quinta-feira, 19 de abril de 2012

Do Evangelho de Mateus aos escritos do judeu romanizado Flávio Josefo

Quando, hoje, buscamos referências sobre o início do Cristianismo, muito freqüentemente nos debruçamos nos documentos canônicos que constituem o chamado Novo Testamento, ou seja, os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, o texto intitulado Atos dos Apóstulos, as Epístolas de Paulo, de Pedro, de João e de Tiago, e o Apocalipse de João. Subsidiariamente, podemos consultar os escritos do judeu romanizado Flávio Josefo, em especial sua obra Guerras Judáicas, e alguns parcos comentários sobre o nascente movimento dos cristãos feitos por escritores romanos muito depois da morte de Cristo. Mas é pouco lembrado, porém, que os textos oficiais do Novo Testamento foram estabelecidos como tais em uma época bastante posterior aos acontecimentos que envolveram a vida de Jesus e o trabalho desempenhado por seus discípulos diretos, pois o cânone oficial só veio a ser estabelecido em 397 d.C. durante o chamado Concílio de Cartago, onde as diretrizes do que seria a Teologia Romana - paradoxalmente extremamente ligada aos processos políticos e administrativos do mesmo Império que havia perseguido tão duramente os cristãos - foram cristalizadas, num desdobramento político que veio se fazendo desde que Constantino oficializou o cristianismo como a Religião do Império - sem que tivesse, contudo, postergado diretamente a religião pagão anterior.

Por esta época estava sendo erguidos os estatutos da instituição chamada Igreja - na verdade, mais especificamente os da Igreja Romana, incentivada pelo imperador Constantino, e que, por isso, deveria ser a hegemônica por estar ligada diretamente à sede do Império, pois várias eram as tradições cristãs vigentes, como as da Igreja Grega, a Igreja de Alexandria, a Igreja de Antioquia, a Igreja de Éfeso, a Igreja Copta, a Igreja Gnóstica e outras tradições, nem uma delas mais poderosa que as demais, com exceção, talvez, da Igreja de Alexandria, cujas profundidades ou idéias eram divergentes das de Roma e que seriam vistas e condenadas como ameaças ao poder do núcleo romano, sendo, pois, consideradas heresias. Parte destas igrejas orientais permaneceram críticas da teologia construída por Roma, com especial ênfase na primazia quase supra-humana do bispo de Roma, o Papa, o que levou, no século XI, ao cisma definitivo entre a Igreja Romana e as do Oriente, hoje conhecidas como Igrejas Católicas Ortodoxas.

Os textos que se tornaram a base da Bíblia Cristã oficial foram escolhidos, como hoje sabemos, entre vários outros que circulavam sobre a vida de Cristo à época - alguns extremamente fantasiosos, mas outros com aprofundadas informações sobre Jesus e o pensamento dos cristãos da época - e que, a partir de então, em especial com São Jerônimo, foram editados e copiados em um processo que, atualmente sabe-se, não escapou de ser cheio de manipulações e adaptações aos interesses da nascente instituição religiosa, em especial na construção e edição de um texto dirigido a leitores romanos, orgulhosos de sua nacionalidade e da história de seu Império, o que levou a expedientes como o recheio dos textos com enxertos de frases, supressões ou adendos interpretativos que procuravam dar uma visão de mundo que fosse concorde com os interesses da Igreja que se estabelecia como instituição. Um dos exemplos deste tipo de manipulação é o esforço para se minimizar a participação dos romanos na execução de Jesus, jogando a responsabilidade quase que completamente em cima dos judeus (a esta altura já dispersos pelo Império depois da destruição de Jerusalém por Tito no ano 70), esquecendo-se que o Galileu foi vítima de dois processos: um político-religioso, da parte dos judeus, e outro político, por parte dos romanos. Esta temática será desenvolvida mais adiante.

Os atuais estudiosos das origens do Cristianismo, porém, à custa de um esforço hercúleo ainda pouco reconhecido, relativamente livres, em sua maior parte, da pressão política e teológica das Igrejas estabelecidas (sejam Católicas - do Ocidente e/ou do Oriente - ou Protestantes), conseguiram e, a partir dos dados de novas descobertas arqueológicas, como os achados vários documentos arqueológicos da época de Cristo (Manuscritos do Mar Morto; inscrições) ou próxima a ela (Evangelho de Tomé), estudos interpretativos e análise de textos, delinearem um quadro mais aceitável da história da formação do Cristianismo do que a que se tinha até o início do século, e que era ainda a dada pela teologia oficial.

Após a morte de Jesus que, ao que tudo indica as mais recentes pesquisas (c.f. Bibliografia ao final do texto), teria ocorrido no ano 30 d. C. ( tendo Jesus nascido entre os anos - 8 a - 4 a. C. estando, portanto, nosso calendário errado em ao menos quatro anos ), o incipiente movimento por Ele liderado só não se dissolveu diante da crua realidade da execução do mestre e da forte oposição teológica, policial e política do Sinédrio -- preocupado em manter a ordem pública e evitar a ira de Roma, conseguindo, através de manobras, envolver o movimento galileu num falso halo de conspiração política que despertou a atenção da Administração Romana, o que levou Jesus à morte sob o peso de duas acusações: uma religiosa (blasfêmia) e outra política (Jesus como pretendente ao trono de Davi), sendo a primeira, crime capital pelas leis judáicas; a segunda, crime capital pelas leis de Roma -- por conta das chamadas aparições póstumas do próprio Cristo diante de seus abatidos discípulos, o que lhes estimularam e fortaleceram em seus ideais e lhes deram confiança e coragem para levar adiante o movimento de renovação espiritual, com conseqüências sociais notáveis, iniciado por Jesus. Convém notar, entretanto, que se tais aparições foram o impulso necessário ao maior sucesso religioso de todos os tempos, também causou, logo no princípio, uma mudança de ênfase, nos discípulos mais exaltados, do sentido da mensagem universalista do Nazareno, seu legado mais importante, para o da figura extraordinária do próprio Jesus, que passou a ser visto como muito mais que um iluminado profeta e homem que atingiu o pico mais alto de desenvolvimento humano para o de um Ser não humano, e com Paulo levou paulatinamente à idéia de que Cristo era o próprio Deus.

Não devemos nos espantar com o fato de que o movimento cristão primitivo se aglutinou ante os fenômenos que hoje chamamos de psíquicos, mediúnicos ou paranormais como, por exemplo, os das aparições póstumas de Jesus. Geddes MacGregor, em seu estudo dos vários movimentos cristãos paralelos que floresceram durante os primeiros quatro séculos de nossa era, é mesmo taxativo a este respeito ao dizer que "Toda a literatura do Novo Testamento, para não dizer a vasta literatura não canônica do cristianismo primitivo, foi escrita por e para pessoas que haviam desenvolvido considerável sensibilidade aos fenômenos psíquicos" (Cit. in Miranda, 1992, p. 29), e sobre os quais os vários relatos contidos nos Atos dos Apóstolos, em especial a Conversão de Paulo, por exemplo, são ricos exemplos. Mesmo que não se aceite o fenômeno, convém, porém lembrar que foi a convicção dos discípulos nestas aparições que se tornaria o "Big Bang" do maior sucesso religioso de que se tem notícia na História ( sucesso no sentido de se expandir uma doutrina que teve orígem em Jesus, mas que não foi tão bem sucedida da conservação e transmissão da real mensagem original do Cristo, como nos mostram vários estudiosos ).

Apesar das novas idéias e revigoração da ética humana trazidas por Jesus, o grupo galileu ainda era - e assim se via até a diáspora judaica do ano 70 - um movimento de renovação dentro do judaísmo, baseado na herança teológica deste povo, e que visava passar adiante uma mensagem mais espiritualizada e humana da relação entre Deus e os homens e, através desta, uma nova forma de relação ética entre estes, baseada na fraternidade que resulta do fato de todos sermos filhos do mesmo Deus.

Na verdade, apesar da ignomínia e covardia que o Sinédrio havia cometido para com Jesus, ninguém no grupo dos nazarenos pensou em romper com o judaísmo, até mesmo porque, apesar das manipulações de Anás e Caifás, haviam simpatizantes do movimento de Jesus dentro mesmo do Templo e, como judeus que eram, com toda a tradição e história típicas da raça, não havia sequer a possibilidade de pensarem em ser outra coisa que não judeus que acreditavam ser mensageiros de uma atualização da Lei mosáica contida na Torá. Mas com a evolução dos acontecimentos, o que de início começara como um movimento de questionamento e de novas idéias sobre o judaísmo logo iria se transformar em algo mais: teria, aos olhos dos demais judeus, conotações de uma seita - ainda dentro do judaísmo - para, por fim, se delinear como um movimento plenamente independente, em especial a partir da dispersão dos judeus pelo Império - como conseqüências de duas sublevações nacionalistas contra Roma - e do ministério de Paulo pelos países adjacentes à Palestina até chegar a Roma.

De início ainda titubente, diante das forças do Sinédrio e de Roma, mas com a segurança que só a convicção mais absoluta logra obter, os discípulos de Jesus, após as suas últimas aparições e depois do Pentecostes, começaram a sair e se fazer cada vez mais presentes na comunidade judaica, de início em Jerusalém e, logo após, por toda a Palestina. O sucesso da mensagem do Cristo - ou ao menos da parte de sua mensagem que chegou até nós, ainda assim plena de acréscimos, cortes e manipulações, como o demonstram os estudos de experts vários em cristologia se deve em grande medida à força da convicção destes homens e mulheres heróicos nas primeiras décadas da segunda metade do século I de nossa era, muito embora já a ênfase começasse a ser dada, devido ao impacto ocorrido com as aparições de Cristo, mais à figura do histórica de Jesus que ia se transformando em mito - pois para eles, Jesus era o "super-homem" que havia Ressuscitado (ou melhor, se dado a ver algumas vezes "estando as portas trancadas", como disse João em seu Evangelho) - que à sua mensagem propriamente dita, o que era o mais importante.

Eles eram conhecidos, inicialmente, como os Nazarenos ou representantes de um movimento que se intitulava O Caminho e, a rigor, nos primeiros anos, só se diferenciavam de tantos outros braços e correntes do judaismo, como os Fariseus, Saduceus, Essênios, Zelotes e outros, pela sua impetuosidade, pela minoria nômica e pelas idéias - que poderíamos chamar, mantendo a devida diferenciação com a conotação da palavra nos dias de hoje, de socialistas - o que explica, como muito bem nos aponta Mircea Eliade, que de toda produção intelectual da cultura ocidental apenas o Cristianismo e o Marxismo tenham chamado realmente a atenção de outros povos e civilizações, como a Oriental ou a Africana, por exemplo, exatamente porque ambas têm como objetivo resgatar o homem enquanto homem das amarras negras que o prendem, seja por conta de uma visão de mundo ainda brutal, seja por conta de uma visão patriarcal e xenófoba, como no caos do judaísmo ao tempo do Cristo, seja por conta de um sistema econômico explorador, como no caso do Capitalismo, muito bem dissecado por Marx. Outro ponto em comum entre Cristo e Marx foi o fato de que seus seguidores acabavam por os interpretar à sua maneira, como veremos mais adiante, pois muito do que foi dito por Cristo foi recebido de acordo com o entendimento e maturidade espiritual de quem o ouvia, o que não deixou de trazer várias interferências na mensagem original de Jesus.

Devido ao orgulho pátrio, à crença na superioridade do Povo Escolhido de Deus e na esperança da vinda de um Messias que restabeleceria a glória de Israel frente às demais nações, em especial à odiada Roma, por cujo jugo estavam submetidos, bem como a um não completo entendimento da missão espiritual do Mestre, paulatinamente os futuros cristãos mesclariam ainda mais o entendimento parcial da doutrina de Jesus às várias revelações apocalípticas vigentes então, que viam o domínio de Roma sobre Israel um sinal de decadência drástica ao qual só uma reforma radical do mundo, marcando um fim do mundo antigo e trazendo um vitorioso Reino de um Deus dos Exércitos, o Yhavé de Moisés, poderia fazer renascer uma nova humanidade. Daí o cunho escatológico tão freqüente na narração dos Atos dos Apóstolos e nas Epístolas de Paulo, o que não deixou de se refletir especialmente na redação dos Evangelhos, cujos textos iniciais foram escritos bem depois de Jesus, mais ou menos na época da destruição do Templo no ano 70.

Isso não significa, porém, que já na época de Cristo não houvesse algum ou alguns textos ou mais especificamente algumas anotações feitas por admiradores alfabetizados, contendo os principais pontos de sua doutrina e que tenham servido de base aos debates entre os discípulos e aos demais textos posteriores. Possivelmente estes existiam, se não diretamente contemporâneos a Cristo, ao menos esboçados pouco depois de sua morte. Hoje existe quase uma unanimidade em relação à existência de, ao menos, uma fonte primitiva escrita, que se perdeu. Este texto fonte primário (quelle em alemão) é conhecido entre os especialistas como o Evangelho Q (de quelle), cujos traços podemos ver nos demais evangelhos e que tem, provavelmente, sua expressão mais aproximada no chamado Evangelho de Tomé (ou de Tomás) que foi encontrado, aliás, redescoberto (pois já tínhamos conhecimento da existência deste evangelho nos primeiros quatro séculos de nossa era por meio de citações dos primeiros teólogos da Igreja) em 1945 no Egito, isso se não for quase todo ele, ou boa parte dele, o próprio Evangelho Q, como pensam alguns.

A força da personalidade de Jesus (cujo nome em hebráico é Yoshua sendo Jesus a adaptação latina da forma grega Iesous), junto com a eletrizante notícia de suas aparições iria se amalgamar na imaginação dos novos discípulos que cada vez mais se juntavam aos primeiros para se fazer nascer a crença, com poucas exceções, de que Jesus seria realmente o Messias reformador esperado, tendo poderes supra-humanos no imaginários popular e que não apenas iria fazer surgir uma nova espiritualidade e uma ética social revolucionária decorrente desta - seu real objetivo -, mas que iria, de fato, estabelecer fisicamente um Reino de Deus na Terra em sua segunda vinda ao orbe - tema este que surgiu devido à exaltação dos discípulos e a uma má interpretação das palavras de Jesus, o que se justifica, em parte, pelo fato de que nos primeiros séculos, as várias comunidades cristãs eram formadas por grupetos de gente que estavam espalhadas em áreas díspares, especialmente depois da diáspora dos judeus na década de 70 do século I. Era difícil o contato entre estas comunidades, e muito do que se sabia sobre Cristo era esparso, fragmentário e transmitido oralmente. Nestas comunidades, aos poucos, a ênfase recaia nos talentos de cura extraordinários de Jesus e em seu carisma pessoal, o que fortalecia ainda mais a esperança de ser ele o Messias político esperado, o que, infelizmente, eclipsou grande parte de sua mensagem, e fez nascer a imagem mítica de um ser sobrenatural, singular, cada vez mais distante da humanidade. A ênfase messiânica acabou por contaminar mesmo os escritos evangélicos em detrimento de uma melhor apresentação de sua mensagem e na distorção de certos fatos históricos.

Com o constante crescimento dos simpatizantes da causa do Cristo entre os judeus - não nos esqueçamos que este movimento ainda era visto como um movimento de Reformas dentro do Judaísmo, pelos discípulos, muito embora a visão de Jesus fosse universalista - o Sinédrio se inquietou ainda mais, em ressonância com o crescente clima de rebelião que se fazia sentir em toda a Judéia ocupada. Se antes eles eram relativamente tolerados até mesmo dentro do Templo por demonstrarem seguir as normas das cerimônias ortodoxas, o aumento geométrico de simpatizantes trouxeram os mesmos receios na elite sacerdotal que provocara a morte de Jesus. Pedro e outros apóstolos foram detidos mas escaparam da morte com a ajuda dos aliados que tinham em meio aos sacerdotes - e que, infelizmente, devido às urdiduras de Caifás, não puderam comparecer em grande número ao julgamento de Jesus. A mesma sorte, porém, não tiveram outros discípulos, como por exemplo, Estevão, que foi morto a pedradas, não porque lhe faltassem defensores, mas por causa do ardor de seu posicionamento diante da Doutrina de Cristo, o que feriu muito as susceptibilidades dos Doutores da Lei. Entre os que estavam presentes, um dos mais irados foi Saul de Tarso, que se fizera um implacável combatente das idéias do Cristo (e dos seus discípulos). Ele foi o responsável direto pela prisão de inúmeros discípulos e simpatizantes do Cristo.

Saul (ou Saulo) era exaltado e inteligente, de temperamento forte e com extremo espírito combativo, um futuro sacerdote exemplar do Templo. Mas seu posicionamento ante o cristianismo iria dar uma completa reviravolta.

Em uma de suas viagens, Saul passou por uma experiência psíquica que lhe impactou tanto que de perseguidor passou a ser o maior defensor do cristianismo entre os judeus e, posteriormente, entre os não judeus, chamados por estes de gentios. Na estrada para Damasco, onde iria levar a cabo mais perseguições e prisões de cristãos, Saul teve ele mesmo uma experiência não usual ao ver o próprio Jesus diante de si (os que o acompanhavam presenciaram igualmente "alguma coisa" que não souberam definir).

Ao mesmo tempo, os primeiros judeus helênicos e egípcios, junto com gentios destes mesmos países e que tinham entrado em contato com Jesus e sua doutrina, começaram a formar núcleos em Antioquia e em Alexandria, no que seria os primeiros passos reais do cristianismo pelo mundo.

Após as primeiras perseguições, os ânimos do Sinédrio, em especial diante da atitude moderada de sacerdotes como Gamaliel, se acalmaram por um certo tempo, outros problemas políticos melindrosos com relação à Roma se tornaram mais importantes, mas o movimento Galileu não foi negligenciado totalmente, e por uma década os discípulos que haviam escapado dos primeiros embates diretos com o Sinédrio passaram a retomar à divulgação da Boa Nova com maior sucesso especialmente na Galiléia, região relativamente livre do domínio direto de Roma e mais distante do braço fiscalizador do Sinédrio. O núcleo de Jerusalém ficou sob o comando de um irmão de Jesus chamado Tiago, o Justo (assim chamado por ser fiel cumpridor de grande parte da ortodoxia judaica que não se chocava com as idéias do irmão).

Enquanto isso, Pedro iria ser um grande divulgador da mensagem de Cristo nas demais regiões (muito embora tenha sido ele a começar a fazer de Jesus mais que um Messias espiritual, desenhando-o cada vez mais como o Filho Unigênito de Deus e como o Messias militar que era esperado pelos judeus). Tiago, porém, iria ser morto ao redor do ano 62 por ordem dos sacerdotes do Templo. Esse foi o início de uma nova fase de perseguição aos cristãos na região da judéia, tendo muitos, por isso, procurado refúgio da Galiléia e em outras localidades, até mesmo em outras países, como foi o caso, por exemplo, de Tomé, que foi à Índia, ainda que pelo caminho tenha pregado a outros povos, como os Egípcios e os Persas. Foi Tomé o autor do evangelho que leva seu nome, e que se julgava perdido até que foi reencontrado, como já dissemos, junto com outros documentos, em 1945 no Egito, perto da cidade de Nag Hammadi, uma cópia copta deste evangelho, o que trouxe uma retumbante reviravolta nos estudos cristológicos e históricos, talvez potencialmente maior que a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, que foi feita em 1947. Estudiosos como Elaine Pagels, Helmut Koester, Hans Jonas e outros admitem que os aforismos contidos neste evangelho são os mais próximos das palavras autênticas de Jesus - o que serve como referência para se saber o que foi enxertado na mensagem dos Evangelhos sinóticos oficialmente reconhecidos pela Igreja, sem falar de outros pontos que só são encontrados neste evangelho, o que muito ajuda a esclarecer o real pensamento de Jesus, que é um tanto diferente de muitos pontos defendidos pelas igrejas cristãs oficiais.

Ao mesmo tempo, por esta época, a situação política na Judéia tinha chegado a um grau explosivo, com muitos motins contra o domínio romano, em especial diante da militância do movimento dos Zelotes, que possuíam vários líderes carismáticos que se supunham um após outro, ser o próprio Messias.

Em 66 d. C., a maior parte dos judeus se rebelaria contra Roma e seu jugo. A maior parte dos cristãos, que eram pacifistas, se mudaria para cidades neutras, quase nada sofrendo. A destruição definitiva do Templo por Tito e seus soldados fora entendida pelos cristãos como a concretização das palavras de Cristo de que não restaria pedra sobre pedra da esplêndida edificação, refeita há mais de setenta anos por Herodes, o Grande, e que era o coração mesmo da religião judáica. Os judeus que foram dispersos viram com despeito o fato de que os judeus cristãos estavam seguros em cidades ao redor do Jordão, na galiléia e em núcleos judeus no Egito e Síria, onde, aliás, haviam outras correntes do judaísmo com pontos em comum com o cristianismo, como os Essênios e os Terapeutas, e sabiam o que estes diziam a respeito da destruição do Templo. O ódio que começou a se alastrar entre os judeus dispersos e os cristãos acabaria por cindir definitivamente as duas correntes.

Com a expulsão dos judeus de Jerusalém e da Judéia - a diáspora -, os apóstolos e seus discípulos passaram a ser mais atuantes entre os judeus mais abertos à mensagem de Jesus em vários centros cosmopolitas, indo de Damasco à Roma. Enquanto Felipe marcou profunda presença na Samaria e em Cesaréia, João seria o responsável pela fundação de um dos mais importantes núcleos cristãos em Éfeso e outras regiões da Ásia Menor.

Pedro, ao lado de Paulo, era um dos mais infatigáveis divulgadores de Jesus como um ser muito mais divino que humano, esquecendo-se que o próprio Jesus fazia questão de estabelecer a irmandade de todos os filos de Deus, sendo ele o que conseguiu atingir o propósito da vida e se fazer UM com os desígnios do Pai. Sua pregação se fez em especial pelas regiões adjacentes à Ásia Menor, Capadócia, Bitínia e Ponto, tendo ido várias vezes à própria Roma até ser finalmente crucificado na cidade imperial em 64 d. C. Foi por intermédio de Pedro e Paulo, exatamente pela presença de ambos em Roma, que se atraiu a atenção e a conversão não só de judeus, como de muitos gentios. Com Pedro, o cristianismo viria a adotar muito dos elementos do judaísmo, em especial sua ênfase escatológica em um fim dos tempos que estaria próximo, e várias festas tradicionais judaicas, em especial a Páscoa. Com o tempo, a mescla de cerimônias judaicas seria visto pelos cristãos romanos como uma brecha para que outras cerimônias e vestimentas, dos antigos ritos pagãos, fossem igualmente mesclados ao cristianismo.

Como nos fala muito lucidamente Albert Paul Dahoui, "a diáspora facilitou o desenvolvimento do cristianismo, pois o movimento dos judeus de um lugar para outro, suas ligações com o Império, especialmente financeiro, ajudado pelo comércio, pelas estradas e pela paz romanas, acelerou a expansão do novo credo. No entanto, se em Jesus e em Pedro (especialmente neste último) o cristianismo era judeu, em Saul metamorfoseou-se em grego e no catolicismo tornou-se romano"

A partir da década de 70 em diante, as primeiras edições dos textos que dariam origem aos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) começaram a circular entre as comunidades cristãs, mas estas sementes estavam em meio a muitos outros textos que foram totalmente perdidos, ou que nos chegaram na forma de fragmentos ou como textos apócrifos, ou seja, não reconhecidos pela Igreja. Hoje, sabemos como já o dissemos, que os três sinóticos citados acima se basearam em uma fonte em comum que, antes, se pensou ser um texto primitivo do que seria o Evangelho de Marcos, mas hoje já se ventila a hipótese de que esta fonte (quelle em alemão), o famoso evangelho Q seria um conjunto de aforismas e anotações dos ditos de Jesus muito próximos do que se acha inscrito no Evangelho de Tomé, podendo ter algumas anotações biográficas em um outro texto que faria parte do Evangelho de Mateus. Já o Evangelho atribuído a João teve o início de sua redação no fim do século I e tem um linguajar bem diferente, especialmente diante do público alvo a que se dirigia, ou seja, aos gregos. É o mais gnóstico dos quatro evangelhos e o mais próximo, no seu espírito, ao evangelho de Tomé, mas é, igualmente, o que melhor permite ver que foi amplamente modificado em vários pontos, ou seja, que foi escrito por mais de uma mão. Mas, de qualquer forma, deve-se ter em mente que todos foram escritos tendo por objetivo divulgar uma imagem do Cristo, e muito do que foi narrado (e não foi adulterado posteriormente por copistas e editores) ainda assim deve ser visto com certo cuidado, pois se baseiam nas memórias de discípulos das ocorrências de quase quarenta anos antes.

O ministério de Paulo foi, de longe, o mais atribulado do dos demais discípulos do Cristo, ainda que Paulo nunca tivesse tido contato com o próprio Jesus quando este vivia na Terra. Impetuoso, Paulo viajou por quase todo o Império onde haviam comunidades judaicas e teve sérios atritos com os demais discípulos. Tentou apresentar Cristo como um dos grandes Filósofos iniciados, em Atenas, mas teve um êxito desprezível neste primeiro momento. Suas viagens estão narradas nos Atos dos Apóstolos e em documentos vários, como suas Epístolas (ao menos, às que lhe são atribuídas e que não sofreram ainda maiores interferências posteriores que os Evangelhos, sem falar de outras que simplesmente desapareceram depois do século IV). Morreu em Roma, após anos de prisão. Foi este o período em que Saul se transformou em Paulo, o apóstolo dos gentios, e que devido à distância com os demais colegas discípulos e aos anos em meio a várias outras culturas, teve tempo de formar a primeira Teologia sistemática cristã que é um tanto diferente da mensagem original de Cristo, em especial por conter uma forte ideologia patriarcal bem judaica, conter um halo mítico a existência de Cristo e que mais ênfase dá na figura de Jesus que em sua mensagem. Foi dele, embora inconscientemente - ou talvez nem tanto assim - a idéia que, mal interpretada, se instituiu o dogma da Ressurreição física - que por um erro de interpretação posterior, que passou por cima do que Paulo chamava de "Corpo Espiritual" do Cristo, para dar início a uma tradição que iria admitir a volta de Cristo à vida no próprio corpo físico, o que provocou interpolações nos sinóticos, como no caso de João, em que fizeram Tomé - talvez exatamente o mais lúcido dos discípulos - a tocar as chagas de um cadáver que teria retomado a vida, e não pela presença gloriosa de Cristo que se fez presente e visível através da materialização de seu espírito.

Foi Paulo também que instituiu grande parte da idéia de que Cristo morreu para redenção do mundo, tirando parte da responsabilidade pessoal de cada um por seu próprio progresso espiritual, bastando qualquer pessoa se converter para ser salva, devido à fé, e a qualquer tempo durante a vida, e ganhar o paraíso. Esta idéia foi retomada com ardor pelos protestantes 15 séculos depois, e seria a principal marca das Igrejas Reformadas.

Mas a teologia de Paulo foi realmente levada em conta quando as primeiras gerações de cristãos, as que conheceram Jesus ou seus apóstolos, já havia desaparecido. Com o desejo de Constantino de ter um Império com um só Imperador e uma só Igreja, as epistolas de Paulo (já devidamente "editadas" junto a outros documentos que lhe eram atribuídos) foram usados como fundamento para o sistema da teologia Católico-Romana.

Nos fala Alberto Paul Dahoui que "foi através de Paulo que nasceu a teologia cristã, mas este fato não aconteceu de imediato. Um século depois de morto, Saul havia sido esquecido e somente quando as primeiras gerações de cristãos haviam passado, a tradição oral dos apóstolos desapareceu, e as heresias começaram a desorientar o espírito cristão, é que as epístolas de Paulo foram ressuscitadas. Passaram a servir de arcabouço para um sistema de fé que uniu as esparsas congregações em uma poderosa Igreja Central

"Saul havia criado um novo mistério, uma nova forma do drama da ressurreição, que iria sobreviver a todas as demais versões. Ele mesclou a ética utilitária dos judeus com a metafísica dos gregos e transformou o Jesus dos evangelhos no Cristo Invicto da teologia. Para Saul, Cristo morreu na cruz para a redenção do mundo, pois, com sua morte, ele retirou o pecado original do orbe e oferecia, com sua paixão na cruz, a salvação.

"Saul continuaria, entretanto, obscuro e esquecido até que a reforma protestante de Lutero levantou-o das cinzas do passado, e Calvino também encontrasse nele os textos na crença da predestinação. Os dois não entenderam que Saul havia preconizado que o homem justo será salvo pela fé, e não que todos seriam salvos pela fé (...). Com a distorção das palavras de Saul, qualquer um que aceitasse Jesus estaria imediatamente salvo.

"O protestantismo foi o triunfo de Saul sobre Pedro, e o fundamentalismo foi o involuntário triunfo de Saul sobre Cristo e ambos só atestaram que a doutrina de Jesus foi parcialmente esquecida. Jesus, que queria que a maior prova do homem fosse a virtude, acabou sendo substituído pela [mais cômoda] fé preconizada por Saul. Para Jesus, o reino de Deus era uma nova atitude íntima perante a vida, que desembocaria numa sociedade mais justa e fraterna, e para os que usaram Saul de forma indevida, era apenas adesão".

Mais adiante, o mesmo autor arremata:

"O cristianismo não iria destruir o paganismo. Pelo contrário, o novo cristianismo [Romano, mais tarde cindido entre as duas Igrejas Católicas, a do Império Romano do Ocidente e do Império Romano do Oriente, conhecido como Igreja Católica Ortodoxa], que nada tinha a ver com Yeshua de Nazareth, iria adotar os ritos e idéias dos pagãos, assim como de outras religiões existentes na época. Substituiria a profusão de deuses subordinados a um distante Deus criador, por uma multidão de santos subalternos a Jesus Cristo. O espírito grego ressurgiu na teologia e na liturgia da igreja. A língua clássica grega foi usada durante séculos na liturgia, para depois ser substituída pelo latim, mas, mesmo assim, tornou-se o veículo da literatura e ritual cristãos".

Nesse sentido, convém notar que o estabelecimento do dia 25 de dezembro como sendo o dia de Natal do Senhor convinha ao Império por ser a data tradicional de celebração do solstício de inverno, onde se celebrava a volta do Sol Invictus, símbolo adotado por Constantino. O solstício de inverno era também comemorado em outras culturas pagãs e representava o ponto máximo do inverno, o ponto onde recomeçaria o ciclo da volta do sol.

As conseqüências da oficialização e institucionalização do cristianismo pelo Império - ou melhor, a adaptação romana da mensagem original do Cristo - não tardou a dar estranhos frutos: exatamente na época da "conversão" de Constantino (entre aspas, pois o imperador manteve implicitamente a liberdade de culto às demais religiões e aos muitos ritos, tradições e costumes pagãos, sendo ele mesmo o incentivador de que todos os considerassem uma espécie de encarnação divina, adotando o emblama tradicional do Sol Invictos dos cultos pagãos como estandarte e selo próprios) em 325, sendo o bispo de Roma, à época, Silvestre I, a promoção pelo Imperador, por desejo pessoal, com base num jogo de táticas políticas, e sem levar em consideração o que pensasse o bispo (ou papa) de Roma, do Concílio de Nicéia, tendo expulso neste perto 1.700 participantes do conclave composto por 2.048 pessoas, exatamente os que se recusaram a aceitar a imposição do imperador em declarar, a partir de então, como meio de realçar ainda mais as ligações entre a religião e o Estado de um Único Poderoso Imperador, que Jesus não era tão só o filho de Deus, mas o próprio Deus, e, portanto, Imperador do Universo do qual Roma e seu Império deveriam ser espelhos. Desde então, passou-se a construção de uma Teologia Católico Romana, que se esforçou para eliminar qualquer traço de oposição ou crítica ao que passou a ser imposto como o cristianismo oficial, pleno de traços e ritos adaptados do paganismo, incluindo o uso de roupas sarcerdotais especiais, o uso do incenso, ritos, imagens, etc.

Portanto, depois de vinte séculos, só agora o esforço devotado de inúmeros pesquisadores sérios em todo o mundo pôde levantar o mofo e a poeira de séculos de dogmas e doutrinas espúrias e fazer sobressair, aos poucos, e ainda em seus luminares mais brandos, parte da real mensagem que um meigo jovem da Galiléia teve a genialidade e a coragem de lançar ao mundo e que, mesmo que truncada, maquiada e manipulada, teve força suficiente para modificar a história, se mostrando ainda mais linda e impressionante em sua pureza original que a versão mítica e enviesada que as Igrejas impuseram às massas nestes quase dois mil anos e que, no máximo de deturpação da mensagem de Jesus, deu origem à aberrações sangrentas como as Cruzadas, a "Santa" Inquisição (que, ao contrário do que se pensa, ainda está ativa, embora de forma mais branda, no chamado Conselho para Defesa da Fé, no Vaticano, de que não escaparam de terem suas obras censuradas nem Pierre Teilhard de Chardin, nem Leonardo Boff), e movimentos extremistas como a TFP, por exemplo, no lado Católico e, no lado dos evangélicos, a Igreja Universal do Reino de Deus, entre outros históricos e tristes exemplos. Mas, aos poucos, a mensagem original está sendo regatada, quem sabe para fazer com que o Cristo realmente renasça em cada um e por cada um.

sábado, 7 de abril de 2012

Jesus, o sábio da Galiléia nas fontes não cristãs nos sécs. I - II

Josefo

"Jesus o Homem Sábio": Flávio Josefo (93 DC)

Entre as fontes não-cristãs, a mais importante, sem dúvida, é a referência encontrada em Antiguidades Judaicas 18:63-64, do escrito judeu Flavio Josefo, texto conhecido como Testemunho Flaviano:

"Por esse tempo apareceu Jesus, um homem sábio, se na verdade podemos chama-lo de homem. Pois ele foi o autor de feitos surpreendentes, um mestre de pessoas que recebem a verdade com prazer. E ele ganhou seguidores tanto entre muitos judeus, como dentre muitos de origem grega. Ele era [o] Cristo [Messias], E quando Pilatos, por causa de uma acusação feitas pelos nossos homens mais proeminentes, condenou-u a cruz, aqueles que o haviam amado antes não deixaram de faze-lo. Pois ele lhes apareceu no terceiro dia, novamente vivo, exatamente como os profetas divinos haviam falado deste e de incontáveis outros fatos assombrosos sobre ele. E até hoje a tribo dos cristãos, que deve esse nome a ele, não desapareceu"(Antiguidades Judaicas, 18:63-64)

O texto como está hoje é tão bom que levanta suspeita. Como Flavio Josefo, que se dizia fariseu, e que passou os anos finais de sua vida na corte dos Imperadores Romanos, poderia se referir a Jesus como o "Messias" ou que ele havia aparecido ao terceiro dia, ressureto? Isso levou muitos críticos a negarem a autoria josefana da passagem, afirmando que o texto seria uma interpolação cristão posterior.

Embora no século XIX e início do século XX a maioria dos estudiosos estivesse inclinado a crer na hipótese da interpolação total, desde a 1ª Guerra Mundial o consenso vem se alterando dramaticamente, devido a estudos linguísticos, uma nova compreensão da relação entre os primeiros cristãos, os fariseus e o Império Romano, e principalmente o estudo de versões latinas, síriacas, eslavas e árabes, a posição dominante hoje é que o texto é parcialmente autêntico e parcialmente interpolado. Haveria um texto originalmente de Josefo, que foi "embelezado" ou "turbinado" por escribas cristãos posteriores.

Alice Whealey, de Berkeley, no artigo "The Testimonium Flavianum controversy from Antiquity to the present", publicado e apresentado no Josephus Seminarem 2000, que reune alguns dos principais estudiosos de Josefo do mundo:

Fez um "review" da literatura sobre o Testemunho Flaviano, e concluiu:
"A controvérsia sobre o Testemunho Flaviano ao longo do século XX pode ser diferenciada da que houve no início do período moderno, por ser, em geral, mais acadêmica e menos sectária. (...) Em geral, pesquisadores protestantes, católicos, judeus e secularistas tem convergido em suas posições, com uma grande tendência de estudiosos, independentemente de sua filiação religiosa, de considerar o texto como majoritariamente autêntico.

O estudiosos judeu Geza Vermes, Professor Emérito de Judaismo Antigo da Universidade de Oxford, e uma das maiores autoridades vivas em judaismo do 2º Templo, cristianismo primitivo e Jesus Histórico observa:

"Estudiosos hipercríticos consideram a passagem totalmente espúria, isto é, um comentarista cristão inseriu nas Antiquidades para dar uma prova judaica do sec. I da existência de Jesus, que era o messias. Reconhecidamente, no pé em que se encontram as coisas, é improvável que o texto tenha se originado da pena de Flávio Josefo. As afirmações positivas, 'Ele era o Cristo" e de que sua ressurreição ao terceiro dia cumpria a predição dos profetas são estranhas a Josefo e devem proceder de um editor cristão posterior das Antiquidades. Não obstante, declarar que toda a notícia é uma falsificação significa jogar fora o bebê junto com a água suja do banho. De fato, nos anos recentes, a maioria dos especialistas, eu inclusive, tem adotado uma atitude branda, aceitando que parte do relato é autêntica".

O Professor Louis Feldman, da Yeshiva University, decano dos estudos sobre Flavio Josefo, afirma categoricamente:

"Quanto ao celebrado Testemunho Flaviano (Ant. 18:63-64) a grande maioria dos estudiosos o consideram como parcialmente interpolado, sendo esta também a minha conclusão. Que o núcleo básico é autêntico é reforçado pelo fato de que aparece em todos os manuscritos (ainda, que o mais antigo destes seja datado do XI século) e todas as versões, incluindo as traduzidas pelo latim pela Escola de Cassiodorus no século VI" .

Peter Kirby cita uma análise de Louis Feldmann, já mencionado, que revisou a literatura relevante sobre Josefo entre 1937 e 1980, em seu livro "Josephus and Modern Scholarship".

Dos 52 estudiosos que analisaram o Testemunho Flaviano no período (1937-1980)
4 (8 %) o consideraram totalmente autêntico,
6 (12 %) basicamente autêntico
20 (40 %) autêntico em parte, com algumas interpolações
9 (18 %) autêntico em parte, com várias interpolações
13 (25 %) totalmente falso

Desta forma, poucos aceitam a autênticidade total da passagem, e somente alguns crêem que ela seja uma interpolação completa. Assim, no período, 3 em cada 4 estudiosos creêm em uma menção a Jesus nessa passagem, sendo que a posição dominante (70 %) vê a passagem escrita por Josefo sobre Jesus alterada ou revisada por cristãos. Kirby, "completa" o trabalho Feldmann, de 1980 até 1996. Em sua própria leitura, o "placar" estaria em 10 a 3, favoravel a autencidade parcial. Christopher Price chega a um "placar" parecido, 15 a 1 favorável a autenticidade parcial.

Aceitando que Josefo escreveu algo sobre Jesus, o próximo passo é tentar descobrir o que ele possivelmente escreveu. A descoberta de uma versão em árabe do Testimonium, citada pelo Bispo cristão Agapio, no século X, fornece um interessante controle. Estudos de vocabulario e estilo são citados por G.J Goldberg:

"A passagem como um todo mostra vários exemplos de vocabulario e estilo que são típicos de Josefo, como discutido por Thackeray, Martin, Winter, e, com ajuda da concordância de Rengstorf, por Birdsall e, mais recentemente, por Meier. Destes, somente Birdsall acredita que a passagem foi completamente interpolada. Recentemente, entre os estudiosos cujos trabalhos favorecem a tese que o Testimonium é basicamente autêntico, estão John Dominic Crossan, Raymond Brown e James Charlesworth" .

Em vista dos estudos acima, e da tendência acadêmica recente, uma reconstrução que encontrou significativa aceitação, é a do estudiosos católico John P. Meier (que segue, de modo geral, a proposta dos acadêmicos judeus Joseph Klausner e Paul Winter). O texto proposto por Meier segue abaixo:

"Por esse tempo apareceu Jesus, um homem sábio. Pois ele foi o autor de feitos surpreendentes, um mestre de pessoas que recebem a verdade com prazer. E ele ganhou seguidores tanto entre muitos judeus, como dentre muitos de origem grega. E quando Pilatos, por causa de uma acusação feitas pelos nossos homens mais proeminentes, condenou-u a cruz, aqueles que o haviam amado antes não deixaram de faze-lo. . E até hoje a tribo dos cristãos, que deve esse nome a ele, não desapareceu" (versão de Meier)

A versão acima é aceita por estudiosos de várias orientações religiosas como o protestante N. T. Wright, o católico (bem) liberal John Dominic Crossan (De Paul University, EUA), a judia Paula Frederiksen (Boston University) e o agnósticoBart Erhmann (Universidade da Carolina do Norte) entre outros. Geza Vermes, de forma independente, chegou a conclusões similares as de J.P. Meier, e enfatiza os adjetivos "homem sábio" e "realizador de feitos controversos", além do relato da crucificação por Pôncio Pilatos e não extinção do movimento cristão, como sendo autênticamente de Josefo .

Considerando agora a proposta de Meier. O texto reconstituído poderia mesmo ter sido escrito por Josefo? Que haja uma referência a crucificação de Jesus por Pôncio Pilatos, e de que ele foi o fundador do movimento cristão, que sobreviveu a sua morte, não parece estranho. Tácito nos diz a mesma coisa. Que Josefo diga que Jesus realizou feitos surpreendentes, no sentido de milagrosos, não é tão problemático como pode parecer a primeira vista, uma vez que a palavra utilizada, paradoxa, é ambigua (espetaculares, surpreendentes ou controversos). No século II, mesmo Celso, um violento crítico do cristianismo, não nega Jesus era capaz de realizar tais feitos, mas relata que fontes judaícas afirmavam que Jesus fazia seus paradoxa através do conhecimento de artes mágicas que adquiriu no Egito (Contra Celso 1:6; 16-17), assim como alguns rabinos posteriores no Talmude (bSanhedrin 43b). Em meados do século II, Justino e Tertuliano defendem Jesus da acusação de ser um mágico. Mesmo entre os mais ferrenhos adversários do cristianismo, a linha de ataque mais comum não era negar a capacidade de Jesus de fazer milagres, mas atribui-los a um suposto conhecimento de mágica e associação com poderes demoníacos.

Mas como Josefo poderia dizer que Jesus era um homem sábio, (...) e mestre de pessoas que recebiam a verdade com prazer?

Será que Josefo ficou maluco? Será que os distintos "scholars" ficaram malucos? Ou será que era realmente possível que um membro da aristocracia romana e judaíca pudesse ter um opinião neutra, ou até ligeiramente positiva de Jesus?

O que segue nos próximos posts é uma análise das opiniões de observadores não cristãos (Mara Bar-Serapion, Luciano e Galeno), no século II, a respeito de Jesus. E como ele e seus ensinos foram considerados de certo valor nos círculos intruidos, nos permitindo entender como Josefo poderia ter admirado Jesus, sem se tornar cristão.

Vamos continuar a contextualizar a visão de Jesus como homem sábio(...) mestre de pessoas que recebem a verdade com prazer", utilizando uma fonte um tanto desprezada, mas que pode bem ser a mais antiga referência não-cristã a Jesus. A Carta do estóico sírio Mara Bar Serapion.

Mara Bar Serapion (73 DC - 150 DC)

A (provável) menção a Jesus se dá em uma carta de exortação a excelência da sabedoria que sobrevive mesmo com as injustiças e eventual morte que sofre o sábio. Jesus é comparado a Pitágora e Sócrates.

"O que diremos, quando os sabíos são arrastados pelas mãos dos tiranos, e sua sabedoria os leva a perda da liberdade, e são despojados por causa de sua inteligência superior,sem a oportunidade de se defender? Mas eles não devem ser objeto de pena. Pois qual benefício obtiveram os atenienses por condenarem Socrátes a morte, uma vez que eles receberam em troca fome e peste? Ou os cidadãos de Samos por lançar Pitágoras as chamas? Num instante seu território se viu coberto de areia. Que vantagem obtiveram os judeus matando seu sábio Rei. Logo depois, seu reino foi destruido. Pois com justiça Deus vingou esses três sábios. Pois os atenienses morreram de fome, o povo de Samos foi coberto pelo mar, e os judeus, desolados e expelidos de seu reino, vagam dispersos por todas as terras. Socrates não morreu, por causa de Platão, ou Pitagoras, por causa da Estátua de Hera, nem tampouco o Sábio Rei, continuou a viver nos ensinamentos que transmitiu."

Professor Gerd Theissen , da Universidade de Heidelberg (Alemanha), eProfessora Annete Merz, Universidade de Utrecht (Holanda), fazem uma descrição da fonte:
"Curiosamente, o testemunho pagão supostamente mais antigo sobre Jesus é pouco conhecido. Encontra-se numa carta pessoal do estóico sírio, originário de Samosata, Mara Bar Serapion, que escreveu de uma prisão romana (em lugar desconhecido) ao filho Serapion. A carta tem por conteúdo numerosos conselhos e advertências que Mara faz ao filho em face de sua possível condenação"

Theissen e Merz observam que a datação da carta é controversa. A referência a dispersão dos judeus pode ser encaixada na Revolta de Bar Kochba (135 DC), ou na destruição de Jerusalém (70 DC). Ele acrescenta, que há na carta uma menção a fuga dos cidadãos anti-romanos da cidade de Samosata para Selêucia, que parece ser idêntico ao da destruição e expulsão do Rei Antioco IV de Comagene (que tinha por capital Samosata) pelos romanos no ano de 73 DC, relatado do Josefo em Guerras Judaicas 7:219-243.

Ainda segundo Theissen e Merz, "os dados sobre Pitagoras, os sâmios e os atenienses são historicamente muito imprecisos. Talvez Mara considere o filósofo e o escultor Pitagorá a mesma pessoa".

Mara não menciona Jesus pelo nome. A associação é feita baseada nas características:
1) Ele era judeu
2) Era um sábio
3) Ele era um "Rei"
4) Ele continuou vivo por meio de seus ensinamentos
5) Ele foi morto por seu povo
6) O reino judeu foi destruído após sua morte.

1) Jesus era judeu;
2) Era considerado como um sábio ou filósofo (Luciano; Evangelho de Tomé 13: Tu és como um sábio filósofo);
3) Era o "Rei dos Judeus"; (Titulus Crucis nos quatro evangelhos)
4) Seus seguidores mantiveram vivo seus ensinamentos após sua morte, e mesmo depois da destruição de Jerusalém. Trinta anos após a morte de Jesus, estavam solidamente estabelecidos em Roma ( Tácito, Suetônio).
5) Jesus foi morto sob Pôncio Pilatos, mas as autoridades do Templo exerceram uma papel importante. De qualquer forma, a pregação cristã logo tendeu a minimizar a responsabilidade romana e enfatizar a judia.
6) Cerca de 40 anos depois da morte de Jesus, Jerusalém foi destruida. (Elemento também presente na pregação cristã).

A identificação do sábio Rei referido por Mara com Jesus de Nazaré não é completamente certa. Contudo, que outro "candidato" preenche esses requisitos? Josefo lista quase uma dezena de pretendentes messiânicos, mas eles foram mortos pelos romanos, e seus ensinamentos, quando existiram, não sobreviveram a sua morte. Judas Galileu, inspirador dos zelotes e outros radicais anti-romanos, manteve seguidores após sua morte. Contudo, até onde se sabe, se ele foi executado, o foi pelos romanos e não pelos judeus; não foi chamado de "Rei dos Judeus"; e seu movimento não sobreviveu a queda de Jerusalém e, portanto, a época em que Mara escreveu.

Como observa FF Bruce (1910-1990), ex-Professor das Universidades de Sheffield e Manchester:
"Este escritor dificilmente poedria ter sido cristão; tal fosse o caso , haveria declarado que o Cristo continuou vivo e que ressuscitou dos mortos. Maior probabilidadee há de que fosse um filósofo gentio, pioneiro no que se veio depois tornar rotina comum - colocar Jesus em pedestal de igualdade com os grandes sábios de antanho".

Tudo indica que Mara foi influênciado pela pregação cristã, embora se mantivesse como pagão pois faz referência em alguns lugares da carta a "nossos deuses". Era, possivelmente, um simpatizante do cristianismo.

Theissen e Merz
, observam que as afirmações de Mara são parcialmente dependentes dos evangelhos. Primeiro, apenas os judeus são responsabilizados (ver I Tes. 2:15; Atos 4:10). Segundo, a derrota judaica perante os Romanos é resultado da crucificação de Jesus (cf Mt 22:7; 27:25). Terceiro, Jesus é chamado de Rei Sábio (ver Mt 2:6).

Thiessen e Merz complementam,
"Mara permite reconhecer em alguns pontos uma perspectiva externa em sua avaliação de Jesus e do cristianismo:
Na série de paradigmas de Mara, Jesus aparece como um de três sábios Mara não sabe nada da ressureição de Jesus, ou a reinterpreta tacitamente no sentido de sua cosmovisão caracterizada em sua carta da seguinte forma "A vida do homem, meu filho, sai do mundo, seu louvor e seus dons permanecem na eternidade". Isso se aplica da mesma forma a Socrátes como a Jesus. Para Mara, Jesus é importante sobretudo como novo legislador. Ele continua a viver em suas leis. Ao que parece, Mara vê os cristãos como aqueles que vivem segundo a lei do Rei Sábio, o que explica bem a postura do estóico em relação a eles"

Professor Robert Van Voorst, Western Theological Seminary, acrescenta:
"A mais antiga referência filosófica ao cristianismo de que se tem conhecimento, a carta de Mara Bar revela a atração que o cristianismo era capaz de exercer sobre alguns intelectuais. As observações positivas a Cristo e ao Cristianismo, no entanto, não devem ser lidas como um endosso, da mesma forma como sua menção a Sócrates e Pitágoras significam que ele era adepto de suas respectivas escolas filosóficas"

Admitindo a provável menção a Jesus de Nazaré como sábio Rei em Mara Bar Serapion, temos um retrato que é semelhante a descrição de Galeno e, até mesmo, com o de Luciano de Samosata (Samosata, inclusive, fica na mesma região daonde Mara é proveniente). Jesus é visto como um filósofo, que deixou leis e ensinamentos, que foi executado, mas cujo legado permanece, tendo díscipulos que vivem segundo suas leis. Luciano interpretou essas tradições de forma depreciativa aos cristãos. Galeno de forma positiva, embora condescencente. Mara, por sua vez, também as toma de maneira positiva, mas vê em Cristo um modelo de sabedoria.

Luciano de Samosata (165-175 DC)

Luciano de Samosata (125-180 DC, aproximadamente), escreveu a biografia zombeteira de um converso ao cristianismo e depois apóstata, Proteus Peregrino, em "A Passagem do Peregrino". Proteus era um fílosofo adepto da corrente cínica (não confundir com a concepção moderna, pejorativa, do termo). Os cínicos acreditavam que a felicidade dependia do desapego aos bens materiais e convenções sociais (status, poder..). O texto que menciona Jesus, como o "sofista crucificado" que era adorado pelos cristãos é apresentado abaixo:

“Foi então que ele [Proteus] conheceu a maravilhosa doutrina dos cristãos, associando-se a seus sacerdotes e escribas na Palestina. (...) E o consideraram como protetor e o tiveram como legislador, logo abaixo do outro [legislador], aquele que eles ainda adoram, o homem que foi crucificado na Palestina por dar origem a este culto.(...) Os pobres infelizes estão totalmente convencidos, que eles serão imortais e terão a vida eterna, desta forma eles desprezam a morte e voluntariamente se dão ao aprisionamento; a maior parte deles. Além disso, seu primeiro legislador os convenceu de que eram todos irmãos, uma que vez que eles haviam transgredido, negando os deuses gregos, e adoram o sofista crucificado vivendo sob suas leis." (Passagem do Peregrino, 11 e 13)

Segundo Luciano, Peregrino (100-165 DC), fugiu de sua cidade em sua juventude, acusado de matar seu pai. Tornou-se então um filosofo itinerante, tendo contato com várias idéias e filosofias. Quando estava na Palestina, ele se converteu ao cristianismo. Entre os cristãos, obteve rapidamente grande prestígio, se tornando "profeta", "presbítero", "chefe de sinagoga", compondo livros e os comentando, sendo reverenciado como mestre, legislador e até como um deus ("logo abaixo logo abaixo do outro, aquele que eles ainda adoram, o homem que foi crucificado na Palestina por dar origem a este culto"). Em suma, Luciano acusa Peregrino de usar seus conhecimentos de filosofia para abusar da credulidade dos cristãos. Ainda na Palestina, Peregrino é preso, e na cadeia recebe a atenção e cuidado de seus companheiros cristãos, que, segundo Luciano, "tudo fizeram para livra-lo, mas como isso não foi possível, dispensaram assistência constante para com ele" (Passagem do Peregrino 12) . Entretanto, o governador romano, também admirador da filosofia, o libertou após algum tempo. Anos depois, Peregrino rompeu com o cristianismo, tornando-se discípulo do renomado filósofo cínico Agatobulo, de Alexandria (Egito). Em seguida, ele viveu em várias cidades reunindo um grande grupo de seguidores, envolvendo-se em atividades anti-romanas. Em 161 DC, ele anunciou que se imolaria em uma fogueira nos jogos olímpicos seguintes, o que ocorreu no ano 165. Luciano, que presenciou o evento, escreveu então a "biografia" de Proteus por volta do ano 175.

O relato de Luciano é bastante hostil em relação a Peregrino, que tinha contudo seus admiradores, mesmo entre os letrados e ilustres. Luciano faz referência no texto ao filósofo Theagênes de Patras, ardoroso defensor de Proteus. Também o autor e gramático romano Aulio Gelio (125-180 DC), relata em seu livro "As Noites Áticas", que visitando Atenas, foi encontrar várias vezes o fílósofo Peregrino, chamado Proteus, um "homem de dignidade e coragem, que vivia fora da cidade" e que ouviu de Proteus "muitas coisas verdadeiras, úteis e nobres". É justamente para tentar refutar essa percepção, que parecia ser bastante popular, que Luciano escreve.

O texto estabelece paralelos entre Peregrino e Jesus, a quem Luciano retrata como um filósofo, sofista e primeiro legislador e mestre dos cristãos, acusado e preso (e realmente executado) como criminoso e acusado de envolvimento em ações contra Roma. Luciano não nega a reputação de Proteus como filósofo, nem seu conhecimento e credenciais, o que ele ataca é o uso que ele faz da filosofia, aproveitando-se da credulidade das pessoas. Da mesma forma, não é posta em dúvida a reputação de Jesus como filósofo, mas o fato de que os crédulos cristãos o elevaram injustificadamente a condição de grande legislador e digno de adoração, como também fizeram com Peregrino. Assim, a visão de Luciano em relação a Jesus, era de um simples sofista ou filósofo, que ensinou seus seguidores a abandonar os deuses gregos, condenado e crucificado como criminoso, a quem pessoas humildes e simplórias, como os cristãos, tinham como Deus e supremo legislador.

Luciano observa que Proteus tinha grande reputação, muitos discípulos e notaveis admiradores. Ele relata que entre alguns filósofos cínicos, a admiração a Proteus já começava a se transformar num verdadeiro culto. Considerando a comparação que Luciano faz entre Cristo e Proteus, pode ser inferido que Jesus também tivesse uma reputação de meste e sábio bastante disseminada, mesmo entre os mais instruídos. Aqui, é útil lembrar o comentário do Prof. Mark Alan Powell (Trinity Lutheran Seminar)- em relação a frase do celebrado Testemunho Flaviano de que Jesus era "um homem sábio" - de que pode implicar tanto como um elogio a qualidade de seus ensinos, quanto de que ele era um fílosofo, mestre ou rabi por profissão ou ofício.

Professor David Flusser (1917-2000), da Universidade Hebraica, comenta
"A palavra grega para "sábio" tem uma raiz comum com o termo grego "sofista" termo este que não possuia então a conotação negativa atual (...) O autor grego Luciano de Samosata (nascido em 120 e falecido após 180 DC) refere-se similarmente a Jesus como "o sofista crucificado".

Mas alguém tão crítico do cristianismo como Luciano, poderia considerar Jesus como um filíosofo ou sábio?

De qualquer forma, Luciano alude ao reconhecimento comum de Jesus como sofista/filósofo, legislador e mestre dos cristãos. Mas, para aprimorar nossa resposta, temos que ler "nas entrelinhas" o que Luciano escreve, e também comparar suas opinões com outros críticos do cristianismo daquele período.

Um ponto interessante é o cuidado que os cristãos dedicavam aos seus. John Dominic Crossan (De Paul University) e Jonathan Reed (La Verne University), citam o ensaio de Luciano de Samosata chamado "Da Amizade", no que se refere a assistência de Demétrio a Antífilo na prisão:

"Pediu-lhe que não tivesse medo, e dividindo sua capa em duas, vestiu-se com uma parte e deu outra metade a Antífilo, depois de lhe desvestir das roupas rasgadas e fétidas que usava. Daí para frente compartilhou sua vida em tudo, cuidando dele com carinho: trabalhando de manhã até o meio-dia como estivador no porto, ganhamdo bom dinheiro. Ao retorno de seu trabalho, dava parte de seu salário para o guarda, tornando-o tratável e pacífico. O que restava era suficiente para manutenção de seu amigo. Passava as tardes com Antífilo, com afeição, de noite durmia junto a porta da prisão onde arranjara um colchão de folhas para si (Da Amizade, 30-31)

Luciano também menciona serviços assistências como os oferecidos ao profeta cristão peregrino, mas nesse caso com certo menosprezo:

[Peregrino] recebia toda a forma de atenção, não esporádica mas assídua. Desde o amanhecer viúvas idosas e crianças orfãs podiam ser vistas esperando perto da prisão, enquanto seus oficiais dormiam junto a ele depois de subornar os guardas. Traziam-lhe refeições elaboradas e livros sagrados de onde liam passagens em voz alta. O notável Peregrino - pois ainda conservava esse nome - era chamado por ele de "o novo Sócrates" (Passagem do Peregrino, 12)"
.

Apesar do evidente menosprezo de Luciano aos cristãos, retratados como criaturas ingênuas e iludidas, a comparação com a atidude de Antífilo e Demetrio mostra suas virtudes. Eles ajudam um dos seus na prisão, com carinho, provendo roupas e comida, e até subornam os guardas, para permitir que Peregrino pudesse ser assistido (assim como Demétrio cuidou de Antífilo na prisão). Tais atitudes eram consideradas virtuosas, assim como a coragem mesmo diante da morte que os cristãos demonstravam. O problema não reside na falta de virtude dos cristãos, mas em sua (suposta) ingenuidade (que permite que qualquer espertalhão se aproveitasse). Mas teriam sido as virtudes apreendidas com os ensinos do "primeiro legislador"?
.
Cerca de 100 anos após Luciano ter escrito a Passagem do Peregrino, o fílosofo neoplatônico Porfírio de Tiro (232-305 DC), elaborou um violentos ataque a religião cristã, chamado Adversus Christianos ("Contra os Cristãos") em 15 volumes, e uma defesa a religião pagã, "Da filosofia dos oráculos". Estas obras não sobreviveram, mas partes significativas são citadas por autores cristãos posteriores como Eusébio, Metódio, Macário de Magnésia e Santo Agostinho. Em sua crítica aos cristãos Porfirio observa:

"O que nós diremos agora, certamente surpreenderá alguns. Pois os deuses declararam que Cristo foi muito piedoso, e se tornou imortal, e que eles prezam sua memória. Mas, os cristãos, no entanto, são impuros, contaminados e chafurdam no erro. E muitas outras coisas, dizem os deuses contra os cristãos.

Mas a aqueles que questionaram [deusa] Hecate se Cristo era Deus, ela respondeu: Tu conheces a condição da alma imortal (...) a alma a qual tu te refere e de um homem reconhecido por sua piedade, eles [os cristãos] o adoram porque são ignorantes da verdade (...) este homem virtuoso, assim, Hecate afirma que sua alma, como a alma de outros homens bons, foi coroada com a imortalidade, e que os cristãos, em sua ignorância, o adoram".

Agostinho observa também outra afirmação de Porfirio: "Os homens sábios entre os hebreus, dentre os quais esse Jesus, como ouviste dos oráculos de Apolo citados acima, acabaram transformando pessoas religiosas nestes demônios impíos e espíritos menores, ainda que eles tenham ensinado na verdade a veneração aos deuses celestes e especialmente a Deus Pai".

Trifo, um filósofo judeu que protagonizou um debate com São Justino Martir, por volta de 130-140 DC, afirma que tomou "conhecimento e leu com atenção os preceitos dos evangelhos cristãos, os considerou maravilhosos e grandes, de tal forma que suspeitava que ninguém seria capaz de cumpri-los"; No entanto, lamentava o fato de que os cristãos "dizendo serem piedosos, e considerando-se melhores que os outros, não haviam se separado dos impíos, ou alterado seu modo de vida em relação aos gentios, não observam as festas e o sabath, não se submetem ao rito da circunsição; e, mais, colocam suas esperanças sobre um homem que foi crucificado, e ainda assim esperam obter bençãos de Deus, mesmo não obedecendo seus mandamentos. Vocês não leram que serão apartados do seu povo, aqueles que não se circuncidarem no oitavo dia? (...) Mas vocês, desprezando os mandamentos, rejeitando seus deveres em consequencia, e tentando convencer a si mesmos que conhecem a Deus, quando, no entanto, não cumprem os deveres daqueles que são tementes a Deus"

Na mesma linha, a visão de Galeno, contemporâneo de Luciano, e médico da corte do Imperador Marco Aurélio também pode nos ajudar a entender a percepção de pagãos cultos dos ensinos e pessoa de Jesus, como veremos com mais detalhes adiante. Mais ou menos na mesma época em que Luciano escreveu, Galeno observou, em seu sumário da República de Platão (a obra esta perdida, mas o fragmento é preservado em citações de autores árabes), que os cristãos assim como "a maioria das pessoas não eram capazes de seguir uma linha contínua de raciocinio", no entanto, "mesmo extraindo sua fé de parábolas e milagres, agiam como aqueles que filosofavam". Galeno elogia também o fato dos cristãos desprezarem a morte, se dedicarem a abstnência e controle na sexualidade, comida e bebida, e sua ânsia pela justiça "assim como os verdeiros filósofos". Claramente, apesar de criticar os da "escola de Cristo" por serem pessoas simplórias e pouco letradas, que aceitam tudo pela Fé, tem em alta conta os valores morais extraidos do seu evangelho de "parábolas e milagres". Os ensinos de Cristo permitem aos seus discipulos atingirem as virtudes fundamentais de coragem, temperança e justiça.

Então, tanto o contemporâneo de Luciano, Galeno, quanto Porfírio, cem anos depois, e Trifo, quarenta anos antes, apontam alguns dos "defeitos" dos cristãos. Os quatro destacam o fato dos cristãos serem pessoas simplórias, até mesmo ingênuas. Mas o mais importante é o fato dos Cristãos deixarem de adorar os deuses gregos, tal como os outros gentios, ou não seguirem as leis mosaícas, tais como os judeus e prosélitos do judaísmo, era imperdoável. Logo, temos um eco das críticas de Luciano aos cristãos que "adoravam ao sofista crucificado" a ponto de cometerem a grave transgressão de abandonar os deuses gregos e costumes ancestrais, bem como de sua excessiva credulidade.

Por outro lado, Trifo, Galeno e Porfirio, reconhecem, em maior ou menor grau, os méritos dos cristãos e de seu líder. Porfirio chega a dizer que Jesus foi um homem e virtuoso e sábio, querido até mesmo pelos deuses. Trifo, reconhece os ideais elevados dos preceitos éticos dos evangelhos. Galeno admira o fato de que os seguidores de Cristo, embora inaptos a compreensão do raciocínio filosófico, eram virtuosos e se comportavam como filósofos fossem. Nisso temos um eco de Luciano, que é menos generoso que os outros, os cristãos, embora ingênuos, são corajosos diante da morte e são extremados em cuidar dos seus em situação adversa.

O grande desafio dessas afirmações para os apologistas cristãos, é que, ainda que reconhecendo alguns méritos nos evangelhos e na figura de Jesus, eles questionavam porque os cristãos transformavam um simples filosofo ou mestre (na melhor das hipóteses) em Deus, e, principalmente, porque eles romperam com os deveres cívicos, a religião e práticas de seus antepassados para seguir os preceitos do Evangelho. Vemos aqui como era difícil a vida dos primeiros cristãos.

J. P. Meier avalia o valor da fonte:
"Luciano sabe que o "sofista" reverenciado pelos cristãos - os nomes Jesus ou Cristo nunca são usados - foi executado na Palestina e, como Josefo, ele especifica a forma da morte, crucificação. Como Tácito, ele supõe que este mesmo crucificado introduziu a nova religião chamada cristianismo. Como Plínio, ele conta que os cristãos adoram seu fundador crucificado. Mais uma vez, ficamos sabendo o que um pagão culto do século II poderia conhecer sobre Jesus, mas sem dúvida Luciano reflete a informação que corria na época".

Chegamos ao final de nossa série sobre Jesus, como mestre e sábio. Após Josefo, Mara Bar-Serapion e Luciano, é a vez de Galeno, o filósofo, médico da corte imperial e eminente figura, que viveu na segunda metade do século II DC.

Galeno

Claudio Galeno ou Galeno de Pergamo (129-199 DC), iniciou-se na filosofia no ano 143. Quatro anos depois, ele passou a se interessar pela anatonia, e após a morte de seu pai, foi estudar medicina em Esmirna, Corinto e Alexandria. Em 157 DC ele se tornou médico da Escola de Gladiadores em Pergamo. Já no ano 161, ele deixou Pergamo e foi para Roma, onde trabalhou por cerca de 40 anos como Médico da Corte Imperial, nos reinados de Marco Aurélio, Cômodo e Sétimo Severo. Neste período, ele escreveu numerosos tratados, sobre vários assuntos, como anatomia, medicina e filosofia.

Galeno fez quatro breves referências aos cristãos em seus escritos:

"Pode-se ensinar coisas novas com mais facilidade aos seguidores de Moisés ou Cristo do que aos médicos e filósofos que se apegam a suas escolas" (De pulsuum differentiis, iii.3)

"Melhor seria apresentar alguma demonstração, boa ou má, mas uma razão suficiente, a fim de que logo e desde o início não se ouça falar - como quem se põe na Escola de Moisés ou de Cristo - de leis não demonstraveis e justamente na área em que são menos apropriadas" (De pulsuun differentiis, ii. 4) "

O parágrafo abaixo é encontrado apenas em citações em arábico:
"Se eu tivesse em mente aqueles que ensinam a seus pupilos da mesma forma que os discípulos de Moisés e Cristo ensinam os deles - pois eles os ordenam a aceitar tudo pela Fé-- Eu não teria dado uma definição."

Assim como esta referência, do Sumário elaborado por Galeno da República de Platão, (uma obra perdida), que é encontrado apenas em citações em textos em árabe.

"A maioria das pessoas não é capaz de acompanhar qualquer demonstração racional contínua; Assim, eles precisam de parábolas, para seu próprio benefício (...) Da mesma forma, nos vemos hoje essas pessoas chamadas de cristãos, que extraem sua fé de parábolas e milagres, ainda que algumas vezes agindo da mesma maneira (daqueles que filosofam). Pois seu desprezo da morte (e suas consequências) nos é manifesto todos os dias, assim como sua continência em coabitar. Por que eles incluem não só homens, mas também mulheres que se dedicam ao celibato, assim como numerosos indivíduos que, em auto-disciplina e auto controle em questões de bebida e comida, e por sua sedenta busca pela justiça, que atingiram uma condição não inferior a dos verdadeiros filósofos"

Galeno foi contemporâneo de Luciano de Samosata e Celso. Assim como estes, foi crítico do que ele considerava a falta de bases racionais da fé dos cristãos. Contudo, ele também reconheceu alguns méritos da nova religião.

Prof. Margareth Y. MacDonald, da St. Francis University (Canadá), observa que o último texto de Galeno, (o mais longo, e mais relevante) se baseia em uma fonte arábica traduzida e publicada por Richard Walzer em "Galen on Jews and Christians" (Londres, Oxford University, 1949). Ainda que exista o risco teórico do texto se tratar ou conter interpolações cristãs, os estudiosos, como Stephen Benko e Robert L. Wilken, tem tratado o texto, consistentemente, como genuíno. Em vista da autenticidade do texto não ser contestada seriamente, passamos agora a análise de seu conteúdo.

Margareth Mac Donald:
"Ainda que Galeno tenha sido crítico da falta de uma base racional para as crenças cristãs, sua rigorosa devoção a abstnência o levou a descrever seu modo de vida como característico daqueles que eram filósofos. O fato que Galeno se referia ao cristianismo como escola filosófica e não superstição, como outros critícos haviam feito, nos lembra a aceitação que os primeiros cristãos podem ter recebido no mundo greco-romano, mesmo nos círculos elitizados"

Professor Stephen Benko, Universidade do Estado da California
"Poderíamos listar ainda mais apologistas, mas o ponto central já esta claro: estes cristãos queriam que a igreja fosse respeitada como um dos muitos movimento filosóficos existentes.
Galeno realmente considerava a igreja dessa forma, marcando assim uma mudança substancial da visão dos pagãos relativa ao cristianismo. Para Galeno, os cristãos não eram conspiradores perigosos ou canibais abomináveis, mas seguidores de uma escola filosófica. Dessa forma, Galeno (embora não o público em geral) conferiu ao cristianismo uma certa respeitabilidade, e os cristãos tornaram-se socialmente aceitáveis. Entretanto, Galeno não estava satisfeito com a filosofia cristã. Ela lhe parecia sem uma base racional, ainda que os cristãos se apegassem a um modo de vida peculiar. Para o cientista e estudioso, acostumado a demonstrar a verdade e rejeitar evidências "de ouvir falar", esta aceitação de tudo pela fé parecia infantil e primitiva.
(...) Ainda assim, Galeno foi um observador simpático ao cristianismo. Ainda que ele criticasse a falta de treinamento filosófico dos cristãos, ele apreciava suas virtudes morais. Ele louva a coragem deles diante da morte, sua aceitação da privação física, e sua continua busca pela justiça. Segundo Galeno, a despeito de suas limitações, os cristãos agiam como verdadeiros filósofos"


Prof. Robert M. Grant, da Universidade de Chicago, também observa a insatisfação de Galeno com as bases racionais e filosóficas do cristianismo, e também seu louvor ao comportamento moral dos cristãos.

"Galeno escreve em três ocasiões diferentes, sobre leis não demonstradas aceitas pelos discípulos de Moisés e Cristo, possivelmente entre 176-180, mas já diferencia os cristãos por volta de 180. Ainda que não fossem filósofos, eles desprezavam a morte, exerciam auto-controle na sexualidade, comida e bebida, e buscavam a justiça. Walzer compara a admiração de Galeno por escravos incultos que em 185 foram torturados mas não trairam seus mestres. Ainda mais importante, Galeno trata o comportamento dos cristãos de forma similar ao encontrado nas "Exortações atribuidas a Pitágoras", que ele lia duas vezes por dia; Eles favoreciam não só o desapego de Epicuro da raiva, mas sua pureza no que concerne a glutonaria, luxúria, embriaguez, intromissão e inveja. Por essa época, ditos morais Pitagóricos eram atribuidos ao autor cristão Sextus".

Galeno, a respeito de suas reservas quanto a solidez filosófica e racionais do cristianismo, tinha os valores morais da nova religião em alta conta, e atribuia isso ao ensinos encontrados nos evangelhos. A "Escola de Cristo" conseguia transformar pessoas simplórias em seres humanos disciplinados, corajosos e ansiosos pela justiça, "verdadeiros filósofos".

Sobre o impacto que a figura de Cristo e seus ensinos tiveram, vale observar que algumas décadas depois de Galeno, já em meados do século III, Mani (216-276 DC), um filósofo que vivia na distante Mesopotâmia (atual Iraque), então sob dominio do Império Parto, fundaria um sistema religioso que combinava ensinos de Jesus, Zoroastro e Buda, chamado Maniqueismo, que rapidamente se tornaria popular entre as elites do Império Romano, e se expandiria da China ao confins ocidentais do mundo Romano nos séculos seguintes.

Outro caso é citado por John P. Meier, que observa que já no início do século III, o Imperador Alexandre Severo (222 a 235 DC), mantinha em sua capela particular imagens de vários imperadores divinizados, de Alexandre Magno e de vários homens santos, como Apolônio de Tiana, Jesus Cristo, Abraão e Orfeu [33]. Meier faz a significativa ressalva de que a fonte dessa informação é a problematica e, muitas vezes, pouco confíavel, "História Augusta" - uma coleção de biografias de Imperadores entre Adriano (117-138) e Numeriano (283-284), supostamente escrita por seis diferentes autores no início do séc. IV, hoje considerada pelos estudiosos como produto de um único autor por volta do final do século IV [33][34]. No entanto, apesar de suas limitações "Historia Augusta" ainda é uma das fontes principais ( e as vezes a única) de informações históricas para muitos os Imperadores Romanos dos séculos II e III, mesmo para figuras como Marco Aurélio, Adriano, Antonino Pio e Lucio Vero, trazendo informações que variam do "preciso e acurado até o evidentemente fictício"

Concluindo, é fato que os cristãos nos séculos II e III foram vistos com desconfiança e hostilidade pelas elites judaicas e greco-romanas. O cristianismo era, na visão de muitos observadores externos, uma superstição; nova emaligna (Suetônio, De Vita Nero, 16:2), depravada e irracional (Plínio, Cartas 10:96) e "daninha" (Tácito, Anais 15:44).

No entanto, esta não é história completa. Temos em Galeno um eco do Jesus o "homem sábio" de Josefo, e da surpresa de Plínio, que mesmo sendo hostil ao cristianismo e o considerando uma "superstição irracional e sem medida", nada encontrou além de pessoas que se reuniam para cantar hinos ao seu Mestre se comprometendo "sob juramento, não com algum crime, mas a abandonar o furto, o roubo, o adultério, a infidelidade e não se apossar dos bens a eles confiados".

Ao passo que muitos dos membros da elite do Império frequentemente tinham uma visão pejorativa dos cristãos, os seus méritos não passaram desapercebidos. Vemos em Galeno, um membro distinto da elite romana, a continuidade de uma tendência, já incipiente em observadores anteriores de ver algumas virtudes no cristianismo, principalmente na figura de Cristo como Mestre de verdades morais. E que se intensificaria um pouco mais (em críticos como Porfírio). Nesse contexto, é possível entender Josefo se referindo a Jesus como "homem sábio" e mestre.

O Jesus Mestre e Sábio é apenas uma das facetas de sua personalidade, o elemento que parece mais ter chamado a atenção de observadores simpáticos ou neutros. Não nos atrevemos, no entanto, a descrever tal figura na sua totalidade, pois, suspeitamos, parafraseando aqui o evangelho, "que nem toda a tinta e papel do mundo seriam suficientes".