se fêz homem. O primeiro assunto é de importância para o último por este motivo: foi justamente o nosso lamentável estado que fêz com que o Verbo se rebaixasse, foi nossa transgressão que tocou o seu amor por nós. Pois Deus havia feito o homem daquela maneira e havia querido que ele permanecesse na incorrupção. Os homens, porém, tendo voltado da contemplação de Deus para o mal que eles próprios inventaram, caíram inevitavelmente sob a lei da morte. Em vez de permanecerem no estado em que Deus os havia criado, entraram em um processo de uma completa degeneração e a morte os tomou inteiramente sob o seu domínio. Pois a transgressão do mandamento os estava fazendo retornarem ao que eles eram segundo a sua natureza, e assim como no início eles haviam sido trazidos ao ser a partir da não existência, passaram a trilhar, pela degeneração, o caminho de volta para a não existência. A presença e o amor do Verbo os havia chamado ao ser; inevitavelmente, então, quando eles perderam o conhecimento de Deus, juntamente com este eles perderam também a sua existência. Pois é somente Deus que existe, o mal é o não-ser, a negação e a antítese do bem. Pela natureza, de fato, o homem é mortal, já que ele foi feito do nada; mas ele traz também consigo a Semelhança dAquele Que É, e se ele preservar esta Semelhança através da contemplação constante, então sua natureza seria despojada de seu poder e ele permaneceria indegenerescente. De fato, é isto o que vemos escrito no Livro da 
Sabedoria:


"A observância de Suas Leis
é a garantia da imortalidade". (Sab. 6, 18)

E, incorrompido, o homem seria como Deus, conforme o diz a própria Escritura, onde afirma:


"Eu disse:
`Sois deuses, 
e todos filhos do Altíssimo. 
Mas vós como homens morrereis, 
caireis como um príncipe qualquer'". (Salmo 81, 6)

Esta, portanto, era a condição do homem. Deus não apenas o havia feito do nada, mas também lhe tinha graciosamente concedido a Sua própria vida pela graça do Verbo. Os homens, porém, voltando-se das coisas eternas para as coisas corruptíveis, pelo conselho do demônio, se tornaram a causa de sua própria degeneração para a morte, porque, conforme dissemos antes, embora eles fossem por natureza sujeitos à corrupção, a graça de sua união com o Verbo os tornava capazes de escapar na lei natural, desde que eles retivessem a beleza da inocência com a qual haviam sido criados. Isto é o mesmo que dizer que a presença do Verbo junto a eles lhes fazia de escudo, protegendo-os até mesmo da degeneração natural, conforme também o diz o Livro da Sabedoria:


"Deus criou o homem para a imortalidade
e como uma imagem de sua própria eternidade;
mas pela inveja do demônio
entrou no mundo a morte". (Sab. 2, 23)

Quando isto aconteceu os homens começaram a morrer e a corrupção correu solta entre eles, tomou poder sobre os mesmos até mais do que seria de se esperar pela natureza, sendo esta a penalidade sobre a qual Deus os havia avisado prevenindo-os acerca da transgressão do mandamento. Na verdade, em seus pecados os homens superaram todos os limites. No início inventaram a maldade; envolvendo-se desta maneira na morte e na corrupção, passaram a caminhar gradualmente de mal a pior, não se detendo em nenhum grau de malícia, mas, como se estivessem dominados por uma insaciável apetite, continuamente inventando novo tipos de pecados. Os adultérios e os roubos se espalharam por todos os lugares, os assassinatos e as rapinas encheram a terra, a lei foi desrespeitada para dar lugar à corrupção e à injustiça, todos os tipos de iniqüidades foram praticados por todos, tanto individualmente como em comum. Cidades fizeram guerra contra cidades, nações se levantaram contra nações, e toda a terra se viu repleta de divisões e lutas, enquanto cada um porfiava em superar o outro em malícia. Até os crimes contrários à natureza não foram desconhecidos, conforme no-lo diz o Apóstolo mártir de Cristo:


"Suas próprias mulheres 
mudaram o uso natural em outro uso,
que é contra a natureza;
e os homens também, 
deixando o uso natural da mulher,
arderam nos seus desejos um para com o outro,
cometendo atos vergonhosos com o seu próprio sexo, 
e recebendo em suas próprias pessoas 
a recompensa devida pela sua perversidade". (Rom. 1, 26-7)

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Fenomenologia da Religião

Fenomenologia da Religião

A religiosidade de um povo se manifesta não apenas em rituais complexos e mitos dos tempos primordiais, mas também na experiência cotidiana em todas as áreas da vida. A forma de entrar ou sair de uma casa, um simples gesto no momento da caça ou pesca, a dieta alimentar, a direção do olhar ao se aproximar de determinado objeto, o pronunciar discreto de determinadas palavras ao entrar na água e coisas semelhantes podem expressar muito da religiosidade local.

Chamamos essas manifestações de fenômenos e a fenomenologia da religião se ocupa em estudá-los na tentativa de compreender as idéias que estão por trás dos mesmos e o que significam para aqueles que os praticam. Como missionários, antes de apresentar o evangelho para determinado povo, a primeira providência a ser tomada é buscar uma compreensão satisfatória do mesmo. Compreender um povo equivale compreender a sua cultura e essa envolve complexos sistemas que regulamentam o comportamento do grupo social.

Dentro do bojo cultural, encontramos o sistema de parentesco, o sistema político, a cultura material, cognitiva e muitas outras áreas nas quais podemos concentrar análise. No processo de análise, lançamos mão de ciências específicas que nos fornecem métodos de pesquisa adequados. A ciência que mais tem contribuído no trabalho missionário para compreensão dos povos alvos de evangelização é a antropologia cultural, que se ocupa de todas as áreas acima mencionadas.

Entretanto, dois sistemas culturais são sobremodo amplos e complexos, sendo necessário abordá-los de forma mais específica. Trata-se da língua e da religião. De acordo com o etnólogo alemão Lothar Käser, a religião é um fenômeno universal, presente em todas as culturas. O ateísmo é uma manifestação mais de cunho individual ou no máximo uma opção sociopolítica. Do ponto de vista cultural, todo grupo social apresenta manifestações religiosas.

Na prática, porém, todos esses sistemas culturais são inseparáveis, totalmente interligados, emaranhados, mas os distinguimos para fins de análise. A bem da verdade, essa divisão da cultura em sistemas é uma elaboração nossa, na ótica do observador. Prova disso é que quase nenhuma língua sem escrita possui uma palavra para o conceito “religião”, no mesmo sentido que usamos. Isso se dá porque a religião permeia todas as áreas da cultura e, portanto, uma análise segura da mesma só pode acontecer numa abordagem multidisciplinar. Como comenta o antropólogo brasileiro Luiz Gonzaga Mello, só é possível isolar a religião dentro da cultura como um recurso didático e metodológico apenas.

De qualquer forma, para análise da cultura como um todo, utilizamos a antropologia cultural ou, mais especificamente, a etnologia. Para análise da língua, a linguística antropológica, e para análise da religião, devemos lançar mão da fenomenologia da religião. Ou seja, a fenomenologia é para o estudo da religião, o que a linguística é para o estudo da língua. No contexto brasileiro, temos uma crescente ênfase no estudo da antropologia e da linguística nos currículos de treinamento missionário, mas o estudo da fenomenologia ainda é, de modo geral, pouco evidenciado.

HISTÓRIA DA ESCOLA FENOMENOLÓGICA

A fenomenologia se firmou como corrente filosófica e método científico somente no século 20, ao se distanciar do estudo comparado das religiões. O termo “fenomenologia” surgiu em 1764, com o matemático e filósofo suíço-alemão Johann Heinrich Lambert (1728-1777). Entretanto, o alemão, de ascendência judaica, Edmund Husserl (1859-1938) que é considerado o “pai da fenomenologia”. Com sua obra “Investigações Lógicas” (1900-1901) ele desenvolveu o método fenomenológico de tal forma que o mesmo passou a constituir o centro de gravidade de grande parcela do pensamento filosófico do século 20 e sua influência estendeu-se a todas as ciências humanas. Como método científico, a fenomenologia pode ser utilizada pelas mais diferentes áreas de conhecimento, ciências e meios de expressão que o homem possa desenvolver.

Já a expressão “fenomenologia da religião” foi criada pelo holandês, historiador das religiões, Pierre Daniel Chantepie de la Saussaye (1848-1920). Na primeira edição da sua obra “Manual de História das Religiões” (1887) usou essa expressão, entretanto, não indicava com a mesma um novo método, mas apenas uma alternativa terminológica para a chamada religiões comparadas. Isso ficou evidente quando, dez anos depois, na segunda edição do seu “Manual”, suprimiu a referida seção.

Assim, a primeira expressão significativa da fenomenologia da religião vem do holandês Gerardus van der Leeuw (1890-1950), na sua “Fenomenologia da Religião” (1933). Ligado à fenomenologia filosófica de Husserl, Leeuw propõe um método de compreensão, e não apenas de descrição, da experiência religiosa, a partir da análise das suas linguagens ou meios de manifestação – os fenômenos. Para ele, a meta da pesquisa fenomenológica é atingir a essência da religião, essência essa que o fenomenólogo alemão Gustav Mensching (1901-1978), contemporâneo de Leeuw, definiria como “a experiência do encontro com o Sagrado”.

Apesar de se afastar um pouco da linha filosófica, van der Leeuw retoma pelo menos dois conceitos básicos de Husserl: a epoché e a visão eidética. Epoché é a suspensão do juízo que o fenomenólogo deve operar, se quiser compreender realmente o fenômeno estudado. E visão eidética é a busca pela essência do fenômeno em questão.

Mensching é um dos representantes da escola fenomenológica alemã de Marburgo, fundada pelo iminente Rudolf Otto (1869-1937), com seu livro “O Sagrado” (1917). Apesar de não ser especificamente uma obra fenomenológica, esse livro ofereceu um modelo de análise fenomenológica em chave hermenêutica da experiência religiosa. Se Otto não chegou a ser um fenomenólogo, seus alunos o foram, aprimorando o método de análise fenomenológica compreensiva, típico da escola de Marburgo.

Um dos nomes mais citado na fenomenologia da religião é do romeno, que se radicou nos Estados Unidos, Mircea Eliade (1907-1986). A bem da verdade, Eliade foi um historiador das religiões e não um fenomenólogo, mas suas pesquisas foram tão extensas que acabou deixando um material de valor inestimável para a fenomenologia religiosa.

A escola fenomenológica lança mão de princípios metodológicos de basicamente todas as demais escolas, como as escolas antropológica, psicológica e histórica, mas se distingue por buscar compreender o que a experiência religiosa significa para o próprio homem religioso. O argentino, professor de fenomenologia da religião, José Severino Croatto (1930-2004), sintetiza isso da seguinte forma:
Aplicada à(s) religião(ões), a fenomenologia não estuda os fatos religiosos em si mesmos (o que é tarefa da história das religiões), mas sua intencionalidade (seueidos) ou essência. A pergunta do historiador é sobre quais são os testemunhos do ser humano religioso, a pergunta do fenomenólogo é sobre o que significam. Não o que significam para o estudioso, mas para o homo religiosus, que vive a experiência do sagrado e a manifesta nesses testemunhos ou “fenômenos”.

Entre os cientistas da religião, tem sido defendido que a investigação fenomenológica é a melhor opção para se aproximar, o máximo possível, do significado real da experiência religiosa.

TENTATIVA DE CONCEITUAÇÃO

Fenomenologia

O termo “fenômeno” vem do grego fainomenon, que significa literalmente “aquilo que aparece”, “que se mostra”. Logo, fenomenologia é, literalmente, “o estudo do que aparece”. Mas, obviamente, como método científico, o termo vai muito além do seu significado literal. A fenomenologia é uma tentativa de compreender a essência da experiência humana, seja ela psicológica, social, cultural ou religiosa, a partir da análise das suas manifestações, que chamamos de fenômenos. É uma tentativa de compreensão não do ponto de vista do observador, mas do ponto de vista da própria pessoa que teve a experiência. No meio linguístico e antropológico, isso seria chamado de ponto de vista êmico.

Religião

Já “religião” é um termo conceitualmente bastante complexo. Aceitamos geralmente que religião vem do latim religare, significando assim “religar”, ou seja, religião é o meio de religar o homem a Deus. Entretanto, historicamente isso nem sempre foi assim. Filoramo e Prandi comentam sobre certo pesquisador que comparando 68 respostas que lhe foram enviadas por colegas sobre o modo como definiam religião, objeto de seus estudos, não encontrou sequer duas iguais.

Nos afastaremos aqui das tentativas de definições etimológicas, optando pelas conceituações de cunho antropológico. Nesse meio, várias conceituações já foram sugeridas, mas aceitamos neste texto a sugestão do antropólogo e missiólogo alemão Paul Hiebert, que conceitua religião como “um sistema explicatório que trata das últimas questões da vida e da morte, das razões da própria existência”. Nessa mesma linha também podemos citar o conhecido antropólogo americano Clifford Geertz, que entende a “religião como um sistema cultural”.

Para Felix Keesing, a religião é um sistema explanatório e também interpretativo. Explanatório à medida que responde sistematicamente aos porquês totais, relacionados diretamente com a existência – natureza do mundo e do homem; poder – forças dinâmicas do universo; providência – funções de manutenção do bem-estar; moralidade – vida e morte dos indivíduos. E interpretativo porque tende a interpretar todo o comportamento importante e valorizado, ligando-se aos diferentes setores da vida humana, como economia, política, família, lazer, estética e segurança.

Fenomenologia da Religião

Segundo o professor de fenomenologia Antônio Mendonça, “a fenomenologia da religião pode ser vista num duplo sentido: uma ciência independente, com suas pesquisas e publicações, mas também como um método que faz uso de princípios próprios”. A intenção deste texto é apresentar a fenomenologia da religião como método de pesquisa e, enquanto tal, William Paden a define como “o estudo das coisas em seus aspectos observáveis, contrapondo-se à sua causalidade”. Ou seja, é o estudo das causas religiosas através da observação das suas manifestações. Entretanto, a questão da causalidade é um pouco controversa. Assim, preferimos trabalhar com o conceito de idéias. Por trás das manifestações religiosas existem idéias que determinam o real significado da experiência para aquele que a experimenta.

Ângela Bello, professora de historia da filosofia em Roma, usa o termo “fenomenologia arqueológica”para se referir a esse esforço em busca das idéias por trás dos fenômenos. Para ela, a fenomenologia é uma investigação regressiva que permite escavar no interior da consciência individual e coletiva, até alcançar o significado real da experiência religiosa. A análise fenomenológica é como o trabalho do arqueólogo. A partir de uma pequena evidência que aparece no solo, ele escava até descobrir grandes fósseis escondidos sob os seus pés. Os fenômenos ou manifestações religiosas são apenas pequenas evidências que se mostram. Cabe ao fenomenólogo intuir através delas até alcançar o seu significado mais profundo. Detrás de cada fenômeno há uma idéia, um significado. É essa idéia que a fenomenologia procura compreender. A pergunta mais básica no estudo fenomenológico é: “qual idéia cultural está por trás de cada fenômeno?”

A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA


A experiência é a forma básica de aquisição de conhecimento. Nada chega ao nosso intelecto sem causar uma experiência pessoal, quer seja empírica ou existencial. A experiência existencial pode ser física, social, moral, metafísica ou religiosa. Assim sendo, a religiosidade está intimamente relacionada com a experiência, no caso, com o sagrado.

Se referindo a um contexto cristão, Piazza afirma, como já havia dito Mensching, que “a essência da experiência religiosa é o ‘encontro’ do homem com Deus”. Generalizando esse raciocínio, podemos então dizer que a experiência religiosa consiste no “encontro” do homem com o sagrado. Tácito Leite Filho chama esse mesmo fato de “relações do homem com a divindade”, as quais, para ele, constituem a base de todas as religiões. Vale lembrar, que o cristão pode contar com a Bíblia para conhecer a Deus, mas a maioria dos religiosos só pode contar com a própria experiência para conhecer o divino.

Apesar de não se tratar de uma obra especificamente fenomenológica, o livro “O Sagrado”, de Rudolf Otto, tem sido considerado a ponte da fenomenologia filosófica de Husserl para a fenomenologia da religião de Leeuw. Nele, Otto analisa a experiência religiosa afirmando que a mesma tem por agente o “sagrado”, que se manifesta como um “mistério tremendo e fascinante”. “Mistério” porque é algo maravilhoso, que transcende a compreensão do homem, totalmente outro; “tremendo” porque é uma potência estranha, que se impõe de forma absoluta; e “fascinante” porque desperta curiosidade, causa fascínio. Ou seja, a experiência religiosa se dá quando o homem entra em contato com o sagrado e isso lhe causa um “sentimento de estado de criatura”, enchendo o seu ser de perguntas, terror e admiração.

A experiência religiosa é ao mesmo tempo individual e comunitária. Individual porque o homem religioso a experimenta na sua particularidade. Comunitária porque esse mesmo homem não a contêm e por isso comunica com outros sobre a mesma. Nesse processo, a experiência religiosa se manifesta através de linguagens próprias, que se apresentam em forma de fenômenos. São esses fenômenos que constituem o objeto da fenomenologia da religião.

EPOCHÉ E EIDÉTICA

Esses dois conceitos se tornaram o principal diferencial da fenomenologia, pois enquanto os demais métodos científicos excluíam a subjetividade em favor da objetividade, Husserl sugeriu ser possível compreender o subjetivo, a essência, o eidos. Na sua época, estava em voga o psicologismo para o qual a experiência religiosa não passava de um subproduto da psique humana. A fenomenologia muda o foco da análise, afirmando que, independente dessa experiência ser um produto da psique ou um real encontro com o sagrado, o que interessa é compreender o que a mesma significa para o homem religioso, aquele que vivencia tal experiência. Na linguagem do próprio Husserl, é o “voltar às coisas mesmas”.

A visão eidética é a busca por essa essência do fenômeno. É a tentativa de ver o fenômeno como o próprio homem religioso vê. Para isso é necessário a epoché, a suspensão do juízo, dos pressupostos. O sociólogo clássico se aproxima do homem religioso já pressupondo que a experiência do mesmo é fruto do viver social. O psicólogo clássico pressupõe de antemão ser um resultado da psique. O fenomenólogo tentará não pressupor nada.

Algumas observações aqui se fazem necessárias. Obviamente, como missionários não concordamos com todos os postulados e pressupostos da fenomenologia. Para o fenomenólogo, compreender a experiência religiosa é o fim da sua análise. Para nós, é apenas o meio. Para o fenomenólogo, essa suspensão de juízo é definitiva, perpétua. Para nós, deve ser apenas no primeiro momento, até alcançarmos uma compreensão relevante do fenômeno. Essa epoché é necessária no primeiro momento, porque se não retardarmos um pouco nosso julgamento bíblico-teológico, chegaremos a muitas conclusões erradas e nossa mensagem não terá relevância.

Uma segunda observação é que, mesmo no meio científico, já é consenso a impossibilidade de uma epoché total. A total neutralidade na pesquisa científica é uma falácia. É impossível uma total suspensão de juízo. Alguns afirmam que um religioso não pode ser um cientista da religião, por causa dos seus pressupostos. Entretanto, um ateu também tem pressupostos em relação à religião e, talvez, mais radicais e preconceituosos do que os do religioso. A dificuldade que ambos terão para suspender o juízo será a mesma. No entanto, apesar dessa impossibilidade de uma epoché total, é possível uma neutralidade pelo menos parcial e é essa que deve ser buscada no primeiro momento.
Discordamos também do princípio da vivência. Para alguns fenomenólogos, é necessário não apenas suspender o juízo mas também vivenciar por algum tempo a experiência religiosa em estudo para que se possa compreendê-la bem. É o que defendia van der Leeuw e outros: “precisamos viver aquele conteúdo particular de experiência a fim de poder, em seguida, entender como um outro ser humano por sua vez poderia experimentá-lo”. Esse foi o caso de Roger Bastide que, mesmo se identificando como protestante, iniciou-se no candomblé brasileiro em busca da compreensão do mesmo.

Poderíamos entrar num longo diálogo com os principais teóricos da fenomenologia, discordando de vários dos seus postulados e pressupostos, porém, isso foge do propósito deste texto. Nossa intenção é apenas apresentar a fenomenologia como ferramenta útil ao trabalho missionário.

Outro elemento que surge na busca pelo eidos é a intuição. Para se aproximar da subjetividade da experiência religiosa é preciso intuir. Esse conceito vem do teólogo e filósofo alemão Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768-1834), que precedeu o movimento fenomenológico, mas deixou muitas contribuições para o mesmo. Tommy Goto o chama de “pré-fenomenólogo”. O conceito de intuição em Schleiermacher é tão central que ele chega confundi-lo com a essência da religião, mas o movimento fenomenológico o redefiniu, fazendo do mesmo uma ferramenta de busca do eidos. Somente através de uma atitude intuitiva é possível se aproximar do sentido real do fenômeno religioso, pois o mesmo não é algo lógico.

VISÃO ÉTICA E ÊMICA

O missionário lingüista Kenneth Pike (1912-2000) desenvolveu dois conceitos fundamentais em análise linguística, chamados perspectivas ética e êmica. Esses conceitos alcançaram a academia antropológica se tornando elementos fundamentais também para a análise cultural. Também tornaram-se igualmente fundamentais na fenomenologia para a análise religiosa. São conceitos bem relacionados com a epoché e visão eidética de Husserl.

Perspectiva ética é a visão externa, do observador, numa postura transcultural, comparativa e descritiva. Perspectiva êmica é a visão interna, do observado, numa postura cultural, particular e analítica. Perspectiva ética é de quem está olhando de fora. Perspectiva êmica é de quem olha de dentro. Ética é a visão do “eu” em direção ao “outro”. Êmica é a visão do “eu” em direção ao “nosso”. Ou como comentam Hoebel e Frost, Quando vista de fora e expressa por um observador que não é, por educação e vivência, completamente enculturado com a cultura observada e escrita, a visão é chamada “ética”. A visão interna é chamada de “êmica”.

A perspectiva ética é inevitável e necessária. Sempre que observamos qualquer comportamento nós emitimos juízo sobre o mesmo. Avaliamos o que para nós é certo ou errado e fazemos um julgamento de valores. Como missionários, fazemos um julgamento baseado em nossos princípios cristãos, teológicos, missiológicos e hermenêuticos. Obviamente, precisamos mesmo fazer isso, pois afinal nosso objetivo é levar um evangelho que propõe mudanças. Mas é de extrema importância observar uma cultura primeiramente na perspectiva êmica, procurando compreender como o próprio povo entende cada manifestação cultural e religiosa. Entretanto, ao contrário da perspectiva ética, a êmica não é automática, inevitável, implícita em nossa visão. Pelo contrário, precisamos fazer certo esforço para usá-la, pois equivale a ver o mundo com os olhos do outro.

Quando não procuramos entender o povo a partir de uma perspectiva êmica, geralmente damos respostas para perguntas que não são feitas e nossa apresentação do evangelho fica irrelevante. Por isso, só devemos chegar a conclusões éticas depois que adquirimos uma relevante compreensão êmica de cada fato.

Piazza relata o ocorrido com um missionário católico na África. Próximo à aldeia onde vivia, havia um local em forma de círculo, com uma estaca no meio e uma cabeça de antílope na ponta da mesma. Sempre que os caçadores iam empreender uma caçada, passavam primeiro nesse local, empunhavam seus arcos com a mão esquerda e corriam no sentido anti-horário atirando flechas naquela cabeça de antílope até acertarem o alvo. O missionário concluiu então que se tratava de um ritual invocando alguma divindade para ajudar-lhes na caçada. Um dia se aproximou de um caçador e perguntou se acreditava mesmo que aquele ritual o ajudava a ter sucesso na caçada. O caçador lhe respondeu que era apenas um treino de pontaria! A análise e conclusão daquele missionário foi puramente ética, baseada nos seus pressupostos. A resposta do caçador foi êmica. Antes de chegar a uma conclusão ética sobre qualquer fenômeno, seja cultural, lingüístico ou religioso, é necessário alcançar uma relevante compreensão êmica do mesmo.

A ANÁLISE FENOMENOLÓGICA NA PRÁTICA

Uma pergunta que pode ser feita a esta altura é como tudo isso se dá na prática. O antropólogo brasileiro Roberto de Oliveira escreveu um relevante texto sobre pesquisa de campo que pode nos ajudar nessa questão. Para ele, “o trabalho do antropólogo é olhar, ouvir e escrever”. Isso é igualmente válido para o trabalho do missionário na sua análise fenomenológica.

Olhar, ouvir e escrever são três habilidades que todo missionário precisa desenvolver se quiser compreender o povo para o qual vai ministrar. Oliveira chama essas habilidades de “atos cognitivos”, pois é através delas que se torna possível “construir o saber” ou organizar o conhecimento adquirido. Olhar é muito mais que admirar o exótico de forma ingênua, como um turista que pára cheio de curiosidade diante do diferente, até então desconhecido. Olhar é observar com atenção e discrição, de forma acurada e intuitiva, tentando perceber o real sentido de cada fenômeno. Portanto, faz-se necessário treinar o olhar. É a partir da observação que se deve fazer perguntas, as quais são fundamentais no processo analítico. Ao observar um fenômeno, queremos logo concluir algo sobre o mesmo, porém, no primeiro momento, muito mais importante que chegar às respostas é fazer perguntas. Sem as perguntas certas, jamais chegaremos às respostas certas. E perguntas aqui não são argüições verbais a serem feitas a um “informante”, mas sim, questões de análise que levantamos para nós mesmos e que servirão de um roteiro para nossa observação. A religiosidade do povo se manifesta no seu dia-a-dia, em práticas rotineiras, e não apenas em rituais complexos. Ela permeia todas as áreas da vida. Por isso, é preciso estar atento o tempo todo e tudo que chamar a atenção deve ser analisado. No início o que teremos de palpável serão apenas as perguntas, pois as respostas só virão com o tempo, e algumas com muito tempo. Faremos perguntas a nós mesmos e, quem sabe, algumas vezes teremos a oportunidade de verbalizar com alguém. No entanto, as principais respostas não são obtidas através de perguntas verbalizadas, pontuais e objetivas, e sim através de falas espontâneas. Por isso, o segundo elemento é igualmente fundamental: além de olhar, é preciso ouvir.

Ouvir é estar atento a conversas informais, narrativas, cânticos, fórmulas verbais de rituais. São nas conversas do dia-a-dia que grande parte da religiosidade é expressa e comentada. Um ouvido atento perceberá o que se comenta acerca de entidades e a relação das mesmas com a comunidade. A finalidade de cada fenômeno, as normas e regras de cada ritual, os “porquês” do religioso. Perguntas objetivas dificilmente obterão respostas objetivas, mas conversas informais, na normalidade do dia-a-dia, podem revelar o sentido mais profundo do mundo do outro. Portanto, faz-se necessário um ouvir disciplinado. É claro que, em contexto transcultural, nos primeiros momentos a comunicação será muito limitada e pouco se obterá através do ouvir. Mas se o olhar é acurado, todas as perguntas que vierem à mente desde o primeiro momento podem ser anotadas para uma investigação posterior. Por isso, além de olhar e ouvir é necessário escrever.

Escrever é registrar de forma organizada todas as impressões, perguntas e conclusões. As anotações pessoais com tempo se tornarão um banco de dados. Em um caderno bem organizado, pode-se, por exemplo, anotar todas as observações, descrevendo o que se viu e as perguntas que vieram à mente, deixando uma parte em branco para o futuro registro das respostas e conclusões que se chegar sobre aquele fenômeno. Essas anotações devem conter elementos como local, dia, horário, ambiente e a pessoa diretamente envolvida ou observada. Da mesma forma, deve-se registrar futuramente o que levou o observador às conclusões. Com registros bem organizados ficará bem mais fácil fazer uma análise fenomenológica segura e apresentável. Quando escrevemos, cristalizamos idéias, alinhamos raciocínios e documentamos informações que poderão ser úteis a outros. Mas, obviamente, todo esse processo deve ser feito com muita discrição e naturalidade. Enquanto o olhar e ouvir acontece no dia-a-dia, junto ao povo, o escrever acontece no “gabinete”. É interessante ter sempre consigo um pequeno bloco e caneta para registro de fatos principais, em especial palavras e expressões desconhecidas, mas o registro detalhado e analítico deve ser feito em casa, na quietude do lar, onde o missionário pode ficar à sós com os seus pensamentos. É necessário disciplina. O ideal é ter um horário diário para registrar as observações do dia. Também é aconselhável ter um diário pessoal, além do caderno de anotações. No diário registra-se a experiência pessoal, os principais fatos que marcam o missionário enquanto pessoa nessa vivência transcultural. É um espaço para registrar seus sentimentos, reações e aprendizado. Isso tornará seu registro histórico. Já no caderno de anotações, registra-se as observações, o apreendido pelo olhar e ouvir, perguntas sobre a cultura e religiosidade, descrição de rituais e o máximo de fenômenos observados, sempre evitando conclusões éticas no primeiro momento, buscando as respostas êmicas.

É consenso entre antropólogos e fenomenólogos que os primeiros meses do contato são fundamentais nesse processo de observação. Muitos fenômenos se tornarão naturais para o observador em pouco tempo e não mais lhe chamarão a atenção. Por isso, é preciso fazer o máximo de anotações e perguntas já nos primeiros momentos. É claro que, algumas questões mais sutis, só serão percebidas com algum tempo de convívio, mas o quanto antes dar início a essa prática de registro, melhor.

Imagine um missionário chegando pela primeira vez num grupo indígena pouco conhecido, em algum lugar da Floresta Amazônica. Ele não conhece uma palavra sequer do idioma, mas tem um bom olhar etnográfico e razoável conhecimento etnológico. Entrando em uma grande maloca, em poucos momentos seu olhar aguçado vasculha o interior da mesma. Logo conta os fogos, acesos ou em resíduos de cinzas e carvão, o que indicará possivelmente quantas famílias ou grupos domésticos habitam aquela maloca. Contando as redes de dormir, perceberá quantas pessoas ou pelo menos quantos adultos vivem ali. Observando onde estão as armas, como arco e flecha, lanças e zarabatanas, logo terá uma possível ideia se os homens e mulheres dormem juntos ou separados. Os utensílios e vestimentas lhe darão uma boa ideia do nível de contato com a sociedade externa. Observando a estrutura arquitetônica da maloca e relacionando a mesma às informações disponíveis na literatura etnológica, será possível ter uma suspeita de qual família etnolinguística aquele grupo deve pertencer.

No primeiro momento mais reservado que tiver, registrará todas essas observações no seu caderno de anotações. Essas idéias iniciais são apenas suspeitas e deverão ser confirmadas. Muitas outras perguntas virão à sua mente e serão registradas também: por que alguns pintam o corpo com listras e outros com círculos? Por que algumas redes estão mais próximas das fogueiras que outras? Por que a maloca não tem janelas?

Esse missionário também tem um bom treinamento linguístico e, assim, com pouco tempo de convívio já percebe os sons daquela língua, compreende algumas palavras e até frases mais simples. Começará a tomar nota das nomenclaturas de parentesco, percebendo que os tios paternos são chamados pais e os primos paternos chamados irmãos, enquanto o mesmo não se dá com os tios e primos maternos. Isto já lhe dará uma boa ideia acerca do sistema de parentesco.

A análise fenomenológica acontece no mesmo viés, porém, a subjetividade é maior. Poucas conclusões serão possíveis nos primeiros momentos por se tratar de experiências e não de instituições. O alvo é compreender o que cada fenômeno significa para o homem religioso, de forma eidética e êmica. Mas a prática de observação e elaboração de perguntas é a mesma, tendo sempre em mente a pergunta básica: “qual ideia está por trás desse fenômeno?” Andando nos arredores da aldeia com alguns indígenas, o missionário observará que eles sempre tocam em uma determinada árvore ao passar por perto. Qual a razão? Dão volta ao irem ao rio, para não atravessar um grupo específico de árvores. Será um local sagrado? Parece que algumas palavras jamais são pronunciadas por mulheres. Outras, somente o pajé pronuncia. Será uma fórmula mágica ou algum tabu? Em alguns lugares que os homens passaram corriqueiramente, as mulheres nem se aproximam. Qual o motivo da restrição? Observando um ritual ele perceberá objetos manuseados, palavras e frases proferidas repetidas vezes e alguns nomes até então não ouvidos. Que objetos são estes? E os nomes, seriam de entidades? É preciso fazer perguntas e com o tempo as respostas virão.

5º Seminário do Jesus Histórico - Reconstruindo Jesus e o Reino de Deus