sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Confronto Manchete debate: O Conflito na Síria com os professores André Chevitarese & Daniel Justi

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O Paradoxo de Epícuro: O problema do mal e da existência de Deus


Esses questionamentos, que talvez já tenha sido feito por quase todos, seja ateu ou não, estão na base do Paradoxo de Epicuro, embora este seja mais bem elaborado filosoficamente. Muitas repostas foram dadas a essas questões, umas um tanto satisfatórias, outras nem tanto. A mais comum, mas também a mais fraca, é aquela que diz que o mal existe por culpa da desobediência de Adão e Eva. Por terem eles comido do fruto proibido, e com isso desobedecendo às ordens de Deus, todos os males entraram neste mundo. A primeira pergunta que vem à mente é por que temos que pagar pelo erro dos nossos antepassados? Isto é, se foram eles que desobedeceram as ordens de Deus, por que nós temos que sofrer também? Os defensores desta resposta alegam que Deus teria um paraíso reservado para aqueles que acreditassem nele e o seguissem, onde não existiria nenhum mal e onde todo sofrimento desta vida seria compensado. Mas por que temos que sofrer para chegar a um estado em que não existam mais sofrimentos? Não poderíamos simplesmente ter sido criados em um mundo assim? E quanto àqueles que não conseguirão a salvação, qualquer que seja o motivo? O teísta certamente dirá que esses não conseguiram a salvação porque não seguiram a Deus, portanto, são culpados dos seus sofrimentos. Mas acontece que o sofrimento já exista antes de eles nascerem, portanto, não podem ser responsabilizados pelo sofrimento que já sofreram antes de serem condenados, ou seja, o problema é anterior a isso, o que nos leva de volta ao pecado de Adão e Eva.

É aqui que começa o Paradoxo de Epicuro propriamente dito: Deus é onisciente, onipotente e todo-bondoso. Se Deus não sabia que Adão e Eva iam desobedecê-lo, trazendo assim todo o mal e todo sofrimento para o mundo, então não era onisciente; se sabia, mas não pode evitar, não era onipotente; se sabia, podia e evitar, e mesmo assim não o fez, então ele permitiu que o mal e o sofrimento viessem a existir, ele assim o quis, o que contradiz sua toda-bondade. O que diz o Paradoxo de Epicuro é que a existência de um Deus onisciente, onipotente e todo-bondoso é incompatível com a existência do mal. Se Deus existe, então não deveria existir o mal e o sofrimento. Mas o mal e o sofrimento existem, portanto, Deus não existe. E esse argumento é bastante intuitivo, tanto que talvez  todos nós já nos fizemos perguntas parecidas com o problema do mal. Parece haver uma incompatibilidade entre a existência de Deus e a existência do mal e do sofrimento. O problema é que geralmente nos contentamos com respostas simplórias, mas o Paradoxo de Epicuro vai até a raiz do problema e mostra que a justificação da desobediência dos nossos ancestrais simplesmente não se sustenta, dadas as propriedades de Deus. E o mesmo argumento serve para qualquer noção de Deus do teísmo tradicional, quer se acredite ou não na existência de Adão e Eva. Em outras palavras, o argumento diz que:

P1. Se Deus existe, então ele é onisciente, onipotente e todo-bondoso.

P2. Se Deus é onisciente, então sabe desde a eternidade que o mal viria a existir.
P3. Se Deus é onipotente, então ele pode acabar com o mal ou poderia tê-lo evitado.
P4. Se Deus é todo-bondoso, então ele iria querer acabar ou evitar o mal.
P5. Se Deus é onisciente, onipotente e todo-bondoso, então o mal e o sofrimento não deveriam existir.
P6. O mal e o sofrimento existem.
C1. Logo, Deus não é onisciente, onipotente e todo-bondoso [de P5 e P6 por modus tollens]
C2. Logo, Deus não existe [de P1 e C1 por modus tollens]

2. O PARADOXO DE EPICURO


Enquanto o problema do mal é apenas um questionamento acerca da relação entre a existência de Deus e a existência do mal, o paradoxo de Epicuro é um argumento solidamente construído para se inferir, da existência do mal, a inexistência de Deus. Em suma, ele diz que se Deus existe, então o mal não pode existir. Acima expus o argumento de forma mais detalhada e mostrei como dele se pode inferir que Deus não existe. Àqueles que recusarem a conclusão de que Deus não existe, restam duas alternativas: questionar a validade ou a correção do argumento. A validade de um argumento tem a ver com sua forma lógica, e se um argumento é válido, é impossível que suas premissas sejam verdadeiras e sua conclusão seja falsa. Ao que parece, o argumento acima é válido¹. Sendo assim, para rejeitar a conclusão de que Deus não existe, só resta dizer que o argumento é incorreto. Um argumento é incorreto quando, independentemente da sua forma lógica, ele contém premissas falsas. Se a conclusão do argumento acima é falsa, mas o argumento é válido, então alguma premissa é falsa. Mas qual?

Qualquer teísta tradicional deve aceitar que a premissa 1 (P1) é verdadeira. Caso contrário, o sujeito estaria abandonando o teísmo e assumindo algum outro tipo de crença relativa a Deus, como o deísmo ou o panteísmo. Sendo assim, todo teísta deve aceitar que P1 é verdadeira. Seria P2 a premissa falsa? Esta não parece ser falsa. Parece evidente que, se Deus é onisciente, então ele sempre soube que o mal viria a existir. Poderíamos até acrescentar algo à P2: se Deus é onisciente, então ele sabe qual seria o melhor mundo possível. Isso também parece aceitável, então P2 não é falsa. P3 também não parece ser falsa. Se Deus é onipotente, parece óbvio que ele poderia acabar com o mal. Existem coisas que Deus não pode fazer, mesmo que seja onipotente: Deus não pode fazer coisas que são contraditórias. Por exemplo, Deus não pode criar um quadrado redondo. Isso não quer dizer que ele não é onipotente, mas  que isso é contraditório, e Deus não pode fazer algo logicamente contraditório. Acabar com o mal com certeza não é algo contraditório, portanto, Deus pode fazê-lo. Logo, P3 não é falsa.

P4 não parece ser tão óbvia quanto as premissas  anteriores. Por que a bondade de Deus implica em ele querer acabar com o mal? Como podemos saber o que Deus  quer ou deixa de querer? Como dissemos antes, Deus não pode fazer  algo contraditório, mesmo sendo onipotente. Um ser que é todo-bondoso querer algo que é mau é uma contradição, portanto, Deus sempre irá querer coisas boas e nunca coisas más. Sendo assim, P4 também é verdadeira. P5  é, na verdade, a conclusão de outro argumento, que resolvi não postar para não complicar muito. A princípio ela não parece muito óbvia, mas se torna óbvio se nos fizermos a seguinte pergunta: Se Deus quer acabar com o mal (toda-bondade), pode fazer isso (onipotência), além do mais, sabe como fazer isso e conhece todas as consequências (onisciência), por que então não acaba com o mal? A conclusão mais fácil de chegar é que, dado tudo isso, ele deveria acabar com o mal. Melhor ainda, o mal não deveria existir, uma vez que Deus já previu que ele viria a existir. Esta é a conclusão mais fácil de chegar, porém não é necessariamente a conclusão verdadeira. E é justamente em cima dessa premissa que se concentrarão a maior parte dos argumentos contra o Paradoxo de Epicuro. Por enquanto, consideremos que P5 é verdadeira. Embora isso não tenha sido demonstrado ainda, demonstrarei quando analisar as objeções a essa premissa.

Seria P6 falsa? Esta parece ser a premissa mais evidentemente verdadeira desse argumento, no entanto, o adversário pode acusar essa premissa de ser ambígua. Podem perguntar, por exemplo, o que é o mal? Essa não é uma pergunta difícil de se responder: o mal é tudo que é indesejável. Como existem coisas que são indesejáveis para umas pessoas e não para outras, de que mal estamos exatamente falando? Do mal de uma forma geral, do que é indesejável para todas as pessoas. Por isso citei também o sofrimento. Este é uma forma de mal genérico: ninguém deseja sofrer gratuitamente. O sofrimento é algo indesejável para todas as pessoas, e neste argumento, os termos “mal” e “sofrimento” podem ser entendidos como quase sinônimos. Sendo assim, que o mal, isto é, o sofrimento, existe é algo bastante evidente. A conclusão 1 (C1) decorre logicamente das premissas. P5 diz, em outras palavras, que se Deus existe, então o mal não deveria existir, mas P6 diz que o mal existe. Ao se negar o consequente numa implicação material, nega-se também o antecedente. Por sua vez, C1 é a negação do consequente de P1. Ao negar o consequente, nega-se também o antecedente, o que leva à conclusão: Deus não existe! A forma lógica do argumento é válida, e as premissas são verdadeiras, portanto, a conclusão é necessariamente verdadeira. Porém, como disse anteriormente, existem duras críticas à premissa 5, que é o que iremos analisar adiante.

3. POR QUE DEUS PERMITIRIA O MAL?

As críticas dos teístas concentram-se, sobretudo, na premissa 5: de acordo com eles, não é verdade que se existe um Deus onisciente, onipotente e todo-bondoso, então o mal não existiria. Deus poderia permitir a existência do mal se ele tivesse um propósito maior para o ser humano, por exemplo. Essa objeção, no entanto, só funcionaria se tal propósito não pudesse ser atingido sem que existisse o mal e o sofrimento. Como já foi dito, Deus, mesmo sendo onipotente, não pode fazer coisas logicamente impossíveis. Assim, esse propósito teria que implicar logicamente na existência do mal, ou seja, teria que ser impossível atingir esse propósito sem que o mal exista, além do fato de que um mundo criado por Deus que contenha a existência do mal deve ser melhor que um mundo que não contenha. Apelar  para a existência do Paraíso é inútil, pois como já foi dito, seria possível chegar até ele sem passar por um mundo de sofrimentos, ou simplesmente ser criado diretamente nele. De fato o Paraíso é um propósito maior que este mundo, mas a possibilidade lógica de se poder viver nele sem passar por um mundo de sofrimentos torna o mal uma coisa realmente desnecessária e dispensável. Sem lembrar que nós só precisamos sofrer para chegar ao Paraíso por conta da Queda, que também poderia ter sido evitada, dadas as propriedades do Deus teísta. Sendo assim, neste caso, Deus não teria realmente que permitir a existência do mal.
Outra resposta diz que Deus poderia permitir a existência do mal para que possamos dar valor ao bem. Se o mal não existisse, o bem seria uma coisa sem valor algum. A caridade, a honestidade e todas as boas ações não receberiam o valor que realmente merecem, pois é justamente no contraste com ações más que percebemos a elevação moral de tais ações, assim como a guerra serve para darmos o devido valor à paz. De fato, se não existissem más ações, a caridade e a honestidade seriam coisas tão corriqueiras que não daríamos muita bola quando alguém praticasse tais ações, mas é muito duvidoso que um mundo onde podemos dar o devido valor ao bem seja realmente melhor que um mundo em que não exista nenhum mal. Alguém que sofre de fome e de miséria provavelmente preferiria não sofrer mais de fome a dar o devido valor à caridade. Não sofrer de fome é mais importante que dar valor a certas ações, além do fato de que, se esta pessoa morrer de fome, não terá mais como dar valor a ação alguma. Embora este argumento seja intuitivo no que diz respeito ao valor, não parece que um mundo em que tais coisas e ações recebam seu devido valor seja melhor que um mundo onde não exista sofrimento. Quem está na guerra não está preocupado com o valor da paz, ela só quer sair daquele inferno. Outros tentam argumentar que Deus deve ter uma boa razão para permitir que o mal e o sofrimento existam, mas que não sabemos quais seriam essas razões, ou até que não podemos compreender os “desígnios de Deus”. Isso, obviamente, não é uma objeção à premissa 5. Dizer que Deus tem propósitos desconhecidos e até mesmo incognoscíveis é assumir de antemão que tais propósitos existem, argumentando de forma circular, em vez de enfrentar o problema. Se o que queremos é provar que existe um propósito para que Deus permita a existência do mal, de nada adianta dizer que esse propósito é desconhecido, pois não estaria provado que tal propósito existe.

4. A DEFESA DO LIVRE-ARBÍTRIO

Outra famosa objeção à P5 afirma que a existência do mal é necessária para a existência do livre-arbítrio. Se não existisse um mau “caminho”, apenas um bom “caminho”, nós não teríamos poder de escolha, indo, desta forma, sempre para o bom caminho. Seríamos como robôs programados para sempre fazer o bem. Como não somos robôs, então a possibilidade de usarmos nosso livre-arbítrio para realizar más ações sempre existirá. Desta forma, seria impossível um mundo em que existam pessoas livres, mas que não poderiam realizar más ações. Elas poderiam não realizá-las efetivamente, mas a possibilidade de realizá-las sempre existiria. O argumento prossegue afirmando que não há valor maior que o livre-arbítrio. Entre fazer sempre o bem e ter o poder de escolher entre o bem e o mal, com certeza ter o poder de escolher é o melhor. Deus, mesmo sendo onipotente, não poderia criar um mundo em que pessoas livres não pudessem escolher entre o bem e o mal, até porque isso violaria a própria ideia de livre-arbítrio, e como o poder de escolha é melhor que qualquer outra coisa, Deus teria um bom motivo para permitir que o mal exista, embora todo mal que exista no mundo seja decorrente apenas do mau uso do nosso livre-arbítrio, e nunca responsabilidade direta de Deus. Se existem pessoas que passam fome no Piauí, isso não é culpa de Deus. Ele nos deu o livre-arbítrio, e podemos utilizá-lo para ajudar tais pessoas, ou simplesmente ignorar. Não seria justo que Deus nos tornasse senhor de nossas vidas, e na hora das dificuldades, aparecesse de repente para consertar os erros que são nossos. As crianças do Piauí passam fome porque nós usamos nosso livre-arbítrio e com ele criamos a desigualdade social. Deus não teria nada a ver com isso.

Esse argumento contém alguns defeitos graves. O primeiro é que ele considera que livre-arbítrio é apenas a capacidade de escolher entre o bem e o mal, o que é falso. Se, em vez  de, para cada situação, tivéssemos várias escolhas que são boas, em vez de apenas uma boa e uma má, não diríamos que somos menos livres por isso. Sendo assim, Deus poderia criar um mundo em que só pudéssemos escolher coisas boas e ainda termos livre-arbítrio. Seríamos livres para escolher entre os diversos bons “caminhos” disponíveis. Sendo assim, é falso que a existência do livre-arbítrio implica necessariamente na existência do mal. Em segundo lugar, esse tipo de argumento só daria conta, no máximo, do mal moral, isto é, aquele que é decorrente da ação humana, mas o Paradoxo de Epicuro se refere também ao que se chama de mal natural ou mal físico, como doenças e desastres naturais. Embora seja compreensível que uma parte dos males do mundo seja causada pela ação do homem, isto é, do mau uso do seu livre-arbítrio, outros parecem não ter nenhuma ligação conosco. O que o nosso livre-arbítrio tem a ver com o terremoto de Lisboa? Que más ações existam por conta da existência do livre-arbítrio é algo que faz sentido, mas não faz sentido achar que outros tipos de males também existem por conta dele. Por que, então, Deus permitiria a existência de um vírus mortal? Alguns dirão que o mal natural existe por conta da Queda, que trouxe ao mundo não apenas o mal moral, mas também o mal físico. Neste caso, não poderíamos levantar a mesma objeção levantada no outro argumento, pois aqui a intervenção de Deus seria também uma intervenção no livre-arbítrio. No entanto, não parece haver nenhuma ligação entre a desobediência existente na Queda e a existência do mal físico. Que a existência do livre-arbítrio implique na existência do mal moral, embora seja falso, como já demonstramos, é algo compreensível, mas não é compreensível como nosso livre-arbítrio pode implicar necessariamente na existência do mal físico. Sendo assim, não há razões para crer que P5 é falsa.

Uma outra versão desse mesmo argumento admite que é possível que Deus tivesse criado um mundo em que só pudéssemos fazer escolhas boas e ainda assim termos livre-arbítrio, mas defende que em um mundo como esse, nossas ações não seria moralmente significantes, isso porque alguém que só possa escolher fazer boas ações e nunca realizar uma má ação, não teria realmente nenhum mérito ao fazer alguma coisa boa. Ele foi limitado pelas suas possibilidades de escolhas, que eram poucas. Embora ele fosse realmente livre, sua liberdade não lhe dava a possibilidade de fazer algo que realmente tem valor, que é rejeitar uma má escolha e aceitar uma boa. Sem isso, mesmo que sejamos livres, nossas ações seriam quase que sem sentido ou sem valor. É preciso que exista o mal para que nossas boas ações tenham algum mérito, dando sentido moral para o nosso livre-arbítrio.

Este argumento enfrenta dois problemas. O primeiro é muito parecido com o problema no argumento dos valores das boas ações. É muito duvidoso que um mundo em que ações livres sejam moralmente significantes, mas que existem males e sofrimentos, seja realmente melhor que um mundo em que tais coisas não existem, mas no entanto nossas ações livres não sejam tão significantes. O segundo problema, este muito mais grave, mostra que existe uma clara contradição nesse argumento: ele diz que se não tivéssemos a escolha de fazer más ações, apenas boas ações, então nossas escolhas não teriam valor moral, nem méritos, nem seriam dignas de elogia, afinal de contas, não tivemos que rejeitar o mal e aceitar o bem. Acontece que o mesmo acontece com Deus: ele também não pode escolher fazer uma má ação. Como dissemos no começo do artigo, Deus não pode fazer algo que seja contraditório. Se Deus é perfeitamente bom, então ele não pode realizar nenhuma má ação. Mas se é verdade que nossas ações teriam menos valor se não pudéssemos optar pelo bem e pelo mal, então as ações de  Deus também não têm valor, uma vez que, mesmo sendo livre, ele só pode escolher boas ações. Isso mostra que é falso que uma ação livre é moralmente mais significante se fosse o caso de ter-se escolhido fazer o mal. Deus não pode realizar más ações e, no entanto suas ações são as que possuem maior valor moral possível.

5. UMA OBJEÇÃO NÃO-TEÍSTA

Vimos que provar que P5 é falsa fracassa em todas as suas tentativas. Para não assumir a verdade da conclusão de que Deus não existe, resta tentar provar que a premissa falsa é outra. Essa seria a estratégia dos deístas ou dos panteístas, para quem a premissa falsa é P1: deístas e panteístas negam que a existência de Deus implica que ele seja onipotente, onisciente e todo-bondoso. Assim, eles aceitam a conclusão 1 (C1) que afirma que Deus não é onisciente, onipotente e todo-bondoso, ou seja, ele não pode ter essas três propriedades, mas pode ter duas, uma ou nenhuma delas. Desta forma, se é falso que Deus possui esse conjunto de três propriedades, então a conclusão 2 (C2) que afirma que Deus não existe não se sustenta mais.

Sendo assim, qual propriedade Deus não teria? Parece um consenso que um ser que não seja onipotente e onisciente não poderia ser um Deus, caso contrário, ele não teria poder suficiente para criar o universo do nada, nem sabedoria suficiente para ajustar as variáveis físicas de maneira ideal a fim de criar um universo ordenável, portanto, parece que Deus precisa ser onipotente e onisciente. No entanto, parece que nada implique que ele precise ser todo-bondoso ou moralmente perfeito, portanto, deístas e panteístas geralmente negam que Deus tenha essa propriedade. Em outras palavras, o Paradoxo de Epicuro só provaria que Deus não pode ser todo-bondoso, mas não que ele não existe.

Essa objeção refutaria o Paradoxo de Epicuro, mas não numa visão de mundo teísta, que exige a existência de um Deus todo-bondoso e moralmente perfeito. Sem essa propriedade, muitas das crenças religiosas não se sustentariam. Se Deus não é todo-bondoso, ele não teria razão alguma para interferir na vida e no mundo, o que é coerente com a visão deísta de Deus, mas não com a visão teísta e religiosa.  A crença de que Deus se revelou nas Sagradas Escrituras, de que fez ou faz milagres, que enviou seu filho para morrer por nossos pecados, que recompensará os bons e punirá os maus e que existe um Paraíso se tornará totalmente infundada. A maioria das crenças religiosas se fundamenta na crença de que Deus é todo-bondoso, e sem isso a religião não faz sentido.

6. CONCLUSÃO

Como vimos, o Paradoxo de Epicuro é um problema grave para as crenças teístas. A existência de um Deus todo-poderoso, onisciente e todo-bondoso é contraditória com a existência do mal. Para tentar provar que isso é falso, é preciso mostrar que um mundo em que o mal existe é melhor que um mundo em que ele não exista, e os argumentos mais comuns, e talvez os mais fortes, são aqueles que apelam para o livre-arbítrio, mostrando que, com ele o mal é inevitável, e sem ele, perderíamos aquele que é o maior de todos os nossos bens, sendo, portanto, um mundo pior que um mundo onde o mal não exista. Acontece que esse contra-argumento não se sustenta porque é possível ter livre-arbítrio em um mundo onde só possamos escolher coisas boas, além de não ser evidentemente verdade que um mundo assim não seria melhor que um mundo onde o mal não existe. Além do fato de não conseguir explicar a existência do mal físico, que não é de nossa responsabilidade e não tem nada a ver com o nosso livre-arbítrio.

A melhor resposta, como vimos, seria a dos deístas e panteístas, que negam que Deus seja todo-bondoso, mas um teísta religioso jamais poderia aceitar isso, pois sem a bondade de Deus, grande parte de suas crenças religiosas não teriam fundamento e seriam sem sentido. Os teístas poderiam argumentar contra os deístas e panteístas que Deus é sim um ser todo-bondoso, o que acredito que podem fazer, mas isso jogaria toda e qualquer concepção de Deus nos braços do Paradoxo de Epicuro, fazendo, na verdade, um favor para o ateísmo.

NOTA:

1. Para quem não é muito familiarizado com lógica formal, o argumento pode parecer meio confuso e até inválido, mas ele não é. A conclusão 1 (abreviada como C1) foi inferida de forma válida de duas premissas, a saber: P5 e P6:
  • Se Deus é onisciente, onipotente e todo-bondoso, então o mal e o sofrimento não deveria existir.
  • O mal e o sofrimento existem.
  • Logo, Deus não é onisciente, onipotente e todo-bondoso
  • Da mesma forma, esta conclusão foi utilizada como premissa de um novo argumento, cuja conclusão é "Deus não existe", usando P1 como premissa:
  • Se Deus existe, então ele é onisciente, onipotente e todo-bondoso.
  • Deus não é onisciente, onipotente e todo-bondoso [conclusão 1]
  • Logo, Deus não existe.

(Video) God and the Problem of Evil: David Wood vs John W. Loftus / Deus e o Problema do Mal: David Wood vs John W. Loftus

"Será que Judas Iscariotes existiu? / "Did Judas Iscariot Exist?" Bispo John Shelby Spong


Alguns cristãos pensam que John Shelby Spong não vale a pena ler, mas se William Lane Craig pode debater com ele, então ele é digno de ler.

Eu acho que o problema com a maioria dos cristãos sobre Spong é que eles se perguntam como alguém como ele pode continuar a acreditar mesmo que ele desmascare os fundamentos da sua fé evangélica, e eu concordo com eles sobre isso. 

Mas ele apresenta os resultados de estudos sobre as questões que nos dividem muito bem.
Eu recomendo seus escritos. Vejam por si mesmos. 
Aqui está um trecho de seu livro Os Pecados da Escritura:

"O papel de Judas Iscariotes. Eu sou suspeito da historicidade de Judas Iscariotes e de seu papel na história cristã, como o traidor. Essa suspeita foi criada por cinco, fatos bem documentados facilmente identificáveis. Primeiro lugar, uma leitura cuidadosa do Novo Testamento revela a memória não suprimida de um homem chamado Judas, no círculo íntimo dos discípulos de Jesus, que não era mau e que não foi um traidor. No quarto Evangelho John refere-se a um discípulo chamado Judas, que não é o Iscariotes (14:22).

Lucas, em sua lista dos nomes de doze discípulos, além de Iscariotes, outro discípulo chamado Judas, identificado apenas como o irmão de Tiago (6:16). Este substitui Judas Tadeu na lista recontada por Mark (3:14-19) e Mateus (10:2-4). Além disso, há uma epístola que leva o nome de Judas, que foi incluído pelos cristãos no Novo Testamento. O autor deste livro é identificado como Jude, que é simplesmente uma outra variação do nome Judas, e ele é chamado na epístola que "um servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago" (Jd 1:1). Há claramente uma memória cristã primitiva de um Judas fiel no círculo interno do movimento cristão. 

A segunda fonte de minha suspeita vem do fato de que o ato de traição por um membro dos doze discípulos não é encontrado nos primeiros escritos cristãos . Judas é colocado pela primeira vez na história cristã por Mark (3:19), que escreveu nos primeiros anos da oitava década da Era Comum. Antes desse tempo, temos todo o corpus paulino, que foi escrito entre os anos 50 e 64 CE. Também pode ter o que os estudiosos chamam de Q (ou Quelle, ou seja, "fonte") do documento, que muitos acreditam ser uma perdida "ditos evangelho" que tanto Mateus e Lucas dizem ter incorporado em suas narrativas como um complemento à sua usar de Marcos.

Porque ainda temos Mark, podemos facilmente mostrar que Mateus e Lucas copiou alguns dos conteúdos de Marcos quase literalmente em seus evangelhos. Mas quando todo este material Marcano é retirado de Mateus e Lucas, estes dois escritores do evangelho ainda tem material tão idênticas que ele tem que ter tido uma origem comum. Esse material compartilhado tem levado muitos à suposição de que tanto Mateus e Lucas tiveram uma segunda fonte de escrita diferente do Marcos, uma fonte que já está perdida. Quando estas passagens idênticas ou quase idênticas são retiradas de Mateus e Lucas e estudados separadamente, eles parecem ser em grande parte uma coleção de ditos de Jesus. Assim Q é assumido como sendo uma coleção inicial de palavras de Jesus. Alguns estudiosos datam esse material Q no início dos anos 50. Se isso é preciso, então esta é a segunda maior fonte pregospel que deve ser examinado. " Começando Paulo, descobrimos que o conceito de traição antes da crucificação entre os escritos de Paulo apenas como um dispositivo de namoro, sem conteúdo algum.

Dirigindo uma carta aos Coríntios, em meados da década de 50, Paulo diz: "Porque eu recebi do Senhor o que também vos transmiti, que o Senhor Jesus Cristo na noite em que foi 'traído', tomou o pão e, quando ele tinha dado graças, partiu-o e disse: 'Este é o meu corpo que é dado por vós.' "(1 Cor 11. :23-24). intenção de Paulo aqui foi simplesmente contar a história da inauguração da Última Ceia. No entanto, ao fazer isso ele usou uma palavra que os tradutores ingleses no século XVII disse significa "traído". Na citação acima Pauline, eu coloquei 'traído' em uma única citação, porque esta palavra significa literalmente "entregue", o que faz não projetar o mesmo significado que vem à mente quando ouvimos a palavra traído. Vale ressaltar que, em toda a sua escrita corpus Paulo dá nenhuma evidência de que ele estava ciente de uma traição que ocorreu na mão de um dos doze discípulos, mas os tradutores ingleses conheciam as histórias do evangelho mais tarde, e por isso eles colocaram esse significado em sua interpretação dessa palavra. Era mais um dos muitos exemplos em que os cristãos posteriores eram culpados de ler Paul através dos olhos das narrativas evangélicas. 

Precisamos lembre-se que Paul havia morrido antes do primeiro evangelho foi escrito. Embora neste texto em particular Paul não descarta a possibilidade de traição, ele parece fazê-lo apenas quatro capítulos mais tarde. Em 1 Coríntios 15:1-6, Paulo uma vez novamente declara que ele está passando para seus leitores as tradições sagradas que ele recebeu. Então, ele dá a simples esboço para os detalhes dos eventos finais da vida de Jesus. Ele diz que "Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras , e que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e que apareceu a Cefas [Pedro] 'e depois aos doze ". "Ele apareceu para ... os doze "Judas ainda estava entre eles quando a Páscoa ocorreu:.! que é o testemunho de Paul Quando Matthew relacionado a primeira história bíblica de Cristo ressuscitado aparece aos discípulos em uma montanha na Galiléia (Mt 28:16-20), afirmou que era apenas aos "onze" que Cristo apareceu.

Algum tempo entre quando Paulo escreveu 1 Coríntios (ca. meados dos anos 50 dC) e quando Mateus escreveu este relato de uma aparência ressurreição (ca. 82-85 dC), a história de Judas como um traidor parece ter entrado na história cristã. Paul não sabia sobre esta tradição. Seus escritos em 1 Coríntios fazer isso perfeitamente claro. Quando nos voltamos para a fonte Q, descobrimos que é nesse comum e, presumivelmente, mais cedo , tradição que tanto Mateus e Lucas Citação Jesus dizendo aos discípulos, com Judas presente "Na renovação de todas as coisas, quando o Filho do Homem se sentar no seu trono de glória, vós, que me seguistes, também vai sentar-se no doze tronos para julgar as doze tribos de Israel Você é daqueles que me apoiou nas minhas provações "(Mt 19:28) Lucas tem este texto lido,.", e eu confiro em você, assim como meu pai tem conferido me, um reino, de modo que você pode comer e beber à minha mesa no meu reino, e você vai sentar-se em tronos para julgar as doze tribos de lsrael "(Lucas 22:28-30). A suposição aqui é que, entre os doze discípulos que irá julgar as doze tribos de Israel, Judas está incluído. Os editores parecem esquecer que um dos doze será julgado indigno.

O material Q, se ele era de fato uma fonte separada e anterior, parece ter sido recolhido antes da história de Judas, o traidor entrou na tradição, e ambos Mateus e Lucas não conseguiu fazer a sua origem totalmente em conformidade com a tradição de mudança que agora incluiu a história de um traidor entre os doze. Isso é uma evidência adicional de que a história da traição de Jesus por um dos doze, chamado Judas, não era uma peça original da narrativa cristã. Foi adicionado mais tarde, o que naturalmente levanta a questão de quando e por que ele foi adicionado. A terceira razão pela qual eu sou suspeito sobre a historicidade da traição história é a forma como a conta de Judas tão obviamente cresce, uma vez que foi introduzido por Mark, em algum lugar entre 70 e 75 CE. Mark tem Judas ir aos principais sacerdotes para trair Jesus. Eles "promessa de lhe dar dinheiro", mas nenhuma quantidade é indicado, e "ele buscou como ele poderia traí-lo convenientemente" (Marcos 14:10-11, NVI). 

Na versão de Marcos da Última Ceia, Jesus identifica o traidor como "um dos doze, aquele que está mergulhando pão no tigela comigo "(14:20, NVI). Mark então, o ato de traição acontecem à meia-noite no Jardim do Getsêmani com um beijo (14:44-45). Essa é a última vez que vemos Judas no evangelho de Marcos . Mateus, escrevendo cerca de uma década depois de Mark, baseia-se em dados escassos de Mark. Em sua história de crescimento Mateus acrescenta ao preço pago pela traição. Foi, diz ele, trinta moedas de prata (26:15). Mateus introduz também o diálogo entre Judas e Jesus no momento da traição que Marcos não menciona (26:25). Os discípulos, Mateus nos diz, resistiu aqueles que levaria Jesus após essa traição, mas Jesus os repreendeu (26:51-54). Matthew então conta a história de Judas se arrepender e tentar devolver o dinheiro de sangue. Os líderes do templo recusou-se a receber o dinheiro de volta, assim que Judas lançou-a no templo e, de acordo com Matthew começou a enforcar. Matthew então diz-nos que os principais sacerdotes usado o dinheiro para comprar um campo de oleiro em que estranhos poderia ser enterrado (27:3-10).

Isso é o fim do Judas para Matthew. Lucas, escrevendo cerca de cinco a dez anos depois de Mateus, retrata os principais sacerdotes e escribas tão agressivamente buscando para impor as mãos sobre Jesus, mas sendo contido pelo medo da sua popularidade com o povo. Então eles mandaram espiões fingindo ser mensageiros justos tentando capturá-lo (Lucas 20:19-20). Judas, como traidor, é introduzido contra esta fundo. Lucas explica traição de Judas, dizendo que "Satanás entrou [ele)" (22:03) e levou a chegar a um acordo com os principais sacerdotes e diretores. Finalmente, o que foi que Judas traiu realmente é introduzido em Lucas para pela primeira vez: Judas era levá-los a Jesus para além da multidão (22:06) Esta é uma explicação bastante fraca Certamente as autoridades poderiam ter seguido Jesus durante a noite e descobriram onde ele dormia além da multidão Ele era facilmente... identificado, depois de tudo. Quando foi preso, ele lembrou a seus acusadores que ele tinha sido diariamente ensinando no templo (22:53). Vale a pena notar que o que Judas realmente fez por eles poderia ter sido realizado sem a sua ajuda. Assim, tem a sensação de uma história fabricada. Há Judas sai do evangelho de Lucas.

Entretanto, no livro de Atos, Lucas acrescenta, em um discurso proferido por Pedro para os discípulos, que era Judas, em vez de as autoridades judaicas que utilizaram a recompensa da iniquidade . comprar um campo Quando inspecionar aquele campo Judas caiu "de cabeça", diz Lucas, ". ele se abriu no meio e todas as suas entranhas se derramaram" (Atos 1:16-18) Era uma maneira um pouco mais bruto de morrer do que simplesmente por enforcamento e muito especificamente contradiz a conta de suspensão. Ambas as situações podem levar a morte, mas um de intestino não brotar quando se está pendurado pelo pescoço. A história, obviamente, ainda estava crescendo. John pinta Judas com uma escova ainda mais sinistro. Judas era realmente um ladrão, ele diz (12:06). Ele foi preenchido por um espírito satânico (13:27). Não há Última Ceia em João, mas, após a cerimônia do lava-pés, que é substituído por ele, João descreve uma discussão que teve lugar em que Jesus identificou o traidor como "aquele que comia do meu pão" (13:18). 

Os discípulos perguntou e olhou para o outro. O discípulo amado, em seguida, perguntou a Jesus muito especificamente o "quem" a questão, e Jesus respondeu: "Aquele a quem eu der o pedaço de pão quando eu mergulhei no prato" (João 13:26, NVI). seguida, mergulhar o pão no abastecimento alimentar comum, ele entregou a Judas e disse: "Faça rapidamente o que você vai fazer" (João 13:27, NVI) Judas, em seguida, saiu da sala superior, e como ele fez, João comenta: "Era noite" (13: 30).. após a última Ceia foi concluído, Judas chegou ao jardim do Getsêmani, no lugar onde Jesus estava orando, acompanhado por um grupo de soldados da parte dos principais sacerdotes, e o ato traiçoeiro foi realizado (18:2-9). Peter lutou com uma espada João diz, cortando a orelha do servo do sumo sacerdote (João 18:10-11). Essa foi a última aparição de Judas na tradição gospel.As distinções são fascinantes! Claramente, a história foi evoluindo, os detalhes fornecidos como cada fase da narrativa entrou na tradição.

Toda a história de Judas tem a sensação de ser artificial. Minhas suspeitas não são aliviados pelos detalhes. A quarta razão para a minha suspeita é que a história do ato de traição é definido de forma bastante dramática no meia-noite. Ele é apenas um detalhe muito legal ter o que os evangelistas acreditavam que era a ação mais negro da história humana ocorrer no momento mais escuro da noite. que mais parece um drama litúrgico do que um fato da história. Meu quinto e última fonte de suspeita é o nome do próprio traidor. Judas nada mais é que a ortografia grega de Judá. o nome do traidor é o próprio nome da nação judaica. 

Os líderes do partido ortodoxo dessa nação, que definiu o culto dos judeus, estavam no momento em que os evangelhos foram escritos cada vez mais o inimigo do movimento cristão. Ele é simplesmente muito conveniente para colocar a culpa pela morte de Jesus em todo o judaísmo ortodoxo, ligando o traidor pelo nome de toda a nação de os judeus. Quando esse fato é combinada com uma tentativa específica para exonerar os romanos por retratar Pilatos lavando as mãos e dizendo: "Eu sou inocente dessa [apenas] o sangue do homem", então vemos a mudança de culpa. Ele simplesmente parece composta. Os romanos mataram Jesus, mas pela oitava década da era cristã, quando a história de Jesus estava sendo escrito, algo que obrigou os escritores do evangelho para exonerar o procurador romano, Pilatos, e culpar os judeus. Foi quando Judas o traidor, identificado como um dos doze, entrou na tradição. Essa identificação selou o destino dos judeus como o objeto perene de um cristão anti-semitismo violento e perseguidor.