segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

De um Deus Nacional e Vingativo para um Deus Universal e Pacífico: A Evolução do Conceito de Deus Entre os Hebreus


Ao Conceber a Deidade, o homem primeiro inclui todos os deuses, em seguida ele subordina todos os deuses estrangeiros à sua deidade tribal, e finalmente elimina todos, exceto aquele Deus de valor supremo e final. Os judeus sintetizaram todos os deuses no seu conceito mais sublime do Senhor Deus de Israel. Do mesmo modo, os indianos combinaram as suas deidades múltiplas “em uma espiritualidade única dos deuses”, retratada no Rig-Veda, ao passo que os mesopotâmios reduziram os seus deuses ao conceito mais centralizado de Bel-Marduk. Essas idéias do monoteísmo amadureceram em todo o mundo, não muito depois do aparecimento de Maquiventa Melquisedeque em Salém, na Palestina. Todavia, o conceito da Deidade, feito por Melquisedeque, era diferente daquele conceito tecido por inclusão, por subordinação e por exclusão, da filosofia evolucionária; era baseado exclusivamente no poder criador, e logo influenciou os conceitos mais elevados de deidade da Mesopotâmia, da Índia e do Egito.
A religião de Salém foi reverenciada como uma tradição pelos quenitas e por várias outras tribos de cananeus. E este foi um dos intuitos da encarnação de Melquisedeque: que a religião de um só Deus fosse cultivada, como preparação para o caminho da auto-outorga, na Terra, de um Filho daquele Deus único.
A religião de Salém sobreviveu como uma crença entre os quenitas, na Palestina, e essa religião, do modo como foi posteriormente adotada pelos hebreus, foi influenciada inicialmente pelos ensinamentos morais egípcios; mais tarde, pelo pensamento teológico da Babilônia; e, finalmente, pelas concepções iranianas do bem e do mal. De fato, a religião dos hebreus fundamenta-se na aliança entre Abraão e Maquiventa Melquisedeque, mas, sendo evolucionária, ela cresceu de muitas circunstâncias devidas a situações singulares, e, culturalmente, apropriou-se livremente das religiões, da moralidade e da filosofia de todo o Levante. É por intermédio da religião dos hebreus que grande parte da moralidade e do pensamento religioso do Egito, da Mesopotâmia e do Irã foi transmitida aos povos ocidentais.

1. Os Conceitos da Deidade Entre os Semitas

Os semitas, nos seus primórdios, consideravam tudo como sendo residido por um espírito. Havia espíritos do mundo animal e do mundo vegetal; o espírito anual, o senhor da progênie; espíritos do fogo, da água e do ar; um verdadeiro panteão de espíritos a serem temidos e adorados. E os ensinamentos de Melquisedeque a respeito de um Criador Universal nunca destruíram completamente a crença nesses espíritos subalternos, ou deuses da natureza.
O progresso que os hebreus fizeram desde o politeísmo, passando pelo henoteísmo, até o monoteísmo, não foi um desenvolvimento ininterrupto e contínuo de conceitos. Eles experimentaram muitos retrocessos na evolução dos seus conceitos da Deidade, enquanto, em uma mesma época, havia idéias sobre Deus que variavam entre os grupos diferentes de crentes semitas. De tempos em tempos, numerosos termos foram usados na sua conceituação de Deus e, com o intuito de impedir a confusão, esses vários títulos dados à Deidade serão definidos do modo como dizem respeito à evolução da teologia judaica:
1. Yavé era o deus das tribos da Palestina do sul, as quais associavam esse conceito de deidade com o monte Horeb, o vulcão de Sinai. Yavé era meramente um, entre as centenas e milhares de deuses da natureza que atraíam a atenção e clamavam a adoração das tribos e dos povos semitas.
2. El Elyon. Durante séculos, depois da passagem de Melquisedeque por Salém, a sua doutrina da Deidade sobreviveu sob várias versões, mas era geralmente indicada pelo termo El Elyon, o Deus Altíssimo dos céus. Muitos semitas, incluindo os descendentes imediatos de Abraão, por várias vezes adoraram a ambos, a Yavé e a El Elyon.
3. El Shadai. É difícil explicar o que El Shadai representava. Essa idéia de Deus era um composto derivado dos ensinamentos do Livro da Sabedoria de Amenemope, modificado pela doutrina de Aton, feita por Iknaton, e influenciado, posteriormente, pelos ensinamentos de Melquisedeque incorporados ao conceito de El Elyon. À medida, porém, que o conceito de El Shadai impregnou a mente dos hebreus, ele coloriu-se totalmente pelas crenças no Yavé do deserto.
Uma das idéias dominantes da religião dessa época foi o conceito egípcio da Providência divina, o ensinamento de que a prosperidade material era uma recompensa dada por servir a El Shadai.
4. El. Em meio a toda essa confusão, na terminologia, e à imprecisão de conceito, muitos crentes fervorosos esforçaram-se sinceramente para adorar a todas essas idéias em evolução da divindade, e adveio a prática de referir-se a essa Deidade composta como sendo El. E esse termo incluía, ainda, outros dos deuses beduínos da natureza.
5. Eloim. Em Kish e em Ur, durante muito tempo, perduraram grupos de sumérios-caldeus que ensinavam um conceito de um Deus três-em-um, fundamentado nas tradições dos dias de Adão e de Melquisedeque. Essa doutrina foi levada para o Egito, onde essa Trindade foi adorada sob o nome de Eloim, ou, no singular, como Eloá. Os círculos filosóficos do Egito e, mais tarde, dos professores alexandrinos, de extração hebraica, ensinaram essa unidade de Deuses pluralísticos; e muitos dos conselheiros de Moisés, na época do êxodo, acreditavam nessa Trindade. Contudo, o conceito do Eloim trinitário só tornou-se realmente parte da teologia dos hebreus depois que eles passaram para a influência política dos babilônios.
6. Vários nomes. Os semitas não gostavam de falar o nome da sua Deidade, e, por isso, eles recorriam a numerosos nomes, que variavam de tempos em tempos, tais como: O Espírito de Deus, O Senhor, O Anjo do Senhor, O Todo-Poderoso, O Santo, O Mais Alto, Adonai, O Ancião dos Dias, O Senhor Deus de Israel, O Criador do Céu e da Terra, Kírios, Jah, O Senhor das Hostes e O Pai do Céu.
Jeová é um termo que, em épocas mais recentes, tem sido usado para designar o conceito finalmente evoluído e concluído de Yavé, depois da longa experiência dos hebreus. Todavia, o nome Jeová não veio a ser usado senão depois de mil e quinhentos anos da época de Jesus.
Até por volta do ano 2000 a.C., o monte Sinai foi ativo intermitentemente como vulcão; as mais recentes erupções ocasionais ocorreram na época dos israelitas nessa região. O fogo e a fumaça, junto com as explosões estrondosas e as erupções dessa montanha vulcânica, imprimiam medo aos beduínos das regiões vizinhas e levavam-nos a ter um grande temor de Yavé. Esse espírito do monte Horeb, mais tarde, tornou-se o deus dos semitas hebreus, e eles finalmente acreditaram ser ele o supremo entre todos os outros deuses.
Os cananeus haviam já, desde muito tempo, reverenciado Yavé, e, embora muitos dos quenitas acreditassem de um certo modo em El Elyon, o superdeus da religião de Salém, a maioria dos cananeus mantinha-se vagamente na adoração das deidades tribais antigas. Dificilmente estavam dispostos a abandonar as suas deidades nacionais, em favor de um deus internacional, para não dizer, interplanetário. Eles não tinham a mentalidade aberta para uma deidade universal e, por isso, essas tribos continuaram a adorar as suas deidades tribais, incluindo Yavé e os bezerros de prata e ouro, que simbolizavam o conceito do espírito do vulcão do Sinai dos pastores beduínos.
Os sírios, ainda que adorando os seus deuses, também acreditavam no Yavé dos hebreus, pois os seus profetas disseram ao rei sírio: “Os seus deuses são deuses das montanhas; por isso, eles eram mais fortes do que nós; mas lutemos contra eles nas planícies, e certamente seremos mais fortes do que eles”.
À medida que o homem progride na cultura, os deuses menores são submetidos a uma deidade suprema; o grande Júpiter persiste apenas como uma exclamação. Os monoteístas mantêm os seus deuses subordinados como espíritos, demônios, fados, nereidas, fadas, duendes, gnomos e o mau-olhado. Os hebreus passaram pelo henoteísmo e, durante muito tempo, acreditaram na existência de outros deuses além de Yavé, mas sustentavam cada vez mais que essas deidades estrangeiras estavam todas subordinadas a Yavé. Eles admitiam a existência de Chemosh, deus dos amoritas, mas sustentavam que ele era subordinado a Yavé.
A idéia de Yavé submeteu-se ao desenvolvimento mais profundo de todas as teorias mortais de Deus. A sua evolução progressiva pode apenas ser comparada à metamorfose do conceito de Buda na Ásia, que no final leva ao conceito do Absoluto Universal, do mesmo modo que o conceito de Yavé finalmente leva à idéia do Pai Universal. Todavia, por uma questão histórica, deve ser entendido que, enquanto os judeus mudavam, assim, a sua visão da Deidade, do deus tribal do monte Horeb, para o Pai Criador cheio de amor e misericórdia dos tempos mais recentes, eles não mudaram o seu nome; eles continuaram todo o tempo a chamar, a esse conceito da Deidade assim em evolução, de Yavé.

2. Os Povos Semíticos

Os semitas do leste eram cavaleiros bem organizados e bem dirigidos que invadiram as regiões orientais do crescente fértil e ali se uniram aos babilônios. Os caldeus, de perto de Ur, estavam entre os mais avançados dos semitas orientais. Os fenícios eram um grupo superior e bem organizado de semitas miscigenados que ocupava o setor oeste da Palestina, ao longo da costa do Mediterrâneo. Racialmente, os semitas estavam entre os mais misturados dos povos de Urântia, contendo fatores hereditários de quase todas as nove raças do mundo.
Por várias vezes, os semitas árabes guerrearam para abrir o seu caminho até o norte da Terra Prometida, a terra em que “fluíam o leite e o mel”, mas, todas as vezes, foram expelidos pelos mais bem organizados e mais altamente civilizados semitas do norte e pelos hititas. Mais tarde, durante um período inusitadamente severo de fome, esses beduínos errantes entraram no Egito em grandes números, como trabalhadores contratados nas obras públicas egípcias, apenas para se verem submetidos à amarga experiência de escravização em uma pesada lida diária de trabalhadores comuns e explorados do vale do Nilo.
Apenas depois dos dias de Maquiventa Melquisedeque e de Abraão é que algumas tribos de semitas, por causa das suas crenças religiosas peculiares, foram chamadas de filhos de Israel e, mais tarde, de hebreus, judeus, e de o “povo escolhido”. Abraão não foi o pai racial de todos os hebreus; ele não era nem mesmo o progenitor de todos os semitas beduínos que foram mantidos presos no Egito. É bem verdade, a sua progênie, vinda do Egito, formou o núcleo do povo que mais tarde seria o dos judeus, mas a grande maioria dos homens e mulheres que se incorporara aos clãs de Israel nunca havia vivido no Egito. Eles eram meramente companheiros nômades que escolheram seguir a liderança de Moisés quando os filhos de Abraão e os seus parceiros semitas do Egito viajaram, cruzando o norte da Arábia.
O ensinamento de Melquisedeque a respeito de El Elyon, o Altíssimo, e a aliança de favor divino por intermédio da fé haviam sido totalmente esquecidos na época da escravização, no Egito, dos povos semitas, os quais, em breve, iriam formar a nação dos hebreus. No entanto, durante esse período de cativeiro, esses nômades da Arábia continuaram a apegar-se à sua crença tradicional em Yavé, como a sua deidade racial.
Yavé era adorado por mais de cem tribos árabes diferentes e, exceto pelo vestígio do conceito de El Elyon, de Melquisedeque, que persistiu entre as classes mais educadas do Egito, incluindo as de sangue hebreu misturado e as egípcias, a religião da massa dos hebreus escravizados era uma versão modificada do velho ritual de Yavé, com magia e sacrifícios.

3. O Incomparável Moisés

O alvorecer da evolução dos conceitos e dos ideais hebraicos, de um Criador Supremo, data da partida dos semitas do Egito, com Moisés, o seu grande líder, instrutor e organizador. Sua mãe era da família real do Egito e seu pai era um oficial semita de ligação entre o governo e os beduínos no cativeiro. Moisés possuía, portanto, as qualidades que derivavam de fontes raciais superiores; a sua ascendência era tão altamente miscigenada, que é impossível classificá-lo em qualquer grupo racial. Não houvesse ele vindo desse tipo misturado, não iria nunca ter dado mostras daquela versatilidade e adaptabilidade inusitadas que o tornaram capaz de administrar a horda diversificada que finalmente acabou interligada a esses beduínos semitas que fugiram do Egito para o deserto da Arábia sob a sua liderança.
A despeito da sedução da cultura do reino do Nilo, Moisés escolheu participar da sorte do povo do seu pai. Na época, esse grande organizador estava formulando os seus planos para a libertação final do povo do seu pai. Os beduínos no cativeiro dificilmente tinham uma religião digna do nome; estavam virtualmente sem um conceito verdadeiro de Deus e sem esperanças no mundo.
Nenhum líder jamais tomou a si a tarefa de reformar e de elevar um grupo de seres humanos tão desamparado, tão deprimido e desencorajado, e tão ignorante. Esses escravos, porém, tinham possibilidades latentes de desenvolvimento nas suas linhagens hereditárias, e havia um número suficiente de líderes instruídos que haviam sido treinados por Moisés, como preparação para o dia da revolta e da mobilização pela liberdade, para constituir um corpo de organizadores eficazes. Esses homens superiores haviam sido empregados como supervisores nativos do seu povo; haviam recebido alguma instrução por causa da influência de Moisés junto aos governantes egípcios.
Moisés esforçou-se para negociar diplomaticamente a liberdade dos seus companheiros semitas. Ele e o seu irmão entraram em um pacto com o rei do Egito, por meio do qual a eles seria dada a permissão de deixar pacificamente o vale do Nilo, pelo deserto da Arábia. Eles estavam para receber um pagamento modesto, em dinheiro e em mercadorias, pela sua longa jornada de serviço no Egito. Os hebreus, por sua vez, entraram em um acordo de manter relações amistosas com os Faraós e de não se juntar a nenhuma aliança contra o Egito. Todavia, posteriormente, o rei julgou adequado repudiar esse tratado, dando como motivo a desculpa de que os seus espiões haviam descoberto deslealdades entre os escravos beduínos. Assim, alegou que os judeus buscavam a liberdade com o propósito de ir para o deserto e de organizar os nômades contra o Egito.
Moisés, entretanto, não se desencorajou; esperou a sua hora e, em menos de um ano, quando as forças militares egípcias estavam totalmente ocupadas em resistir aos assaltos simultâneos de um forte ímpeto líbio ao sul e de uma invasão naval grega ao norte, esse intrépido organizador conduziu os seus compatriotas para fora do Egito, em uma fuga noturna espetacular. Essa evasão para a liberdade foi cuidadosamente planejada e habilmente executada. E eles tiveram êxito, não obstante houvessem sido calorosamente perseguidos pelo Faraó e um pequeno corpo de egípcios, que se dispersaram todos diante da defesa dos fugitivos, abandonando muitas pilhagens, as quais foram aumentadas ainda pelos saques que essas hordas de escravos fizeram ao escapar na marcha para o seu lar desértico ancestral.

4. A Proclamação de Yavé

A evolução e a elevação dos ensinamentos mosaicos têm influenciado quase metade de todo o mundo e ainda influenciam, mesmo no século vinte. Se bem que Moisés haja compreendido a filosofia religiosa mais avançada dos egípcios, os escravos beduínos pouco sabiam sobre tais ensinamentos, mas eles nunca haviam esquecido totalmente o deus do monte Horeb, a quem os seus ancestrais denominavam Yavé.
Moisés ouvira falar sobre os ensinamentos de Maquiventa Melquisedeque, tanto do seu pai quanto da sua mãe; sendo que a comunhão de crença religiosa entre eles havia sido a explicação para uma união tão inusitada entre uma mulher de sangue real e um homem cuja raça estava no cativeiro. O sogro de Moisés era um quenita adorador de El Elyon, mas os pais do emancipador eram crentes de El Shadai. Moisés foi, assim, educado como um el-shadaísta; mediante a influência do seu sogro tornou-se um el-elionista e, na época do acampamento hebreu no monte Sinai, depois da retirada do Egito, formulou um conceito novo e ampliado da Deidade (derivado de todas as suas crenças anteriores), que ele sabiamente decidira proclamar ao seu povo, como sendo um conceito expandido do seu velho deus tribal, Yavé.
Moisés havia-se esforçado para ensinar a esses beduínos a idéia de El Elyon, mas, antes de deixar o Egito, ele estava convencido de que nunca iriam compreender totalmente essa doutrina. E, assim, deliberadamente, ele assumiu o compromisso de adotar o deus tribal do deserto como o único deus dos seus seguidores. Moisés não ensinou especificamente que outros povos e nações não poderiam ter outros deuses, mas sustentou absolutamente que Yavé estava sobre todos e acima de todos, especialmente para os hebreus. Contudo, ele sempre viveu importunado pela situação desajeitada de tentar apresentar a sua idéia nova e mais elevada da Deidade, a esses escravos ignorantes, sob o disfarce do antigo termo Yavé, que havia sido sempre simbolizado pelo bezerro de ouro das tribos beduínas.
O fato de que Yavé fosse o deus dos hebreus em fuga explica por que eles permaneceram tanto tempo diante da montanha sagrada do Sinai, e por que ali eles receberam os Dez Mandamentos, que Moisés promulgou em nome de Yavé, o deus do Horeb. Durante essa longa permanência diante do Sinai, os cerimoniais religiosos dessa adoração dos hebreus, de evolução tão recente, ficaram ainda mais aperfeiçoados.
Não parece que Moisés chegaria a ter êxito no estabelecimento do seu cerimonial, de um certo modo avançado, de adoração, nem em manter o grupo dos seus seguidores intacto por um quarto de século, não fora pela erupção violenta do Horeb, durante a terceira semana da permanência deles, em adoração, na sua base. “A montanha de Yavé foi consumida em fogo, a fumaça subiu como se fosse de um forno e toda a montanha tremeu muito”. Em vista desse cataclismo, não é surpreendente que Moisés pudesse ter imprimido aos seus irmãos o ensinamento de que o Deus deles era “poderoso e terrível, um fogo devorador, temível e Todo-Poderoso”.
Moisés proclamou que Yavé era o Senhor Deus de Israel, que havia escolhido os hebreus como o seu povo escolhido; ele estava construindo uma nova nação e, sabiamente, nacionalizava os seus ensinamentos religiosos, dizendo aos seus seguidores que Yavé era um duro mestre de obras, um “Deus ciumento”. No entanto ele procurou ampliar o seu conceito da divindade quando lhes ensinou que Yavé era o “Deus dos espíritos de toda a carne” e quando disse: “O Deus eterno é o vosso refúgio e ele tem os seus braços eternos por debaixo de vós”. Moisés ensinou que Yavé era um Deus que manteria a sua aliança; que ele “não vos abandonará, nem vos destruirá, nem esquecerá a aliança dos vossos pais, porque o Senhor vos ama e não esquecerá o juramento que fez aos vossos pais”.
Moisés fez um esforço heróico para elevar Yavé à dignidade de uma Deidade suprema, quando o apresentou como o “Deus da verdade e sem iniqüidade, justo e reto em todos os seus caminhos”. Entretanto, apesar desse ensinamento elevado, o entendimento limitado dos seus seguidores fez com que fosse necessário falar de Deus como sendo uma imagem do homem, como estando sujeito a ataques de cólera, de ira e severidade, e que fosse até mesmo vingativo e facilmente influenciável pela conduta do homem.
Sob os ensinamentos de Moisés, esse deus de natureza tribal, Yavé, tornou-se o Senhor Deus de Israel, que os seguiu no deserto e até mesmo no exílio, onde ele de fato foi concebido como o Deus de todos os povos. O cativeiro posterior, que escravizou os judeus na Babilônia, finalmente liberou o conceito em evolução de Yavé para que assumisse o papel monoteísta do Deus de todas as nações.
O aspecto mais singular e espantoso da história religiosa dos hebreus diz respeito a essa contínua evolução do conceito da Deidade, desde o deus primitivo do monte Horeb até os ensinamentos dos seus sucessivos líderes espirituais e ao alto nível de desenvolvimento descrito nas doutrinas sobre a Deidade dos dois Isaías, que proclamaram aquele conceito magnífico de um Pai Criador cheio de amor e de misericórdia.

5. Os Ensinamentos de Moisés

Moisés foi uma combinação extraordinária de líder militar, de organizador social e de instrutor religioso. Ele foi o mais importante dos instrutores e líderes individuais mundiais entre a época de Maquiventa e a de Jesus. Moisés intentou introduzir muitas reformas em Israel, das quais não há nenhum registro. No tempo de uma vida, ele livrou a horda poliglota dos chamados hebreus da escravidão e da perambulação incivilizada, ao mesmo tempo em que lançou a fundação para o nascimento posterior de uma nação e a perpetuação de uma raça.
Há pouca coisa registrada sobre o grande trabalho de Moisés, porque os hebreus não tinham nenhuma língua escrita na época do êxodo. O registro dos tempos e dos feitos de Moisés derivou-se das tradições, que perduraram mais de mil anos depois da morte do grande líder.
Muitos dos avanços que Moisés realizou, indo além da religião dos egípcios e das tribos levantinas vizinhas, foram devidos às tradições dos quenitas do tempo de Melquisedeque. Sem o ensinamento de Maquiventa a Abraão e aos seus contemporâneos, os hebreus teriam saído do Egito em trevas desesperadoras. Moisés e seu sogro, Jetro, reuniram os resíduos das tradições dos dias de Melquisedeque e tais ensinamentos, junto com a ciência dos egípcios, guiaram Moisés na criação da religião aperfeiçoada e dos rituais dos israelitas. Moisés foi um organizador; ele selecionou o melhor da religião e dos costumes do Egito e da Palestina, e, associando essas práticas às tradições dos ensinamentos de Melquisedeque, organizou o sistema cerimonial hebreu de adoração.
Moisés era um crente da Providência; ele havia-se deixado influenciar profundamente pelas doutrinas do Egito a respeito do controle sobrenatural do Nilo e de outros elementos da natureza. Tinha uma grande visão de Deus, e foi profundamente sincero quando ensinou aos hebreus que, se obedecerem a Deus, “Ele vos amará, vos abençoará e vos multiplicará. Ele multiplicará os frutos do vosso ventre e o fruto da vossa terra — o milho, a uva, o azeite e os vossos rebanhos. Vós sereis enriquecidos acima de todos os povos, e o Senhor vosso Deus tirará de vós todas as doenças e não imporá nenhuma das moléstias malignas, do Egito, sobre vós”. Ele mesmo disse: “Lembrai-vos do Senhor vosso Deus, pois é ele quem vos dá o poder de obter as riquezas”. “Vós emprestareis a muitas nações, mas não tomareis nada emprestado. Vós reinareis sobre muitas nações, mas elas não reinarão sobre vós.”
No entanto, foi realmente uma pena observar a grande mente de Moisés tentando adaptar o seu conceito sublime de El Elyon, o Altíssimo, para que a compreensão dos ignorantes e iletrados hebreus o alcançasse. Aos seus líderes reunidos, ele dizia, com a sua voz tonitruante: “o Senhor vosso Deus é o único Deus; não há outro além dele”; enquanto que, à multidão misturada, ele declarava: “Quem é como o vosso Deus, entre todos os deuses?” Moisés voltou-se contra os fetiches e a idolatria, fazendo uma brava frente contra eles e conseguiu um sucesso parcial, declarando: “Vós não vistes nenhuma figura no dia em que o vosso Deus vos falou em Horeb, do meio do fogo”. Ele também proibiu que se fizessem imagens de qualquer espécie.
Moisés temia proclamar a misericórdia de Yavé, preferindo assustar o seu povo com o temor da justiça de Deus, dizendo: “O Senhor vosso Deus é o Deus dos Deuses, e o Senhor dos Senhores, um grande Deus, um Deus poderoso e terrível que não faz acepção de pessoas”. E, novamente, ele procurou controlar os clãs turbulentos, ao declarar que “o vosso Deus mata quando o desobedeceis; ele vos cura e vos dá a vida quando O obedeceis”. Todavia, Moisés ensinou a essas tribos que eles se transformariam no povo escolhido de Deus apenas sob a condição de que “guardassem todos os seus mandamentos e obedecessem a todos os seus estatutos”.
Da misericórdia de Deus pouquíssimo foi ensinado aos hebreus, durante esses tempos primitivos. Eles aprenderam que Deus era o “Todo-Poderoso; o Senhor é um guerreiro, o Deus das batalhas, glorioso em poder, que reduz os seus inimigos a pedaços”. “O Senhor vosso Deus caminha em meio ao vosso acampamento, para libertar-vos.” Os israelitas imaginavam o seu Deus como um Deus que os amava, mas que também havia “endurecido o coração do Faraó” e “amaldiçoado os seus inimigos”.
Conquanto Moisés apresentasse visões fugazes de uma Deidade universal e beneficente aos filhos de Israel, no todo, o conceito cotidiano de Yavé para eles era o de um Deus apenas um pouco melhor do que os deuses tribais dos povos vizinhos. O conceito que tinham de Deus era primitivo, rudimentar e antropomórfico. Quando Moisés morreu, essas tribos de beduínos voltaram rapidamente às idéias semibárbaras dos seus velhos deuses do Horeb e do deserto. A visão ampliada e mais sublime de Deus, que Moisés apresentava, de quando em quando, aos seus líderes, foi logo perdida de vista, pois a maioria do povo voltou-se para a adoração do seu fetiche de bezerros dourados, o símbolo de Yavé para um pastor palestino.
Quando Moisés entregou o comando dos hebreus a Joshua, ele já havia reunido milhares de descendentes colaterais de Abraão, Nahor, Lot e outros das tribos aparentadas, e, à força, já as havia disciplinado em uma nação de guerreiros pastoris, que se auto-sustentava e parcialmente se auto-regulamentava.

6. O Conceito de Deus Depois da Morte de Moisés

Com a morte de Moisés, o seu conceito grandioso de Yavé rapidamente deteriorou-se. Joshua e os líderes de Israel continuaram a abrigar as tradições mosaicas do Deus absolutamente sábio, beneficente e Todo-Poderoso; mas o povo comum voltou rapidamente para as idéias antigas do Yavé do deserto. E essa volta para trás, no conceito da Deidade, continuou a crescer sob o governo sucessivo de vários xeiques tribais, os chamados juízes.
O encanto da personalidade extraordinária de Moisés havia mantido viva, nos corações dos seus seguidores, a inspiração de um conceito de Deus crescentemente ampliado; uma vez, porém, que eles alcançaram as terras férteis da Palestina, eles evoluíram rapidamente, passando de pastores nômades a agricultores estabelecidos e bastante sossegados. E essa evolução, na prática da vida, e essa mudança de ponto de vista religioso demandaram uma quase completa mudança no caráter da sua concepção sobre a natureza do seu Deus, Yavé. Durante os tempos do início da transmutação do austero, rudimentar, exigente e tonitruante deus do deserto, e do Sinai, naquele conceito que surgiu mais tarde, de um Deus de amor, de justiça e de misericórdia, os hebreus quase perderam de vista os ensinamentos elevados de Moisés. Eles chegaram bem perto de separar-se, por inteiro, do conceito do monoteísmo; quase perderam a oportunidade de tornar-se o povo que serviria de elo vital na evolução espiritual de ser o grupo que conservaria os ensinamentos de Melquisedeque, de um único Deus, até os tempos da encarnação outorgada de um Filho daquele Pai de todos.
Desesperadamente, Joshua procurou manter o conceito de um Yavé supremo nas mentes dos homens das tribos, fazendo com que fosse proclamado: “Do mesmo modo que estive com Moisés, também estarei convosco; não vos faltarei nem vos abandonarei”. Joshua julgou necessário pregar com uma palavra rigorosa ao seu povo que desacreditava, um povo que estava muito desejoso de acreditar na sua velha religião nativa e que não estava disposto a ir adiante na religião da fé e da retidão. A ênfase do ensinamento de Joshua passou a ser: “Yavé é um Deus santo; e é um Deus ciumento; ele não perdoará as vossas transgressões nem os vossos pecados”. O conceito mais elevado dessa época pintava Yavé como um “Deus de poder, de julgamento e justiça”.
Mesmo, porém, nessa idade obscura, de quando em quando, um instrutor solitário surgia, proclamando o conceito mosaico da divindade: “Vós, filhos do mal, não podeis servir ao Senhor, pois ele é um Deus santo”. “Pode o homem mortal ser mais justo do que Deus? Pode um homem ser mais puro do que Aquele que o fez?” “Podeis achar Deus, se o buscardes? Podereis descobrir o Todo-Poderoso na sua perfeição? Olhai, Deus é grande, e nós não O conhecemos. Tocando o Todo-Poderoso, nós não podemos encontrá-Lo”.

7. Os Salmos e o Livro de Jó

Sob a liderança dos seus xeiques e sacerdotes, os hebreus tornaram-se estabelecidos na Palestina de um modo vago. Todavia logo se voltaram para as crenças pouco iluminadas do deserto, sendo contaminados pelas práticas menos avançadas dos cananeus. Transformaram-se em idólatras licenciosos, e a sua idéia da Deidade caiu até muito abaixo dos conceitos egípcio e mesopotâmico de Deus, os quais estavam sendo respeitados por certos grupos sobreviventes de Salém e que estão registrados em alguns dos Salmos e no chamado Livro de Jó.
Os salmos são o trabalho de cerca de vinte autores ou mais; muitos foram escritos por instrutores egípcios e mesopotâmios. Durante esses tempos, enquanto o Levante adorava os deuses da natureza, havia ainda um bom número de pessoas que acreditava na supremacia de El Elyon, o Altíssimo.
Nenhuma coleção de escritos religiosos exprime uma tal riqueza de devoção e de idéias inspiradoras sobre Deus, como o faz o Livro dos Salmos. E seria muito útil se, ao examinar essa maravilhosa coleção de literatura para a adoração, fossem levadas em consideração a fonte e a cronologia de cada hino de louvor e adoração em separado, tendo-se em mente que nenhuma única coleção cobre períodos de tempo tão longos e diversos. Esse Livro dos Salmos é o memorial dos vários conceitos de Deus, nutridos pelos crentes da religião de Salém em todo o Levante, e abrange todo um grande período, desde Amenemope até Isaías. Nos Salmos, Deus é descrito em todas as fases da sua concepção, da idéia rudimentar de uma deidade tribal ao ideal grandemente expandido dos hebreus de um momento posterior, em que Yavé é retratado como um governante amoroso e um misericordioso Pai.
E esse conjunto de Salmos, quando assim considerado, constitui a mais valiosa e útil coleta de sentimentos devocionais que jamais foi reunida pelo homem até os tempos do século vinte. O espírito adorador dessa coleção de hinos transcende ao de todos os outros livros sagrados do mundo.
O retrato variegado da Deidade apresentado no Livro de Jó foi o produto de mais de vinte instrutores religiosos da Mesopotâmia, cujo trabalho perdurou ainda por um período de quase trezentos anos. E, quando vós tiverdes acesso ao conceito sublime da divindade, como é encontrado nessa compilação da crença da Mesopotâmia, reconhecereis que na vizinhança de Ur, na Caldéia, é que a idéia de um Deus real foi mais bem preservada durante os dias de obscuridade na Palestina.
Na Palestina, a sabedoria e a onipresença de Deus eram quase sempre compreendidas, mas o seu amor e a sua misericórdia raramente o foram. O Yavé daqueles tempos “envia espíritos maus para dominar as almas dos seus inimigos”; faz prosperar seus próprios filhos obedientes, enquanto maldiz todos os outros e lhes lança o seu julgamento. “Ele frustra os desígnios dos perversos; e prende os sábios nos seus próprios enganos.”
Somente em Ur uma voz se levantou, em um brado de defesa da misericórdia de Deus, dizendo: “Aquele que orar a Deus receberá o favorecimento dele e, em júbilo, verá a sua face, pois Deus dará ao homem a dádiva da divina retidão”. Assim é que, de Ur, é pregada a salvação, o favorecimento divino, pela fé: “Ele é cheio de graças para com o arrependido, dizendo-lhe:‘livrai-o de descer ao fundo do precipício, pois lhe encontrei um resgate.’ Se alguém diz: ‘Eu pequei e perverti aquilo que era o direito, e isso não me foi de nenhum proveito’, Deus libertará a sua alma de ir para o fundo, e ele verá a luz”. Desde os tempos de Melquisedeque, que o mundo do Levante não escutava uma mensagem tão ressonante e encorajadora de salvação humana, como esse ensinamento extraordinário de Eliu, o profeta de Ur e sacerdote dos crentes de Salém, isto é, o remanescente daquela que foi a colônia de Melquisedeque na Mesopotâmia.
E assim, pois, os remanescentes dos missionários de Salém, na Mesopotâmia, conservaram a luz da verdade durante o período de desorganização dos povos hebreus até o aparecimento do primeiro daquela longa linhagem de instrutores de Israel; instrutores que nunca pararam na sua elaboração, conceito após conceito, até que houvessem chegado à realização do ideal sobre o Pai Universal e Criador de todos, o apogeu da evolução do conceito de Yavé.
OS LÍDERES espirituais dos hebreus realizaram o que outros antes deles jamais tinham tido êxito em fazer — eles desantropomorfizaram o seu conceito de Deus sem convertê-lo em uma abstração da Deidade, compreensível apenas para os filósofos. Até mesmo a gente comum era capaz de considerar o conceito amadurecido de Yavé com um Pai, se não do indivíduo, pelo menos da raça.
O conceito da personalidade de Deus, como claramente ensinado em Salém na época de Melquisedeque, era já vago e nebuloso na época da fuga do Egito e só evoluiu gradualmente na mente hebraica, de geração para geração, como uma resposta ao ensinamento dos líderes espirituais. A percepção da personalidade de Yavé foi muito mais contínua na sua evolução progressiva do que o foi a de muitos outros atributos da Deidade. Desde Moisés a Malaquias, ocorreu um crescimento ideacional quase contínuo da personalidade de Deus na mente hebraica, e esse conceito foi finalmente elevado e glorificado pelos ensinamentos de Jesus sobre o Pai no céu.
As pressões hostis dos povos vizinhos na Palestina logo ensinaram aos xeiques hebreus que eles não poderiam esperar sobreviver a menos que confederassem as suas organizações tribais em um governo central. E essa centralização da autoridade administrativa permitiu uma oportunidade melhor para que Samuel funcionasse como um instrutor e reformador.
Samuel vinha de uma longa linhagem de instrutores de Salém, que haviam persistido em manter as verdades de Melquisedeque como uma parte das suas formas de adoração. Esse instrutor era um homem vigoroso e resoluto. Só a sua grande devoção, combinada à sua extraordinária determinação, capacitou-o a suportar a oposição quase universal que encontrou quando ele começou a fazer quase todo o Israel voltar à adoração do supremo Yavé dos tempos mosaicos. E, mesmo então, teve um êxito apenas parcial; ganhou de volta para o serviço do conceito mais elevado de Yavé apenas a metade mais inteligente dos hebreus; a outra metade continuou na adoração dos deuses tribais do país e atida aos conceitos mais baixos de Yavé.
Samuel era um tipo de homem rústico, um reformador prático que podia sair com os seus companheiros em um dia e destruir uma série de locais reservados a Baal. O progresso que fez foi puramente pela força da coação; ele fez pouca pregação, e menos ainda deu ensinamentos, mas agia. Num dia zombava do sacerdote de Baal; no dia seguinte, partia em pedaços um rei aprisionado. Ele acreditava devotamente em um único Deus, e tinha um conceito claro desse único Deus como criador do céu e da Terra: “Os pilares da Terra são do Senhor, e Ele colocou o mundo sobre eles”.
Mas a grande contribuição que Samuel deu ao desenvolvimento do conceito da Deidade foi o seu pronunciamento retumbante de que Yavé era imutável, para sempre a mesma corporificação da perfeição infalível e divindade. Nessa época Yavé fora concebido para ser um Deus de humores vacilantes, de acessos de ciúme, sempre lamentando que tinha feito assim e assado; mas agora, pela primeira vez desde que os hebreus haviam fugido do Egito, eles ouviam estas palavras surpreendentes: “A Força de Israel não mentirá nem se arrependerá, pois ele não é um homem para poder se arrepender”. A estabilidade ao lidar-se com a Divindade estava proclamada. Samuel reiterou a aliança feita por Melquisedeque com Abraão e declarou que o Senhor Deus de Israel era a fonte de toda a verdade, estabilidade e constância. Os hebreus tinham sempre visto o seu Deus como um homem, um super-homem, um espírito elevado de origem desconhecida; mas agora eles ouviam o espírito antigo de Horeb, exaltado como um Deus imutável de perfeição criadora. Samuel estava ajudando o conceito em evolução de Deus a ascender a alturas acima do estado mutante da mente do homem e das vicissitudes da existência mortal. Sob esse ensinamento, o Deus dos hebreus começava, de uma idéia gerada na ordem dos deuses tribais, a ascender até o ideal de um Criador Todo-Poderoso e imutável, o Supervisor de toda a criação.
E, de novo, ele pregou a história da sinceridade de Deus, da aliança com Ele, e da confiança que se podia ter de que manteria essa aliança. Samuel disse: “O Senhor não abandonará o seu povo”. “Ele fez conosco uma aliança eterna, ordenada e segura em todas as coisas.” E assim, em toda a Palestina soou o chamado para a adoração do supremo Yavé. E esse instrutor cheio de energia proclamou para sempre: “Tu és grande, Ó Senhor Deus, e não há nenhum como Tu, e não há nenhum Deus além de Ti”.
Até então os hebreus tinham considerado o favorecimento de Yavé principalmente em termos de prosperidade material. Foi um grande choque para Israel e quase custou a Samuel a sua vida quando ele ousou proclamar: “O Senhor enriquece e empobrece; ele rebaixa e exalta. Ele tira o pobre do pó e eleva os mendigos e os coloca junto de príncipes para fazê-los herdar o trono da glória”. Jamais, desde Moisés, tais promessas confortantes aos humildes e aos menos afortunados haviam sido proclamadas, e milhares de desesperados entre os pobres começaram a ter esperança de que podiam melhorar o seu status espiritual.
Mas Samuel não progrediu muito além do conceito de um deus tribal. Ele proclamou um Yavé que criou todos os homens, mas que se ocupava principalmente dos hebreus, o seu povo escolhido. Ainda assim, como nos dias de Moisés, uma vez mais o conceito de Deus retratava uma Deidade que é santa e justa. “Não há quem seja santo como o Senhor. Quem pode ser comparado a esse santo Senhor Deus?”
Com o passar dos anos, o velho e grisalho líder progrediu na compreensão de Deus, pois declarou: “O Senhor é um Deus de conhecimento, e as ações são pesadas por Ele. O Senhor julgará os confins da Terra, demonstrando misericórdia aos misericordiosos, e com o homem reto Ele será também reto”. Aqui mesmo está a alvorada da misericórdia, se bem que ela seja limitada àqueles que são misericordiosos. Mais tarde foi um passo mais adiante quando, na sua adversidade, exortou o seu povo: “Que caiamos agora nas mãos do Senhor, pois as suas misericórdias são grandes”. “Nada coíbe o Senhor de salvar muitos ou poucos.”
E esse desenvolvimento gradual do conceito do caráter de Yavé continuou sob a ministração dos sucessores de Samuel. Eles tentaram apresentar Yavé como um Deus cumpridor de alianças, mas não avançaram até onde Samuel tinha chegado; eles falharam ao desenvolver a idéia da misericórdia de Deus como Samuel a tinha posteriormente concebido. Houve um recuo nítido no sentido de reconhecer os outros deuses, a despeito da conservação do ponto de que Yavé estava acima de todos. “Teu é o Reino, ó Senhor, e és exaltado como o principal, acima de todos.”
O poder divino foi a tônica dessa era; os profetas dessa idade pregaram uma religião destinada a fortalecer o rei no trono hebreu. “Teus, ó Senhor, são a grandeza, o poder, a glória e a vitória e a majestade. Na Tua mão está a força e o poder, e és capaz de engrandecer a tudo e de dar força a todos.” E esse era o status do conceito de Deus durante a época de Samuel e seus sucessores imediatos.
No século dez antes de Cristo, a nação hebraica dividiu-se em dois reinos. Vários buscadores da verdade tentaram estancar a maré retrógrada de decadência espiritual que se desencadeara em ambas as divisões políticas, e que prosseguiu desastrosamente depois da guerra de separação. Mas esses esforços para avançar a religião hebraica não tiveram efeito até que Elias, um guerreiro determinado e destemido da retidão, começou os seus ensinamentos. Elias restaurou, para o reino do norte, um conceito de Deus comparável àquele mantido nos dias de Samuel. Elias teve pouca oportunidade de apresentar um conceito avançado de Deus; ele se manteve ocupado, como Samuel tinha estado, antes dele, em destruir os altares de Baal e em demolir os ídolos dos falsos deuses. E levou adiante suas reformas, fazendo frente à oposição de um monarca idólatra; a sua tarefa foi até mesmo mais gigantesca e difícil do que aquela enfrentada por Samuel.
Quando Elias foi chamado a deixar a Terra, Elizeu, o seu fiel companheiro, assumiu a sua obra e, com a valiosa ajuda do pouco conhecido Micaías, manteve viva a luz da verdade na Palestina.
Mas esses não eram tempos de progresso para o conceito da Deidade. Os hebreus não tinham ainda ascendido nem mesmo ao ideal mosaico. A era de Elias e Elizeu fechou-se com as classes melhores, voltando à adoração do Yavé supremo, e testemunhou a restauração da idéia do Criador Universal, até o ponto em que Samuel a tinha deixado.
A prolongada controvérsia entre os crentes de Yavé e os seguidores de Baal foi um conflito socioeconômico de ideologias mais do que uma diferença entre crenças religiosas.
Os habitantes da Palestina diferiam pela sua atitude para com a propriedade privada de terras. As tribos sulinas ou de árabes nômades (os Yaveitas) consideravam a terra como inalienável — como uma dádiva da Deidade ao clã. Eles sustentavam que a terra não podia ser vendida nem hipotecada. “Yavé falou, dizendo: ‘A terra não será vendida, pois a terra é minha’”.
Os cananeus do norte, mais estabelecidos (os baalitas), compravam livremente, vendiam e hipotecavam as suas terras. A palavra Baal significa proprietário. O culto de Baal foi baseado em duas doutrinas maiores: a primeira, a validação do intercâmbio da propriedade, contratos e pactos — o direito de comprar e de vender a terra. E a segunda, supunha-se que Baal devia mandar a chuva — ele era um deus da fertilidade do solo. As boas colheitas dependiam do favorecimento de Baal. O seu culto preocupava-se amplamente com a terra, a sua propriedade e fertilidade.
Em geral, os baalitas possuíam casas, terras e escravos. Eles eram os proprietários aristocráticos e viviam nas cidades. Cada Baal tinha um local sagrado, um sacerdócio e as “mulheres sagradas”, as prostitutas rituais.
Dessa diferença básica de pontos de vista sobre a terra, evoluíram os antagonismos amargos, nas atitudes sociais, econômicas, morais e religiosas tomadas pelos cananeus e pelos hebreus. Essa controvérsia socioeconômica não se tornou uma questão religiosa definida até os tempos de Elias. Desde a época desse agressivo profeta, a questão era disputada em linhas mais estritamente religiosas — Yavé versus Baal — e terminou com o triunfo de Yavé e com o subseqüente avanço até o monoteísmo.
Elias transladou a controvérsia entre Yavé e Baal, da questão da terra, para o aspecto religioso das ideologias dos hebreus e dos cananeus. Quando Acab assassinou os Nabots por causa da intriga na posse da terra, Elias transformou os antigos costumes sobre a terra em uma questão moral, e deslanchou a sua vigorosa campanha contra os baalitas. Essa foi também uma luta do povo do campo contra a dominação das cidades. E, sobretudo, foi sob a influência de Elias que Yavé transformou-se em Eloim. O profeta começou como um reformador agrário e terminou exaltando a Deidade. Os Baalitas eram muitos, Yavé era um — o monoteísmo sobrepondo-se ao politeísmo.
Um grande passo na transição do deus tribal — o deus a quem se tinha servido já há tanto tempo com sacrifícios e cerimônias, o Yavé dos hebreus mais primitivos — até um Deus que puniria o crime e a imoralidade, até mesmo entre os do seu próprio povo, foi dado por Amós, que surgiu de entre as colinas do sul para denunciar a criminalidade, a embriaguez, a opressão e a imoralidade das tribos do norte. Desde os tempos de Moisés que essas verdades ressoantes não eram proclamadas na Palestina.
Amós não se limitou meramente a restaurar ou a reformar; ele era um descobridor dos novos conceitos da Deidade. Ele proclamou, sobre Deus, muito daquilo que tinha sido anunciado pelos seus predecessores e, corajosamente, investiu contra a crença em um Ser Divino que toleraria o pecado entre aqueles do chamado povo escolhido. Pela primeira vez, desde os tempos de Melquisedeque, os ouvidos do homem ouviam a denúncia da duplicidade de padrão da justiça e da moralidade nacional. Pela primeira vez na sua história os ouvidos hebreus escutaram que o seu próprio Deus, Yavé, não toleraria o crime e o pecado nas vidas deles, mais do que ele os tolerava junto a qualquer outro povo. Amós visualizou o Deus austero e justo de Samuel e Elias, mas ele também viu um Deus que não via os hebreus de modo diferente de qualquer outra nação quando se tratava da punição ao procedimento incorreto. Isso era um ataque direto à doutrina egoísta do “povo escolhido”, e muitos hebreus daquela época ressentiram-se amargamente disso.
Disse Amós: “Buscai aquele que fez as montanhas e criou o vento, que formou as sete estrelas e Órion, que transforma a sombra da morte na manhã e faz o dia escurecer na noite”. E, ao denunciar os seus companheiros de meia religião, como oportunistas, e algumas vezes, como de imorais, ele buscava retratar a justiça inexorável de um Yavé imutável, quando ele disse aos malfeitores: “Ainda que eles penetrem no inferno, de lá Eu tirá-los-ei; ainda que eles subam ao céu, de lá Eu farei com que desçam”. “E ainda que eles caiam em cativeiro diante dos seus inimigos, até lá Eu conduzirei a espada da justiça e ela matá-los-á.” Amós surpreendeu ainda mais aos seus ouvintes quando, apontando um dedo de reprovação e de acusação para eles, declarou em nome de Yavé: “Com certeza nunca me esquecerei de nenhum dos vossos feitos”. “E passarei no crivo a casa de Israel, junto com todas as nações, como o trigo tem de ser passado na peneira.”
Amós proclamou Yavé o “Deus de todas as nações” e advertiu aos israelitas, de que o ritual não deve tomar o lugar da retidão. E antes que esse corajoso instrutor fosse apedrejado até a morte, ele tinha já espalhado suficientemente o fermento da verdade para salvar a doutrina do supremo Yavé; ele assegurara a continuidade da evolução da revelação de Melquisedeque.
Oséias veio depois de Amós, com a sua doutrina de um Deus universal de justiça por meio da ressurreição do conceito mosaico de um Deus de amor. Oséias pregou o perdão por meio do arrependimento, não pelo sacrifício. Ele proclamou um evangelho de amor-bondade e a divina misericórdia dizendo: “Eu te desposarei para sempre; sim, eu me unirei a ti na retidão e no julgamento e no amor-bondade das misericórdias. Eu desposar-te-ei mesmo na fé”. “Eu amá-lo-ei livremente, pois a minha ira foi-se embora.”
Oséias continuou fielmente com as advertências morais de Amós, dizendo de Deus: “É do meu desejo que eu os castigue”. Mas os israelitas consideraram como uma crueldade que beirava a traição quando ele disse: “Eu direi àqueles que não eram do meu povo: ‘vós sois o meu povo’; e eles dirão: ‘Tu és o nosso Deus’”. Ele continuou a pregar o arrependimento e o perdão, dizendo: “Eu curarei a apostasia deles; e amá-los-ei livremente, pois a minha ira terminou”. Oséias sempre proclamou a esperança e o perdão. A carga da sua mensagem foi sempre: “Eu terei misericórdia para com o meu povo. Eles não conhecerão outro Deus além de Mim, pois não há outro salvador além de Mim”.
Amós vivificou a consciência nacional dos hebreus para o reconhecimento de que Yavé não iria fechar os olhos para o crime e o pecado entre eles, porque supostamente eles eram o povo escolhido, enquanto Oséias tocou as notas de abertura nas cordas misericordiosas posteriores da compaixão e do amor-bondade divinos, que foram tão extraordinariamente cantadas por Isaías e pelos seus agregados.
Esses eram os tempos em que alguns estavam proclamando ameaças de punição contra os pecados pessoais e o crime nacional entre os clãs do norte; enquanto outros prediziam a calamidade em recompensa pelas transgressões do reino do sul. Foi na aurora desse despertar de consciência e conhecimento das nações hebraicas que o primeiro Isaías surgiu.
Isaías pregou a natureza eterna de Deus, sua sabedoria infinita, sua perfeição imutável de confiabilidade. Ele representou o Deus de Israel quando disse: “Ajustarei o juízo na linha e no prumo da retidão”. “O Senhor dar-vos-á descanso para a vossa tristeza e para o vosso medo e para a dura escravidão em que o homem foi levado a servir.”“E os vossos ouvidos ouvirão uma palavra atrás de vós, dizendo: ‘este é o caminho, vá por ele’”.“Eis que Deus é a minha salvação; eu confiarei e não terei medo, pois o Senhor é a minha força e a minha canção.” “‘Vinde agora e raciocinemos juntos’, diz o Senhor, ‘embora os vossos pecados sejam tão escarlates, eles ficarão brancos como a neve; embora sejam vermelhos como o carmesim, eles ficarão como a lã’”.
Falando aos hebreus, tomados pelo medo e famintos de alma, esse profeta disse: “Levantai-vos e resplandecei, pois a vossa luz chegou, e a glória do Senhor nasceu para vós”. “O espírito do Senhor está sobre mim, pois Ele me ungiu para pregar as boas-novas aos mansos; Ele enviou-me para curar aqueles que estão de coração partido, para proclamar a liberdade aos cativos e a abertura da prisão para os acorrentados.” “Eu me rejubilarei grandemente no meu Senhor, a minha alma ficará jubilosa no meu Deus, pois Ele cobriu-me com as vestes da salvação e cobriu-me com o Seu manto de retidão”. “Junto com todas as Suas aflições Ele esteve aflito, e o anjo da Sua presença salvou-os. No Seu amor e na Sua piedade Ele os redimiu.”
Isaías foi seguido por Micas e por Abdias, que confirmaram e deram beleza ao seu evangelho que satisfazia à alma. E esses dois mensageiros valentes denunciaram ousadamente que o ritual dos hebreus era dominado pelos sacerdotes e destemidamente atacaram todo o sistema de sacrifícios.
Micas denunciou “os governantes que decidem segundo as recompensas e os sacerdotes que ensinam por um salário e os profetas que adivinham por dinheiro”. Ele ensinou sobre um dia em que viria a liberdade da superstição e do sacerdócio, dizendo: “Mas cada homem assentar-se-á na sua própria vinha, e ninguém o amedrontará, pois todo o povo viverá, cada um de acordo com o seu entendimento de Deus”.
E a ênfase da mensagem de Micas foi: “Devo estar diante de Deus oferecendo holocaustos? O Senhor ficará contente com mil carneiros ou com dez mil rios de óleo? Devo dar o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu corpo pelo pecado da minha alma? Ele mostrou-me, ó homens, o que é bom; e o que o Senhor espera de vós, senão agirdes com justiça e amardes a misericórdia, e que caminheis humildemente como o vosso Deus”. E foi uma grande idade; foram de fato tempos apaixonantes em que o homem mortal ouviu as mensagens emancipadoras, e alguns até mesmo acreditaram nelas, mais de dois milênios e meio atrás. E não fora a resistência obstinada dos sacerdotes, esses instrutores teriam posto abaixo todo o cerimonial de sangue do ritual hebreu de adoração.
Embora vários instrutores continuassem a expor o evangelho de Isaías, coube a Jeremias ousar dar o próximo passo para a internacionalização de Yavé, o Deus dos hebreus.
Jeremias declarou sem medo que Yavé não estava do lado dos hebreus nas suas lutas militares contra outras nações. Ele afirmou que Yavé era o Deus de toda a Terra, de todas as nações e de todos os povos. Os ensinamentos de Jeremias causaram um crescendo na onda da internacionalização do Deus de Israel; esse pregador intrépido proclamou finalmente, e para sempre, que Yavé era o Deus de todas as nações, e que não havia Osíris para os egípcios, nem Bel para os babilônios, Assur para os assírios ou Dagon para os filisteus. E, assim, nessa época e depois dela, a religião dos hebreus participou da renascença do monoteísmo em todo o mundo; afinal, o conceito de Yavé tinha elevado-se ao nível de uma Deidade planetária e mesmo da dignidade cósmica. Mas muitos dos condiscípulos de Jeremias acharam difícil conceber Yavé fora da nação hebraica.
Jeremias também pregou sobre o Deus justo e amoroso descrito por Isaías, declarando: “Sim, eu amei-vos com um amor eterno; com isso eu vos atraí com amor e bondade”. “E, pois, Ele não aflige propositalmente os filhos dos homens.”
Disse o destemido profeta: “Justo é o nosso Senhor, grande pelos seus conselhos e poderoso pela sua obra. Os seus olhos estão abertos sobre todos os caminhos de todos os filhos dos homens, para dar misericórdia a cada um de acordo com o seu caminho e de acordo com o fruto da sua obra”. Mas foi considerado como uma traição blasfema quando, durante o cerco de Jerusalém, ele disse: “E agora eu coloquei essas terras nas mãos de Nabucodonossor, rei da Babilônia, meu servo”. E, quando Jeremias aconselhou que a cidade se rendesse, os sacerdotes e os governantes civis jogaram-no no fosso lamacento de uma masmorra sombria.
A destruição da nação dos hebreus e o seu cativeiro na Mesopotâmia teriam causado grandes benefícios à sua teologia em expansão, não fora a determinação do seu sacerdócio. A sua nação tinha caído diante dos exércitos da Babilônia, e o seu Yavé nacionalista sofria com as pregações internacionais dos líderes espirituais. Foi o ressentimento pela perda do seu Deus nacional que levou os sacerdotes judeus a irem tão longe na invenção de fábulas e na multiplicação de eventos aparentemente miraculosos na história do povo hebreu, num esforço para restaurar os judeus como o povo escolhido, até mesmo sob o uma idéia nova e expandida de um Deus internacionalizado e de todas as nações.
Durante o cativeiro, os judeus foram muito influenciados pelas tradições e lendas babilônicas, se bem que deva ser notado que eles certamente aprimoraram o tônus moral e a significação espiritual das histórias caldéias que adotaram; não obstante terem eles distorcido invariavelmente essas lendas, de modo a refletirem honra e glória sobre a ascendência e a história de Israel.
Esses sacerdotes e escribas hebreus tinham uma só idéia nas suas mentes, e esta era a reabilitação da nação judaica, a glorificação das tradições hebraicas e a exaltação da sua história racial. Caso haja algum ressentimento pelo fato de esses sacerdotes terem amarrado as suas idéias errôneas a uma parte tão grande do mundo ocidental, deveria ser lembrado que eles não o fizeram intencionalmente; eles não pretenderam estar escrevendo sob nenhuma inspiração; eles não professaram estar escrevendo um livro sagrado. Estavam meramente preparando um manual destinado a reanimar a coragem que definhava, nos seus companheiros de cativeiro. Eles tinham a intenção clara de melhorar o espírito nacional e a moral dos seus compatriotas. Aos homens que vieram mais tarde, restou reunir esses e outros escritos em um livro-guia de ensinamentos supostamente sem falhas.
O sacerdócio judeu fez um uso indiscriminado desses escritos depois do cativeiro, mas foi bastante estorvado na sua influência sobre os seus companheiros no cativeiro pela presença de um profeta jovem e indômito, Isaías, o segundo, que tinha sido plenamente convertido ao Deus de justiça, de amor, de retidão e misericórdia, do Isaías anterior. Como Jeremias ele também acreditava que Yavé tinha transformado-se no Deus de todas as nações. Ele pregava essas teorias sobre a natureza de Deus com uma narrativa de tais repercussões, que fez conversões tanto entre os judeus como entre os seus captores. E esse jovem pregador deixou por escrito os seus ensinamentos, os quais os sacerdotes hostis e impiedosos tentaram dissociar dele de todos os modos, embora o respeito puro pela sua beleza e grandeza tenha levado à sua incorporação aos escritos do primeiro Isaías. E assim os escritos desse segundo Isaías podem ser encontrados no livro que leva o seu nome, e abrangem desde o capítulo quarenta até o cinqüenta e cinco, inclusive.
Nenhum profeta ou líder religioso desde Maquiventa até a época de Jesus alcançou o elevado conceito de Deus que o segundo Isaías proclamou durante esses dias do cativeiro. O que esse líder espiritual proclamou não foi nenhum Deus pequeno, antropomórfico e elaborado pelo homem. “Vede, ele carrega ilhas como se fossem coisas muito pequenas.” “E como os céus estão mais no alto do que as terras, também os meus caminhos são mais elevados que os vossos caminhos e os meus pensamentos mais elevados do que os vossos pensamentos.”
Maquiventa Melquisedeque podia enfim ver instrutores humanos proclamando um Deus real ao homem mortal. Como Isaías, o primeiro, esse líder pregou o Deus da criação e da sustentação universal. “Eu fiz a Terra e coloquei o homem nela. Não a criei em vão; formei-a para ser habitada.”“Sou o primeiro e o último; não há Deus além de mim.” Falando pelo Senhor Deus de Israel, esse novo profeta disse: “Os céus podem desaparecer e a Terra envelhecer, mas a minha retidão subsistirá para sempre e a minha salvação durará de geração a geração”. “Não temais, pois estou contigo; não vos desanimeis, pois sou o vosso Deus.” “Não há Deus além de Mim — um Deus justo e um Salvador.”
E os judeus prisioneiros foram reconfortados, como milhares e milhares de homens o foram desde então, ao ouvir palavras como: “Assim diz o Senhor: ‘Eu vos criei, Eu vos redimi, Eu vos chamei pelo vosso nome; vós sois meus’”. “Quando atravessardes as águas, Eu estarei convosco, pois sois preciosos para a minha vista.” “Pode uma mulher esquecer de amamentar a sua criança e não ter compaixão do seu filho? Sim, ela pode esquecer, mas Eu não esquecerei dos meus filhos, pois, vede, Eu gravei os nomes deles na palma da minha mão; e os cobri mesmo com a sombra das minhas mãos.”“Que os perversos abandonem os seus caminhos e que o iníquo abandone os seus pensamentos, e que retornem ao Senhor e a Deus e Ele terá misericórdia deles, pois Ele os perdoará abundantemente.”
Ouvi novamente ao evangelho dessa nova revelação do Deus de Salém: “Ele alimentará o seu rebanho como um pastor; Ele reunirá as ovelhas nos seus braços e carregá-las-á no seu peito. Ele dá força aos abatidos, e àqueles que não têm poder Ele dá mais força. Aqueles que esperam o Senhor renovarão as suas forças; eles subirão com asas como águias; correrão e não se cansarão; caminharão e não se enfraquecerão”.
Esse Isaías conduziu uma vasta propaganda evangélica do conceito ampliado de um Yavé supremo. Ele rivalizava-se com Moisés, pela eloqüência com a qual retratava o Senhor Deus de Israel, como o Criador Universal. Era poético na sua descrição dos atributos infinitos do Pai Universal. Nenhuma afirmação mais bela sobre o Pai celeste jamais foi feita. Como os salmos, os escritos de Isaías estão entre as apresentações mais sublimes e verdadeiras do conceito espiritual de Deus a serem acolhidas pelos ouvidos do homem mortal antes da chegada de Michael em Urântia. Ouvi esta descrição que ele faz da Deidade: “Eu sou o elevado e sublime que habita a eternidade”.“Sou o Primeiro e o Último, e além de mim não há outro Deus.”“E a mão do Senhor não é curta a ponto de não poder salvar, nem o seu ouvido tão grosseiro a ponto de não ouvir.” E uma nova doutrina surgiu no mundo judeu quando esse profeta benigno, mas cheio de autoridade, persistiu na pregação da constância divina, a fidelidade de Deus. Ele declarou que “Deus não esqueceria nem abandonaria”.
Esse ousado instrutor proclamou que o homem estava muito estreitamente relacionado a Deus, dizendo: “Eu criei para a minha glória todo aquele que chama o meu nome, e eles proclamarão a minha louvação. E sim, Eu próprio, sou Aquele que ameniza as suas transgressões, para o meu próprio bem, e Eu não me lembrarei dos seus pecados”.
Ouvi esse grande hebreu colocar abaixo o conceito de um Deus nacional enquanto na glória ele proclama a divindade do Pai Universal, de quem ele diz: “Os céus são o meu trono, e a Terra onde ponho os pés”. E o Deus de Isaías não era menos santo, majestático, justo e insondável. O conceito do Yavé irado, vingativo e ciumento dos beduínos do deserto quase desapareceu. Um novo conceito do Yavé supremo e universal surgiu na mente do homem mortal para não mais ser perdido da vista humana. A realização da justiça divina começou a anular a magia primitiva e o medo biológico. Afinal, o homem se vê inserido em um universo de lei e de ordem e é apresentado a um Deus universal de atributos confiáveis e definitivos.
E esse homem que pregou sobre um Deus superno nunca cessou de proclamar esse Deus de amor.“Resido em um lugar elevado e santo, e também com aquele que é de um espírito contrito e humilde.” E mais palavras de conforto esse grande instrutor disse aos seus contemporâneos: “E o Senhor te guiará continuamente e satisfará a tua alma. Tu serás como um jardim bem regado e como uma fonte cujas águas não falham. E, caso o inimigo venha como uma inundação, o espírito do Senhor levantará uma defesa contra ele”. E uma vez mais o evangelho de Melquisedeque, destruidor de medos, e a religião de Salém, gerando confiança, brilharam para abençoar a humanidade.
O clarividente e corajoso Isaías definitivamente eclipsou o Yavé nacionalista com a sua descrição sublime da onipotência e da majestade universal do Yavé supremo, Deus de amor, soberano do universo, e pai afetuoso de toda a humanidade. Desde esses dias memoráveis que o conceito mais elevado de Deus, no Ocidente, tem englobado a justiça universal, a misericórdia divina e a retidão eterna. Com uma linguagem magnífica e com uma incomparável graça, esse grande educador descreveu o Criador Todo-Poderoso como o Pai pleno de amor.
Esse profeta do tempo do cativeiro pregou ao seu povo e aos homens de muitas nações, os quais o ouviram no rio, na Babilônia. E esse segundo Isaías muito fez para neutralizar os muitos conceitos errados e racialmente egoístas sobre a missão do Messias prometido. Todavia ele não foi totalmente bem sucedido. Caso os sacerdotes não se tivessem dedicado à obra de edificar um nacionalismo errôneo, os ensinamentos dos dois Isaías teriam preparado o caminho para o reconhecimento e o acolhimento do Messias prometido.
O hábito de considerar o registro das experiências dos hebreus como uma história sagrada e as transações do resto do mundo como história profana é responsável por muitas das confusões existentes na mente humana quanto à interpretação da história. E essa dificuldade surge porque não há uma história secular dos judeus. Depois que os sacerdotes exilados na Babilônia prepararam o seu novo registro dos procedimentos supostamente miraculosos de Deus, para com os hebreus, a história sagrada de Israel, retratada no Antigo Testamento, eles destruíram meticulosa e completamente os registros existentes dos assuntos hebreus — livros como “Os atos dos Reis de Israel” e “Os atos dos Reis de Judá”, junto com vários outros arquivos mais ou menos acurados da história dos hebreus.
No intuito de compreender como a pressão devastadora e a coerção inescapável da história secular aterrorizaram tanto os judeus prisioneiros, e governados por outros povos, a ponto de eles tentarem reescrever e remodelar completamente a sua história, é que deveríamos pesquisar rapidamente os arquivos da sua desconcertante experiência nacional. Deve ser lembrado que os judeus não tiveram êxito em fazer evoluir uma filosofia não teológica adequada para a vida. Eles lutaram contra o seu conceito original e egípcio das recompensas divinas pela retidão, combinadas às severas punições para o pecado. O drama de Jó foi algo como um protesto contra essa filosofia errônea. O evidente pessimismo do Eclesiastes foi uma sábia reação temporal a essas crenças super-otimistas na Providência.
Mas quinhentos anos de suserania, de governantes estrangeiros, mesmo para judeus pacientes e resignados, é demasiado. Os profetas e os sacerdotes começaram a gritar: “Até quando, ó Senhor, até quando?” E quando o judeu honesto buscou as escrituras, a sua perplexidade tornou-se mais confusa. Um antigo vidente prometeu que Deus protegeria e libertaria o seu “povo escolhido”. Amós fizera ameaças de que Deus abandonaria Israel, a menos que o povo restabelecesse os seus padrões de retidão nacional. O escriba do Deuteronômio tinha retratado a Grande Escolha — como entre o bem e o mal, o abençoado e o maldito. Isaías, o primeiro, tinha pregado sobre um rei libertador benigno. Jeremias tinha proclamado uma era de retidão interior — a aliança escrita nas tábuas do coração. O segundo Isaías falou da salvação pelo sacrifício e pela redenção. Ezequiel proclamou a libertação por meio do serviço da devoção, e Esdras prometeu a prosperidade pela adesão à lei. Mas a despeito de tudo isso eles ficaram na escravidão; e a libertação foi protelada. Então Daniel apresentou o drama da “crise” iminente — o golpe dado sobre a grande imagem e o estabelecimento imediato do reino eterno da retidão, o reino messiânico.
E toda essa falsa esperança levou a um tal grau de desapontamento, e de frustração racial, que os líderes dos judeus ficaram tão confusos que não conseguiram reconhecer nem aceitar a missão e o ministério de um Filho divino do Paraíso quando em breve ele veio a eles à semelhança da carne mortal — encarnado como o Filho do Homem.
Todas as religiões modernas têm errado seriamente na tentativa de interpretar como miraculosas algumas épocas da história humana. Ainda que seja verdade que Deus tenha posto muitas vezes a mão de Pai, em intervenções providenciais na corrente dos assuntos humanos, é um erro encarar os dogmas teológicos e a superstição religiosa como uma sedimentação supranatural que haja surgido por uma ação miraculosa nessa corrente da história humana. O fato de que os “Altíssimos governam nos reinos dos homens” não converte a história secular em uma chamada história sagrada.
Os autores do Novo Testamento e os escritores cristãos posteriores complicaram ainda mais a distorção da história dos hebreus pelas suas tentativas bem-intencionadas de considerar os profetas judeus como transcendentalizantes. Assim a história hebraica tem sido explorada de um modo desastroso pelos escritores judeus, bem como pelos cristãos. A história hebraica secular tem sido radicalmente dogmatizada. Tem sido convertida em uma ficção da história sagrada e tem tornado-se inextricavelmente emaranhada aos conceitos morais e aos ensinamentos religiosos das nações chamadas cristãs.
Uma breve exposição dos pontos altos na história hebraica poderá ilustrar como os fatos em arquivo foram bastante alterados pelos sacerdotes judeus, na Babilônia, de modo a transformar a história secular cotidiana do seu povo em uma história fictícia e sagrada.
Nunca existiram doze tribos de israelitas — apenas três ou quatro tribos estabeleceram-se na Palestina. A nação hebraica passou a existir em conseqüência da união dos chamados israelitas e dos cananeus. “E os filhos de Israel habitaram entre os cananeus. E tomaram as filhas deles como esposas e deram as próprias filhas aos filhos dos cananeus.” Os hebreus nunca expulsaram os cananeus da Palestina, não obstante os registros feitos pelos sacerdotes dessas coisas declararem decididamente que o fizeram.
A consciência israelita teve origem na montanhosa terra de Efraim; a consciência posterior é originária do clã sulino de Judá. Os judeus (os judaitas) sempre tentaram difamar e enegrecer a história dos israelitas do norte (os efraimitas).
A história pretensiosa dos hebreus começa com Saul reunindo os clãs do norte para resistir a um ataque dos amonitas aos seus companheiros tribais — os gileaditas — no leste do Jordão. Com um exército de pouco mais de três mil homens, ele derrotou o inimigo e foi essa façanha que levou todas as tribos das colinas a fazê-lo rei. Quando os sacerdotes exilados reescreveram esse relato, eles elevaram para 330 000 o número de homens do exército de Saul e acrescentaram “Judá” à lista de tribos que participaram da batalha.
Imediatamente depois da derrota dos amonitas, Saul foi feito rei por eleição popular das suas tropas. Nenhum sacerdote ou profeta participou desse acontecimento. Mas os sacerdotes, mais tarde, registraram nos arquivos que Saul foi coroado rei pelo profeta Samuel, cumprindo instruções divinas. E fizeram isso no intuito de estabelecer uma “linha divina de descendência” para a realeza judaita de Davi.
A maior de todas as distorções da história judaica teve a ver com Davi. Após a vitória de Saul sobre os amonitas (a qual ele atribuiu a Yavé), os filisteus alarmaram-se e começaram a fazer ataques aos clãs do norte. Davi e Saul nunca chegaram a estar de acordo. Com seiscentos homens, Davi fez uma aliança com os filisteus e marchou costa acima até Esdraelon. Em Gath os filisteus ordenaram a Davi que deixasse o acampamento; eles temeram que ele pudesse passar para o lado de Saul. Davi retirou-se; os filisteus atacaram e derrotaram Saul. E não poderiam conseguir isso caso Davi tivesse sido leal a Israel. O exército de Davi era um agrupamento de poliglotas descontentes, constituindo-se na sua maior parte de desajustados sociais e de fugitivos da justiça.
A trágica derrota de Saul em Gilboa para os filisteus depreciou em muito a posição de Yavé, entre os deuses, aos olhos dos vizinhos cananeus. Normalmente, a derrota de Saul teria sido atribuída a uma apostasia dele contra Yavé, mas dessa vez os editores judaitas atribuíram-na a erros de ritual. Eles precisavam da tradição de Saul e de Samuel como respaldo para a realeza de Davi.
Com o seu pequeno exército, Davi fez da cidade não hebraica de Hebrom o seu quartel-general. E logo os seus compatriotas proclamaram-no rei do novo reino de Judá. Judá constituía-se na maior parte de elementos não hebreus — quenitas, calebitas, jebusitas e outros cananeus. Eram nômades — pastores — e, pois, devotados à idéia hebraica de propriedade da terra. Eles conservavam as ideologias dos clãs do deserto.
A diferença entre a história sagrada e a profana é bem ilustrada pelas duas narrativas diferentes a respeito da subida de Davi ao trono, como são encontradas no Antigo Testamento. Uma parte da narrativa secular, de como os seus seguidores imediatos (o seu exército) transformaram-no em rei, foi inadvertidamente deixada nos arquivos pelos sacerdotes que prepararam subsequentemente a prolongada e prosaica versão para a história sagrada, na qual é descrito como o profeta Samuel, por indicação divina, escolheu Davi entre os seus irmãos e passou, formalmente e por meio de cerimônias elaboradas e solenes, a ungi-lo como o rei dos hebreus e então a proclamá-lo sucessor de Saul.
Tantas vezes, após preparar as suas narrativas fictícias sobre as gestões miraculosas de Deus para com Israel, os sacerdotes não se esqueceram inteiramente de cancelar os acontecimentos, narrados de modo claro e fiel aos fatos que estavam já nos registros.
Davi buscava edificar-se politicamente, primeiro casando-se com a filha de Saul, depois com a viúva de Nabal, o edomita rico, e então com a filha de Talmai, o rei de Geshur. Ele teve seis esposas dentre as mulheres de Jebus, para não mencionar Betsabá, a esposa do hitita.
E foi por tais métodos e por meio de tais pessoas que Davi construiu a ficção de um reino divino de Judá como o sucessor na herança das tradições do reino do norte, em desaparecimento, do Israel efraimita. A tribo cosmopolita, de Judá, de Davi, era mais gentia do que judia; contudo os anciães oprimidos de Efraim vieram e “ungiram-no como rei de Israel”. Depois de uma ameaça militar, Davi então se uniu aos jebusitas e estabeleceu a sua capital do reino unido em Jebus (Jerusalém), que era uma cidade fortemente murada a meio caminho entre Judá e Israel. Os filisteus sentiram-se provocados e logo atacaram Davi. Após uma batalha feroz foram derrotados e uma vez mais Yavé foi estabelecido como “O Deus de todas as Hostes”.
Yavé, todavia, teria forçosamente de partilhar de alguma coisa dessa glória com os deuses cananeus, pois o grosso do exército de Davi era de não hebreus. E, desse modo, consta nos vossos registros (e foi negligenciado pelos editores judaitas) esta afirmação reveladora: “Yavé abriu uma brecha nos meus inimigos diante de mim. E, por isso, ele chamou o lugar de Baal-Perazim”. E fizeram isso porque oitenta por cento dos soldados de Davi eram baalitas.
Davi explicou a derrota de Saul em Gilboa destacando que Saul tinha atacado uma cidade cananéia, a de Gibeon, cujo povo tinha um tratado de paz com os efraimitas. Por isso Yavé abandonou-o. Mesmo na época de Saul, Davi defendera a cidade cananéia de Keila contra os filisteus, e então colocou a sua capital em uma cidade cananéia. Para manter a política de compromisso com os cananeus, Davi entregou sete dos descendentes de Saul aos Gibeonitas para que fossem enforcados.
Após a derrota dos filisteus, Davi ganhou a posse da “arca de Yavé”, trouxe-a para Jerusalém, e tornou oficial a adoração de Yavé dentro do seu reino. Em seguida ele impôs tributos pesados às tribos vizinhas — edomitas, moabitas, amonitas e sírios.
A corrupta máquina política de Davi começou a tomar posse pessoal da terra ao norte, violando os costumes hebreus, e, em breve, tomou a si o controle das taxas pagas pelas caravanas anteriormente coletadas pelos filisteus. E então veio uma série de atrocidades que culminaram com o assassinato de Urias. Todos os apelos judiciais foram julgados em Jerusalém; não mais “os anciães” podiam fazer justiça. Não é de se espantar que irrompesse a rebelião. Hoje, Absalom poderia ser chamado de demagogo; a sua mãe era uma cananéia. Havia uma dúzia de pretendentes ao trono, além do filho de Betsabá — Salomão.
Após a morte de Davi, Salomão expurgou a máquina política de todas as influências vindas do norte, mas continuou com toda a tirania e os impostos do regime do seu pai. Salomão levou a nação à bancarrota com as prodigalidades da sua corte e com o seu programa complicado de construções. Havia a casa do Líbano, o palácio da filha do Faraó, o templo de Yavé, o palácio do rei e a restauração dos muros de muitas cidades. Salomão criou uma vasta marinha hebraica, operada por marinheiros sírios que negociavam com o mundo inteiro. O seu harém tinha quase mil mulheres.
Nessa época o templo de Yavé em Silo estava desacreditado, e todo o culto da nação estava centrado em Jebus na deslumbrante capela real. O reino do norte retornou ao culto de Eloim. Eles gozavam do favorecimento dos faraós, que mais tarde escravizaram Judá, colocando o reino do sul sob taxações.
Havia altos e baixos — guerras entre Israel e Judá. Após quatro anos de guerra civil, e três dinastias, Israel caiu sob o domínio de déspotas citadinos que começaram a fazer comércio de terras. Até mesmo o rei Omri tentou comprar a propriedade de Shemer. Todavia, o fim desencadeou-se quando Salmanasar III decidiu controlar a costa do Mediterrâneo. O rei Acab, de Efraim, reuniu dez outros grupos e resistiu em Karkar; a batalha estava empatada. O avanço dos assírios tinha sido impedido, os aliados, contudo, foram dizimados. Essa grande luta nem é mencionada no Antigo Testamento.
Novos problemas tiveram início quando o rei Acab tentou comprar terras de Nabot. A sua esposa fenícia falsificou o nome de Acab em papéis que mandavam que as terras de Nabot fossem confiscadas sob a acusação de que ele tinha blasfemado contra os nomes de “Eloim e do rei”. Ele e os seus filhos foram prontamente executados. O vigoroso Elias apareceu em cena denunciando Acab pelo assassinato dos Nabots. E assim, Elias, um dos maiores dentre os profetas, começou os seus ensinamentos como um defensor dos velhos costumes sobre a posse das terras, e contra a atitude baalista de venda de terras, e contra a tentativa das cidades de dominar o país. Mas a reforma não teve êxito até que o grande proprietário Jehu juntasse forças com o cacique cigano Jonadab para destruir os profetas (agentes imobiliários) de Baal em Samaria.
Quando Joás e o seu filho Jeroboan liberaram Israel dos inimigos, surgiu uma nova vida. Todavia, nessa época, Samaria era governada por uma nobreza de bandidos cujas depredações rivalizavam-se com aquelas da dinastia davídica dos velhos tempos. O estado e a igreja funcionavam de mãos dadas. A tentativa de suprimir a liberdade de expressão levou Elias, Amós, e Oséias a começarem os seus escritos secretos, e esse foi o começo real da bíblia judaica e da bíblia cristã.
Mas o reino do norte não desapareceu da história até que o rei de Israel conspirasse com o rei do Egito e recusasse a pagar tributos adicionais à Assíria. Então começou o sítio de três anos, seguido da dispersão total do reino do norte. Efraim (Israel) desapareceu assim. Judá — os judeus, o “remanescente de Israel” — tinha começado com a concentração de terras nas mãos de uns poucos, como disse Isaías, “Juntando casa com casa e campo com campo”. Em breve havia em Jerusalém um templo de Baal ao lado do templo de Yavé. Esse reino de terror terminou com uma revolta monoteísta liderada pelo rei adolescente Joás, que fez as cruzadas de Yavé durante trinta e cinco anos.
O próximo rei, Amazías, teve problemas com a revolta dos contribuintes edomitas e os seus vizinhos. Depois de uma vitória notável ele voltou a atacar os seus vizinhos do norte e foi derrotado de um modo também notável. Então os campesinos revoltaram-se, assassinaram o rei e colocaram seu filho de dezesseis anos no trono. Este foi Azarías, chamado de Uzías por Isaías. Depois de Uzias, as coisas foram de mal a pior, e Judá ficou durante cem anos pagando tributos aos reis da Assíria. Isaías, o primeiro, disse a eles que Jerusalém, sendo a cidade de Yavé, nunca cairia. Mas Jeremias não hesitou em proclamar a sua queda.
A verdadeira eliminação de Judá foi feita por um círculo de políticos ricos e corruptos que operavam sob a direção de um rei adolescente, Manassés. A economia em mudança favoreceu a volta do culto de Baal, cujas negociações particulares eram contrárias à ideologia de Yavé. A queda da Assíria e da ascendência do Egito trouxe libertação para Judá, durante algum tempo, e os campesinos tomaram o poder. Sob Josias eles destruíram o círculo de políticos corruptos de Jerusalém.
Mas essa era chegou a um fim trágico quando Josias presumiu interceptar o poderoso exército de Necao, que se transladava da costa do Egito para ajudar a Assíria contra a Babilônia. O exército foi totalmente destruído, e Judá passou a pagar tributo ao Egito. O partido político de Baal voltou ao poder em Jerusalém e assim começou a verdadeira escravidão aos egípcios. Então se seguiu um período no qual os políticos do Baal controlaram tanto os tribunais quanto o sacerdócio. O culto a Baal era um sistema econômico e social que negociava com os direitos de propriedade tanto quanto com a fertilidade do solo.
Com a queda de Necao, deposto por Nabucodonossor, Judá caiu sob o domínio da Babilônia e recebeu dez anos de graça, mas logo se rebelou. Quando Nabucodonossor atacou-os, os judaitas iniciaram reformas sociais, tais como a libertação de escravos, para influir sobre Yavé. Quando o exército babilônio retirou-se temporariamente, os hebreus rejubilaram-se de que a sua magia para a reforma os tinha libertado. Foi durante esse período que Jeremias lhes disse da maldição iminente, e em breve Nabucodonossor voltou.
E assim o fim de Judá chegou subitamente. A cidade foi destruída, e o povo foi levado para a Babilônia. A luta Yavé-Baal terminou com o cativeiro. E o choque do cativeiro levou o resto de Israel ao monoteísmo.
Na Babilônia os judeus chegaram à conclusão de que não poderiam existir como um pequeno grupo na Palestina, tendo os seus próprios costumes sociais e econômicos e, para que as suas ideologias prevalecessem, eles deviam converter os gentios. Assim originou-se o seu novo conceito de destino — a idéia de que os judeus devem transformar-se nos servidores escolhidos de Yavé. A religião judaica do Antigo Testamento realmente teve a sua evolução na Babilônia, durante o cativeiro.
A doutrina da imortalidade também tomou forma na Babilônia. Os judeus haviam pensado que a idéia da vida futura tirava a atenção da ênfase do seu evangelho de justiça social. Agora, pela primeira vez a teologia desalojava a sociologia e a economia. A religião estava tomando forma como um sistema de pensamento e conduta humanos, mais e mais separados da política, da sociologia e da economia.
E assim a verdade sobre o povo judeu revela que muito daquilo que tem sido considerado como história sagrada não passa de um pouco mais do que uma crônica da história profana comum. O judaísmo foi o solo no qual o cristianismo cresceu, mas os judeus não foram um povo miraculoso.
Os líderes dos israelitas ensinaram-lhes que eles eram um povo escolhido, não para indulgências especiais ou para o monopólio do favorecimento divino, mas para o serviço especial de levar a verdade de um Deus acima de tudo a todas as nações. E eles prometeram aos judeus que, se cumprissem esse destino, eles iriam tornar-se os líderes espirituais de todos os povos, e que o Messias que viria reinaria sobre eles e sobre o mundo como o Príncipe da Paz.
Quando os judeus foram libertados pelos persas, eles voltaram à Palestina apenas para cair de novo na escravidão aos seus próprios sacerdotes, e o seu código de leis, de sacrifícios e de rituais. E, como os clãs hebreus rejeitaram a maravilhosa história de Deus, apresentada na oração de despedida de Moisés, para os rituais de sacrifício e de penitência, do mesmo modo esses remanescentes da nação hebraica rejeitam o conceito magnífico do segundo Isaías para as regras, as regulamentações e os rituais do seu crescente sacerdócio.
O egoísmo nacional, a fé falsa em um mal concebido Messias prometido, e a escravidão e a tirania crescente do sacerdócio silenciaram para sempre as vozes dos líderes espirituais (excetuando-se Daniel, Ezequiel, Hagai e Malaquias). E daquele dia até a época de João Batista, todo o Israel experimentou um crescente retrocesso espiritual. Mas os judeus nunca perderam o conceito do Pai Universal; até o século vinte depois de Cristo eles continuaram a seguir essa concepção da Deidade.
De Moisés a João Batista uma linha contínua de instrutores fiéis estendeu-se para transmitir, de geração a geração, a chama da luz monoteísta, enquanto, ao mesmo tempo, incessantemente repreendiam aos dirigentes inescrupulosos, denunciavam os sacerdotes que se comercializavam, e sempre exortaram o povo a aderir à adoração do supremo Yavé, o Senhor Deus de Israel.
Como nação, os judeus finalmente perderam a sua identidade política, mas a religião hebraica, de crença sincera em um Deus único e universal, continua a viver nos corações dos exilados dispersados. E essa religião sobrevive porque tem efetivamente funcionado para conservar os valores mais elevados dos seus seguidores. A religião judaica preservou os ideais de um povo, mas não conseguiu fomentar o progresso e encorajar as descobertas filosóficas criativas no âmbito da verdade. A religião judaica teve muitos erros — foi deficiente na filosofia e quase desprovida de qualidades estéticas — , mas conservou os valores morais; e por isso sobreviveu. O Yavé supremo, comparado a outros conceitos da Deidade, era claro, vívido, pessoal e moral.
Os judeus amavam a justiça, a sabedoria, a verdade e a retidão como poucos povos o fizeram, mas eles contribuíram menos que todos os povos para a compreensão intelectual e para o entendimento espiritual dessas qualidades divinas. Embora a teologia hebraica tenha se recusado a expandir-se, teve um papel importante no desenvolvimento de duas outras religiões mundiais, o cristianismo e o maometanismo.
A religião judaica persistiu também por causa das suas instituições. É difícil uma religião sobreviver como uma prática particular de indivíduos isolados. Esse tem sido sempre o erro dos líderes religiosos: apercebendo-se dos males da religião institucionalizada, eles buscam destruir a técnica de funcionamento em grupo. Em lugar de destruir todo ritual, eles fariam melhor se o reformassem. Quanto a isso, Ezequiel era mais sábio do que os seus contemporâneos; embora se unisse a eles para insistir na responsabilidade moral pessoal, ele também tentou estabelecer a observância fiel de um ritual superior e purificado.
E assim os sucessivos educadores de Israel efetuaram, na evolução da religião, o maior feito conseguido em Urântia: a transformação gradual, mas contínua, do conceito bárbaro do demônio selvagem Yavé, o deus espírito ciumento e cruel do fulminante vulcão do Sinai, no conceito posterior, elevado e superno do supremo Yavé, criador de todas as coisas e o Pai amoroso e misericordioso de toda a humanidade. E esse conceito hebraico de Deus foi a mais elevada visualização humana do Pai Universal até aquele momento, e esta foi ainda mais engrandecida e perfeitamente amplificada pelos ensinamentos pessoais e pelo exemplo de vida do Seu Filho, Michael de Nébadon.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Inédito! (VÍDEO) Demônio faz lobby contra a Igreja Mundial em favor da Igreja Universal.




Joachim Jeremias, Geza Vermes, e a Esperança Messiânica no tempo de Jesus


A palavra “Messias” vem do hebraico mashíah, que significa 'ungido', e é traduzida pelo termo latino Messias. Segundo o dicionário Aurélio, Messias tem o sentido religioso de: pessoa ou coletividade na qual se concretizavam as aspirações de salvação ou redenção; pessoa a quem Deus comunica algo de seu poder ou autoridade; líder carismático; e, na linguagem coloquial, embora referido ao sentido religioso, pessoa esperada ansiosamente. 

Por outro lado, “Messianismo” significa, na religião bíblica, a expectativa do Messias; a esperança de um salvador ou redentor. A área da Antropologia Social define messianismo como qualquer movimento político-religioso baseado na crença em um enviado divino (já presente ou ainda por vir) que anuncia e prepara a abolição das condições vigentes, e por fim instaura, ou reinstaura, uma era de plena felicidade e justiça. Aplica-se o termo especialmente quando tal crença pode ser considerada uma referência ideológica para grupos e povos em situação de crise e de dominação, como por exemplo em contexto de domínio colonial ou sob qualquer forma de dominação. Veja-se os movimentos milenaristas como a Guerra de Canudos no Brasil. 

Em sua concepção de messianismo, judaísmo e cristianismo têm muito em comum, mas também divergem em pontos essenciais . O conceito de Messias vem do judaísmo. Representa a esperança de Israel na vinda do enviado de Deus, quando a Aliança deste com o povo eleito chegará à sua plenitude e as promessas se cumprirão em toda a sua extensão. Já o cristianismo nasceu da fé em Jesus de Nazaré como Messias, que, traduzido em grego, é Cristo. Daí vem o nome do fato novo por Jesus inaugurado dentro da história: Cristianismo. O Cristianismo é uma releitura da religião judaica a partir da fé em Jesus como Messias. 

Essa é a grande diferença entre judeus e cristãos. Para os primeiros, o Messias ainda é esperado. Para os últimos, ele já veio. Em muito de sua proposta, na verdade em quase tudo, a estrutura cristã como tal vem do judaísmo. Assim acontece com o monoteísmo, o conceito de Criação, o homem como imagem de Deus, as atitudes básicas perante Deus, a aliança, a expiação, o decálogo, o repouso semanal e a ressurreição dos mortos. Os cristãos conservam as Escrituras judaicas, a Tanach, no seu cânon. Assim é que os livros de Moisés, os Salmos e os Profetas também são Escrituras sagradas dos cristãos. E depois a esses se acrescenta os livros do Novo Testamento.

A idéia de Messias se liga à esperança de um mundo renovado por Deus, um mundo de justiça e paz, íntegro e redimido. O Messias é aquele que inaugura este novo tempo, o Reino de Deus entre os homens. Por isso a expectativa messiânica é uma idéia e uma esperança profundamente revolucionárias. É a afirmação de um futuro radicalmente distinto do passado. E é a negação de uma história cíclica condenada à repetição infindável de suas grandezas e misérias. Essa idéia, que fez a humanidade dar um verdadeiro salto qualitativo, foi fundamento de muitos movimentos libertários na história ocidental. 

Nunca mais o mundo foi o mesmo depois que surgiu a fé no Messias. Como dizia um sábio judeu: “Cada segundo é uma porta estreita por onde o Messias pode entrar”. Desta maneira, a esperança adquire o seu mais vigoroso fundamento. Portanto, quando Jesus de Nazaré se levanta na Galiléia e se manifesta ao povo, sua pessoa e sua pregação vão de encontro às mais profundas esperanças que aquele mesmo povo carregava consigo.

A Esperança Messiânica no tempo de Jesus

No tempo de Jesus os diversos grupos religiosos existentes gozavam de grande reputação diante do povo. Os homens simples passavam a ser influenciados pelas diversas mentalidades apresentadas por estes partidos, eram imersos neste turbilhão de expectativas. Esses grupos apresentavam suas doutrinas, de forma especial no referente ao messianismo. 

Os Fariseus: eram conhecidos como homens extremamente apegados à lei, cumpridores de todas as menores prescrições que se encontravam nela. Esperavam um Messias que cumprisse as Escrituras e levasse Israel à vivência plena da lei. Conhecidos por sua grande piedade e herdeiros da tradição dos assideus, este grupo esperava que o Messias realizasse tudo conforme as Escrituras. Eram hostis à dominação romana e esperavam que o Messias fizesse tombar este reino opressor, depositando nele a esperança de restauração do reinado de Davi. Os fariseus sustentavam o culto nas sinagogas, voltado para a explicação da Lei (junto a eles se encontrava a maioria dos escribas), e influenciavam desta forma o povo com suas idéias em oposição ao Templo. 

A esperança dos fariseus permanece profundamente nacionalista. Ela não esquece o apego ao Reino de Deus, virtualmente universalista. Mas a escolha de Israel e as promessas feitas à dinastia davídica fornecem à representação do Reino de Deus um suporte concreto: a realização do desígnio de Deus na história gira em torno do êxito dessas promessas. Este é impossível sem a fidelidade de Israel à Torah. Mesmo a restauração do poder político graças ao advento do Messias não tem outro objetivo senão a volta integral do povo a esta fidelidade. O nacionalismo religioso não é, portanto, concebido como uma espécie de anexação de Deus, posto a serviço das ambições de Israel: ele tem por objetivo o serviço a Deus por parte de Israel e, finalmente, por parte das outras nações, que também o reconhecerão e lhe serão submetidas. A exclusão de todo pecado, de toda injustiça, de toda opressão, constitui um objetivo essencial confiado ao povo e ao próprio Messias. Na expectativa do advento deste último, no momento que só Deus conhece, Israel deve desde já esforçar-se neste sentido, seguindo um caminho diferente e único, calcado no cumprimento da Lei. 

Os Essênios: representavam um grupo especial no judaísmo deste período. Judeus de estilo monástico, estes homens moravam em sua maioria em centros onde praticavam a vida comunitária e, entre outras coisas, o celibato. Estes homens eram profundamente admirados por sua ascese e sua piedade. O historiador Flávio Josefo os chama de "os mais fantásticos dentre os homens". Eram extremamente hostis a Roma e ao culto realizado no Templo. Este grupo esperava um Messias sacerdotal/régio que destruiria o culto desvirtuado praticado no Templo e instituiria o culto verdadeiro. Este grupo era extremamente belicoso e estava preparado para tomar armas e lutar guiados pelo Messias. “Não há dúvida de que o essenismo esperou, com certa impaciência, o cumprimento das promessas proféticas que falavam da libertação de Israel e do estabelecimento de um povo ideal”. A teoria dos dois ‘Messias’, de Aarão e de Israel, marca com clareza o caráter sacerdotal do partido religioso conhecido pelos textos de Qumran: a semente de Davi estará subordinada ao sacerdote escatológico, em um povo cuja vida estará centrada em Jerusalém, no seu Templo e no seu culto. 

Os Saduceus: eram o grupo formado pela aristocracia sacerdotal, aqueles que dominavam o Templo. Possuíam uma doutrina estritamente fechada, aceitando apenas o livro da Torá e eram bastante reservados com relação a novidades da teologia judaica como a existência dos anjos, a ressurreição dos mortos e outros. Este grupo simpatizava com a dominação romana e não esperava um Messias.

Os Zelotas: eram nacionalistas como os fariseus, porém de um zelo ainda mais acentuado. A seu respeito nos escreve Flávio Josefo: "estavam sob todos os aspectos de acordo com a doutrina dos fariseus, exceto nisto: a paixão deles pela liberdade era inabalável, dada a sua convicção de terem Deus como seu único Senhor". Era, portanto, difícil perceber o limite entre os fariseus e os grupos ativistas, entre os quais se encontravam os zelotas: a diferença situava-se essencialmente no campo das atitudes práticas, e não das concepções religiosas mais fundamentais em matéria de messianismo. Estes judeus nacionalistas eram conhecidos pelo seu forte caráter ativo, ou seja, estavam sempre prontos a tomarem armas e enfrentarem os dominadores romanos. Eram conhecidos também por "sicários", que significava ‘homens do punhal’, pois sempre tinham uma faca sob o manto para enfrentarem os soldados romanos. Existe a hipótese de que Judas Iscariotes, o apóstolo conhecido por ter traído Jesus, fosse sicário. Inclusive seu nome, Iscariotes, é uma corruptela de sicário, com grafia bastante parecida à deste nome. 

Dentre todas estas formas de expectativas e aspirações, percebemos elementos comuns que nos permitem sintetizar a figura de um messias político do qual se esperava que deveria restaurar a glória do Império Davídico. No século I da nossa era, os judeus apegados à corrente que liderava o povo desde o tempo dos reis e dos profetas, esperavam um Messias filho de Davi que realizasse, em primeiro lugar, a sua libertação política, e vencesse (ou até exterminasse!) as potências pagãs, estabelecendo em Israel uma ordem social justa e conforme às exigências da Tora. Ele restituiria ao Estado judeu o brilho perdido há muito tempo, asseguraria um reconhecimento universal do Deus único, permitiria a irradiação do Templo em que todas as comunidades dispersas viriam em peregrinações regulares até a sede do Judaísmo oficial. Em suma, o Messias seria aquele que conduziria ao seu coroamento a obra dos grandes reis de outrora. Esse sonho aparecia no horizonte desde o momento em que era pronunciado o nome do Messias. Certamente ele está subordinado ao tema muito mais fundamental do Reino de Deus, ele mesmo ligado à observância da Torah. Mas ele não é independente desse tema: é até a condição indispensável dele. Assim a esperança conserva uma dimensão de nacionalismo religioso, dimensão esta que até hoje não foi posta em questão por nada: o povo, a terra, o Templo, o culto, são aspectos indispensáveis da salvação esperada; a ‘redenção de Israel’ passa necessariamente por eles.

Podemos então, à raiz disto, perceber que os contemporâneos de Jesus e mesmo seus discípulos possuíam uma compreensão do messianismo influenciada por alguns destes grupos. Ao afirmarem, portanto, que Jesus é o "Messias", eles o faziam tendo em vista alguns desses "projetos humanos de Messias" e recebiam o impacto das expectativas messiânicas das principais correntes políticas de seu tempo. Os termos mesmo da pregação de Jesus foram muitas vezes bastante mal entendidos pelos discípulos e por todos os que o seguiam, pois, embora percebessem e experimentassem que de alguma forma Jesus respondia à aspiração messiânica de todos os grupos, não se conformava totalmente a nenhuma delas. Ao falar dos mistérios do Reino, o povo e os discípulos se deixavam atrair e fascinar por Ele e suas palavras, mas o entendiam conforme suas limitadas perspectivas. E também desenvolviam em relação a ele expectativas reduzidas e que não correspondiam ao que o próprio Jesus sentia ser sua missão e o desejo do Pai para sua vida. 

Podemos então, à raiz disto, perceber que os contemporâneos de Jesus e mesmo seus discípulos possuíam uma compreensão do messianismo influenciada por alguns destes grupos. Ao afirmarem, portanto, que Jesus é o "Messias", eles o faziam tendo em vistas "projetos humanos de Messias" e recebiam o impacto das expectativas messiânicas das principais correntes políticas de seu tempo. Os termos mesmo da pregação de Jesus foram muitas vezes bastante mal entendidos pelos discípulos e por todos os que o seguiam, pois, embora percebessem e experimentassem que de alguma forma Jesus respondia à aspiração messiânica de todos os grupos, não se conformava totalmente a nenhuma delas. Ao falar dos mistérios do Reino, o povo e os discípulos se deixavam atrair e fascinar por Ele e suas palavras, mas o entendiam conforme as suas limitadas perspectivas. E também desenvolviam em relação a ele expectativas reduzidas e que não correspondiam ao que o próprio Jesus sentia ser sua missão e o desejo do Pai para sua vida. 

A autoconsciência messiânica de Jesus

A messianidade de Jesus é ponto fundamental da fé das primeiras comunidades cristãs. Para Marcos – e por extensão, para os evangelhos sinóticos – isto se explicita com a confissão de fé do centurião romano, ao contemplar a morte de Jesus. Na declaração do centurião pagão, está a confissão de fé da comunidade cristã. Assim também está no princípio do Evangelho de Marcos que se autoproclama “Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.” Essas palavras já designam Jesus de Nazaré como o Messias esperado, o que em si mesmo já é uma confissão de fé. O Messias e o carpinteiro Jesus que morreu crucificado pelos romanos são, então a mesma pessoa, quer dizer o evangelista. Esse Messias é inseparavelmente o Filho de Deus. O evangelista nos dá a fórmula da fé: vincula a pessoa de Jesus a um certo quadro histórico: o do ambiente judaico que espera a vinda de um Messias, que clama pela Redenção. 

Jesus, de acordo com o evangelho de Marcos, teve experiências espirituais que lhe foram marcantes na consciência de ser enviado para uma missão. Trata-se de experiências verdadeiramente vocacionais, como por exemplo o Batismo que é uma experiência fundante na vida de Jesus. Mesmo entre pensadores judeus, como Geza Vermes, é aceito que Jesus se considerou Filho de Deus em uma condição especial em virtude de suas experiências do Pai e devido à missão recebida. Diz Geza Vermes que essa distinção filial especial foi aceita por Vermes com um conteúdo messiânico: “comparando com o status do judeu comum, acredita-se que o Messias seja filho de Deus em sentido elevado e que, vice-versa, Deus é visto como seu Pai de forma distinta”. 

É desta misteriosa consciência de ser Filho e do fato que esta filiação configurava seu messianismo que deriva a autoridade de Jesus. A compreensão, aliás, da autoconsciência de Jesus passa necessariamente por sua experiência de Deus. Ele trata a Deus por Abba, meu Pai, e estimula seus discípulos a que entendam a Deus como “vosso Pai”. Assim Deus para Jesus é um Pai acessível a todos, que pode ser buscado e encontrado na oração, independentemente da mediação de pessoas e lugares sagrados. Para a sensibilidade dos contemporâneos de Jesus teria parecido irreverente, até mesmo inimaginável, invocar a Deus usando uma palavra tão familiar como Abba. Jesus porém ousou empregar a palavra Abba como invocação a Deus. E grandes exegetas como Joachim Jeremias afirmam que esta denominação Abba é uma ipsissima vox, ou seja, uma palavra que pode ser atribuída ao Jesus histórico. Na invocação Abba expressa-se o último mistério da missão de Jesus. Ele se entendia como alguém que havia recebido os plenos poderes para transmitir a revelação de Deus, porque este Deus se tinha dado a conhecer a ele como seu Pai querido. 

Por isso, a tendência da cristologia ascendente hoje nos permite afirmar que Jesus experimentou sua autoconsciência messiânica não em termos de um messianismo régio ou monárquico ou mesmo de uma condição de ser pré-existente, mas de um chamado divino. O que caracteriza portanto o messianismo de Jesus é o fato de sentir-se eleito e enviado para realizar uma missão divina particular e obedecer estritamente ao chamado de Deus. 

Nesse sentido as ações e o ensinamento de Jesus mostram que ele se autocompreendia dentro de uma relação marcante com Deus seu Pai e investido de uma missão especial. O sofrimento e a morte, do mesmo modo que a esperança na ressurreição foram assumidos como decorrência da obediência irrestrita à vontade do Pai. Essa vontade, necessariamente, contrariava a vontade daqueles que não aceitavam o messianismo de Jesus e sua ação libertadora e desejavam que a configuração do campo religioso judaico oficial permanecesse tal como estava antes de Jesus começar sua pregação. E embora Jesus tentasse e pretendesse conservar em segredo a natureza da autoridade que o fazia tão especial, sua coerência e a força de seu carisma não deixaram de provocar indignação naqueles que desejavam esse carisma para poder ter maior influência sobre o povo e que, no entanto, não o tinham. Esses mesmos que, observando a conduta de Jesus, entendiam o que acontecia com ele porque conheciam a religião e o Deus de Israel, que Jesus chamava de Abbá.

Um texto chave para a compreensão da autoconsciência messiânica de Jesus é o relato do capítulo 8 do evangelho de Marcos vv 27-33 : 
E saiu Jesus, e os seus discípulos, para as aldeias de Cesaréia de Filipe; e no caminho perguntou aos seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens que eu sou? E eles responderam: Joäo o Batista; e outros: Elias; mas outros: Um dos profetas. E ele lhes disse: Mas vós, quem dizeis que eu sou? E, respondendo Pedro, lhe disse: Tu és o Cristo. E admoestou-os, para que a ninguém dissessem aquilo dele. E começou a ensinar-lhes que importava que o Filho do homem padecesse muito, e que fosse rejeitado pelos anciãos e príncipes dos sacerdotes, e pelos escribas, e que fosse morto, mas que depois de três dias ressuscitaria. E dizia abertamente estas palavras. E Pedro o tomou à parte, e começou a repreendê-lo. Mas ele, virando-se, e olhando para os seus discípulos, repreendeu a Pedro, dizendo: Retira-te de diante de mim, Satanás; porque näo compreendes as coisas que säo de Deus, mas as que são dos homens.

Esse texto é como um divisor de águas a respeito da compreensão que os discípulos têm sobre Jesus e sobre o que Ele diz de si mesmo. O evangelista Marcos, o mais antigo que tenha chegado até nós, conduz seus leitores frente ao fato de que Jesus não entende seu messianismo como uma atividade meramente política, de poder, mas sim de serviço, que incluirá a incompreensão, a rejeição e o sofrimento. Marcos lembra que o drama da Cruz é inseparável do messianismo jesuânico, uma vez que o próprio Jesus havia interpretado sua vida e sua missão como serviço e não como poder despótico. 

Marcos deixa além disso claro que esse messianismo que Jesus se dispunha a viver defraudou a muitos que esperavam que o messias fosse um libertador político e finalmente os libertasse do jugo do opressor estrangeiro. Jesus, quando afirma que um profeta nunca é bem recebido em sua própria terra não reprova o conceito que o povo tem dele. Não pretendeu amoldar-se às expectativas do povo para conseguir a aceitação, mas manteve-se fiel ao que sabia que Deus lhe havia dado como missão. 

O povo vê, sim, em Jesus um profeta que se dirige às dimensões religiosa e social do ser humano, mostrando-lhes o sentido da vida e a atitude correta a ter para com Deus e com os outros a fim de viver plenamente. Mas se afasta dele no momento em que compreende com certeza que ele não será nem pretenderá ser o reformador político que eles de alguma maneira esperam. 

A resposta dos discípulos simbolizados pela figura de Pedro, o chefe dos apóstolos, dá bem conta de que, embora se trate de uma afirmação de fé válida para o cristianismo primitivo, o Messias descrito na confissão de Pedro não se coaduna exatamente com o que Jesus pensava sobre si mesmo. Talvez, como supõem alguns exegetas e teólogos, essa confissão de fé ainda não estaria madura durante a vida terrena de Jesus. 

Em todo caso, Marcos deixa entrever aí, neste texto que é pós-pascal, porque já narra os detalhes da paixão e da ressurreição, que passou o tempo do segredo messiânico. A partir do v. 30 do capítulo 8, Jesus começa a revelar abertamente o conteúdo de sua messianidade, seja recusando a tendência de compreendê-lo em dimensão meramente política, seja oferecendo outro horizonte, que não se reduz à redenção nacional de Israel, mas abre os horizontes para além do povo eleito, apontando para uma redenção inclusiva para todos. Em relação a Pedro e aos apóstolos também, a advertência de Jesus, refletida na confissão petrina, mostra Jesus como o inverso do Messias esperado. Não um rei poderoso, mas um humilde e obediente servo de Deus seu Pai. 
Na tradição judaica, o Messias seria o ungido e sua ação teria três pontos básicos: conseqüências reais de libertação para o povo judeu; a bênção de Deus iria permanecer e criar um estado permanente de reconciliação; o resultado da ação do messias seria uma era de justiça, de partilha e solidariedade, com a satisfação plena de todas as necessidades humanas, como saúde, alimentação, moradia e inclusão social. Tudo isso, com o que Jesus pensava e dizia sobre si mesmo, parecia cair por terra. Por aí podemos compreender a dimensão conflitiva que carregava sua messianidade para aqueles que com ele conviviam, mesmo para os que o seguiam mais de perto. 

Os estudos sobre os evangelhos sinóticos e muito concretamente sobre o de Marcos mostram que até o momento da confissão de Pedro, Jesus relutou muito em aceitar o título de Messias e se o aceita a partir deste momento, certamente foi com outro conteúdo. Os discípulos contavam seguir um Messias vencedor dos inimigos de Israel e que iria triunfar sobre os romanos. Esperavam um rei vencedor! O que descobrem, decepcionados, é que Jesus não tinha assumido essa identidade. O Reino de que falava era de outra natureza. Instaura-se uma crise de desencanto e conflito no grupo de discípulos. 

A expressão “era necessário” que aparece não somente aí, mas também e inclusive nos relatos de aparições do Ressuscitado, como a aparição aos peregrinos de Emaús, etc. não significa que as dores messiânicas pelas quais Jesus devia passar eram parte de uma seqüência de eventos do final dos tempos, mas sim o cumprimento da vontade de Deus que não se dava sem dor e sofrimento. É de se notar que naquele momento não se poderia ainda falar da morte de Jesus em sentido salvífico, em nível de consciência jesuânica, mas como parte da visão que Jesus tinha de sua missão messiânica, que poderia incluir o sofrimento e a morte. E o evangelista está bem consciente disso. Ciente das realidades que o aguardavam, Jesus prevê o desfecho que haveria em Jerusalém. Mas confia no Pai e em seu poder. Trata de expor claramente estas coisas a seus discípulos, mas eles não o entendiam por estarem fixados no sonho do poder político. 

A comprovação daquilo que aqui afirmamos é o desejo de um cargo ou poder político, que aparece em Mc 10, 35-46, e que demonstra que os discípulos continuavam surdos e cegos. Seu Messias era o que eles tinham construído em seus sonhos e não aquele servo de Deus que Jesus revelava. Depois dos acontecimentos de Cesaréia, Jesus começa a conviver com a realidade de que o objetivo básico de sua missão entraria em confronto com os poderes do mal em suas inúmeras formas, no ser humano e nas estruturas sociais nas quais ele vivia e agia. 

Após a Páscoa, a comunidade vai relendo a vida e a morte de Jesus. A Paixão ganha um sentido vicário, harmonizando o conceito judeu de Messias com a Cruz que lhe foi imposta pelos romanos. Jesus vai sendo aceito e cultuado como Messias Crucificado. E sua cruz purifica os sonhos messiânicos dos discípulos inclinados ao mecânico, ao mágico e ao egoísta. 

Jesus mostra que seu messianismo está relacionado com o serviço a Deus. Seu messianismo não é monárquico e triunfal. Do ponto de vista político, Jesus será rejeitado justamente pelas autoridades formadas pelos anciãos, sacerdotes e escribas, representantes das principais correntes do Sinédrio. São esses que o condenarão. O sonho de glória dos discípulos que esperavam participar de um poder terreno de Jesus, é transtornado e frustrado pela realidade do sofrimento de Jesus. 

Ao descrever os fatos relativos a seu futuro, Jesus vai usar a expressão “Filho do homem” para referir-se a si mesmo. Segundo Joachim Jeremias, os ditos de Jesus sobre os sofrimentos do Filho do Homem têm em comum entre si a tradição de que Jesus previu, no decurso de sua atividade, o sofrimento e a morte como inevitáveis. 

Assim, cremos poder interpretar com consistência que Jesus usou a expressão Filho do Homem para simplesmente referir-se a si mesmo. Não a expressou no sentido da consciência de ser uma pessoa de outra natureza, que não a humana mas de ser uma pessoa humana com uma missão de natureza divina. Acreditava – e a comunidade cristã dará testemunho disso – que o momento histórico que vivia seria seguido por um momento apocalíptico e que Ele mesmo, sofredor agora, seria exaltado depois no Reino de Deus. Essa concepção não somente recalca a inevitabilidade das dores messiânicas como também a confiança irrestrita que Jesus tinha com relação ao cuidado e ao amor de Deus para com sua pessoa, vida e missão. 

Aos discípulos parece impossível reconciliar o sonho messiânico com a morte de Jesus, justamente sob o domínio das autoridades da nação a quem pretendiam libertar e governar. Não admira que Jesus repreenda a Pedro que o quer afastar do caminho que ele acredita ser o seu . Para Jesus o que Pedro propunha fugia da vontade de Deus para sua vida e missão, pois ela certamente não consistia em retomar o reino de Israel das mãos do Império romano por meio de uma ação guerrilheira de configuração zelote ou sicária. Jesus deixa claro que não pretendia restaurar a monarquia judaica e que sua consciência messiânica estava firmemente fundamentada não em sua ação, mas na ação de Deus.

Marcos não está preocupado com o julgamento do mundo e da história, mas com o tempo em que a comunidade a que se dirige vive, tempo este que separa a Páscoa de Jesus – na morte e ressurreição - de sua manifestação gloriosa. Este tempo deve ser um tempo propício para confessar Jesus a uma geração adúltera e infiel. A tomada de consciência de Jesus a respeito de seu messianismo foi processual, como esperamos demonstrar neste capítulo. Justamente por isso a comunidade de Marcos tinha para garantir sua fidelidade ao Messias Jesus tal como este se havia compreendido e manifestado apenas a vida concreta e histórica de Jesus de Nazaré, sua morte de cruz e a experiência de senti-lo vivo e ressuscitado da morte por Deus seu Pai.

Dificuldades na interpretação do messianismo de Jesus

Vimos, pois, que o messianismo bíblico tem formas diversas e a pessoa, a pregação e ação de Jesus vão se dar em meio a essa pluralidade de formas e expectativas. Na época de Jesus, a ocupação romana e o clima apocalíptico haviam exacerbado a espera e o povo aspirava intensamente por uma libertação. Havia mesmo casos em que as multidões se deixaram seduzir e arrastar por pseudo-messias, havendo toda a aventura terminado em grande massacre. 

Aqueles, porém, que seguiram Jesus viram nele o Messias tão esperado e finalmente presente. A radicalidade do seguimento e da pretensão de Jesus ao chamar seus discípulos já implica uma confissão de fé em sua pessoa. A formação de um grupo de seguidores e discípulos era comum entre os rabinos judeus. Jesus também o faz, reunindo discípulos à sua volta, mas com algumas conotações próprias que fazem o seu discipulado diferente dos outros: 
. Os candidatos não se apresentam. Jesus escolhe soberanamente "os que quer" (Mc 3,13)
. Não se trata de uma relação temporária mestre - discípulo que dura apenas até o discípulo se tornar mestre. Só há um Mestre até o fim (Mt 10,24 s; 23, 8).
. A ligação dos discípulos de Jesus com ele, o Mestre, é total, (mais que a dos rabinos com seus discípulos): devem dispôr-se a partilhar seu caminho errante e sem abrigo, seu destino perigoso, a ameaça constante da morte que ronda. Trata-se de uma comunidade de vida total e de destino.
. A decisão de segui-lo implica a ruptura de todas as amarras, o abandono de tudo (Mc 10,28), e mesmo o risco da própria vida (Mc 8, 34).
. Este seguimento radical equivale a uma confissão de fé em Jesus que terá como continuidade a confissão de fé pré e pós pascal que o reconhece como Filho de Deus. Não há homem que possa exigir tal radicalidade de seguimento. Assim também os mesmos discípulos vão reconhecer neste que vêem glorioso após a Ressurreição o mesmo a quem seguiram pelos caminhos da Palestina e que viram fracassado e morto na cruz. É do Mestre que foi Crucificado que dirão: “Este é o Filho de Deus, Senhor e Cristo” 

O Evangelho de Marcos situa o seguimento radical desde o início das pregações jesuânicas. Pode-se afirmar que os discípulos já tinham visto a Jesus e haviam se sentido cativados por suas palavras e seu carisma. Podemos mesmo ousar pensar que tenham reconhecido nele o motivo de suas esperanças, e por isso o seguiram de forma tão ousada, deixando tudo para trás. Aqueles que deixavam tudo traziam uma firme esperança em seus corações.

A multidão também se encanta e passa a segui-lo e aclamá-lo. Neste contexto de reconhecimento e êxito, Jesus chama solenemente os seus apóstolos "para permanecerem com Ele". E esses que foram chamados para algo mais íntimo e participativo do que a multidão, se encantam com as Palavras do Mestre e os milagres que ele opera, reconhecendo em seus feitos e ensinamentos palavras que lhes fazem lembrar o que conheciam sobre o Messias, ensinado pelos vários grupos que formavam o tecido sócio-religioso do povo de Israel.

Porém este período de êxito e entusiasmo encontra um momento de crise, um momento onde aqueles que seguem a Jesus passam a questionar-se sobre se ele é de fato aquele que esperam. Muitos percebem que não é o "Messias" como queriam e sonhavam que fosse. Encontramos neste período a crescente hostilidade entre Jesus e os chefes dos judeus que percebem que Jesus faz desmoronar muitos de seus ensinamentos.

A sombra do conflito e da cruz não obscurece apenas a última semana da vida de Jesus; pesou, de modo crescente, sobre todo o último período de sua pregação em Israel. A exegese e a teologia identificam aí uma mudança decisiva no ministério de Jesus, que é indicada com o nome de ‘crise galiléia’. Esta "crise galiléia" atinge também os discípulos, que passam a viver esta tensão ao verem o povo rejeitando a mensagem de Jesus e os líderes condenando os seus ensinamentos. 

Há alguns trechos dos Evangelhos que demonstram que mesmo os mais próximos a Jesus não conseguem compreender o modo como ele assume sua missão. Ao primeiro anúncio da Paixão, Pedro reage protestando que aquilo jamais poderá lhe acontecer (Mc8, 31ss). A multiplicação dos pães não é entendida pelos discípulos, a tal ponto que Jesus os questiona sobre se querem permanecer com ele ou ir embora (Mc 6,52). Jesus mesmo critica a dureza de coração e a dificuldade de compreender sua pessoa e seu mistério que vê nos discípulos (Mc 8, 14-20). Ao convidar os discípulos a viver os últimos dias de perseguição com Ele, estes supõem que ele finalmente está aderindo à corrente messiânica de sua época e os convoca a tomar armas. (Lc 22, 35-38). A multidão, em um determinado momento começa a ir embora e não anda mais com ele, sobretudo após a multiplicação dos pães e sua declaração de que o pão que ele dá é sua carne para a vida do mundo (Jo 6,60-66).

Pode-se perceber, portanto, como cresce paulatinamente a crise entre Jesus e aqueles que o seguiam por causa de uma diferença de visões de seu messianismo. Mais e mais vemos desenvolver-se a frustração entre aqueles que esperavam que ele fosse um Messias segundo as expectativas dos diversos grupos que influenciavam a esperança de Israel. 

Cresce também a oposição dos "chefes judeus" que não o aceitam ou o compreendem e querem impor-lhe uma norma de conduta, sentindo-se acusados em seu orgulho por Jesus. Os próprios discípulos começam a enfrentar esta crise quando Jesus passa a lhes anunciar o mistério da paixão. Encontravam-se presos a uma visão de Messias conforme a suas concepções, que oferecesse acima de tudo poder e glória. Esta rejeição supõe também uma rejeição interna, ou seja: eles rejeitavam o caminho abraçado por Jesus e escolhiam para si um caminho segundo seus próprios desejos. Jesus insiste em revelar a seus apóstolos o âmago de sua missão, mas estes permanecem fechados e não o entendem. 

Jesus: Messias e Servo

O messianismo de Jesus inclui e supõe sua submissão obediente à vontade do Deus que ele chama de Abbá = Pai. Nesta linha, o “sim” de Jesus à sua vocação messiânica significa para o kerigma das primeiras comunidades cristãs o pressuposto de seu caminho para a cruz e de sua ressurreição e glorificação. Jesus Cristo não é um messias triunfal. Com efeito, a expressão mais completa de sua messianidade se encontra no chamado hino cristológico, incorporado por Paulo a sua carta aos Filipenses (Flp 2,5ss), descrevendo o caminho de Jesus em kénosis, humilhação e obediência até a morte , pressuposto de sua exaltação à direita de Deus. 

O itinerário de Jesus contém a resposta sobre a identidade de seu messianismo. Apoiando-se sobre a promessa de Deus, e não sobre as expectativas humanas, ele quis ir ao encontro do ser humano naquilo que este tem de mais verdadeiro e fundamental: sua liberdade e responsabilidade. Jesus mostra por sua vida qual é a prática que convém pôr em marcha para significar a concretização do projeto do Reino de justiça e para que o verdadeiro Deus seja adorado. O amor e o serviço vão juntos com o reconhecimento de Deus que é amor.

A fecundidade histórica do messianismo de Jesus não será, portanto, fruto do poder, mas do serviço mais humilde, que começa a partir de baixo, resgatando a todos a partir dos mais pobres, oprimidos e diminuídos da sociedade. O caminho de Jesus de Nazaré, reconhecido e proclamado Messias de Deus, irá em curva descendente, sempre para baixo até desembocar na morte. Será um caminho difícil e doloroso. Deverá fazer-se entre a recusa de uma salvação que poderia ser fuga das realidades deste mundo em nome de uma espiritualidade desencarnada e a recusa de uma salvação que prefere ao perdão e à misericórdia gratuita e sem limites a violência dominadora. Eis por que as testemunhas desta salvação trazida por Jesus, homem que vem de Deus, são não os poderosos, mas os pequenos e rejeitados, os marginalizados de toda sorte. 

Esta é a lógica de Deus que Jesus de Nazaré assumiu e revelou em toda plenitude. Para revelar uma reconciliação universal, era necessário começar a situar seus sinais a partir dos excluídos. Não é nem seria possível haver excluídos à mesa de Jesus porque seus anfitriões são justamente os excluídos. Jesus revela em sua pessoa e em sua prática que a salvação de Deus é recusa de poder e de violência que rejeita e mata. E é por isso que as vítimas de toda sorte e os pobres é que lhe vão à frente e preparam seu caminho. 

A consciência deste messianismo, o próprio Jesus, plenamente humano, a irá adquirindo e assimilando enquanto vive, fala e atua; em seu ministério e em seu itinerário em direção a Jerusalém. Os evangelhos sinóticos relatam a história de Jesus à luz do mistério Pascal e justamente por isso apresentam a messianidade de Jesus como um mistério. Não projetam uma messianidade forçada sobre uma vida não messiânica. 

A passagem de Mc 8, 27-31, quando Jesus pergunta aos discípulos: “Quem dizeis que eu sou?” reflete a autenticidade de uma questão pelo mistério que Jesus é para si mesmo. Diante da confissão de Pedro, que o afirma como Messias, Jesus responde a si mesmo e aos discípulos. E essa resposta é o anúncio de sua Paixão. Somente na morte e na ressurreição se revelará quem ele é de fato. A resposta de Jesus à pergunta sobre seu messianismo, portanto, é anuncio da Paixão e chamado ao discipulado, chamado a segui-lo por este caminho. É o caminho do Messias feito de muito sofrimento, rejeição, morte. É a descida radical, em total auto-esvaziamento para o lugar onde não há mais nenhum suporte, senão somente o Deus que é Pai no qual Jesus confia com todo o seu coração de Filho. 

O verdadeiro mistério messiânico de Jesus, portanto, não se enquadra em nenhuma das categorias vigentes, mas é um mistério de serviço e de paixão. Mistério de uma paixão que é a culminância de um serviço obediente até o fim. Por meio de seu sofrimento, o Messias aprendeu a obediência, dirá a Carta aos Hebreus (Cf. Heb....) e somente nessa obediência ele se experimentará a si mesmo como Filho de Deus e Messias. 

Por isso Jesus, de uma certa maneira, é configurado por sua missão messiânica tão desconcertante aos olhos dos que o seguem. Seu messianismo não é algo que ele possui, mas a identidade mais profunda de seu ser divino e humano, enviado pelo Pai que no seio da história vai experimentando os acontecimentos do tempo messiânico que Ele mesmo inaugura. Esses acontecimentos o vão plasmando, configurando, chegando a sua plenitude nos sofrimentos do Servo de Deus e nas dores de parto da nova criação. 

Aquele a quem a comunidade chamará Senhor (Kyrios) chega a este senhorio apenas e unicamente pela via do serviço. Seu senhorio se revela num serviço humilde e sem triunfalismo . O Senhor exaltado é inseparavelmente o Servo de Deus e é por causa da sua condição de servo que se lhe pode proclamar Senhor. O conceito de Servo, presente por exemplo em Mc 10,44, tem indubitavelmente o pano de fundo de Is 53, ou seja, traz consigo o ‘ebed ywhw, centro de interesse dos cânticos do servo de Deus, que segundo uma antiga tradição foi aplicado a Jesus. Este tema perpassa todos os Evangelhos Sinóticos, ainda que muitas vezes não expresso com a palavra servo (doulós, paîs), mas como hyiós( = filho) (Cf. Mc 1,11 e pars = batismo; Mc 9,7 = transfiguração).

Em João, não aparece a denominação de Jesus como servo (paîs ou doulos), mas somente como filho (hyios). No entanto, segundo as circunstâncias do Evangelho, se dá também o motivo temático do servo (cf. Jo 13, 4ss: o lava-pés, serviço humilde do escravo, realizado por Jesus às portas de sua paixão). Assim Jesus Cristo, o Senhor exaltado à direita de Deus Pai, é inseparavelmente o servo que se esvazia das prerrogativas gloriosas de sua condição divina, para entrar num caminho de obediência que o levará até o sacrifício da cruz (cf. Fil 2,5ss).

O seguimento de Jesus: caminho de serviço 

Isso implica, para todos os cristãos, que entrar no caminho de Jesus Cristo é inelutavelmente entrar em sua obediência, em seu serviço humilde, em sua fidelidade ao Abbá=Pai até a morte de cruz, em seu amor aos irmãos até dar por eles a vida. Somente então se poderá participar em sua glória, na medida em que a infinita ciência e o senhorio de Deus o determinem. 

Para a comunidade eclesial, será algo de fundamental importância perceber e seguir o caminho vivido por Jesus de Nazaré na etapa terrena de sua vida, etapa que se caracteriza como de esvaziamento-serviço. Nessa etapa, a comunidade observa atitudes, prioridades, comportamento, pregação e opções de Jesus. E percebe que esses elementos de sua vida histórica têm valor paradigmático. “Para recuperar o messianismo de Cristo, é necessário voltar a Jesus de Nazaré. Mas então nos encontramos com uma novidade impensada: Jesus é um Messias crucificado. E isto deve ser incorporado também na compreensão atual do Messias” . E ainda que não se trate de imitação literal e sim de seguimento criativo e novo a cada passo, a comunidade se sente conduzida pelo mesmo Espírito que impulsionou a Jesus durante sua vida: o espírito do serviço, em favor da vida para todos, a começar pelos mais marginalizados. Ainda que as circunstâncias onde esse seguimento terá que dar-se sejam diferentes e possam mudar a cada dia.

O messianismo de Jesus Cristo, sem ser algo que se acomoda em um presente que já recebeu plenamente o cumprimento das promessas de Deus a seu povo eleito, recorda que há que estar sempre em tensão para o futuro, em direção ao que há de vir. Pois, sobre esse Messias esperado tão ansiosamente pelo povo, a fé cristã proclama não somente que já veio, mas que virá outra vez com glória. A existência cristã, portanto, a partir do messianismo de Jesus, é chamada a ser um constante anúncio da Boa Nova de que Aquele que já veio, virá novamente com glória e reconhecerá a todos os seus, e por eles será reconhecido. Enquanto isto, há que colocar-se em seu seguimento, na obediência, na humildade e no serviço constante e despojado.

Jesus é o cumprimento da esperança de Israel. Sua missão corresponde globalmente às promessas das Escrituras. Do quadro traçado se depreende um anúncio progressivo da figura e função do Messias. Progressivamente, durante séculos de espera, se passa da concepção entusiasta do messianismo real à mais pura do Messias paciente e, finalmente, à do Filho do Homem. Uma visão de conjunto leva a dizer com clareza que em um primeiro momento a importância da pessoa do Messias (humano) tende gradualmente a diminuir, no sentido de que a espera de Israel se polariza cada vez mais numa intervenção salvífica direta de Deus. Passa-se da imagem do Messias rei à do Messias como Servo paciente e à do Messias Filho do Homem, respeitando uma continuidade fundamental onde a ação poderosa de Deus terá a palavra final. 

O messianismo de Jesus é original, mas reveste os traços mais puros da tradição veterotestamentária Contudo na compreensão deste complexo fenômeno, observamos também uma certa involução que explica, ao menos em certa medida, a recusa de Jesus como Messias por parte da grande maioria do Povo judeu. Do messianismo real os seus contemporâneos agarraram-se exclusivamente ao aspecto temporal e político. Em contrapartida, a figura do Messias paciente será esquecida por completo. Assim, Jesus defraudou as expectativas dos seus contemporâneos ao oferecer uma imagem de Messias purificada das realidades políticas que a haviam revestido. Ele foi descendente de David e admitiu a aclamação “Filho de David”, mas recusou a concepção corrente de Messias. Deslocou a concepção do Reino a um plano espiritual, renunciando a uma realização do mesmo inspirada no poder, prestígio e êxito humano.Nem sequer se lhe atribuiu o papel glorioso do Filho do Homem de Daniel , exceto no que diz respeito Sua vinda definitiva. Em resumo, Jesus deu a preferência à figura messiânica do “Servo” descrito por Isaías, à qual permaneceu fiel durante toda a Sua existência, até à cruz, porque viu na obediência insuperável da humilhação e do sofrimento o único caminho eficaz para dar a salvação aos homens.O messianismo conduz, pois, a Jesus Cristo, e é a chave de compreensão do mistério de sua pessoa e seu caminho, mas não por caminhos humanamente previsíveis. Tanto mais que só fala de modo convincente o que vê os acontecimentos com os olhos da fé. (“crede ut intelligas”, crer para compreender).

No “odre novo” do ser humano reconfigurado por dentro pela ação do Espírito Santo poderá jorrar o “vinho novo” que é o anúncio da vitória do Ressuscitado sobre todas as forças antagônicas do sofrimento e da morte, aparecendo enfim no horizonte do povo como Messias triunfante através do serviço humilde e paciente “até o fim”.