terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O Polêmico Ateu Robert Green Ingersoll (1833-1899)

I
Na maior parte das vezes nós herdamos nossas opiniões. Nós somos herdeiros de hábitos e atividades mentais. Nossas crenças, como os costumes nas nossas roupas, dependem de onde nós nascemos. Fomos moldados e formados pelo nosso ambiente.

O ambiente é um escultor -- um pintor.

Se tivéssemos nascido em Constantinopla, a maioria de nós iria dizer: "Não há nenhum Deus além de Alá, e Maomé é seu profeta." Se nossos pais tivessem nascido nas margens do Ganges, nós poderíamos ser adoradores de Shiva, esperando pela chegada ao céu de Nirvana.

Em geral, crianças amam seus pais. Acreditam no que eles ensinam. E têm grande orgulho em dizer que a religião da mãe é adequada para elas.

A maioria das pessoas amam a paz. Eles não gostam de ser diferentes dos vizinhos. Pessoas gostam de companhia. Elas são sociais. Elas gostam de viajar na estrada com a multidão. Elas odeiam caminhar sozinhas.

Os escoceses são calvinistas porque seus pais eram. Os irlandeses, católicos porque seus pais eram. Os ingleses, episcopais, porque seus pais eram. E os americanos são divididos em centenas de seitas porque seus pais eram. Esta é a regra geral, para a qual, existem numerosas exceções. Filhos às vezes são superiores aos seus pais, modificam suas regras, alteram seus costumes, chegam a diferentes conclusões. Mas isto é tão gradual que as mudanças são fracamente percebidas, e aqueles que mudam usualmente continuam a insistir que permanecem seguindo os passos dos pais.

É dito pelos historiadores cristãos que a religião de uma nação foi, repentinamente vítima de um processo de mudança, e que milhões de pagãos teriam se transformado em cristão sob o comando de um rei. Filósofos não concordam com esses historiadores. Nomes foram mudados, altares foram substituídos, mas as crenças continuaram as mesmas. Um pagão, diante da espada ameaçadora de um cristão iria provavelmente mudar sua visão religiosa.. Um cristão, com uma cimitarra em sua cabeça, tornar-se-ia um maometano. Mas em essência, ambos continuariam exatamente o que eram antes, mudando apenas o discurso.

Crença não é sujeita à vontade. Homens pensam como podem. Crianças não, elas acreditam exatamente no que lhes é ensinado. Elas não são exatamente como seus pais. Elas diferem em temperamento, em experiência, em capacidade, nas circunstâncias. Então há uma contínua e quase imperceptível mudança. Há desenvolvimento, consciente e inconsciente crescem, e comparando grandes intervalos de tempo, nós percebemos que o velho foi abandonado, quase substituído pelo novo. O homem não pode permanecer estacionado. A mente não pode ser ancorada num local seguro. Se não avançarmos, andaremos para trás. Se não crescermos, decairemos. Se não nos desenvolvermos, atrofiaremos e morreremos.

Como a maioria de vocês, eu cresci no meio de pessoas que sabiam -- os que tinham certeza. Eles não usavam a razão ou a investigação. Eles não duvidavam. Eles sabiam que tinham a verdade. Em sua crenças não havia nenhum "eu acho", nenhum "talvez". Eles tinham tido a revelação de Deus. Eles conheciam o início das coisas. Eles sabiam que Deus havia começado a criação numa segunda-feira pela manhã, quatro mil e quatro anos antes de Cristo. Eles sabiam que na eternidade -- antes daquela manhã Ele não tinha feito nada. Eles sabiam que Ele tinha passado seis dias para fazer o mundo -- todas as plantas, todos os animais, toda a vida, e todos os globos que giram no espaço. Eles sabiam exatamente o que Deus havia feito em que dia, e quando Ele descansou. Eles sabiam a origem, as causas do mal, de todos os crimes, de todas as doenças, da morte.

Eles sabiam não só o início, mas também o fim. Eles sabiam que a vida tinha ou um caminho ou uma estrada. Eles sabiam que o caminho, estreito, coberto por pedras e espinhos, infestado de víboras, molhado de lágrimas, manchado de pés sangrantes, levava ao céu. A estrada, larga, lisa, ladeada por frutas e flores, cheia de risadas, música, e de toda a felicidade do amor humano, levava direto ao inferno. Eles sabiam que Deus estava fazendo todo o esforço para que nós seguíssemos pelo caminho, e que o diabo fazia todo tipo de truques e artimanhas para que percorrêssemos a estrada.

Eles sabiam que se travava uma terrível batalha entre as forças do mal e as do bem pela posse das almas humanas. Eles sabiam que há muitos séculos atrás Deus desceu do seu trono e nasceu criança neste pobre mundo -- que Ele sofreu e morreu pelo bem dos humanos -- sofreu para salvar alguns. Eles sabiam também que os corações humanos eram depravados, que os homens estavam apaixonados pelo mal e odiavam Deus com todas as suas forças.

Ao mesmo tempo eles sabiam que Deus criara o homem à sua imagem e semelhança e estava plenamente satisfeito com seu trabalho. Eles sabiam também que o homem havia sido tentado pelo demônio, que com suas mentiras e sutilezas enganara o primeiro ser humano. Sabiam que em conseqüência disto, Deus castigou todos nós: o homem, com o trabalho e a mulher com a escravidão e a dor, e ambos com a morte. E que Ele castigou a própria terra com espinhos, venenos e urtigas. Todas essas coisas abençoadas eles sabiam. Eles sabiam também de tudo o que Deus fazia para purificar e elevar a espécie humana. Eles sabiam tudo sobre o dilúvio; que Deus, com exceção de oito, afogou todos os seus filhos, os jovens e os velhos, desde o velho patriarca até os bebês. O jovem, a donzela, a mãe amorosa, a criança sorridente -- porque Sua misericórdia dura para sempre. Eles sabiam também que Deus afogou as bestas e os pássaros, tudo o que anda, rasteja e voa, porque seu infinito amor atinge toda a criatura. Sabiam que Deus, para civilizar seus filhos, matou vários com terremotos, destruiu muitos com tempestades de fogo, matou inúmeros com raios, milhões de fome, com epidemias, sacrificou muitos milhões nos campos da guerra. Eles sabiam que era necessário acreditar nestas coisas para amar Deus. Eles sabiam que não haveria salvação outra além da fé e do sangue reparador de Jesus Cristo.

Todos os que negassem e duvidassem estariam perdidos. Viver uma vida honesta e moral, tomar conta da mulher e das crianças -- formar um lar feliz -- ser um bom cidadão, um patriota, ou simplesmente um homem sábio, tudo isso era uma maneira respeitável de ir para o inferno.

Deus não recompensava homens pela honestidade, generosidade, bravura, mas pelos atos de fé. Sem fé, todas as chamadas virtudes eram pecados. E todos os homens que praticassem essas virtudes sem fé, mereceriam o sofrimento eterno.

Todas estas coisas reconfortantes e racionais eram ensinadas pelos ministros em seus púlpitos -por professores em salas de aula, e pelos pais, em casa. As crianças eram as vítimas. Elas ficavam assaltadas de pavor -- nos braços da mãe. Na época, os professores levavam adiante uma guerra contra o sentido natural das crianças, e todos os livros que elas liam eram cheios dessas verdades impossíveis. As pobres crianças eram desesperançadas. A atmosfera que respiravam era envenenada com mentiras -- mentiras que penetravam no seu sangue.

Naqueles dias os ministros usavam os cultos para salvar almas e reformar o mundo.

No inverno, estando a navegação interrompida, negócios eram quase totalmente suspensos. As estradas de ferro não funcionavam e os principais meios de transporte eram barcos e carruagens. As vezes as condições das estradas eram tão precárias que carruagens eram abandonadas. Não havia óperas, teatro ou diversões, além de festas e bailes. As festas eram tidas como mundanas, e os bailes, perniciosos. Para a alegria virtuosa e real, as boas pessoas dependiam dos cultos.

Os sermões eram quase sempre sobre dores e agonias do inferno, sobre alegrias e êxtase do céu, salvação pela fé e a eficácia do arrependimento. As pequenas igrejas, nas quais os cultos aconteciam, eram mal ventiladas, excessivamente quentes. Os sermões emocionais, as canções tristes, os améns histéricos, a esperança do céu, provocavam em muitos a perda da pouca razão que possuíam. Eles se tornavam substancialmente insanos. Nessas condições eles sentavam no "banco das lamentações" rezavam orações de fé, tinham estranhas sensações, choravam e pensavam que tinham "nascido de novo". Então eles contavam sua história. Como tinham sido maus. Como tinham tido maus seus pensamentos, seus desejos, e como tinham mudado repentinamente.

Eles relatavam a história de uma velha mulher que, contando sua experiência, disse: "Antes de me converter, de dar meu coração a Deus, eu costumava mentir e roubar. Mas agora, graças ao sangue de Jesus Cristo eu me livrei disso tudo".

Obviamente, nem todos pensavam desta maneira. Havia alguns que ridicularizavam. E uma vez ou outra, alguém tinha coragem suficiente de dar gargalhadas das ameaças do padre e de escarnecer do inferno. Alguns falavam de não crentes que haviam vivido e morrido em paz.

Quando era criança ouvi um deles falar de um velho fazendeiro em Vermont. Ele estava morrendo. O ministro estava na beira de sua cama e perguntou se era cristão. Se estava preparado para morrer. O velho respondeu que não havia feito nenhuma preparação. Não era cristão -- que em sua vida não fizera mais que trabalhar. O padre respondeu que não poderia lhe dar qualquer esperança a não ser que acreditasse em Cristo, e que se não tivesse nenhuma fé, sua alma estaria perdida.

O velho não estava amedrontado. Estava perfeitamente calmo. Com sua voz fraca e entrecortada ele disse: "Sr. Reverendo, eu acho que o senhor conhece minha fazenda. Minha mulher e eu viemos para cá há mais de cinqüenta anos. Éramos recém-casados. Lá só tinha mato e a terra era coberta de pedras. Eu cortei o mato, queimei os galhos, tirei as pedras e aplainei o terreno. Minha mulher costurava e tecia, e trabalhava o tempo todo. Criamos e educamos nossas crianças. Esquecemos de nós mesmos. Durante todos esses anos minha mulher nunca possuiu um vestido ou um chapéu decente. Eu nunca tive uma roupa boa. Vivíamos para comer. Nossas mãos e corpos ficaram deformados pelo trabalho. Nunca tivemos férias. Nós nos amamos e amamos nossos filhos. É o único luxo que temos. Agora estou perto da morte e o senhor vem perguntar se estou preparado. Senhor Reverendo, eu não tenho nenhum medo do futuro, nem terror de outros mundos. Pode até existir lugar como o inferno -- mas se existe, o senhor nunca vai me fazer acreditar que seja pior do que nosso velho Vermont".

Então me contaram de um homem que comparava a si próprio com um cachorro: "Meu cão," ele dizia, "só sabe latir e brincar. Tem tudo o que quer para comer. Ele nunca trabalha. Não tem qualquer preocupação com negócios. Dentro de pouco tempo morrerá e isso é tudo. Eu trabalho com todo meu esforço. Não tenho tempo para diversões. Tenho problemas todos os dias. Em pouco tempo, morrerei, e então irei para o inferno. Preferia ter nascido um cão".

Então, quando a estação do frio terminava, enquanto a neve desaparecia, os cultos continuavam, quando o silvar dos barcos a vapor era ouvido, quando o frio ia embora, os negócios reiniciavam, as almas recém-convertidas retornavam à sua vida habitual. Mas no inverno seguinte estavam eles novamente prontos para "nascer de novo". Eles pareciam um elenco de teatro, representando os mesmos papéis a cada temporada.

Os ministros que pregavam nos cultos eram sérios. Eram sinceros e cuidadosos. Não eram filósofos. Para eles Ciência representava uma distante ameaça. Um inimigo perigoso. Não sabiam muita coisa mas tinham muitas convicções: para eles, o inferno era uma realidade. Podiam até ver as chamas e a fumaça. O diabo era uma figura real. Era uma pessoa de fato, um rival de Deus, um inimigo da Humanidade. Acreditavam que o grande objetivo da vida era salvar nossas almas. E todos deveriam resistir, e desprezar os prazeres dos sentidos e manter o olhar fixo nas portas de ouro da Nova Jerusalém. Eram impassíveis, emotivos, histéricos, odiosos, fanáticos, amorosos e insanos. Eles realmente acreditavam que a Bíblia era a palavra de Deus. Um livro sem erros nem contradições. Eles chamavam suas crueldades de justiça. Seus absurdos, mistérios. Seus milagres, fatos. E suas passagens idiotas, profundamente espirituais. Eles descreviam os sofrimentos, a infinita agonia dos perdidos, e mostravam como era fácil evitar tudo isso, como o céu seria facilmente obtido. Eles pediam aos ouvintes que acreditassem, que tivessem fé, que dessem seus corações a Deus, seus pecados a Cristo, que iriam expiar seus pecados e deixar sua almas mais brancas que a neve.

Em tudo isso os clérigos realmente acreditavam. Eles estavam absolutamente certos. Em suas mentes o diabo havia tentado em vão semear as sementes da dúvida.

Eu ouvi centenas desses sermões evangélicos. Ouvi centenas das mais assustadoras e terríveis descrições das torturas e aflições no inferno, do horrível estado dos perdidos. Eu supunha que aquilo que ouvia era verdade mas não acreditava naquilo. Eu dizia: "É verdade!". E logo depois, pensava: "não pode ser!".

Esses sermões deixaram lembranças permanentes na minha memória. Mas não me convenciam.

Eu não tinha qualquer desejo de ser "convertido". Não queria um "novo coração" e não queria "nascer de novo".

Mas um dia ouvi um sermão que tocou meu coração: deixou uma marca, como uma cicatriz no meu cérebro.

Um dia fui com meu irmão assistir a uma pregação de um pastor batista. Era um homem alto, vestido como um fazendeiro, mas era um grande orador: poderia pintar um quadro com palavras.

Ele tomou para seu texto a parábolas do "rico e Lázaro". Descreveu Dives, o homem rico, sua maneira de viver, seus excessos, que ele ridicularizou, suas extravagâncias, suas noitadas, suas roupas de tecido fino, suas festas, seus vinhos e suas belas mulheres.

Então ele descreveu Lázaro e sua pobreza, seus trapos, sua feiúra, seu pobre corpo comido pelas doenças, as crostas e escaras a devorarem-no, até os cães tinham piedade dele. Ele descreveu sua vida solitária, sua morte sem amigos.

Então, mudando seu tom de voz de piedade para triunfo, de lágrimas para gritos de exaltação, de derrota para vitória, ele descreveu a gloriosa companhia dos anjos, que com suas brancas asinhas carregaram a alma do miserável para o Paraíso, para o seio de Abraão.

Então, mudando sua voz para escárnio e raiva, ele descreveu a morte do rico. Ele estava num palácio deitado no seu sofá, o ar perfumado, o quarto preenchido por serviçais e médicos. Seu ouro então, não tinha qualquer valor. Ele não podia comprar uma outra vida. Ele morreu e no inferno abriu os olhos, em tormento.

Então, assumindo uma atitude dramática, o Pastor colocou sua mão direita no ouvido e cochichou: "Ouçam! Eu ouço a voz do homem rico. O que ele diz? Ouçam! - Pai Abraão, pai Abraão! Eu peço a ti que mande Lázaro molhar seu dedo em água e umedecer meus lábios secos! Porque eu estou sofrendo nestas chamas!"

"Oh, meus ouvintes, o rico está fazendo este pedido há mais de mil e oitocentos anos. E em milhões de anos esses lamentos ainda atravessarão o abismo que separa os salvos e os perdidos e ainda serão ouvidos: "Pai Abraão! Pai Abraão! Eu peço a ti que mande Lázaro molhar seu dedo em água e umedecer meus lábios secos! Porque eu estou sofrendo nestas chamas!"

Pela primeira vez entendi o dogma do sofrimento eterno. Pela primeira vez tive noção da profundidade e extensão do horror cristão. E eu disse: Isto é uma mentira e eu odeio tua religião! Se isto é verdade, odeio também teu Deus!"

Desde aquele dia deixei de ter medos ou dúvidas. Para mim, naquele dia as chamas do inferno se extinguiram. A partir daquele dia passei a detestar todo o tipo de crença ortodoxa.

II
Desde minha infância liam para mim ou eu mesmo lia a Bíblia. De manhã e à noite o livro sagrado era aberto e rezávamos. A Bíblia foi minha primeira história e os Judeus, meu primeiro povo, e os fatos narrados por Moisés e outros escritores inspirados, e aquelas descrições dos profetas eram tudo coisas importantes. Em outros livros eram descritos os pensamentos e sonhos de homens, mas a Bíblia continha a verdade de Deus.

Entretanto, apesar do meu ambiente, da minha educação, eu não amava Deus. Ele era tão sem misericórdia, tão generoso em assassinatos, tão sedento de matanças, tão disposto a destruir, que eu O odiava com todo o meu coração. Sob seu comando, bebês eram despedaçados, mulheres violadas, e os cabelos brancos de velhos trêmulos, manchados de sangue. Esse Deus visitava famílias com epidemias, cobria as ruas de mortos e moribundos, deixou bebês passar fome agarrados aos seios vazios de suas mães, ouvia seus choros, via suas lágrimas, as bochechas murchas, os olhos sem visão, via as covas recentemente abertas, e continuou tão impiedoso como as pestes.

Esse Deus suspendeu as chuvas, semeou a fome, viu os olhos tristes dos famintos, suas formas esquálidas, seus lábios pálidos, viu mães devorando bebês, e permaneceu tão feroz como a fome.

Parece-me impossível para o homem civilizado amar ou adorar ou respeitar o Deus do Velho Testamento. Um homem realmente civilizado, uma mulher realmente civilizada deve encarar esse Deus com horror e desprezo.

Mas nos velhos tempos as boas pessoas justificavam Jeová no seu tratamento aos infiéis. Os hereges assassinados eram idólatras, não merecedores da vida.

De acordo com a Bíblia, Deus nunca se revelou a esses povos e sabia que sem sua revelação eles não poderiam saber qual o verdadeiro Deus. Como classificá-los então como hereges?

Os cristãos afirmam que Deus tinha o direito de matá-los porque os tinha criado. Então, para que os criou? Ele sabia, quando os criou que eles seriam alimento para a espada. Ele sabia que teria o prazer de vê-los ser assassinados.

Como uma última resposta, como uma desculpa, os adoradores de Jeová afirmam que todas aquelas coisas horríveis aconteceram sob "velha ordem", sob lei inevitável, e justiça absoluta, mas agora, sob "nova ordem", tudo já estaria mudado, a espada da justiça já estaria embainhada, o amor tinha assumido. No Velho Testamento, eles diziam, Deus era o Juiz. Mas no Novo, Cristo é piedoso. Mas na verdade, o Novo Testamento é infinitamente pior que o Velho. No Velho não há qualquer ameaça de sofrimento eterno. Jeová não possuía uma prisão eterna. Nenhum fogo eterno. Suas maldades terminavam na sepultura. Sua vingança estava satisfeita logo que o inimigo estivesse morto.

No Novo Testamento a morte não é o fim, mas o início de uma punição sem fim.
No Novo Testamento a malícia de Deus é infinita e a fome de vingança, eterna.

O Deus ortodoxo, quando vestido em carne humana, disse a seus discípulos para resistir à maldade, amar seus inimigos, e quando esbofeteado numa face, que oferecessem a outra. E nós sabemos que esse mesmo Deus, com esses mesmos lábios ternos, exclamou estas cruéis e impiedosas palavras: "Apartai-vos de mim, malditos. Danai-vos no fogo eterno. Preparai-vos para o diabo e seus anjos". (Mat. 25:41).

Estas são as palavras do "amor eterno".
Nenhum ser humano tem imaginação suficiente para conceber esse infinito horror.

Tudo o que a espécie humana tem sofrido na guerra, na fome, nas epidemias, no fogo e nas enchentes, Todas as desgraças de todas as dores e de todas as doenças, isto tudo é nada se comparado às agruras do sofrimento eterno da alma.

Este é o consolo da religião Cristã. Esta é a justiça de Deus. A misericórdia de Cristo.

Este dogma assustador, esta mentira infinita, fez de mim um inimigo implacável do Cristianismo. A verdade é que a crença na dor eterna tem sido o verdadeiro perseguidor. Ela criou a Inquisição, forjou as correntes, construiu as estacas das fogueiras. Ela escureceu as vidas de milhões. E fez os berços tão terríveis como os esquifes. Escravizou nações e derramou o sangue de muitos milhares. Sacrificou os mais sábios, os mais corajosos, os melhores. Subverteu a idéia de justiça, tirou o perdão do coração, transformou homens em maus e baniu a razão de seus cérebros.

Como uma serpente venenosa ela rasteja, enrosca-se e silva em todo credo ortodoxo.
Transformou o homem numa eterna vítima e Deus num eterno carrasco. Este é um infinito terror. Em toda igreja o que se ensina é uma maldição bíblica. Todo o Pastor que a prega é um inimigo da Humanidade. Abaixo dos dogmas cristãos, selvageria não existe. É uma infinidade de malícia, ódio e vingança.

Nada poderia ser pior que o horror do inferno do que o seu criador, Deus.

Enquanto eu viver, enquanto eu respirar, eu negarei com todas as minhas forças.
E odiarei até a última gota de meu sangue esta mentira infinita.

Nada me dá tanta alegria do que esta crença no sofrimento eterno está-se tornando mais fraca a cada dia. Que milhares de Pastores se envergonham disso. Isto me dá alegria em saber que a Cristandade está se tornando piedosa. Tão piedosa que o fogo do inferno está queimando mais brando. Tremula mais fraco e isto indica que logo se extinguirá para sempre.

Por séculos o Cristianismo era uma casa de loucos. Papas, Cardeais, Bispos, Padres, Monges e hereges. Eram todos insanos.

Apenas alguns -- quatro ou cinco num século, tinham cérebro e corações em ordem. Apenas alguns, apesar dos rugidos e do barulho, apesar dos choros, ouviam a voz da consciência. Apenas alguns, na fúria selvagem da ignorância, medo e fervor, permaneciam perfeitamente calmos, como a sabedoria manda.

Nós avançamos. Em poucos anos o Cristianismo estará -- assim esperamos -- humano e sensível o suficiente para negar os dogmas que enchem anos sem fim com a dor. Eles têm que saber que esses dogmas são inconsistentes com a sabedoria, a justiça, com a bondade do seu Deus. Eles devem saber que sua crença no inferno leva ao Espírito Santo -- a pomba -- o bico de um abutre, e enche a boca do cordeiro de Deus com as presas de uma víbora.

III
Em minha juventude lia livros religiosos -- livros sobre Deus, sobre o arrependimento -- sobre a salvação pela fé e sobre outros mundos. Fiquei familiar com os comentadores -- com Adam Clark, que achava que a serpente havia seduzido nossa mãe Eva, e era de fato o pai de Caim. Ela também acreditava que os animais, quando na arca, mudaram suas naturezas de tal modo que consumiam palha e conviveram alegremente todos juntos -- então, prenunciando o milênio abençoado. Li Scott, que era um Teólogo tão natural que acreditava na história de Phaeton -- dos cavalos selvagens voando pelos céus -- e corroborando a história de Josué parando o sol e a lua. Então li Henry e MacNight e descobri que Deus amava tanto o mundo que despertou Sua mente para destruir a maioria dos seres humanos. Li Cruden que fez a grande Concordância e fez os milagres tão pequenos e prováveis como pôde.

Lembro-me que ele explicava o milagre de alimentar os judeus andarilhos com codornizes, afirmando que nesse mesmo dia o céu no Mar Vermelho foi cruzado por milhares de codornizes. E que as que se encontravam cansadas, pousavam sobre barcos em tão grande número que alguns barcos afundavam. O fato de que a explicação é tão difícil de acreditar quanto o milagre não fez qualquer diferença para o devoto Cruden.

Depois li as regras de Calvino, um livro calculado para produzir em qualquer mente natural, considerável respeito pelo diabo.

Li as evidências de Paley e entendi a evidência da ingenuidade em produzir o mal, em planejar a dor, era tão menos real que a evidência de tender a mostrar o uso da inteligência na criação do que chamamos o bem.

Você sabe que o argumento do relógio foi o maior esforço de Paley. Um homem acha um relógio e o acha tão maravilhoso que conclui que ele tem que ter um relojoeiro. Ele encontra o relojoeiro e conclui que este é tão maravilhoso que tem que ter também um Criador. Então ele encontra Deus, o Criador do homem. E Ele é tão mais maravilhoso que o homem que não pode ter um Criador. Isto é o que os advogados chamam de 'desistência na apelação'.

De acordo com Paley, não pode haver criação sem criador -- mas pode haver um Criador sem ter sido criado. A maravilha do relógio, sugere o relojoeiro. A maravilha do relojoeiro, sugere o criador. E a maravilha do criador demonstra que Ele não foi criado. Mas era sem causa e eterno.

Tivemos Edward em "A vontade", em que o reverendo autor lembra que a necessidade não tem efeito na explicabilidade -- e quando Deus cria um ser humano, no mesmo momento determina o que aquele ser deverá fazer e ser, o ser humano é responsável, e Deus, na sua infinita justiça e misericórdia tem o direito de torturar a alma deste ser humano para sempre. E então Edward afirma que ama Deus.

O fato é que se você acredita num Deus infinito e também na punição eterna, você deve admitir que Edward e Calvino estavam absolutamente certos. Não há como escapar de suas conclusões se você aceitar suas premissas. Eles eram infinitamente cruéis, suas premissas infinitamente absurdas, seu Deus infinitamente cruel, e sua lógica, perfeita. E eu tenho a ternura e a candura suficiente para dizer que Calvino e Edward eram ambos insanos.

Nós temos abundância de literatura teológica, Houve Jenkin e o arrependimento, que demonstrou a sabedoria de Deus em permitir uma maneira na qual o sofrimento de inocência poderia justificar a culpa. Ele tentou mostrar que crianças poderiam ser punidas pelos pecados dos seus ancestrais, e que os homens, se tiverem fé poderão ser com justiça ter crédito com a virtudes dos outros. Nada poderia ser mais ortodoxo, devotado e idiota. Mas nem toda a Teologia foi escrita em prosa. Nós tivemos Milton com sua celestial milícia com seu Deus desajeitado e seu diabo ardiloso. Suas guerras entre imortais, e todo o sublime absurdo que a religião forjou no cérebro de um homem cego.

A Teologia ensinada por Multon era querida para um coração puritano. Foi aceita na Nova Inglaterra e envenenou as almas e arruinou as vidas de milhares. O gênio de Shakespeare não poderia fazer a Teologia de Milton poética. Na literatura do mundo não há nada, fora os "livros sagrados", tão perfeitamente absurdo.

Nós temos os "Pensamentos noturnos" de Young e suponho que o autor era um devoto e amava os seguidores do Senhor. Entretanto, Young tinha grande desejo de se tornar Bispo, e para conseguir este intento, ele se aproximou da senhora do rei. Em outras palavras, era um grande hipócrita. Em "Pensamentos noturnos" não há uma linha genuinamente honesta. É fingimento, do início ao fim. Ele não escreveu o que pensava, mas o que ele achava que devia pensar.

Nós temos o "Curso do tempo" de Pollock, com seus vermes que nunca morrem. Com suas chamas infindáveis, agonias intermináveis, demônios espreitando, seu Deus sádico. Este poema assustador poderia ter sido escrito num hospício. Nele você ouve todos os choros e gemidos dos maníacos, quando eles rasgam as carnes uns dos outros. É tão diabólico, tão sem coração, tão horrível como o capítulo trinta e dois do Deuteronômio.

Nós todos conhecemos o belo hino começando com: "ouçam das tumbas, um som lúgubre". Nada mais apropriado para crianças. É para se ter um esquife onde deveria estar um berço. Quando uma mãe acalenta seu filho, é como se um túmulo se abrisse a seus pés. Isto tornaria seu bebê sério, reflexivo, religioso e infeliz.

Deus odeia a risada e despreza a alegria. Para se sentir livre, despreocupado, alegre, para esquecer a morte, para se sentir preenchido pelo sol, e sem medo da noite, para esquecer o passado e ter o pensamento no futuro, sem sonhos com Deus, ou céu, ou inferno, ser intoxicado com o presente, ser consciente apenas do abraço e do beijo daqueles que você ama, estes são os pecados contra o Espírito Santo.

Mas temos os poemas de Cowper. Este era sincero. Era o oposto de Young. Tinha um olho observador, um coração gentil, e um senso artístico. Simpatizava com todos os que sofriam. Com os prisioneiros, escravos, os excluídos. Amava o belo. Mesmo assim, a crença na punição eterna fez desta alma adorável também um insano. Mesmo com ele, as "Boas novas da alegria" extinguiu a grande estrela da esperança e deixou seu coração partido na escuridão do desespero.

Temos muitos volumes de sermões ortodoxos cheios de ódio e terror do julgamento que virá -- sermões que foram proferidos pelos santos selvagens.

Temos o livro dos mártires, mostrando que os cristãos imitaram por muitos séculos o Deus que eles adoravam.

Temos a história dos Waldenses. Da reforma da Igreja. Temos o progresso do Peregrino, o chamado de Baxter, a analogia de Butler.

Para usar a frase ocidental da salvação, descobri que Bispo Butler criou mais serpentes do que matou. Sugeriu mais dificuldades do que resolveu. Mais dúvidas do que explicações.

Entre esses livros, minha juventude se passou. Todas essas sementes da Cristandade -- da superstição, eram semeadas em minha mente, e cultivadas com muita diligência e cuidado.

IV
Em todo esse tempo, não sabia nada de ciência. Nada sobre o outro lado. Nada das objeções que eram necessárias contra as Sagradas Escrituras, ou contra o perfeito Credo Congregacional. Claro que tinha ouvido o pastor falar de blasfemadores, de maus infiéis, de gente debochada que ria das coisas sagradas. Eles não respondiam seus argumentos, mas eles retalhavam seu caráter com fúria que eles faziam o trabalho do diabo. E então, apesar de tudo o que eu tinha ouvido, tudo que havia lido, eu não podia acreditar. Meu cérebro e coração diziam não.

Em pouco tempo eu deixei os sonhos, as insanidades, as ilusões, os pesadelos da Teologia. Estudei um pouco de Astronomia -- só um pouco. Examinei os mapas do céu, aprendi os nomes de algumas constelações e de algumas estrelas. Entendi seus tamanhos e as velocidades com as quais giram, obtendo algumas noções dos espaços astronômicos. Descobri que muitas estrelas estão a uma distância tão gigantesca que sua luz, viajando a uma velocidade de trezentos mil quilômetros por segundo, demoraria muitos anos para atingir nosso pequeno mundo. Descobri que, comparado às grandes estrelas, nosso mundo não é mais que um pequeno grão de areia, ou um átomo, descobri que as velhas crenças que os donos do céu haviam criado para nós na terra eram o mais infinito absurdo.

Comparei o que realmente se conhecia a respeito das estrelas com o que se sabia da criação contada no Gênesis. Descobri que os inspirados escritores sagrados não sabiam nada de Astronomia. Que eram tão ignorantes como um chefe dos Choctaw. Ou como um esquimó que conduz cães. Alguém imagina que o autor do Gênesis tivesse algum conhecimento sobre o sol? Sobre seu tamanho? Tinha conhecimentos sobre Sirius, a Estrela Polar, Capela? Ou sobre as galáxias, tão distantes de nós que sua luz passa milhões de anos para visitar nossos olhos?

Se eles soubesse destes fatos, iriam afirmar que Jeová criou este mundo em seis dias, e que em apenas numa parte da tarde do quarto dia Ele fez o sol, a lua e todas as estrelas?

E mesmo assim, milhões de pessoas insistem que esse escritor do Gênesis era inspirado pelo Criador de todos os mundos.

Agora, homens inteligentes que não têm pavor, cujos cérebros não foram paralisados pelo medo, sabem que a história sagrada foi escrita por um selvagem ignorante.

Eu admito que esse desconhecido fosse sincero, que ele escreveu o que achava que fosse a verdade. Que fez o melhor que pôde. Ele não afirmou ser inspirado -- não fingiu que a historia tivera sido contada a ele por Jeová. Ele apenas contou os "fatos" como ele os entendia. Depois que aprendi um pouco sobre as estrelas, concluí que este escritor, que este escriba "inspirado" enganou-se através de mitos e lendas, que ele não sabia mais sobre a criação do que os Teólogos dos nossos dias. Em outras palavras, ele não sabia absolutamente nada.

E agora, vou dizer que aqueles Clérigos me que respondem estão mirando suas armas na direção errada. Esses Reverendos deveriam atacar os Astrônomos. Deveriam amaldiçoar e vilificar Kepler, Newton, Herschel e Laplace. Esses homens foram os verdadeiros destruidores das histórias sagradas. Então, depois de livrar-se deles, deveriam iniciar uma guerra contra as estrelas, e contra o próprio Deus, por deixar pistas que depõem contra a verdade desse livro.

Então estudei Geologia. Não muito, só noções. Só o suficiente para encontrar uma maneira geral de como os fatos foram descobertos, e algumas das conclusões a que chegaram. Aprendi alguma coisa sobre a ação do fogo. Da água, sobre a formação das ilhas e continentes. Sobre os sedimentos e rochas, sobre as medições com carbono, sobre as encostas calcárias os recifes de corais, sobre os depósitos feitos pelos rios, sobre os efeitos dos vulcões, o gelo glacial, e todo o mar circundante; só o suficiente para saber que as rochas são muitos milhões de anos mais antigas que a grama abaixo dos meus pés. O suficiente para saber que nosso globo vem girando continuamente ao redor do sol, entre sombra e luz por centenas de milhões de anos, o suficiente para saber que aquele escritor "inspirado" não sabia nada sobre a história da terra, nada sobre as forças da natureza, do vento, das ondas, do fogo, forças que eram construídas de destruídas continuamente durante um tempo incalculável.

E deixem-me dizer aos sacerdotes que eles não deveria perder seu tempo respondendo a mim. Deveriam atacar os Geólogos. Deveriam negar os fatos que foram descobertos. Deveriam lançar suas maldições sobre os mares blasfemantes. E bater suas cabeças contra rochas infiéis.

Então, estudei Biologia -- não muito -- só o suficiente para saber das formas animais, saber que na época das rochas laurencianas a vida já existia. Que ferramentas de pedra, ferramentas produzidas por mãos humanas, haviam sido encontradas junto de ossadas de animais extintos. Ossos que haviam sido esmigalhados por aquelas ferramentas. E que esses animais haviam sido extintos centenas de milhares de anos da criação de Adão e Eva.

Então eu fiquei certo de que as escrituras "inspiradas" eram falsas. Que milhões de pessoas vinham sendo enganadas e que tudo o que era ensinado sobre a origem do mundo era pura mentira. Senti que sabia que o Velho Testamento era o trabalho de homens ignorantes -- que era uma mistura de verdades e erros, de sabedoria e idiotice, de crueldade e bondade, de Filosofia e absurdos -- que ela continha alguns pensamentos elevados, alguma poesia, um bom número de ditos solenes e lugares-comuns, -- alguns histéricos, outros suaves, algumas orações maldosas, algumas previsões insanas, algumas alucinações, e alguns sonhos caóticos.

É claro que os Teólogos lutaram contra os fatos descobertos pelos Geólogos, pelos Cientistas, e tentaram sustentar as Sagradas Escrituras. Tentaram confundir ossos de mastodontes com os de seres humanos, alegando orgulhosamente que eram gigantes que existiam naqueles tempos. Alguns afirmaram que os ossos haviam sido ali colocados por Deus para testar nossa fé, ou que o diabo havia imitado o trabalho do Criador.

Responderam aos Geólogos afirmando que no Gênesis os dias eram longos períodos de tempo, e que na verdade o dilúvio poderia der sido um fenômeno local. Disseram aos Astrônomos que o sol e a lua havia sido não realmente, mas só aparentemente parados. E que a aparência se devia a fenômenos de reflexo e refração da luz.

Desculparam a escravidão e a poligamia, as pilhagens e assassinatos acontecidos no Velho Testamento dizendo que aquelas pessoas eram tão degradadas que Jeová tinha sido obrigado a por fim à sua ignorância e maldade.

A todo momento os Clérigos tentaram evadir-se dos fatos, escamotear a verdade e preservar a fé.

No princípio eles simplesmente negavam os fatos -- depois os diminuíam -- depois se harmonizavam com eles. Depois negavam que os haviam negado. Então eles modificaram o significado dos livros "inspirados" para se adaptar aos fatos. No início afirmaram que se os fatos relatados fossem verdadeiros, a Bíblia seria falsa e o Cristianismo seria uma superstição. Depois admitiram que os fatos, eram verdadeiros e que eles comprovavam, acima de qualquer dúvida a inspiração da Bíblia e a origem divina da religião ortodoxa.

Qualquer coisa da qual não podiam se esquivar, engoliam. E qualquer coisa que não engoliam, esquivavam-se.

Desisti de acreditar no Velho Testamento por causa de seus erros, de seus absurdos, sua ignorância, suas crueldades. Desisti de acreditar no Novo porque ele testemunhava a verdade do Velho. Desisti do Novo devido aos seus milagres, suas contradições, porque Cristo e seus discípulos acreditavam em demônios -- conversavam e barganhavam com eles, expulsavam-nos de pessoas e animais.

Isto, por si só já diz tudo. Sabemos que demônios não existem. Cristo nunca os expulsou. E se fingiu fazê-lo, ele era ou ignorante, desonesto ou insano.

Essas histórias sobre demônios atestam a origem humana e supersticiosa do Novo Testamento. Rejeito o Novo Testamento porque ele recompensa a credulidade, castiga homens bravos e honestos, e porque ele ensina o infinito horror do castigo eterno.

V

Tendo passado minha juventude lendo livrois religosos -- sobre a "ressureição" -- a desobediência dos nossos pais primitivos, o arrependimento, a salvação pela fé, a maldade do prazer, as conseqüência degradante do amor, a impossibilidade de atingir o céu de pessoas honestas e generosas, tornando-me cansado dos pensamentos confusos e esfarrapados, você pode imaginar a satisfação que senti ao ler os poemas de Robert Burns.

Eu estava familiar com as escrituras dos devotos e mentirosos, os piedosos e petrificados, os puros e impiedosos. Aqui estava um homem naturalmente honesto. Já conhecia os escritos dos homens que consideravam a natureza depravada, que encaravam o amor como testemunha perpétua do pecado original. Aqui estava um homem que tirava alegria da lama, fazia mulheres caipiras deusas, e entronizava o homem honesto. Aquele que, com simpatia, braços aconchegantes, abraçava toda forma sofredora de vida, que odiava escravidão de qualquer tipo, que era tão natural como o azul do céu, com humor tão suave como o outono, com uma inteligência tão aguçada como a lança de Ithuriel, com uma irreverência tão devastadora como o fôlego de Simão. Um homem que amava seu mundo, sua vida, as coisas do dia-a-dia, e colocava acima de tudo a êxtase excitante do amor humano.

Eu li e li novamente com alegria, lágrimas e sorrisos , sentimentos que um grande coração era revelado entre as linhas.

Os poetas religiosos, lúgubres, artificiais, espirituais foram esquecidos ou permaneceram como fragmentos da parte lembradas dos horrores dos sonhos monstruosos ou distorcidos.

Tinha encontrado afinal o homem que desprezava a crença cruel do seu povo, e que era corajoso e sensível o suficiente para dizer: "todas as religiões são histórias da carochinha, mas o homem honesto não tem o que temer nem neste mundo nem em mundos do futuro".

Um homem que teve a generosidade de escrever a Oração de São Willie, um poema que crucificava os calvinistas, e trespassou seus corações impiedosos com a lança do bom senso. Um poema que fez de qualquer crença alimento para a galhofa, um motivo para gargalhadas.

Burns teve suas, fraquezas, seus defeitos. Era intensamente humano. Entretanto, preferia aparecer no "Banco dos réus" bêbado e ser capaz de dizer que sou o autor de "para que serve o homem" a ser perfeitamente sóbrio e admitir que passei a vida como um escocês presbiteriano.

Li Byron -- li seu Caim no qual, como no Paraíso perdido, o diabo parece ser o melhor deus -- li suas lindas, sublimes e amargas linhas -- li seu prisioneiro de Chillon -- seu melhor -- um poema que encheu meu coração de ternura, de piedade, e com um ódio eterno à tirania.

Li a Rainha Mab de Shelley -- poema cheio de beleza, coragem, pensamento, simpatia, lágrimas e ironia, na qual uma alma corajosa derruba os muros de uma prisão e preenche suas celas com luz. Li sua Andorinha -- uma chama alada -- apaixonada como sangue -- suave como lágrimas -- pura como a luz.

Li Keats, "cujo nome estava escrito na água" -- Li St. Agendes Eve, uma história escrita com tão pouca arte que este pobre mundo parece ser uma terra maravilhosa -- um vaso grego que enche a alma com todo o vívido amor, com todo o êxtase da música imaginada -- a cotovia -- a melodia na qual há memória da manhã -- a melodia que morre na escuridão e lágrimas, impingindo os sentidos com sua perfeição.

E então li Shakespeare, as peças, os sonetos, os poemas -- li tudo. Senti um novo céu e uma nova terra. Shakespeare, que conhecia o cérebro e o coração do homem -- as esperanças e medos, os amores e ódios, os vícios e virtudes da espécie humana: cuja imaginação leu as imagens borradas de lágrimas, as páginas manchadas de sangue de todo o passado, viu caindo sobre os pergaminhos espalhados, a luz da esperança e do amor; Shakespeare, que sondou toda a profundidade, enquanto os picos mais altos sentiram a sombra das suas asas.

Comparo as peças com os livros "inspirados" -- Romeu e Julieta com a Canção de Salomão, rei Lear com Jó, e os sonetos com os Salmos e descobri que Jeová não conhecia a arte do discurso. Comparei as mulheres de Shakespeare -- sua mulheres perfeitas -- com as mulheres da Bíblia. Percebi que Jeová não era um escultor, nem um pintor nem um artista, que ele não tinha o poder de transformar barro em carne, a arte, o sentido plástico que molda a forma perfeita -- o alento que dá a vida livre e alegre -- o gênio que cria a culpa.

Os livros sagrados de todo o mundo são escórias inúteis e pedras sem valor comparadas com o ouro brilhante e as pedras preciosas de Shakespeare.

VI
Até então não tinha lido nada contra nossa abençoada religião exceto o que tinha encontrado em Burns, Byron e Shelley. Quase por acaso li Volney que mostrou que todas as religiões são e foram estabelecidas da mesma maneira -- que todas tinham seus Cristos, seus apóstolos, milagres e livros sagrados, e que perguntou como seria possível decidir qual seria o verdadeiro. Uma questão que ainda espera uma resposta.

Li Gibbon, o maior de todos os historiadores, que moldou seus fatos tão inteligentemente como César moldou suas legiões, e aprendi que Cristianismo é apenas mais um sinônimo de Paganismo -- para as velhas religiões, tosadas da sua beleza -- que alguns absurdos têm sido substituídos por outros -- que alguns deuses foram mortos -- uma grande multidão de diabos criados, e que o inferno foi ampliado.

E então li "A idade da razão" de Thomas Paine. Deixe-me falar um pouco deste sublime e elegante homem. Ele veio para este país logo antes da revolução. Ele trazia uma carta de apresentação de Benjamin Franklin, naquela época o maior americano.

Em Filadélfia, Paine foi empregado para escrever numa revista, a "Revista da Pensilvânia". Sabemos que ele escreveu pelo menos cinco artigos. O primeiro era contra a escravidão, o segundo contra os duelos, o terceiro sobre o tratamento dos presos -- mostrando que o objetivo deveria ser recuperar, e não punir ou degradar -- o quarto sobre os direitos da mulher, e o quinto, sobre a formação de sociedades para proteção de crianças e dos animais.

Daí você vê que ele propunha a grande reforma do nosso século.

A verdade é que ele lutou durante toda a sua vida para o bem dos seus semelhantes, e fez tudo o que pode para a fundação da grande república, mais que qualquer outro homem diante da nossa bandeira.

Ele deu suas opiniões sobre religião -- sobre as Sagradas Escrituras, e sobre a superstição no seu tempo. Era perfeitamente sincero e o que ele dizia era claro e honesto.

A Idade da Razão encheu de ódio os corações daqueles que amavam seus inimigos, e todo o clérigo se tornou, e ainda o é, feroz inimigo de Thomas Paine.

Ninguém respondeu -- ninguém quer responder, seus argumentos contra os dogmas da inspiração -- suas objeções contra a Bíblia.

Ele não se levantou contra as superstições do seu tempo. Enquanto ele odiava Jeová, ele amava o Deus da Natureza, o criador e mantenedor de tudo. Nisto ele estava errado, porque, como Watson dissera em resposta a Thomas Paine, o Deus da Natureza é tão impiedoso e cruel como o Deus da Bíblia.

Mas Paine foi um dos pioneiros -- um dos Titãs, um dos heróis, que orgulhosamente deram sua vida, todos os seus atos e pensamentos, para libertar e civilizar o homem.

Li Voltaire. Voltaire, o maior homem deste século, que contribuiu mais para a liberdade de pensamento e de expressão que qualquer outro ser, humano ou "divino". Voltaire, que tirou a máscara da hipocrisia e encontrou abaixo do sorriso pintado as garras do ódio. Voltaire, que atacou a selvageria da lei, as decisões cruéis dos tribunais, resgatou pessoas vítimas das rodas e dos patíbulos. Voltaire, que declarou guerra contra a tirania dos tronos, a ambição e iniqüidade do poder. Voltaire, que encheu as carnes dos padres com a lança pontudas da sua sabedoria, que fez o juiz piedoso que o amaldiçoou em público, rir de si próprios em privado. Voltaire, que se juntou aos oprimidos, resgatou os desafortunados, apoiou o obscuro e o fraco, civilizou juizes, repeliu leis e aboliu a tortura em seu país natal.

Em todas as direções, este incansável homem lutou contra o absurdo, o miraculoso, o supersticioso, o idiota, o injusto. Ele não tinha nenhuma reverência pelo antigo. Não tinha qualquer inclinação pela pompa e cerimonial. Pelos crimes da coroa ou pretensão de mitra. Abaixo da coroa ele encontrou um criminoso, abaixo da mitra, um hipócrita.

No âmago da sua consciência, da sua razão, ele denunciou o barbarismo e os bárbaros do seu tempo. Denunciou tudo isto e seu julgamento tem sido reafirmado por todo o mundo. Voltaire acendeu a tocha e deu a outros a chama sagrada. E continuará brilhando enquanto o homem amar a liberdade e a verdade.

Li Zeno, o homem que disse, séculos antes de Cristo ter nascido, que um homem não podia ser dono de outro homem.

"Não importa que você afirme que seu escravo foi comprado ou capturado. Aqueles que afirmam possuir seu semelhante olham para as profundezas e esquecem da justiça que deveria governar o mundo".

Tomei conhecimento de Epicurus, que ensinou a religião na utilidade, da temperança, da coragem e sabedoria, e que disse: "Por que eu deveria temer a morte? Se existo, a morte não existe. Quando ela existir, eu não mais estarei aqui. Então, por que eu temeria algo que só existirá quando eu não mais existir?".

Li sobre Sócrates, quando em julgamento por sua vida, disse, entre outras coisas, para seus juizes estas maravilhosas palavras: "Não procurei durante minha vida acumular riquezas ou adornar meu corpo, mas procurei enfeitar minha alma com as jóias da sabedoria, paciência, e acima de tudo, com o amor da liberdade."


Então, li sobre Diógenes, o filósofo que odiava o supérfluo -- o inimigo do desperdício e da ganância, e que um dia entrou num templo, com reverência aproximou-se do altar, esmagou um piolho entre as unhas dos seus polegares e disse solenemente: "O sacrifício de Diógenes a todos os deuses". Ele parodiou todas as crenças e colocou a essência da religião.

Diógenes devia saber sobre as passagens "inspiradas" -- "Sem derramamento de sangue não há remissão dos pecados".

Comparo Zeno, Epicuro e Sócrates, três pagãos miseráveis que nunca tinham ouvido falar do Velho Testamento ou dos Dez Mandamentos, com Abraão, Isaac e Jacó, três favoritos de Jeová, e eu seria depravado o suficiente para achar que os pagãos eram superiores aos patriarcas -- e ao próprio Jeová.

VII

Então, minha atenção se voltou para outras religiões, para os livros sagrados, os credos e cerimônias de outros países -- da Índia, Egito, Assíria, Pérsia, dos povos extintos e ainda existentes.

Concluí que todas as religiões tiveram a mesma fundação -- a crença no sobrenatural -- uma força acima da natureza que o homem poderia influenciar pela adoração, sacrifício e oração..

Descobri que as religiões repousam sobre uma compreensão equivocada da natureza -- que a religião de um povo era a ciência desse povo, ou seja, sua explicação sobre o mundo, sobre a vida e morte, sobre a origem e destino.

Percebi que todas as religiões tinham substancialmente a mesma origem, e que não havia mais que uma religião no mundo. As ramos e as folhas podiam mudar, mas o tronco era o mesmo.

O pobre africano que dedica seu coração a deuses de pedra está no mesmo nível do clérigo bem adornado que suplica a seu Deus. Os mesmos erros, as mesmas superstições, junta os joelhos e atinge os olhos de ambos. Ambos anseiam por ajuda sobrenatural e nenhum dos dois tem a menor noção da uniformidade da natureza.

Parece provável que o primeiro cerimonial religioso tenha sido a adoração do sol. O sol era o "pai do céu", o que "via tudo", a fonte de vida, o lado flamejante do mundo. O sol era considerado o deus que combatia a escuridão, a força do mal, o inimigo do homem.

Houve muitos deuses-sóis e eles pareciam ser a principal divindade das antigas religiões. Eles foram adorados em muitas regiões, muitos povos que já atingiram a extinção.

Apolo era um deus-sol que combateu e conquistou a serpente da noite. Baldur era um deus-sol. Era apaixonado pela manhã, uma donzela. Krishna era um deus-sol. Ao seu nascimento, o Ganges foi formado, desde sua nascente até o mar, e todas as árvores, as mortas e as viventes, floresceram em folhas e flores. Hércules era um deus-sol, e também o era Sansão, cuja força estava nos cabelos, ou seja, em sua luz. Foi tosado em sua força por Dalila, a sombra, a escuridão. Osiris, Baco, Mitra, Buda, Quetzalcoalt, Prometeu, Zoroastro, Perseu, Cadom, Lao-tsé, Fo-hi, Horus, Ramsés, eram todos deuses-sóis.

Todos estes deuses tinham deus como pai e eram filhos de virgens. O nascimento de quase todos foi anunciado por uma estrela, celebrado por música celestial, e vozes declararam que tinham vindo para abençoar este pobre mundo. Todos eles nasceram em local pobre. Em cavernas, abaixo duma árvore, em hospedarias simples. Tiranos tentaram destruí-los a todos quando ainda eram bebês. Todos estes deuses-sóis nasceram no solstício de inverno. No Natal. Quase todos foram adorados por sábios magos. Todos jejuaram por quarenta dias. Todos ensinaram em parábolas. Todos experimentaram milagres. Todos tiveram uma morte violenta e todos ressuscitaram dos mortos.

A história desses deuses é exatamente a história do nosso Cristo.

Isto não é uma coincidência, um acidente. Cristo era um deus-sol. Cristo foi um nome novo para uma velha biografia -- uma sobrevivência. O último dos deuses-sóis. Cristo não era um homem, mas um mito. Não uma vida, mas uma lenda.


Descobri que nós não apenas pegamos emprestado nosso Cristo. Mas todos os nossos sacramentos, símbolos e cerimônias foi um legado que recebemos de um passado sepultado. Não há nada de original no Cristianismo.

A cruz já era um símbolo milhares de anos antes de nossa era. Era um símbolo da vida. Da imortalidade -- do cordeiro de Deus, e era já colocada em tumbas muitas eras antes de uma só linha da Bíblia ser escrita.

Batismo é muito mais antigo que o Cristianismo e Judaísmo. Os hindus, egípcios, gregos, batizavam-se muito antes de um católico ter vivido. A eucaristia foi emprestada dos pagãos. Ceres foi uma deusa dos campos. Baco, o do vinho. Nas suas festas eles molhavam o pão no vinho e diziam: "Esta é a carne da deusa". Então, bebiam vinho e choravam: "Este é o sangue do nosso deus".

Os egípcios tinham uma trindade. Adoravam Osíris, Ísis e Orus milhares de anos antes que o Pai, o Filho e o Espírito Santo fossem conhecidos.

A árvore da vida cresceu na Índia e entre os Astecas muito antes do Jardim do Éden ser plantado.

Muito antes da Bíblia ser escrita, outros povos haviam tido seus livros sagrados.

Os dogmas da tentação do homem, do arrependimento e a salvação pela fé são muito mais antigos que nossa religião.

Em nossos Evangelhos abençoados -- em nosso "esquema divino" -- não há nada novo, nada original. Tudo é velho -- emprestado, remendado, adaptado.

Então conclui que todas as religiões foram produzidas naturalmente, e que todas eram variações, modificações de uma. Então senti que eram todas produto do trabalho do homem.

VIII

Os Teólogos sempre insistiram que seus deuses eram os criadores de todas as coisas vivas -- que as formas, partes, funções, cores e variedades de animais eram expressão se sua vontade, gosto e sabedoria. Que eles foram produzidos exatamente da mesma forma que existem hoje. Que ele inventou barbatanas, pernas e asas, que ele colocou para esses seres armas para o ataque, carapaças para defesa, que os adaptou para tipos de alimento e clima, levando em consideração todos os fatos relacionados com a vida.

Insistiram que o homem era um tipo especial de criação, não relacionado com os animais abaixo dele. Eles também afirmaram que todas as formas de vegetação, de plantas pequenas a florestas eram exatamente iguais às formas que tinham na criação.

Homens de inteligência, que em sua maior parte eram livres de preconceitos religiosos, examinaram essas coisas -- estavam procurando fatos. Examinaram fósseis de animais e plantas, estudaram formas de animais, seus ossos e músculos, os efeitos do clima e da alimentação, as estranhas modificações pelas quais eles passaram.

Humboldt publicou seus estudos, preenchidos por grandes pensamentos, com esplêndidas generalizações, com sugestões que estimulavam o espírito da observação, e com conclusões que satisfaziam a mente. Ele demonstrou a uniformidade da natureza, o parentesco entre todos os seres que vivem e crescem, que respiram e pensam.

Darwin, com seu "Origem das Espécies", sua teorias sobre seleção natural, a sobrevivência dos mais adaptados, a influência do ambiente, derramou uma enchente de luz sobre o grande problema das plantas e vida animal.

Estas coisas têm sido pensadas, afirmadas, sugeridas por muitos outros, mas Darwin, com infinita paciência, com perfeito cuidado e candura, encontrou os fatos, preencheu as profecias, demonstrou a veracidade dos fatos, suposições e declarações. Ele foi, em meu julgamento, o mais inteligente observador, o melhor julgador dos significados e valores de um fato, o maior naturalista que o mundo já produziu.

A visão teológica começou a parecer pequena e vil.

Spencer mostrou sua teoria da evolução e sustentou-a através de incontáveis argumentos. Colocou-se em grande altitude, e com visão de filósofo, um profundo pensador, pesquisou o mundo. Ele tem influenciado o pensamento dos mais sábios.

Teologia pareceu mais absurda do que nunca.

Huxley entrou na lista por Darwin. Nenhum homem tivera melhor espada -- uma melhor bainha. Desafiou o mundo. Os grandes teólogos e os pequenos cientistas -- aquelas que tinham mais coragem que razão, aceitaram o desafio. Seus pobres corpos foram levados embora pelos amigos.

Huxley teve inteligência, genialidade, e coragem para expressar suas idéias. Ele era absolutamente leal para o que ele acreditava que fosse verdade. Sem preconceito e sem medo ele seguiu os passos da vida desde as menores formas até as maiores.

Teologia parecia menor ainda.

Haeckel começou na mais simples célula, foi de mudança a mudança -- de forma em forma -- seguiu a linha do desenvolvimento, o caminho da vida, até atingir a espécie humana. Era tudo natural. Não havia qualquer interferência do exterior.

Li os trabalhos desses grandes homens. E muitos outros. E fiquei convencido de que estavam certos, e que todos os teólogos, todos os que acreditavam na "criação especial" estavam absolutamente errados.

IX

Dei um passo seguinte. O que é matéria -- substância? Pode ser destruída, aniquilada? É possível conceber a destruição do mais simples átomo de substância? Ela pode ser reduzida a pó -- mudada de sólido para líquido -- de líquido a gás, mas tudo isto permanece. Nada é perdido, nada é destruído.

Deixe um Deus infinito, se há algum, atacar um grão de areia -- atacá-lo com infinita força. Não poderá ser destruído. Ele não se renderá. Ele desafia todas as forças. Substância não pode ser destruída.

Então dei mais um passo.

Se matéria não pode ser destruída, não pode ser aniquilada, não pode ter sido criada.

O indestrutível tem de ser incriável.

Então perguntei a mim mesmo: o que é força?

Não podemos conceber a criação da força, ou de sua destruição. Força pode ser mudada de uma forma para outra -- de movimento para calor -- mas não pode ser destruída, aniquilada.

Se a força não pode ser destruída, não pode ser criada. É eterna.

Outra coisa. Matéria não pode existir separadamente da força. Força não pode existir separadamente da matéria. Matéria e força só podem ser concebidas em conjunto. Isto tem sido mostrado por vários cientistas, mas mais claramente por Buchner.

Mente é uma forma de força, portanto ela não poderia formar ou criar matéria. Inteligência é uma forma de força que não poderia existir separadamente da matéria. Sem matéria não poderia existir mente, vontade, força de qualquer tipo, e não poderia existir qualquer substância sem força.

Matéria e força não foram criadas. Elas existem desde sempre. Não podem ser destruídas.

Não houve, não há nenhum criador. Então, vem a questão; Há um Deus? Haverá um ser de infinita inteligência, força e bondade, que governa o mundo?

Pode haver bondade sem muita inteligência. Mas parece-me que infinita bondade e infinita inteligência têm de estar juntas.
Na natureza vejo, ou pareço ver, bem e mal -- inteligência e ignorância, bondade e crueldade, cuidado e desprezo, economia e desperdício. Vejo meios que não justificam os fins -- formas que parecem falhar.

Parece-me infinitamente cruel que vida se alimente de vida -- criar animais que devorem outros.

Os dentes e presas, garras e patas, que amedrontam e aprisionam, enchem-me de horror. O que pode ser mais assustador que um mundo em guerra? Todo local, um campo de batalha. Toda flor um Golgotha -- em toda gota de água, perseguição, captura e morte. Em baixo de qualquer casca de árvore, vida espreitando vida. Em qualquer lâmina de vidro, algo que mata, -- algo que sofre. Em toda a parte o forte vivendo do fraco, o superior no inferior. Em toda a parte, o fraco, o insignificante vivendo no forte, o inferior no superior. O maior, alimento para o menor, homens sacrificados como alimento de micróbios.

Assassinatos em todo o universo. Em todo local, dor, doença e morte. Morte que não espera por maturidade ou cabelos brancos, mas que leva bebês e juventude feliz. Morte que leva a mãe da criança desamparada, morte que enche o mundo com tristeza e lágrimas.

Como pode o cristão explicar estas coisas?

Sei que a vida é boa. Lembro o sol brilhando e a chuva. Então, penso em enchentes e terremotos. Não esqueço a saúde, o lar, o amor. Mas e as epidemias e a fome? Não posso harmonizar todas estas contradições -- estas bênçãos e agonias, com a existência de um Deus infinitamente bom, sábio e poderoso.

Os teólogos afirmam que o que chamamos mal é para nosso próprio benefício, que nós fomos colocados neste mundo de tristezas e pecado para desenvolver o caráter. Se isto é verdade, pergunto por que crianças morrem? Milhões e milhões respiram umas poucas vezes e desfalecem para sempre nos braços de suas mães. A estas não é permitido desenvolver o caráter.

Teólogos afirmam que serpentes possuem presas para se defender nos inimigos. Por que Deus que as fez, fez também seus inimigos? E por que muitas espécies de serpentes não têm presas?

Teólogos dizem que Deus fez os hipopótamos com carapaça de escamas e placas, exceto as partes inferiores para que outros animais não os ataquem. Mas o mesmo Deus fez o rinoceronte com chifres pontiagudos com os quais ele pode estripar um hipopótamo.

O mesmo Deus fez a águia, o abutre, o falcão e também suas presas indefesas.

Em todo lado parece haver criação para atacar criação.

Se Deus criou o homem -- se é o pai de todos nós, por que ele fez os criminosos, os dementes, os deformados, os idiotas?

Deverá um homem inferior agradecer a Deus? Deverá uma mãe que carrega nos seus braços uma criança idiota agradecer a Deus? O escravo tem que agradecer a Deus?


Teólogos afirmam que Deus governa o vento, a chuva, o relâmpago. Então, o que dizer dos ciclones, enchentes, a seca, o raio que matam?

Suponha que haja alguém neste país que controla o vento, a chuva, o relâmpago, e suponha que o elejamos para governar estas coisas, e suponha que ele faça com que todos os estados sequem e que ao mesmo tempo, desperdice água no mar. Suponha que ele permita que o vento destrua cidades e que esmague milhares de homens e mulheres, e que raios fulminem mulheres e crianças. O que diríamos? O que deveríamos achar de tal selvagem?

E no entanto, de acordo com teólogos, este é exatamente o curso seguido por Deus.

O que achar de um homem, que não quer, apesar de poder, ajudar seus amigos? Entretanto o Deus cristão permitiu que seus inimigos torturassem e queimassem seus amigos e adoradores.
Quem terá ingenuidade suficiente para explicar isto?

O que um homem, podendo prevenir, permitiria que um inocente fosse aprisionado, jogado em masmorras, para ver esvair-se sua pobre vida naquele lugar?

Se Deus governa o mundo, por que a inocência não é uma perfeita proteção? Por que a injustiça triunfa?

Quem pode responder estas perguntas?

Em resposta, o homem inteligente e honesto deve dizer: Eu não sei.

X

Este Deu deve ser, se existir, uma pessoa -- um ser consciente. Quem pode imaginar uma personalidade infinita? Este Deus tem que ter força e não é concebível força independente de matéria. Este Deus tem de ser material. Ele tem de ter meios pelos quais ele transforma força no que chamamos pensamento. Quando ele pensa, usa força; força que tem de ser substituída. E nos dizem que ele é infinitamente inteligente. Se é, ele não pensa. Pensamento é uma escada, um processo pelo qual nós atingimos uma conclusão. Aquele que já sabe todas as conclusões, não pensa. Ele não pode ter esperança nem medo. Quando o conhecimento é perfeito não pode haver paixão, nem emoção. Se Deus é infinito ele não quer. Ele já tem tudo. E aquele que não quer, não faz. O infinito deve viver na calma eterna.

É tão impossível conceber tal ser como imaginar um triângulo quadrado, ou um círculo sem diâmetro.

E no entanto nós somos ensinados a amar esse Deus. Podemos amar o desconhecido, o inconcebível? Poderá ser nossa obrigação amar alguém? É nossa obrigação agir com justiça, honestidade, mas não pode ser nossa obrigação amar. Não podemos ser obrigados a admirar uma pintura -- a apreciar um poema -- ou amar uma música. Admiração não pode ser controlada. Gosto e amor não são dependentes da vontade. Amor é, e deve ser livre. Ele surge do coração como o perfume de uma flor.

Por milhares de anos homens têm tentado amar os deuses -- tentando amaciar seus corações, tentando obter sua ajuda.

Vejo todos eles. O panorama passa na minha frente. Vejo-os com as mãos estendidas -- com olhos respeitosamente fechados -- adorando o sol. Vejo-os curvando-se, no seu medo e necessidade, diante de pedras -- implorando a serpentes, bestas e árvores sagradas -- rezando para ídolos de pedra e madeira. Vejo-os construindo altares para forças invisíveis, manchando-os com o sangue de crianças e de animais. Vejo os sacerdotes e ouço seus cânticos solenes. Vejo as vítimas moribundas, os altares esfumaçados, os incensadores balançando, a fumaça subindo. Vejo homens semi-deuses -- os cristãos penitentes, em muitos países. Vejo notícias de coisas comuns da vida transformando-se em milagres, à medida que se espalham de boca em boca. Vejo profetas loucos lendo livros secretos do destino através de sinais e sonhos. Vejo todos eles -- os assírios recitando as orações de Ashnur e Ishtar -- os hindus adorando Brahma, Vishnu e Draupadi, os braços brancos -- os caldeus oferecendo sacrifícios a Bel e Hea -- os egípcios curvando-se para Ptah e Ftah, Osíris e Ísis -- os medas aplacando a tempestade -- adorando o fogo -- os babilônios suplicando a Bel e Murodach -- vejo todos eles à beira do Eufrates, do Nilo, do Tigre, o Ganges. Vejo os gregos construindo templos a Zeus, Netuno e Vênus. Vejo os romanos ajoelhando-se para centenas de deuses. Vejo outros construindo ídolos e depositando neles todas as suas esperanças e medo, Vejo as multidões boquiabertas recebendo como verdades os mitos e fábulas de tempos passados. Vejo-os dando suas ferramentas, suas fortunas para vestir o sacerdote, para construir os telhados abobadados, as naves espaçosas, as cúpulas elevadas. Vejo-os esfarrapados, amontoados em cabanas, devorando migalhas e restos, porque tinham dado o melhor para fantasmas e deuses. Vejo-os construindo suas crenças horríveis e enchendo o mundo de ódio, guerras e morte. Vejo-os com suas faces empoeiradas nos anos negros da peste e da morte súbita, quando bochechas eram murchas e lábios eram pálidos por falta de pão. Ouço suas rezas, seus suspiros, suas lamentações. Vejo-os beijar lábios inconscientes enquanto suas lágrimas mornas molham a face pálida do morto. Vejo as nações crescerem e decaírem. Vejo-as serem capturadas e escravizadas. Vejo seus altares desmoronarem como a terra comum, seus templos se desmanchando até virar pó. Vejo seus deuses envelhecerem, enfraquecerem, adoecerem e desaparecerem. Vejo-os caindo de tronos nevoentos desamparados e mortos. Os adoradores não recebiam qualquer ajuda. A injustiça triunfava. Trabalhadores eram pagos com chicote -- bebês, vendidos, -- inocentes colocados no patíbulo, os heróis queimando em chamas. Vejo os terremotos destruindo, os vulcões transbordando, os ciclones devastando, as enchentes destruindo, os raios matando.

As nações pereceram. Os deuses morreram. As ferramentas e as riquezas, perdidas. Os templos haviam sido construído em vão, e as preces não respondidas morreram no ar.

Então perguntei a mim: há uma força sobrenatural -- uma mente arbitrária, um Deus entronizado - um ente supremo que faz oscilar as marés e ventos, do qual tudo depende?

Não nego. Eu não sei -- mas não acredito. Acho que o natural é o supremo -- que da cadeia infinita nenhum elo pode ser quebrado -- que não há qualquer ser sobrenatural que responda às preces. Nenhuma força que se adore pode modificar as coisas -- nenhuma força que cuide do homem.

Acredito que com braços infinitos a natureza abrace o tudo -- que não há qualquer interferência -- qualquer possibilidade -- que atrás de qualquer fato estão as necessárias e incontáveis causas e além de qualquer fato, os necessários e incontáveis efeitos.

O homem deve proteger a si próprio. Ele não pode depender do sobrenatural -- do imaginário pai do céu. Ele pode se proteger compreendendo os fatos da natureza, desenvolvendo sua mente, até o ponto em que ele poderá suplantar as dificuldades e tirar benefícios das forças da natureza.

Há um Deus?
Não sei.

O homem é imortal?
Não sei.

Uma coisa eu sei, e é que nem a esperança, nem o medo, crença, negação, podem mudar os fatos. As coisas são como são, e serão como deverão ser. Nós esperamos e temos esperanças.

XI
Quando me tornei convencido de que o Universo é natural -- que todos os deuses e fantasmas eram mitos, entraram na minha mente, na minha alma, em cada gota do meu sangue, o senso, o sentimento e a alegria da liberdade. Os muros da prisão racharam e caíram. As masmorras foram invadidas pela luz, e todas as travas, as algemas, as barreiras, viraram pó. Eu não era mais um servo, um servente ou um escravo. Não havia mais para mim nenhum mestre em todo este gigantesco mundo -- nem mesmo no espaço infinito. Eu estava livre -- livre para pensar, para expressar meus pensamentos, livre para viver meu próprio ideal, livre para viver para mim e para aqueles que amo. Livre para rejeitar toda e qualquer crença cruel e ignorante, todos os "livros sagrados" que selvagens ignorantes produziram, e todas as bárbaras lendas do passado, livre de papas e padres, livre de todos os "chamados" e dos "excluídos", livre dos erros santificados e das mentiras santas, livre do medo de sofrimento eterno, livre dos monstros alados da noite -- livre de diabos, fantasmas e deuses. Pela primeira vez eu era livre.

Não havia lugares proibidos em qualquer recanto da mente -- não havia ar ou espaço que a imaginação não pudesse atingir com suas asas coloridas -- nenhuma algema me prendendo -- nenhum chicote nas minhas costas -- nenhum fogo na minha carne, nenhum mestre me encarando nem ameaçando, nada mais de seguir os passos dos outros, nenhuma necessidade de me curvar, ajoelhar ou rastejar, ou expressar palavras mentirosas. Eu estava livre. Coloquei-me de pé e sem medo e alegremente, encarei o mundo.

E então, meu coração foi preenchido de gratidão, com a paixão por todos aqueles heróis, os pensadores, que deram suas vidas pela liberdade de mãos e cérebros, pela liberdade de trabalho e pensamento, por aqueles que tombaram nos campos cruéis da guerra, por aqueles que morreram nas masmorras, acorrentados, por aqueles que subiram orgulhosamente os degraus do patíbulo, aqueles cujos ossos foram esmagados, cujas carnes foram feridas e rasgadas, por aqueles consumidos pelo fogo, por todos os bravos, sábios e bons de todos os países, cujo saber e ações resultaram em liberdade para os filhos dos homens. Quando me dispus a segurar a tocha que eles acenderam e a ergui no alto, aquela chama pôde ainda iluminar a escuridão.

Vamos ser verdadeiros para nós mesmos. Verdadeiros para os fatos que conhecemos e, acima de tudo, preservar a veracidade de nossas almas.

Se há deuses, não podemos ajudá-los. Mas podemos ajudar nossos semelhantes. Não podemos amar o inconcebível, mas podemos amar nossas esposas, filhos e amigos.

Podemos ser tão honestos quanto ignorantes. Se formos perguntados sobre o que há além do horizonte do desconhecido, nós devemos responder que não sabemos. Nós podemos dizer a verdade e podemos gozar da liberdade abençoada que os bravos conquistaram. Podemos destruir os monstros da superstição, a serpente silvante da ignorância e do medo. Podemos afastar nossas mentes das coisas assustadoras que dilaceram e ferem com bicos e garras. Podemos civilizar nosso semelhante. Podemos preencher nossas vidas com ações generosas, com palavras carinhosas, com arte e música e todo o êxtase do amor. Podemos inundar nossos anos com o brilho do sol -- com o clima divino da candura, e podemos beber até a última gota do cálice dourado da felicidade.
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A publicação em português está formalmente autorizada pela Internet Infidels. Inc., que inclusive disponibilizou um link para a este site.


segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

LIlith a primeira Eva

Lilith é sem dúvida uma personagem bastante controversa, que traz em si o conflito e o paradoxo que constituiu a visão do feminino na história humana. Afinal como explicar que as mesmas atribuições e valores que antes suscitavam respeito e admiração, em uma outra etapa tornam-se objeto de escárnio, vergonha e desprezo. A figura mítica de Lilith ilustra bem essa passagem, quando a Grande Deusa é vilipendiada do seu trono e metamorfoseada em consorte do demônio e símbolo do mal; em que a noite escura com seus mistérios passa a ser temida e não mais celebrada.

No dia em que Deus criou Adão o fez à semelhança de Deus; e macho e fêmea os criou, os abençoou e os chamou homens no dia que os criou. (Gênesis 2:01)

Parafraseando o livro de Gênesis, no começo era a Grande Deusa e a Grande Deusa era a Terra e a Terra era a Grande Deusa. As origens do culto à Grande Deusa perdem-se nos tempos pré-históricos. Sua presença durou milhares de anos. A Deusa é a figura mítica dominante no mundo agrário da antiga Mesopotâmia, do Egito e dos primitivos sistemas de plantio. Seu poder estava associado primordialmente à agricultura e às sociedades agrárias. Estava relacionada à terra, pois a mulher dá a luz assim como da terra se originam as plantas, a mãe alimenta, como o fazem as plantas. Assim a magia da terra e a magia da mãe são a mesma coisa, pois estão relacionados. Assim a personificação da energia que dá origem às formas e as alimenta é essencialmente feminina.

Com o passar dos tempos, a Deusa-mãe foi sobrepujada e superada pelos arquétipos patriarcais com o Zeus, Javé (Yaweeh), Deus-Pai ou Alá. Este arquétipo patriarcal aperfeiçoou-se principalmente nos mundos judaico, cristão e muçulmano. Alguns aspectos da Deusa-mãe entretanto, ainda permaneceram mas de forma controlada, seu culto subjaz por exemplo, na imagem de Maria, “Mãe de Deus”. São algumas Madonas Negras, de antigos santuários, que ainda nos dão testemunho da Deusa-mãe, essas imagens nos remetem em especial à figura de Ísis. Aliás, a imagem de Maria segurando seu filho e o amamentando (Galactotrofusa) é inspirada na de Ísis amamentando Hórus, essa seria a figura original em que a imagem cristã se inspirou.

Lilith representava um aspecto da Grande Deusa. Este mito tem origens que se situam na antiga Babilônia, onde os antigos semitas haviam adotado as crenças de seus predecessores, os sumérios, e está ligado aos grande mitos da criação, havendo estreita relação entre os cultos dos antigos que honravam a Grande Mãe chamada também “Grande Serpente” e “Dragão”. O nome de Lilith tem raízes semíticas e indo-européias, ligadas às palavras “lil” que significa vento e ar, e também às palavras sumérias “lulti” (lascívia) e a palavra hebraica “lail” (noite). Ela era venerada sob os nomes de Lilitu, Lilu, Ardat Lili e Lamaschtu. A mitologia judaica coloca-a em domínios mais obscuros, como um demônio feminino do mal, a adequada companheira de Satã, que tenta os homens, assassina as criancinhas no berço, e ainda por cima é uma sugadora de sangue. Lilith seria assim o vento ardente que segundo a crença popular, punha as mulheres em febre logo após o parto, matando-as assim como a seus filhos.

Inscrições descobertas nas ruínas da Babilônia (Biblioteca de Assurbanipal) esclarecem a origem de Lilith, cortesã sagrada de Inana, a Grande Deusa mãe, também conhecida como a “Rainha dos Céus”, enviada por esta para seduzir os homens na rua e levá-los ao templo da Deusa, onde se realizavam os ritos sagrados de fecundidade. Os costumes sexuais sagrados eram a dádiva de Inana para a humanidade. Em seus templos se praticava a prostituição sagrada e suas sacerdotisas eram conhecidas como Nu-gig. Os homens da comunidade buscavam a Deusa nessas sacerdotisas e o ato sexual era sagrado, proporcionando a cura física e espiritual. Esses ritos também se davam com o propósito de render boas colheitas, o ato sexual estava relacionado também com a fecundidade da terra. Inana era a deusa do amor, da fertilidade e também da guerra.

Confundiu-se Lilith, denominada “A Mão de Inanna”, com a deusa que ela representava, pois a Deusa também recebia às vezes o título de “Prostituta Sagrada”. Também não é incomum que se confunda Lilith com Ishtar ou até mesmo com Ísis pela ligação destas com a morte. Segundo a tradição o culto à Lilith também possuiria relações com o período mestrual, por isso as mulheres a cultuavam durante a Lua Nova, pois em muitas culturas era comum associar as fases da lua com a mulher, quando a Lua Nova chegava costumava-se dizer que a Deusa estava com as regras. Assim, o período normalmente dedicado a Lilith, naquela época, era exatamente o período menstrual. O momento em que as mulheres poderiam ter relações sexuais livres da possibilidade de gravidez e, por isso, tais relações estariam exclusivamente ligadas ao prazer (e não à procriação, como era a perspectiva patriarcal). Assim, muitas vezes, se referiu a essa Deusa como o “Espírito Menstrual”.

É em virtude disso que posteriormente se criou na sociedade judaica uma série de tabus em relação à menstruação, inclusive proibições sexuais.

As figuras da Grande Deusa se manifestaram em diversas culturas: no Egito temos Nut, a Mãe-Céu que representava toda a esfera celeste; Maya na Índia e Ishtar na Babilônia.

Entre 3000 e 2500 a.c., quando os sumerianos passaram a ter contatos com culturas patriarcais, ocorre a passagem da concepção religiosa matriarcal para a patriarcal, então, os templos dedicados à Deusa são postos abaixo e as práticas sexuais são reprimidas e se tornaram parte da sombra, o poder da mulher foi identificado com o mal e o demoníaco. A Deusa passa a ser o símbolo do mal supremo.

Entretanto é importante destacar que os hebreus não eram à princípio monoteístas, e sim politeístas. Somente após a invasão de Israel pelas forças babilônicas, no século VI a.C., é que começa a surgir o Judaísmo, como nós mais ou menos o conhecemos hoje: fortemente monoteísta e patriarcal.

A Deusa passou a ser denominada como a “Grande Abominação”, entretanto o livro de Reis demonstra que seu culto e negação passou por uma sucessão de idas e vindas, pois diversos reis são condenados no Antigo Testamento por terem cometido o pecado da idolatria no topo das montanhas, e essas eram símbolo da Grande Deusa. A Deusa de Israel chamava-se Asherah.

A passagem de uma religião matriarcal para patriarcal possui ligação com o desenvolvimento da pecuária e do nomadismo das tribos semíticas. Assim de uma estrutura ligada à agricultura passasse a uma visão de mundo ligada a caça e a criação de animais, que representa um domínio estritamente masculino.

Os semitas eram pastores de cabras e ovelhas, os indo-europeus eram pastores de gado. Uns e outros eram primitivamente caçadores, de modo que as suas culturas eram orientadas para os animais e não para a terra fecunda. Onde há caçadores há assassinos, e onde há pastores há também assassinos, porque estão sempre em movimento, são nômades entrando em conflito com outros povos e conquistando as áreas para onde se movem. E essas invasões traziam deuses guerreiros, lançadores de raios como Zeus, Thor ou Javé. Temos então uma substituição simbólica do falo e da fertilidade pela espada e pela morte.

Assim, aos poucos as mitologias de orientação masculina tornam-se dominantes e a Deusa Mãe é abandonada, destruída ou subjugada.

Nessas sociedades a mulher vai perdendo pouco a pouco o seu espaço social, ficando relegada a uma posição submissa em relação ao homem.

A figura de Lilith foi incorporada ao folclore hebraico provavelmente durante o cativeiro na Babilônia.

Segundo essa tradição lendária, Lilith é apresentada como a primeira mulher criada, antes de Eva. É interessante destacar que a criação da mulher é relatada duas vezes no texto atual da Bíblia, do qual foi limada a figura de Lilith.

A exclusão de Lilith do texto bíblico posteriormente, ocorreu de maneira gradual, e bem anteriormente à tradução da versão Vulgata.

Roberto Sicuteri autor do livro “Lilith A Lua Negra”, confirma a versão de que é na época da transposição da Versão Jeovística da Bíblia (século X a. C.) para a versão Sacerdotal (587-538 a.C.) que a lenda de Lilith teria sido eliminada, entretanto, ainda restam pequenos resquícios desta tradição em fragmentos deste texto, à exemplo do Livro de Isaías. À partir desse período a lenda de Lilith passa a se vista pelos eruditos hebraicos como uma superstição sem sentido e portanto tal exclusão seria assim justificada, até por tratar-se de uma influência babilônica.

Entretanto, a lenda ainda aparece em comentários talmúdicos*, na ** Midrash e na ***Cabala .
A exclusão total do mito do texto Bíblico se dá a partir do período da tradução da Septuaginta (300 A.C.).

Conta que um grego de Alexandria de nome Símaco (185 a 200 d.C.) realizou uma tradução do texto para o grego valendo-se tanto do texto original em hebraico-clássico quanto da Septuaginta (versão dos setenta, datada de 300 A. C.). Ele preocupou-se com o sentido da tradução, e não com a exatidão textual.

Esse autor exerceu grande influência sobre a Bíblia latina, pois São Jerônimo fez grande uso desse texto para compor a Vulgata.

De acordo com a lenda hebraica, Lilith teria sido formada assim como o homem à partir do barro, logo após a formação deste. Por esse motivo ela não teria aceitado uma posição inferior em relação ao homem, pois sendo criada da mesma forma, exigia os mesmos direitos, não aceitou uma posição submissa e assim desentendeu-se com Adão. No primeiro ato sexual Lilith não aceitou ficar por baixo, agüentando o peso do corpo do companheiro e exigiu ter também o direito ao gozo e ao prazer sexual. Como não foi atendida em seus anseios ela se revolta e pronuncia o nome “inefável” que lhe deu asas por meio das quais fugiu do Jardim do Éden. Assim Lilith abandonou Adão com quem não se entendia e foi para as margens do Mar Vermelho. Adão ficou só e reclamando, tendo medo da escuridão opressora. Daí haver uma relação entre Lilith e a Lua Negra, a escuridão da noite, por isso a associação dela com a coruja, o pássaro noturno. Segundo a tradição talmúdica, Lilith é a “Rainha do Mal”, a “Mãe dos Demônios” e a “Lua Negra”.

Deus vendo o desespero de Adão, enviou três anjos, Semangelaf, Sanvi e Sansanvi, para trazê-la de volta ao Éden, mas ela recusou-se a aceitar tal proposta. Dessa forma a fuga converteu-se em expulsão.

Para substituir Lilith é criada Eva, mulher submissa, feita não de barro, mas de uma costela de Adão.

Lá às margens do Mar Vermelho habitavam os demônios e espíritos malignos, segundo a tradição hebraica, esse era um lugar maldito, o que prova que Lilith se afirmou como um demônio. Segundo essa mesma tradição é esse caráter demoníaco que levaria a mulher a contrariar o homem e a questionar seu poder.

É interessante destacar que mesmo Eva, criada para a submissão, também de certa maneira revoltou-se e quebrou as regras ao comer do fruto proibido e oferecê-lo a Adão. Assim estava subjacente ao mito da criação um papel desabonador para a mulher.

Desde então, Lilith tornou-se a noiva de Samael, o senhor das forças do mal do SITRA ACHRA (aramaico, significa “outro lado”). Acasalando-se com os demônios, Lilith traz ao mundo cem demônios por dia, os Lilim, que são citados inclusive na versão sacerdotal da Bíblia.Como castigo pela desobediência de Lilith os anjos de Deus, a cada dia sacrificavam cem dos bebês-demônio de Lilith. Ela então revoltada pela morte dos filhos e enciumada pelo fato de Adão ter tomado outra mulher resolve declarar guerra à Deus e aos homens. Ela então retorna ao mundo dos homens para dar cabo de sua vingança. Os primeiros textos talmúdicos que surge à respeito de Lilith, aliás, trazem esconjuros receitas e talismãs para proteger crianças e parturientes do seu poder demoníaco. Para se proteger de Lilith era necessário um amuleto que tivesse o nome dos três anjos que a haviam perseguido. As principais vítimas dela, segundo a tradição eram as parturientes, as crianças, os homens, os inválidos e os recém casados.

Em vingança pela morte de suas crianças Lilith procurava levar para si, principalmente mulheres em parto e os bebês recém nascidos. São inúmeras as descrições em textos talmúdicos que falam do pavor de suas investidas. Conta-se, por exemplo, que Lilith surpreendia os homens durante o sono e os envolvia com toda sua fúria sexual, aprisionando-os em sua lascívia demoníaca, causando-lhes orgasmos demolidores. Ela montava-lhes sobre o peito e, sufocando-os (pois se vingava por ter sido obrigada a ficar “por baixo” na relação com Adão), conduzia a penetração abrasante. Aqueles que resistiam e não morriam ficavam exangues e acabavam adoecendo. Por isso Lilith também está identificada com o tradicional vampiro. Seu destino era seduzir os homens, estrangular crianças e espalhar a morte. Aliás aqui ela se identifica particularmente com um tipo de demônio vampiro feminino chamado succubus, cujo ataque consiste em manter relações sexuais com suas vítimas (homens) e deixá-las exaustas, se alimentam assim, em vez de sangue, com a energia dispersada durante o ato sexual (a versão masculina da succubus é o incubus). Ela também era responsabilizada por abortos e esterilidade, isso é muito curioso principalmente se considerarmos que se tratava à princípio de uma divindade ligada aos ritos de fertilidade.

Outra referência a ela é feita no Livro do Profeta Esaías 34:14, poema apocalíptico sobre o fim de Edon que se transformou graças à colera de Javé em pez ardente, antes de se converter em um deserto por onde mais ninguém passará, a não ser o pelicano, o ouriço, a coruja e o corvo, que desse caos fariam sua morada, e “lá também descansará Lilith, achará um pouso para si em companhia de gatos selvagens, das hienas, dos sátiros, da víbora e dos abutres”.

O mito de Lilith é uma excelente metáfora para a situação de submissão que as mulheres passam a ter na sociedade patriarcal, e da forma como a sexualidade feminina passa a ser vista como perigosa e transgressora, tratada como tentadora, síntese do mal e raiz do pecado. Eva a segunda mulher criada (não da mesma forma que Adão como Lilith) foi feita para servir, condenada eternamente à inferioridade. O filosófo cristão Santo Agostinho afirmava que a mulher não era a imagem de Deus, apenas o homem o era. A mulher seria no máximo, a imagem de uma costela. O cristianismo católico herdou a visão hebraica ortodoxa e associou definitivamente a imagem da mulher ao pecado. Com a negação do corpo em detrimento do espírito qualificou o sexo como algo terrível e pecaminoso, que afasta o homem de Deus. A Igreja Católica e seus prelados eram terrivelmente misógenos, chegando até mesmo a afirmar que as mulheres não tinham alma, que eram apenas carne, e estavam por isso longe da graça de Deus. Essa visão negativa da mulher se fez sentir na intolerância Católica através da Inquisição, que levou à tortura e à morte milhares de mulheres sob a alegação de bruxaria e outras heresias.

Entretanto, é importante destacar apesar do Catolicismo e mesmo o Protestantismo, assumissem uma posição misógina isto não foi ensinado e nem praticado por Jesus. Ele na realidade valorizou bem a mulher. Também nos primeiros séculos do Cristianismo a participação feminina era bem intensa. Entre os principais livros do Gnosticismo dos primeiros séculos, conforme consta nos achados arqueológicos da Biblioteca de Nag Hammadi, consta o Evangelho de Maria Madalena mostrando que os evangelistas não foram apenas pessoas do sexo masculino. Vale ressaltar que esses entre muitos outros evangelhos foram considerados apócrifos durante o I Concílio de Nicéia em 325 d.C. Há uma lenda de que a escolha deu-se por um estranho e ridículo sorteio em que os livros foram colocados em uma mesa (eram muitos), os que caíssem da tal mesa seriam considerados ilegítimos. Na verdade foram excluídos os livros que não se encaixavam no modelo de cristianismo proposto pelo concílio, e que classificava os posicionamentos divergentes como heréticos.

A palavra apócrifo deriva do grego apocryphos. A princípio, significava algo oculto, secreto ou escondido, mas com o passar do tempo, passou a ter sentido de heresia ou de autenticidade duvidosa.

Na realidade Jesus apareceu primeiro às mulheres, e segundo o que está escrito nos documentos sobre o Cristianismo dos primeiros séculos, via de regra, por cerca de 11 anos depois da crucificação Jesus continuou a ensinar e geralmente fazia isto através da inspiração, e isto acontecia bem mais freqüentemente através das mulheres. Sabe-se que o papel de subalternidade do lado feminino dentro do Cristianismo foi oficializado à partir do I Concilio de Nicéia no ano 325. Aquele concílio, entre outras intenções visou o banimento da mulher dos atos litúrgicos da igreja. Ela só podia participar numa condição de subserviência. O catolicismo nasceu da ala ortodoxa do Cristianismo primitivo que continha em seu bojo a influência grega e judaica no que diz respeito à marginalização da mulher no exercício das atividades sacerdotais.

Lilith na literatura ocidental é apresentada principalmente pela sua natureza revoltada, que, na afirmação de seu direito à liberdade e ao prazer, à igualdade em relação ao homem, perde a si própria, assim como aqueles com quem se encontra.

Mulher sensual e fatal ela aspira também à supremacia e ao poder. Existem várias personagens literárias que se identificam com o arquétipo de Lilith: Carmem (de Mérimée), Lulu (de Wekind), Salomé (de Wilde), entre tantas outras.

Esse arquétipo aliás, revela principalmente o aspecto “devoradora de filhos” de Lilith, aqui identificada com o arquétipo da “mãe destruidora”, a “mãe terrível” que engole o mundo humano inteiro em sua boca de inconsciência e morte. Lilith seria a contrapartida de Eva, a mãe dócil e submissa.

Os românticos como Victor Hugo e Byron apresentam-na como uma mulher bela e sensual, de longos cabelos que arrasta os outros em um turbilhão de infortúnios, desastre e morte. É uma sereia tentadora, a eterna mulher fatal de charme irresistível e infernal, que, por seu mistério, provoca nos homens o sentimento de aventura, e os conduz assim a sua perda. Certas associações entre Lilith e a Rainha de Sabá lembram de sua aparência falsamente luminosa. Cumulando com seus dons o homem que se deixa levar por seus atrativos, ela o orienta para uma procura que o isola dos outros e o arrasta a um caminho que segue um rumo contrário à vida.

Fritz Wittels, psicanalista austríaco, criou em 1932 um complexo ou neurose de Lilith que está relacionado à isso. O mito de Lilith tem por função afastar dela os homens, alertando-os do perigo que representa para eles. Sua função principal contudo, é alertar as mulheres: aquela que não segue a lei de Adão será rejeitada, eternamente insatisfeita e fonte de infelicidade. Ela assim aspiraria ao destino de Eva, e à condição mortal para conhecer a vida e o prazer.

As leituras modernas do mito de Lilith entretanto destacam o seu aspecto revolucionário e mesmo feminista. Ela representa a revolta contra um sistema hierárquico injusto, que quer impor um domínio inqüestionável e repressor do masculino sobre o feminino. Lilith é a representação da mulher indômita, selvagem, livre, vibrante de energia, pronta para viver a sua sexualidade de forma plena e prazerosa, sem medos nem vergonha, é a celebração do princípio feminino.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Millard Erickson, H.Thiessen, F. F. Bruce e a Escatologia Bíblica

Estamos no limiar do terceiro milênio. Nestes dias que antecedem os últimos momentos deste sistema dos reinos do mundo, muitas doutrinas e filosofias têm surgido e o esoterismo, misturado com os ensinamentos profusos da chamada Nova Era, tendem a confundir os mais desavisados e os desconhecedores da Bíblia.

É de suma importância que tenhamos um conhecimento mais aprofundado do que a Bíblia ensina a respeito dos acontecimentos mundiais mais importantes, e daquilo que está à nossa espera em breves dias futuros.

Inúmeras pessoas se filiam, a cada dia, às diversas igrejas espalhadas em todo mundo. Entretanto, sabemos, também, que um número razoável dessas pessoas se afastam em razão de interpretações errôneas e falsas das Escrituras Sagradas. Nessas oportunidades, surgem as seitas e religiões fanáticas (Exs. Jim Jones, na Guiana Inglesa e o líder espiritual David Koresh, de uma seita em Waco - Texas, EUA), marcando datas da volta de Jesus, do fim do mundo e outras heresias.

Para essa finalidade, o estudo sério e bíblico da Escatologia, é essencial para dirimir dúvidas e esclarecer muitas questões relacionadas com os eventos presentes e futuros e trazer uma compreensão de importantes temas bíblicos.

Importância do assunto

A Escatologia é um dos temas mais tratados na Bíblia. Sua importância despertava agudo interesse na igreja primitiva. Em toda a Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento, o assunto é retratado de forma relevante e intensa.

O foco central, o âmago, o coração da Escatologia é A Segunda Vinda de Cristo. Como o próprio termo denota, a Escatologia não trata de toda a história do homem, mas focaliza e direciona o estudo para os acontecimentos finais da história humana e o estado eterno.

Segundo Henry C. Thiessen, a importância do retorno de Jesus é demonstrado por cinco motivos:
1. sua proeminência nas Escrituras - profusão de textos referindo-se ao assunto. Só no Novo Testamento encontramos mais de 300 referências à vinda de Jesus - Dn 7.13,14; Zc 14.4; Mt 24 e 25; Mc 13; Lc 21; 1 Co 15; 1 Ts; 2 Ts; Ap;
2. é uma chave para as Escrituras. Muitos temas, ordenanças, promessas e simbolismo na Bíblia ficam plenamente claros quando compreendemos bem a doutrina do retorno de Jesus à terra - Sl 2; 22; 24; 45; At 3.19-24; Tg 5.8; Hb 10.37; Ap 1.7; 22.12,20;
3. é a esperança da igreja - Tt 2.13 "... a bendita esperança...";
4. é incentivo para o cristianismo bíblico - induz a auto-purificacao; inspira vigilância e perseverança; 1 Jo 3.3; 2 Pe 3.11; Mt 24.44; Rm 13.11; 2 Ts 1.7-10;
5. tem efeito marcante sobre nosso serviço - Há maior incentivo ao testemunho cristão de vida e verbal do evangelho. Rm 13.11-12.

Por envolver um período futuro e uma série considerável de acontecimentos, vários pontos da Escatologia são controversos. Alguns estudiosos até têm se esquivado de discutir esses temas que geram muitos debates pela dificuldade das questões. Millard J. Erickson, no entanto, diz que "quer concordemos que estas questões são importante, quer não, devemos examiná-las, pois aqueles que as discutem as consideram importantes". "Opções Contemporâneas na Escatologia" - pg. 10.

Etimologia da Palavra
O termo Escatologia tem origem em duas palavras gregas (éschatos = "último", e logos ="estudo"). Portanto, a tradução da palavra seria algo como: "A Doutrina (ou estudo) das Últimas Coisas".

Premissas
1) Houve um início e haverá um fim do atual sistema mundial
2) desfecho da evangelização mundial
3) a justiça divina deve ser implantada
4) o Milênio de paz será estabelecido
5) é necessário iniciar-se o tempo eterno
6) a morte e o mal serão destruídos
7) o bem triunfará
8) o envelhecimento (murchação-deterioração das células) do ser humano cessará
9) o Reino eterno de Jesus será estabelecido
10) o pecado e suas conseqüências terão fim

Esboço Simplificado
A Escatologia pode ser dividida em cinco grandes blocos:
1. fim do mundo;
2. a segunda vinda de Cristo;
3. a ressurreição dos mortos;
4. juízo final;
5. a criação dos novos céus e da nova terra.

Esses cinco blocos envolvem, principalmente, os seguintes tópicos, com relação aos indivíduos e ao mundo, contemplando aspectos redentivos, de julgamentos e uma intervenção pessoal de Deus no mundo humano e físico:
a) acontecimentos importantes na história mundial;
b) o testemunho da igreja a todas as nações - Mt 24;
c) Israel: história, rejeição e salvação do remanescente
d) as duas ressurreições
e) os julgamentos intermediário e final
f) a Parousia de Jesus Cristo
g) o milênio de paz
h) o arrebatamento da igreja
i) a transformação dos salvos
j) morte física e eterna

Aspectos Históricos
Vários aspectos da doutrina cristã têm sido tratados no decorrer dos séculos passados. Desde o estabelecimento da igreja, no século I da Era Cristã, os grandes temas têm recebido atenção e desenvolvidos em períodos diferentes da história da igreja, conforme abaixo:
· século II - a igreja lidava especialmente com a Apologética e os fundamentos do Cristianismo;
· séculos III e IV - com a Doutrina de Deus;
· século V (início) - o homem e o pecado;
· séculos V até o VII - com a pessoa de Cristo;
· séculos XI até XVI - com a Expiação;
· século XVI - aplicação da redenção (fé, justificação, etc);
· século XIX - na metade deste século a Escatologia foi estudada precariamente. Vários erros foram introduzidos na igreja. Houve frustrações das expectativas, até então cridas, quando livros da Bíblia foram desconsiderados, inclusive o Apocalipse. Alguns teólogos chegaram ao absurdo de questionarem a autoridade de Jesus com relação aos eventos futuros, julgando-o, até mesmo, que havia se equivocado, e decidiram que, as predições bíblicas sobre o futuro do mundo eram meras invenções da igreja primitiva;
· século XX - bem no início deste século, entretanto, Albert Schweitzer fez uma revolução com o seu livro A Questão do Jesus Histórico, no qual demonstrou que a erudição crítica estava errada, e que a Escatologia devia ocupar posição central, e não periférica, nos ensinos de Jesus. Nos últimos tempos o assunto tem sido discutido até no governo da maior potência mundial, os EUA, inclusive, em debates presidenciais e televisionado para todos os países do mundo (ex. Reagan). Russell N. Champlin acha que o mundo tem de conhecer o tema e debatê-lo antes que os eventos finais sejam desencadeados em todo mundo (conforme veremos nas últimas lições). Por isso é que surgem místicos, dizendo as maiores heresias, das quais precisamos nos precaver para não sermos ludibriados por nenhuma delas.

A Escatologia no Antigo Testamento
Praticamente, quase todas as passagens do Antigo Testamento sobre a Escatologia está relacionada com a pessoa do Messias (Jesus Cristo) como Profeta, Sacerdote e Rei, em conexão com os diversos eventos.

As profecias referentes a Jesus e a tudo que ele realizaria, em boa parte, foram preditos na sua totalidade, sem fazer clara distinção entre os fatos referentes ao primeiro e segundo advento, por estarem intimamente ligados, parecendo, às vezes, tratar-se de apenas um, o que só se tornou mais compreensível mais tarde, com a concretização de alguns acontecimentos - Sl 2; Is 7.14;9.1-6; 53; Jl 3.9-17; Jó 19.25,26.

Esta foi uma das por que os judeus rejeitaram Jesus. Eles esperavam um Messias político, um rei que livrasse Israel do domínio do império romano pela força e estabelecesse um reino de paz. Quando se depararam com Jesus e seus ensinamentos de amor, ficaram decepcionados e o rejeitaram como o Messias.

As expressões: "tempo do fim" (Dn 11.1-4), "naquele dia" (Is 24.21; 25.9; 27.1), "últimos dias" (Is 2.2; Os 3.5), "dia do Senhor" (Jl 2.28-32; Am 5.18-20; Ml 4.5), "dia da sua vinda" (Ml 3.1,2), são expressões escatológicas para indicar o tempo da segunda vinda de Cristo, com todos os eventos a ela relacionados.

No capítulo 9.24 do livro de Daniel, temos o resumo de alguns acontecimentos escatológicos relacionados com a nação de Israel e à cidade de Jerusalém, dentro da profecia das Setenta Semanas, reveladas a Daniel. São eles:
a) cessar a transgressão;
b) dar fim aos pecados;
c) expiar a iniquidade;
d) trazer a justiça eterna;
e) selar a visão e a profecia;
f) ungir o santo dos santos.

Charles Caldwell Ryrie faz, segundo seu entendimento, um esboço interessante do significado de cada um desses acontecimentos profetizados pelo anjo Gabriel ao profeta Daniel. Mesmo que não haja concordância com toda a interpretação de Ryrie, pelo menos merecem ser cuidadosamente estudados pela importância daqueles eventos.
a. cessar a transgressão - pôr fim à apostasia dos judeus;
b. dar fim aos pecados - expiar os pecados ou selar os pecados, no sentido de julgá-los de modo definitivo;
c. expiar a iniquidade - uma referência à morte de Cristo na cruz, que é uma base para o futuro perdão de Israel;
d. trazer a justiça eterna - no reino milenar do Messias;
e. selar a visão e a profecia - colocar o selo divino de confirmação em todas as profecias concernentes ao povo judeu e Jerusalém;
f. ungir o santo dos santos - consagração do Santo dos Santos no templo, no Milênio.

Desde que tornou-se nação até o tempo dos Macabeus no relato histórico do período intertestamental, Israel inúmeras vezes se viu dominado por outros reinos que o subjugavam. Por isso, então, a idéia e esperança sempre viva na mente dos judeus era a do estabelecimento de um reino definitivo e a libertação do domínio romano.

A Escatologia no Novo Testamento
Mencionamos um pouco atrás, na segunda lição, a posição de alguns intérpretes, que chegaram até a dizer que Jesus teria se enganado a respeito de alguns fatos e acontecimentos aos quais teria se referido.

Escatologia Consistente, ou Radical
Pois bem, no meio de toda uma discussão da Escatologia e a vinda do Reino de Deus, se esse Reino seria literal ou não, onde prevalecia a posição de que o Reino de Deus não era literal na sua natureza mas ético, foi que surgiu Schweitzer com um posicionamento, iniciado por Johannes Weiss, de que o Reino do qual Jesus falou não era ético mas escatológico, isto é, que viria no fim, seria apocalíptico.

Com isso, ele então afunilou o ensino de todo o Novo Testamento para uma visão totalmente futurística. Na sua concepção, a chegada do Reino de Deus seria um clímax dramático, com distúrbios cósmicos, refutando, assim, os conceitos anteriores e não-escatológicos dos teólogos liberais, tendo esta sua posição sido chamada de Escatologia Consistente, ou Radical.

Para melhor compreensão, cabe dizer neste ponto que a Escatologia no sentido mais amplo e com tudo que a envolve, trata da implantação dos Reino de Deus aqui na terra, a começar dos corações humanos, e envolve uma série enorme de ações e acontecimentos previstos para ocorrerem na terra, o sobrenatural, vindo dos céus, entrando no natural e se estabelecendo no planeta.

Na verdade, o Reino de Deus deveria vir a ser estabelecido na terra com todas as características (já que é de Deus e de caráter justo) próprias de sua implantação: é claro, para os inimigos do Reino, o desfazimento do mal e seus agentes, com a aplicação da justiça e do juízo; mas, para os que o buscam e anseiam por ele, o estabelecimento da paz tão almejada e todas os benefícios que ela traz. Por que isso? É a destruição do reino atual, perverso, mal e corrupto, que é o de Satanás, e a implantação do justo e perfeito Reino de Deus.

Por isso, é que F. F. Bruce afirma que a pregação de Jesus, resumida em Mc 1.15 ("O tempo está cumprido e o Reino de Deus está próximo; arrependei e crede no evangelho"), declara o cumprimento da visão de Daniel: "E veio o tempo em que os santos possuíram o Reino" (Dn 7.22).

Diz Bruce que, em certo sentido, o Reino já estava presente no ministério de Jesus: "se, porém, eu expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente é chegado o Reino de Deus sobre vós" (Lc 11.20; cf Mt 12.28). Mas, em outro sentido, o Reino ainda estava no futuro. Jesus ensinou seus discípulos a orar: "Venha o teu Reino" (Lc 11.2).

Escatologia Realizada
Logo após Schweitzer, veio C. H. Dodd com o que ele chamou de Escatologia Realizada, afirmando que o Reino de Deus não seria escatológico futurístico mas que já havia chegado com a primeira vinda de Jesus, ao contrário da posição de Schweitzer. Ou seja, na época do ministério de Jesus na terra foram cumpridas todas as promessas sobre o fim.

Hoje, sabemos que essas posições não expressam toda a verdade, mas parte dela. Os judeus, na época de Jesus, tinham uma compreensão mais ou menos nessa linha de raciocínio (Lc 19.11). Erickson diz que, segundo Dodd, o conceito do dia do Senhor foi transferido a um evento histórico específico já ocorrido ou a uma série de eventos - o ministério, a morte e a ressurreição de Jesus. Ou seja, a escatologia foi cumprida, ou "realizada". Esse entendimento de Dodd é falho, visto ser incompleto e desconsiderar todo o quadro futuro.

O Reino de Deus, na verdade, já começou a ser implantado entre os homens, como disse Jesus (Mt. 11.12; 12.28; 13.24,31,33; Mc 10.15; Lc 17.20,21), mas esse enfoque é apenas sob um ponto de vista porque, como parte da Escatologia, era tão somente o início da implantação do Reino de Deus entre os homens, o qual deveria começar dentro de cada pessoa, de maneira individual, para mais tarde ser implantado de forma literal e visível no meio de todos os homens, na terra (Mt. 6.10; 7.21; 8.11; 13.43; 16.28; 25.31-34; Mc 14.25; Lc 13.23, 27-29; 22.16,18,30,42).

Escatologia Inaugurada
George E. Ladd chama a percepção distinta de textos, como os acima, de Escatologia Inaugurada, que guardam coerência com as palavras e ensinos de Jesus e com todo o Novo Testamento. O período da encarnação de Cristo, sua vida, paixão, exaltação, o derramamento do Espírito Santo e o chamado dos gentios para se integrarem ao Novo Israel (o povo de Deus) e o cumprimento das predições proféticas a respeito do fim é, de fato, a Escatologia Bíblica.

O resumo de tudo é que, o "tempo do fim", "os últimos dias" começou com a encarnação de Jesus e vai até o início do estado eterno futuro, e disso falaram todos os profetas. De acordo com Shedd, o Reino de Deus veio na pessoa de Jesus Cristo e seu ministério, de forma legítima, mas não na sua totalidade.

Concluímos finalmente que a questão do estabelecimento do Reino de Deus na terra, no qual existe uma tensão até que tudo se cumpra, é o que alguns chamam de "já", mas "ainda não" da esperança cristã, isto é, já iniciou-se a sua implantação mas ainda não de forma completa.

Tudo que estudaremos a seguir é a exegese, a interpretação pormenorizada desse tema maior que é a Escatologia.

Correntes Teológicas de Interpretação:

1. CONCEITOS MILENISTAS - Estudos acerca do Milênio bíblico:
a. Pós-milenismo - essa linha de raciocínio não especifica uma data para o início do Milênio. Tem a concepção de algo parecido com um milênio já inaugurado e a chegada do Reino de Deus de forma gradual, lentamente;
a. Amilenismo - essa outra corrente nega um milênio terrestre propriamente dito, em que Cristo reinará;
b. Pré-milenismo - aquele que crê em um reino literal de Cristo na face da terra por um período de mil anos, que se iniciará com a sua vinda, inaugurando-o. Ele se entende também como o ponto de vista que situa o arrebatamento e a vinda de Cristo antecedendo o Milênio.

2. CONCEITOS TRIBULACIONAIS - Estudos sobre a natureza, duração e época da grande tribulação:
a. Pré-tribulacionismo - o que defende o arrebatamento da igreja para antes da Grande tribulação, colocando-a fora de cena no período tribulacional;
b. Pós-tribulacionismo - o que mostra a igreja passando necessariamente pela Grande Tribulação e Jesus livrando-a quando de sua vinda para inaugurar o Milênio e o seu Reino eterno;
c. Intermediários - vários pontos de vista, como abaixo:
Mid-tribulacionismo - o que diz que Cristo virá no meio da Grande Tribulação;
Arrebatamento parcial - o que afirma que Cristo arrebatará partes da igreja isoladamente, isto é, em grupos;
d. Pós-tribulacionismo iminente - o que diz que Cristo virá após a Grande Tribulação, porém, nossa espera é iminente.

A PAROUSIA ou SEGUNDA VINDA DE JESUS (O Retorno de Cristo)
Na língua grega, temos três termos técnicos para indicar a vinda de Jesus: Apocalipse, Epifania e Parousia sendo que, destes três, o mais freqüentemente utilizado é Parousia.

Apocalipse: o significado literal dessa palavra é "revelação", como em "a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Co 1.7). "Revelação de Jesus Cristo" (Ap 1.1). De acordo com 2 Ts 1.6-7 e 1 Pe 4.13, essa revelação parece ser um tempo de alívio das grandes provações que produzirá alegria e regozijo nos salvos.

Epifania: este termo significa "manifestação". Expressa a vinda de Cristo no fim da tribulação e envolve o julgamento do mundo e do Anticristo. A esperança dos crentes é colocada nessa manifestação, quando esperam a recompensa e sem recebidos por Cristo (1 Tm 6.14; 2 Tm 4.8).

Parousia: é um termo grego que significa "Presença", "Aparecimento", "Advento", "Chegada". É a "vinda" de alguém, a fim de "estar presente". Mt 24.3,27,37,39; 1 Co 15.23, 16.17; 2 Co 7.6-7; 10.10; Fp 1.26; 2.12; 1 Ts 2.19; 3.13; 4.15; 5.23; 2 Ts 2.1,8-9; Tg 5.7-8; 2 Pe 1.16; 3.4,12; 1 Jo 2.28.

A Natureza da Parousia
H. C. Thiessen diz que no Novo Testamento temos o testemunho de Jesus, dos "varões vestidos de branco" e dos apóstolos. Jesus declarou que voltaria pessoalmente (Jo 14.3; 21.20-23), inesperadamente (Mt 24.32-51; 25.1-13; Mc 13.33-36), repentinamente (Mt 24.25-28), na glória de seu Pai e seus anjos (Mt 16.27 19.28; 25.31-46), e triunfantemente (Lc 19.11-27). Os "varões de branco" testificaram quando da ascensão de Cristo de que ele viria em pessoa, corporal e visivelmente, e repentinamente (At 1.11).
O testemunho dos apóstolos é bastante intenso. Citaremos apenas parte dele. Pedro testifica que ele virá em pessoa (At 3.19-21; 2 Pe 3.3,4), e inesperadamente (2 Pe 3.8-10). Paulo testifica que ele virá em pessoa (1 Ts 4.16,17; Fp 3.10,21) e repentinamente (1 Co 15.51,52), em glória e acompanhado pelos anjos (Tt 2.13; 2 Ts 1.7-10). A epístola aos Hebreus testifica que ele virá pessoalmente (9.28) e com presteza (10.37). Tiago testifica que ele virá em pessoa (5.7,8). João testifica que ele virá em pessoa (1 Jo 2.28; 3.2,3), repentinamente (Ap 22.12), e publicamente (Ap 1.7). E Judas cita Enoque para demonstrar que ele virá publicamente (v. 14,15).

Alguns entendem a vinda do Senhor como sendo: a vinda do Espírito Santo no Pentecostes, a conversão da alma, a destruição de Jerusalém, a morte física, a conversão do mundo, a ressurreição de Jesus, etc. Tais posições são errôneas. A vinda de Jesus é literal e inconfundível. Ap 1.7 diz que "todo olho O verá".

O Propósito da Parousia
A vida do crente não teria nenhum significado do ponto de vista de sua esperança, se não fosse a promessa e a espera certa e confiante na vinda de Cristo. Por que este assunto é tão enfatizado? Haveria motivos para a tão grande ênfase que o próprio Senhor dá a este assunto e como os apóstolos o trataram? Atentemos para alguns motivos que destacamos como sendo reveladores desse intenso tratamento.
· Trazer a justiça eterna. Dn 9.24; diferença entre justos e injustos. Ml 3.18;
· Vingar dos que não se importaram de conhecer a Deus. 2 Ts 1.8; Rm 1.21;
· Estabelecer, no sentido mais pleno, o Reino de Deus. 1 Co 15.24-28; Fp 2.10-11.
· Destruir a morte que está sobre todos os homens. Hb 2.14; 1 Co 15.26;
· Dar posse no Reino de Deus a todos os salvos. Mt 25.34.

A GRANDE TRIBULAÇÃO
"Porque nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não tem havido, e nem haverá jamais" (Mt 24.12).

Com essas palavras, Jesus esclarece os discípulos e enfatiza o tempo em que será intensificada a tribulação já sofrida pela igreja durante toda sua história, mencionando vários acontecimentos que estão ocorrendo nos últimos séculos tais como, guerras, rumores de guerra, fomes, perseguições e terremotos, revelados como sinais indicativos do período que ele chamou de "o princípio das dores". Com isso em mente, não podemos nos esquecer que estamos vivendo no "tempo do fim", um período claramente pré-tribulação.

Duração e Natureza da Grande Tribulação
W. H. Baker diz, com muita propriedade, que a Grande tribulação é um período de aflição sem precedentes, de alcance mundial, que introduzirá a Parousia, a volta de Cristo à terra em grande glória. (Paralelos: Mc 13.19; Lc 21.23; Ap 3.10). Acrescento, ainda, que afetará até mesmo os poderes dos céus com eventos catastróficos. No Antigo Testamento é o "tempo de angústia para Jacó" (Jr 30.5-7; ver Dn 12.1).

Há quem atribua uma duração de quarenta (40) anos para esse período, com base em que este número sempre simbolizou provação: o dilúvio; os dois jejuns de Moisés; desafio de Golias a Israel; anúncio de Jonas a Nínive e a tentação de Jesus. Outros, como os pré-tribulacionistas, pensam que a tribulação durará sete (7) anos. De fato, tomando como referência a profecia das setenta semanas de Daniel 9.24-27, resta, ainda, uma semana profética (7 anos) para completar os acontecimentos descritos pelo profeta Daniel.

O Anticristo
"O anticristo, com olhar vazio, tão sem misericórdia quanto o sol, já nasceu, o necessário precursor da Segunda Vinda". (Champlin)

A personagem principal desse tempo será, de fato, o Anticristo, comumente conhecido como A Besta do Apocalipse. Esse personagem, que será a própria personificação do mal, foi descrito pelo apóstolo Paulo como o Homem da Iniquidade, o Filho da Perdição, o Iníquo, o opositor de Deus, o qual o Senhor Jesus matará pelo assopro de sua boca e o aniquilará pelo esplendor de sua vinda (2 Ts 2.3-10).

Eu penso que essa última semana profética começará quando o Homem da Iniquidade (o Anticristo) iniciará ser reinado trazendo soluções fantásticas para os problemas políticos, econômicos e religiosos e, pouco a pouco, ganhando a simpatia do mundo e dos poderosos, adquirindo autoridade e poder, implantará o seu domínio, a ponto de exclamarem: "...quem é semelhante à besta?" (Ap 13.1-8). Já faz algum tempo que as nações poderosas do mundo buscam um líder mundial, que traga soluções para os seus graves problemas. Daniel 9.25-27, fala que o Anticristo ("...um príncipe que há de vir...ele...") fará firme aliança com muitos (provavelmente líderes da nação de Israel) por uma semana, mas na metade da semana fará cessar o sacrifício.

Com a quebra desse pacto na metade da semana, tirará sua máscara e estabelecerá o domínio de terror e perseguição, tanto de Israel quanto da igreja, no restante da semana, e que o sofrimento da igreja, causado pela perseguição satânica, durará um tempo definido de três (3) anos e meio ou quarenta e dois meses, ou um tempo, tempos e metade de um tempo ou 1.260 dias, com essas expressões significando o mesmo lapso de tempo que será, no meu entender, a Grande Tribulação propriamente dita ou o período mais intenso dela.

O período da Grande Tribulação terá como personagem principal o Anticristo e será um dos tempos mais terríveis da história do homem. Cenas indescritíveis na linguagem humana se desenrolarão em todo o planeta. Aquele será o tempo em que Satanás, na pessoa do Anticristo, agirá com maior liberdade e grande ferocidade contra o povo de Deus e tomará as rédeas políticas, religiosas e econômicas, com as quais deverá comandar uma espécie de Império Romano que, provavelmente, ressurgirá naqueles dias, composto de dez nações confederadas (Dn 7.7, 23-26; Ap 17.8-18. Besta de Ap 13 e 19; o Homem da iniquidade de 2 Ts 2).

Naquele tempo, a crueldade de Satanás somente não exterminará a igreja pela intervenção divina e pelo testemunho que ela terá de dar. Foi dado a ele, entronizado na besta, fazer guerra contra os santos e vencê-los (Dn 7.21e Ap 13.7). As duas testemunhas serão martirizadas (Ap 11.3-14). Será um tempo de martírio dos fiéis, até onde for permitido pelo Senhor, justificando plenamente o julgamento de Deus e a ira divina sobre o reino das trevas. Jesus disse que, se o tempo não fosse abreviado nenhuma carne se salvaria, tão grande e apertado será aquele tempo.

Nessa época, quando o Anticristo detiver todo o poder mundial nas suas mãos, deverá controlar todo o sistema mundial do comércio e comunicações. Ninguém poderá comprar ou vender sem a sua marca, nome ou número do seu nome - através do computador?

Após essa tribulação sofrida pela igreja, Jesus, vindo em defesa dos seus escolhidos, descerá dos céus com grande poder e glória (a Parousia, de que falamos), colocando fim na Grande Tribulação, executará o seu juízo na terra, com todos fatos dele decorrentes, tais como os descritos em Zacarias (4.1-7, 12-15, 2 Pe 3.7, 10-13; Ap 19.11-21). Esse dia apanhará muitos de surpresa, porquanto, os ímpios inimigos de Deus se acharão seguros e donos da situação, supondo terem dominado a igreja, quando lhes sobrevirá repentina destruição à qual não haverão de escapar (1 Ts 5.3), de forma semelhante aos dias de Noé, anteriores ao dilúvio (Mt 24.37-39).

Armagedom e Gogue e Magogue
Os acontecimentos, mencionados nessas passagens, que terão lugar naquele tempo, são inenarráveis. Porquanto, serão derramados sobre a terra os ais e as pragas e todos os acontecimentos previstos no livro de Apocalipse, descritos nas narrativas dos seis primeiros selos, das sete trombetas, das sete taças da ira de Deus. Jesus se referiu a essa ocasião como um tempo de catástrofes mundiais, tumultos de toda ordem, sinais nos céus, no sol, nos oceanos, na lua e nas estrelas, grandes terremotos e o abalo as potências dos céus.

A nação de Israel será invadida por Gogue, que alguns estudiosos acham que pode ser a Rússia, nessa época se dará a grande Batalha do Armagedom (Ar Megido) (Ap 16.16; 19.17-21), com a destruição dos exércitos dos inimigos de Israel e do povo de Deus, que o profeta Ezequiel (38.2-39.20) e o apóstolo João (Ap 20.8) chamaram de Gogue e Magogue, nos montes da Palestina.

A Conversão de Israel
Depois do rompimento da aliança com o Anticristo, Israel reconhecerá o Jesus, a quem rejeitaram, como o seu esperado Messias (Zc 12.10,11). Então se cumprirá a palavra de Jesus a respeito de sua aceitação por parte dos filhos de Israel (Mt 23.37-39). De Sião virá o libertador (Rm 11.26) Jesus, e .

Com a conversão de Israel (Ez 39.21-29), entendo que os israelitas, juntamente com a igreja, desencadearão um testemunho poderoso e eficaz, empreendendo uma ação missionária, provavelmente nunca havida até aquele tempo.

As Ações na Grande Tribulação
Os principais fatos, que ocorrerão na Grande Tribulação, podem ser assim resumidos:
a. domínio e revelação de Satanás, através da Besta e do falso profeta;
b. a grande apostasia (rebelião) contra Deus e Jesus;
c. ira da Besta e perseguição contra Israel e os cristãos que testemunharão enfrentando a própria morte (Ap 12.11);
d. juízos de Deus contra a Besta, o falso profeta e os ímpios (nações). Influência na atmosfera: escurecimento do sol e lua, queda das estrelas, estrepitoso estrondo, grande cataclisma no globo terrestre (2 Pe 3.7-13).

AS RESSURREIÇÕES E O ARREBATAMENTO
Esses dois acontecimentos terão lugar quando Jesus descer dos céus para colocar fim à Grande Tribulação e estabelecer seu Reino na terra. Além das referências no Antigo Testamento, acham-se registrados, no Novo, em quatro textos principais, destacados, a seguir: Mt 24.31;1 Co 15.1-55; 1 Ts 4.13-18; Ap 20.4-6.

As Ressurreições
Exemplos de ressurreições na Bíblia:

Antigo Testamento
O filho da viúva de Sarepta (1 Re 17.17-24);
O filho da Sunamita (2 Re 4.18-37);
um morto tocado pelo corpo de Eliseu (2 Re 13.20-21).

Novo Testamento
O filho da viúva de Naim (Lc 7.12-15);
a filha de Jairo (Mt 9.23-25);
Lázaro (Jo 11.1-44);
mortos no dia da morte/ressurreição de Jesus (Mt 27.51-53);
Dorcas (At 9.36-41);
Êutico (At 20.9,10)
e a de Jesus (Mt 28.1-10; Mc 16; Lc 24; Jo 20), diferente e mais poderosa que as demais (Ef 1.18-20).

Primeira ressurreição:
A primeira ressurreição compreende duas fases e uma ordem: a de Jesus, como as primícias (1 Co 15.20-24); a de todos os salvos, mortos em Cristo, tanto os do Antigo Testamento, como os de toda a história da igreja e os que forem mortos durante da Grande Tribulação. Ela é chamada de ressurreição dos justos (Lc 14.14).

Com exceção da de Jesus, que já aconteceu, a primeira ressurreição ocorrerá no momento exato da Parousia (vinda) de Cristo, antes do Milênio de paz (por isso, pré-milenista) Mt 24.29-31; Jo 5,28; Ap 20.4-6.

O caráter da ressurreição: não será simbólica nem espiritual, como alguns afirmam mas, literal e física, ou corpórea. Is 60.8; Dn 12.2; 1 Co 15.; 1 Ts 4.13-18. Ela será uma ressurreição "dentre (ek) os mortos".

Segunda ressurreição:
Essa é denominada de ressurreição do juízo e envolve os ímpios perdidos de todos os séculos. A sua ocasião será após o período de mil anos de paz na terra, o milênio. Dn 12.2; Ap 20.5,11-13.

O Arrebatamento
Alguns exemplos na Bíblia: Enoque (Gn 5.24); Elias (2 Re 2.11); Filipe (At 8.39-40), além de outros.

A palavra "Arrebatamento" não se encontra na Bíblia. A idéia e a certeza desse evento futuro, sim!
O texto principal encontra-se em 1 Ts 4.13-18. Na verdade, esse acontecimento se confunde muito com o evento da ressurreição, porque os fatos são intimamente ligados entre si.

Com efeito, o termo "ressurreição" significa "surgir novamente"; ressurreição é o fato de alguém, ou algo, voltar à vida que já havia sido perdida; o arrebatamento é a ação de algo ou alguém ser transportado de um lugar para outro. Esses dois acontecimento se misturam porque ocorrerão simultaneamente. Até mesmo porque, transformados em corpos incorruptíveis e arrebatados até às nuvens, ao encontro do Senhor nos ares, serão todos os salvos (1 Co 15.51; 1 Ts 4.17) mas, ressuscitados serão apenas "os que já dormem".

Muitos cristãos, com base nos ensinamentos pré-tribulacionistas, estão aguardando o arrebatamento como o primeiro acontecimento a ter lugar na história a qualquer momento. No entanto, segundo ensina a Bíblia (Mt 24.29-31 e 2 Ts 2.1-3), o que precisamos esperar com vigilância, perseverantes e firmes na fé, como os próximos eventos a ocorrerem em todo o mundo, são: o aparecimento do anticristo e a Grande Tribulação. O arrebatamento será um evento literal, visível, de dimensões mundiais, catastrófico e, juntamente com o retorno de Jesus e todos os fatos que o acompanharão, marcará o fim desta era tenebrosa (2 Pe 3.10-13).

O MILÊNIO DE PAZ E O ESTADO ETERNO
Definição do Milênio
Alguns estudiosos não vêem na Bíblia um milênio (mil anos) literal na terra depois da volta de Jesus. De fato, as Escrituras são escassas com respeito ao tempo de duração desse período. Apesar disso, no curto trecho de Apocalipse 20.1-7 vemos os mil anos sendo mencionados nada menos que 6 (seis) vezes. Entendo que essa quantidade de referências é suficiente como base para a doutrina. A própria didática mostra que a repetição é uma das técnicas utilizadas no ensino. Além disso, um número enorme de textos se identificam com esse período. Eis alguns deles: Is 2.4; 4.2-6; 11.1-10; 65.20; Jl 2.21-27: 3.8-20; Mq 4.1-4; 5.7-8; Zc 14.9; 16-21.

O Caráter do Milênio
Esse período terá um governo teocrático (de Deus) na terra; será caracterizado pela prosperidade, paz, eqüidade, justiça e glória (Is 11.2-5) e sua sede é a Nova Jerusalém que descerá dos céus (Ap 21.1-22.15) e, segundo entendo, se estabelecerá no local da atual Jerusalém, em Israel, na Palestina (Zc 12.6, 8-10).

O Contexto do Milênio
A sucessão de acontecimentos, tão cronológico quanto possível, por ocasião da implantação literal do Reino de Deus aqui na terra, podem ser considerados em três fases: antes, durante e depois do Milênio.

Antes; acontecimentos finais da Grande Tribulação com todos os seus desdobramentos; invasão de Israel por Gogue; ressurreição e arrebatamento dos mortos em Cristo; transformação e arrebatamento dos salvos vivos; a grande batalha do Armagedom; Juízo intermediário e morte dos ímpios; escurecimento do sol, lua e estrelas caindo; destruição do reino da Besta (o Anticristo); Aprisionamento de Satanás e dos todos os demônios; lançamento da Besta e do falso profeta no lago de fogo; purificação e transformação do globo terrestre - vales aterrados e montes nivelados; a Nova Jerusalém desce dos céus; alguns preservados do juízo entram no Milênio;

Durante; Governo de paz na terra, os fiéis reinam com Cristo na Nova Jerusalém; Satanás e os demônios presos; afastamento do mal da terra, resultando na redução de pecados, afastamento de enfermidades e males; prolongamento da vida; mansidão dos animais; banimento das trevas; Bodas do Cordeiro; dádivas trazidas à Nova Jerusalém;

Depois; no fim do Milênio, soltura de Satanás por breve período de tempo, que sairá a enganar as nações; revolta das nações contra o Reino de Jesus e a Nova Jerusalém; manifestação da ira de Deus sobre os homens na terra; lançamento de Satanás no lago de fogo eternamente; destruição do pecado e da morte; segunda ressurreição dos restantes dos mortos para o juízo final; entrada no estado eterno; novos céus e nova terra.

O Estado Eterno
Este estado de eterna glória, em que Deus já terá enxugado as lágrimas de todos os salvos, jamais findará. Jesus Cristo entregará o Reino ao Pai. Haverá um novo céu e uma nova terra onde habitará a justiça. Não haverá mais tristeza, nem ódio nem dor, nem lembranças amargas do passado. Não haverá mais noite e o tempo cronológico provavelmente deixará de existir. Todos os salvos de todas as épocas se reconhecerão e estarão juntos eternamente. O puro e perfeito amor será desfrutado na sua inteireza. Acredito que não haverá mais a possibilidade de pecar. Os salvos serão unidos ao Senhor de maneira perfeita, física (corpo ressurreto e incorruptível) e espiritualmente, nas suas frontes estará gravado o Seu nome.

IMPLICAÇÕES DA ESCATOLOGIA NA OBRA MISSIONÁRIA
No eterno propósito de Deus, os relatos da Bíblia com respeito aos acontecimentos nestes últimos tempos do fim, como não poderia deixar de ser, estão intimamente relacionados com a salvação do ser humano.

O Problema da Interpretação
Segundo aquilo que cremos ou entendemos da Escatologia (segunda vinda de Jesus, existência ou não do milênio, tempo da grande tribulação, perdição dos ímpios, ressurreição dos mortos, vida eterna e castigo eterno, julgamento, arrebatamento, restauração de Israel, etc), é que agiremos com relação a tarefa missionária da evangelização do mundo, ordenada por Jesus, de maneira enfática antes de sua ascensão Mt 28.18-20.

O entendimento da possibilidade de não existir um milênio literal na terra, embute a idéia errônea da conversão gradual de todas as nações, e leva os cristãos à estagnação, desobediência, desmotivação e descompromisso com a tarefa de evangelizar o mundo pois, essa forma, não vê a necessidade das missões, visto que é esperada a conversão em escala mundial, invalidando, assim, a Palavra de Deus. Essa visão torna a igreja apenas expectadora dos acontecimentos, em que tudo ocorreria automaticamente, à parte da atuação da igreja.

A crença em um arrebatamento iminente (a qualquer momento) e secreto antes da Grande Tribulação, a fim de retirar a igreja da terra antes que ela ocorra, dá margem ao que Champlin chamou de "a igreja da fé fácil", ou seja, aquela que não pode sofrer os efeitos da perseguição. Isso resulta numa igreja desinteressada, fraca e sem poder para testemunhar, em meio aos sofrimentos impostos pela oposição ao evangelho de Jesus.

A Esperança
Com relação a Escatologia, temos duas importantíssimas instruções de Jesus a serem por nós observadas, de grande relevância na nossa esperança cristã e padrão de vida.

A primeira é a esperança. É a necessidade de conhecermos o assunto de forma mais aprofundada, de termos consciência da certeza irrefutável da vinda de Jesus e da implantação do Reino de Deus aqui na terra, com todos os seus desdobramentos, e esperarmos o cumprimento dessas promessas, mostradas através dos textos de Mt 24.3-13, 21-22, 29-35, 42-44 e Lc 21.20-28, 34-36. O resumo da promessa é que Ele virá (Ap 22.7,20) e que venceremos com Ele (Ap 12.11; 17.14).

O Compromisso
A segunda, é acerca do nosso compromisso e preocupação com o anúncio do evangelho e não com especulações. O que precisamos Jesus já nos informou na sua Palavra Mt 24.14, 36-39; 25.14-30; Lc 21.6-8, 12-18, 24.46-49; At 1.6-8. O Dr. Russell Shedd diz que a Escatologia não tem a missão principal de responder às perguntas suscitadas pela nossa curiosidade, mas sim de incentivar nossa responsabilidade (Ap 22.7). Quando os discípulos quiseram saber pormenores acerca da Vinda (sobre dia e hora), Jesus concentrou sua atenção sobre a evangelização mundial (At 1.6-8).

De fato, assim como agora nos cabe a tarefa da evangelização, viveremos eternamente para o servir (Ap 22.3), enquanto com Ele reinamos. Por isso, aguardemos os acontecimentos de forma correta, anunciando o evangelho do Reino, conforme ensinou em uma de suas parábolas: "Negociai até que eu volte" (Lc 19.13).

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Russel Shedd, Norman Champlin, e o debate escatológico sobre o Arrebatamento da Igreja

O debate escatológico sobre se o arrebatamento da Igreja dar-se-á antes, no meio ou depois da Grande Tribulação tem rendido muita reflexão teológica por parte dos estudiosos. Muitas linhas têm sido escritas e muitos discursos têm sido proferidos, principalmente quando há uma polarização das teorias pré e pós-tribulacionistas.

Os proponentes das três teorias indicam possuir fundamentos escriturísticos para posicionarem-se como posicionam-se. Contudo, parece-me que nessa dialética o argumento pós-tribulacionista é o que melhor calça-se escrituristicamente falando. Evidentemente não buscarei demonstrar isso aqui de maneira exaustiva. Porém, analisando mais detidamente 2 Tessalonicenses 2:1-3, desejo expor um indicativo cristalino da maior consistência que envolve a tese pós-tribulacionista.

Antes de procedermos a exegese do texto, faz-se necessário informar que a segunda epístola paulina endereçada aos crentes de Tessalônica teve como propósito aclarar questões concernentes à segunda vinda de Cristo. Como haviam alguns crentes que estavam distorcendo os ensinos sobre o assunto, transmitidos na primeira epístola, o apóstolo viu-se forçado a ajustar as coisas doutrinando-os pela instrumentalidade de uma nova epístola.

Russel Champlin supõe que alguns dos crentes daquela comunidade poderiam está afirmando que Cristo já teria retornado, ao passo que outros teimavam por enfatizar em demasia a sua iminência. Independente de quais erros escatológicos estivessem em circulação naquela comunidade, o fato é que aqueles crentes estavam sendo perturbados por uma confusão doutrinal que precisava ser corrigida.

No capítulo 2:1-3 Paulo inicia sua ação pedagógica com vistas a deixar claro que Cristo ainda não tinha vindo e que a Sua vinda deveria ser precedida por alguns eventos. Ele diz:
“Irmãos, no que diz respeito a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele, nós vos exortamos…” (v 1).
Nesse verso encontramos o uso da palavra grega parousia que é traduzida por vinda, chegada. Rienecker e Rogers dizem que ela “era usada como um termo semi-técnico [...] para a aparição de um deus.”[1]

Originalmente, parousia era uma palavra de uso secular que fora incorporada pela Igreja para, tecnicamente, indicar a Segunda Vinda de Cristo.

Indicando como um evento cocomitante à parousia, o teólogo de Tarso faz menção ao arrebatamento da Igreja ao usar a expressão “e à nossa reunião com ele”. No texto grego, encontramos o uso da palavra episunagoge que traduzida significa encontro, reunião, assembléia. [2]

Observando o paralelismo de passagens é possível notarmos que não há, nem por inferência, uma sugestão paulina de diferenciação entre o rapto da Igreja apresentado em 1 Tessalonicenses 4 e a parousia abordada no texto que ora analisamos. Ou seja, a idéia pré-tribulacionista de duas fases da Segunda Vinda de Cristo – a primeira para o arrebatamento e a segunda para o acerto de contas com as nações ímpias – parece não estar presente no pensamento paulino.

Paulo diz mais:
“[...] a que não vos demovais da vossa mente, com facilidade, nem vos perturbeis, que por espírito, quer por palavra, quer por epístola, como se procedesse de nós, supondo tenha chegado o dia do Senhor” (v 2).

Como já foi dito anteriormente, havia uma celeuma doutrinária no interior da comunidade quanto ao assunto em foco. Objetivando ordenar as coisas, o apóstolo é enfático no redirecionamento da maneira daqueles crentes pensar. Ele diz: “não vos demovais da vossa mente”. A palavra grega usada aqui é saleuo que significa abalar, mover-se para lá e para cá, titubear[3] e, mover, chacoalhar, perturbar.[4]

O uso dessa palavra no texto indica-nos o estado presente da comunidade local e não a possibilidade dela vir a ficar assim. As coisas não iam bem ali. O estrago não era definitivo, mas era grande, e, assaz ameaçador.

Chamando-os ao equilíbrio mental, com vistas à estabilidade subjetiva e congregacional, Paulo continua pondo a casa em ordem afirmando que dele nada procedera indicando que “tenha chegado o dia do Senhor”. Para alguns, o Senhor já tinha vindo e eles tinham ficado de fora do arrebatamento. A palavra chegado, no grego, é enesthken, o indicativo perfeito de enistemi que traz o sentido de estar presente, ter vindo. [5] Leon L. Morris também diz que “a palavra pode ser traduzida por está agora presente.”[6]

Isso é o que se imaginava. Esse era o ambiente local.

No processo de ir sedimentando a paz e a correção doutrinal, o apóstolo fala de dois eventos que necessariamente hão de anteceder a parousia e que, obviamente, na compreensão escatológica dele, ainda não tinham ocorrido. Ele diz:
“Ninguém de nenhum modo vos engane, porque isto não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição” (v 3).

Não há dúvidas que para Paulo o Segundo Advento de Cristo não se dará sem ser precedido pela apostasia e pela revelação do homem da iniqüidade (o Anticristo). Em Mateus 24:12, 15, encontramos também esse ensino declarado.

A palavra apostasia, segundo Ernest Best, I. Howard Marshall, e A. L. Moore[7] significa, no grego, queda, caída,rebelião, revolta.

A apostasia descrita aqui e em Mateus 24:12 indicada pela expressão “o amor se esfriará de quase todos”, refere-se a um acontecimento do tempo do fim e, portanto, jamais visto (1Tm 4:1-2; 2Tm 3:1-5). Suas características serão a universalidade (dentro e fora da Igreja), a intensificação da iniqüidade e uma profunda e radical malignidade.

Alguns intérpretes pré-tribulacionistas têm sugerido que a palavra apostasia aponta para uma saída da Igreja do mundo via arrebatamento. É evidente que essa compreensão é estranha ao uso comum de tal vocábulo no Novo Testamento.

Posterior à apostasia daqueles dias, há ainda, precedendo o retorno do Messias, um outro evento por acontecer: trata-se da manifestação do Anticristo.

Paulo usa dois hebraísmos para descrever o caráter desse homem: homem da iniqüidade e filho da perdição. A palavra usada no grego para iniqüidade é anomia que “descreve a condição de quem vive de modo contrário à lei.”[8] Já o vocábulo grego usado para perdição é apoleia que indica “aquele que está destinado a ser destruído.” [9] Ele é denominado filho da perdição por causa desse seu destino de ruína, mas, também, não foge a uma boa interpretação, compreendermos, mesmo que secundariamente, que ele levará muitos consigo ao fim que o aguarda. Ambas designações demonstram que o espírito no qual o Anticristo atuará é “segundo a eficácia de satanás” (v 9).

O contexto escatológico no qual o “abominável da desolação” (Mt 24:15) iniciará a implementação do seu reinado terrenal é o da Grande Tribulação (ambos estão entranhavelmente conectados). É nesse período que ele levantará uma perseguição contra os santos (a Igreja) do Senhor jamais experimentada (Ap 7:9, 11:7, 13:7, 10, 14:12, 15:3, 16:6, 17:6, 18:24).

Paulo, nos versículos 6 e 7, fala de um ”restringidor” que impede a revelação do Anticristo. Quem ou o que seria esse restringidor é razão de uma disputa grande entre os intérpretes. Para os teóricos do pré-tribulacionismo é a presença do Espírito Santo na vida da Igreja que não permite que o homem da iniqüidade se manifeste. Com o arrebatamento da Igreja o Espírito Santo seria removido e isso daria ao Anticristo a oportunidade de se mostrar ao mundo e iniciar o seu reinado de ilegalidades. Henry Clarence Thiessen, um pré-tribulacionista, referindo-se a Scofield, Grant, Lincoln, Gray e Ottman[10], diz que estes também “afirmam que o que detém é o Espírito Santo, e que ele será afastado quando Cristo voltar para os Seus.”

Para Russel Shedd,
“Não existe apoio no Novo Testamento para esta sugestão. Parece até insustentável à luz duma comparação entre duas afirmações nas Epístolas aos Tessalonicenses. A primeira indica que haverá crentes até a chegada do Senhor na parousia. Paulo inclui a si mesmo entre os salvos que esperam a vinda de Cristo: “nós os vivos, os que ficarmos até a vinda (parousia) do Senhor” (1Ts 4;15), com 2Ts 2:8 que diz que o iníquo “será destruído pela manifestação da sua (Cristo) vinda (parousia)”. Nós, os vivos, (membros da Igreja na terra), ficaremos até o Anticristo ser afastado do poder [...]“[11]

Champlin esboça a seguinte compreensão sobre a possibilidade desse restringidor ser o Espírito Santo:
“Devemos também meditar na possibilidade que ainda que o Espírito Santo seja aludido, poderia ele remover o poder restringidor do Anticristo, sem que isso significasse que ele teria de deixar sozinha a Igreja de Cristo; e esta poderia ser protegida das perseguições até àquele ponto escolhido pela soberana vontade divina”[12]

Diante do raciocínio de Shedd, que descansa em um paralelismo bíblico livre de suspeições interpretativas, fica difícil, senão impossível, sustentar a opinião pré-tribulacionista. No caso de Champlin, mesmo admitindo a possibilidade desse restringidor ser o Espírito Santo, ele não trabalha com o raciocínio pré-tribulacionista que intenta remover a Igreja do tempo da Grande Tribulação.

Um outro problema da maneira da doutrina pré-tribulacionista conceber a parousia de Cristo é que ela implica na invenção de dois estágios da segunda vinda de Cristo: o primeiro, nos ares, para arrebatar a Igreja e o segundo à terra para trazer juízo. Sobre esse assunto, o já falecido teólogo calvinista Louis Berkhof diz:
“Felizmente, alguns premilenistas não concordam com esta doutrina de uma dupla Segunda Vinda de Cristo, e se referem a ela dizendo que é uma novidade sem fundamento.”[13]

Seguindo à mesma linha de raciocínio,outro teólogo calvinista, Wayne Grudem, diz:
“O Novo Testamento não parece justificar a idéia de duas voltas distintas de Cristo [...] Mais uma vez, tal posição não é ensinada de maneira explícita em nenhuma passagem, sendo uma simples inferência baseada em diferenças entre várias passagens que descrevem a volta de Cristo a partir de perspectivas distintas.”[14]

Bom, voltando à questão do restringidor, o que se pode dizer com segurança é que ele poder ser o Espírito Santo, mas não como “aquele” (v 7 – o gênero é masculino no grego) que sairá da terra com a Igreja em um evento que fraciona a parousia de maneira indevida com implicações antibíblicas.

Concluindo, penso que foi possível deixar claro que o texto de 2 Tessalonicense 2:1-3 nos informa que a nossa reunião com Cristo (arrebatamento) não se dará sem que a apostasia e o surgimento do homem da iniqüidade aconteçam. Também vimos que o período em que o Anticristo será conhecido chama-se de Grande Tribulação. Na junção desses tópicos escatológicos compreendemos que 2 Tessalonicenses 2:1-3 é uma referência objetiva que favorece a teoria pós-tribulacionista. Optar pelo pré-tribulacionismo é optar por ser contrário a essa Escritura e as que se seguem: Mt 24:22; Lc 21:36; 1Tm 4:1-3; 2Tm 3:1-5; Ap 7:14. Todavia, penso ser necessário, a despeito do posicionamento defendido aqui, a continuidade do debate e dos estudos sobre a temática.
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[1] RIENECKER, Fritz, ROGER, Cleon: Chave Lingüística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 442.[2] idem, p. 450.[3] CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo Por Versículo. São Paulo: Millenium, vol. 5, 1985 p. 239.[4] Walter Bauer, W.F. Arndt, Dnker e Zabatiero Gingrich em Rienecker e Rogers, p. 450.[5] Champlin, p. 240.[6] em Rienecker e Rogers, p. 450.[7] idem.[8] George Milligan, idem.[9] A. L. Moore e Ernest Best, idem.[10] THIESSEN, Henry Clarence. Palestras em Teologia Sistemática. São Paulo: Regular, 2000, p. 330.[11] SHEDD, Russel P. A Escatologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1991.[12] Champlin, p. 246.[13] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 642.[14] GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 969