quinta-feira, 24 de junho de 2010

Em Busca do Jesus Histórico


"Em Busca do Jesus Histórico"
por Albert Schweitzer

Em síntese: Trata-se de um livro publicado em 1906 pelo famoso médico A. Schweitzer (1875-1965), que abandonou sua carreira na Europa a fim de se dedicar às populações carentes da África como médico e missionário.

Albert Schweitzer (1875-1965) nasceu na Alsácia (na época, província alemã) e dedicou-se à Música, à Medicina e às populações pobres da África Equatorial Francesa (atual Gabão), para onde embarcou em 1913. Em 1906, quando ainda estudava Medicina, publicou sua mais famosa obra, que tem o título português “A Busca do Jesus Histórico”¹; percorre os autores racionalistas que instituíram a crítica dos Evangelhos nos séculos XVIII e XIX. A obra vale por ser um marco da historiografia, pois relata um passado ultrapassado pela crítica contemporânea; esta procura ser mais madura e fundamentada, cultivando o chamado “Método da História das Formas”; cf. PR 318/1988, pp. 195 ss.

A seguir, serão apresentados alguns dos autores considerados por A. Schweitzer, enriquecendo assim os conhecimentos históricos do leitor.

1. Hermann Samuel A. Reimarus (1694-1768): rapto do cadável

Até o século XVIII os Evangelhos eram tranqüilamente aceitos sem que alguém pudesse em dúvida a sua fidelidade histórica. O iluminismo ou racionalismo do século XVIII deu início e à suspeita de não historicidade do texto sagrado. Seguiram-se teorias várias tendentes a desfazer o Transcendental nos Evangelhos de maneira, porém, preconceituosa e gratuita.

Hermann Samuel Reimarus encabeça a lista. Nasceu em Hamburgo aos 22/12/1694 e nessa cidade lecionou línguas orientais até o fim da vida (1768). Em 1906 observava Schweitzer:

“Quando nosso período de civilização estiver completo, a teologia alemã se destacará como um fenômeno único na vida mental e espiritual do nosso tempo. Pois em parte alguma a não ser no temperamento alemão se pode encontrar com a mesma perfeição o complexo vivo de condições e fatores de pensamento filosófico, agudeza crítica, visão histórica e sentimento religioso – sem os quais nenhuma teologia profunda é possível” (p. 5).

Estaria assim explicado o pioneirismo de Reimarus.

Este autor professava a religião natural, filosófica ou o deísmo, propalado na sua obra “Apologia dos Cultores Racionais de Deus” (1774-1778). Segundo tal obra Jesus seria mero homem, agitador político; em nome de um messianismo nacionalista pretendia libertar do jugo romano o povo de Israel. Cativou adeptos, realizando feitos que na época eram tidos como milagrosos. Todavia o povo recusou empunhar armas contra os romanos, de modo que Jesus se viu abandonado; morreu desesperado sobre uma cruz. Após a sua morte os discípulos resolveram restaurar o ideal messiânico que os havia agitado, apregoando um messianismo religioso e espiritual: “Roubaram o corpo de Jesus e o esconderam, e proclamaram para todo o mundo que ele em breve voltaria. Eles no entanto esperaram prudentemente cinqüenta dias antes de fazer o anúncio da segunda vinda de Jesus, a fim de que o corpo, caso fosse encontrado, não pudesse ser reconhecido” (Schweitzer, p. 30). – Os Evangelhos seriam o relato oficial dessa aventura.

A teoria de Reimarus, preconceituosa e arbitrária como é, não fez escola. A própria crítica racionalista encarregou-se de refutá-la, destacando-se, entre os adversários, Johann Salomo Semler.

2. Heinrich Eberhard Gottlob Paulus (1761-1851): fenômenos naturais

Era filho de um pai que julgava ter comunicação com os mortos; para garantir a paz no lar, sentia-se obrigado a fingir que tinha comunicação com o espírito de sua falecida mãe. Em conseqüência Gottlob Paulus concebeu profunda aversão a todas as experiências que ultrapassem o alcance da razão. Ao ler os Evangelhos, não negava a historicidade dos relatos de milagres, mas procurava dar-lhes interpretação meramente natural; os evangelistas, em sua mentalidade simplória e ignorante, teriam dado a aparência de fenômenos extraordinários a tais feitos, Paulus pretende desembaraçar o texto sagrado da carga “mística” imposta pelos evangelistas.

Eis como o Pe. Pedro Cerruti refere as interpretações dadas por Paulus, em sua obra “O Cristianismo em sua origem histórica e divina”, p. 157:

“O espetáculo de um pai doente, nevropata, vítima de contínuas visões e alucinações, despertara em Paulus, desde a sua infância, uma aversão profunda contra tudo o que é sobrenatural, não vendo nas suas manifestações senão sintomas patológicas de visionários desequilibrados. Assim interpretou os acontecimentos maravilhosos dos Evangelhos. Algumas amostras:

Achava-se Jesus, de madrugada, no alto do Tabor com três de seus apóstolos, quando passaram casualmente dois conhecidos vestidos de branco. Neste momento despontou o sol no horizonte e envolveu o Salvador nas rutilâncias de ouro dos seus esplendores nascentes. Pedro, precipitado, exclama: “Moisés! Elias!”. Eis a Transfiguração do Senhor, explicada... psicologicamente e “naturalizada”!

Cristo cura um cego de nascença. É um fato real e histórico, diz o Dr. Paulus. O erro está em atribui-lo a causas transcendentes. Jesus empregou apenas um colírio conhecido e usado pelos oculistas... que assim todos os dias restituem a vista aos nati-cegos! E o espanto de toda Jerusalém? E o processo desta cura instaurado pelos Fariseus? Foram motivados pela aplicação corriqueira de um colírio conhecido?

A multiplicação dos pães? Nada de mais: a exemplo daquela criança, de Jesus e dos Apóstolos, cada um dos presentes se serviu da matalotagem que trouxera consigo. - E é por isso que tanto se admirou toda aquela multidão e queria proclamar rei o Salvador?

O caminhar sobre as águas foi um simples passear na margem com as ondas, ao morrer, lambendo os pés de Jesus. – E é em tão pouca água que ia afundando Pedro?

As ressurreições? Simples despertar de letargias. Lázaro, por exemplo, não morrera, mas caíra em letargia quatro dias antes e fora deposto atrás de uma porta. Por simples coincidência venturosa, voltou a si quando Cristo o chamou. Que há de mais óbvio e mais natural? – Mas ninguém seguira a doença de Lázaro? Ninguém presenciara a sua morte e seu sepultamento? E o espanto geral, quando Lázaro, ainda envolvido nos planos mortuários, saiu vivo detrás daquela “porta”, que era uma pedra sepulcra? (cf. L. Franca, A crise do mundo moderno, 1941, pp. 97-98)”.

Também as interpretações de Paulus foram criticadas pela crítica racionalista, que preferiu negar a historicidade dos milagres, como se dirá logo a seguir.

3. Friedrich Strauss (1808-1874): mito

Strauss opõe-se às explicações dadas por Paulus, porque vê nos Evangelhos um conjunto de mitos ou histórias fictícias; só poderiam ser tidos como históricos alguns poucos episódios e a morte de Jesus na cruz. Com efeito; para Strauss; tudo o que escapa ao controle da razão é mito. Assim os discípulos atribuíram a Jesus feitos portentosos que o assemelhavam ao Messias predito no Antigo Testamento. Eis alguns espécimens do procedimento de Strauss, como o vê Schweitzer:

“Se o arrependimento de João era um batismo de arrependimento com vistas a “aquele que há de vir”, Jesus não poderia considerar-se sem pecado quando se submeteu a ele. De outra forma, teríamos que supor que Ele o fez meramente pelas aparências. Se foi no momento do batismo que a consciência de sua messianidade despertou, não saberíamos dizer. Apenas isto é certo, que a concepção de Jesus como tendo recebido o Espírito em Seu batismo era independente e anterior à outra concepção que o tomava como tendo nascido de forma sobrenatural do Espírito. Nós temos, portanto, nos Sinópticos diversas camadas de lenda e narrativa, que em alguns casos se cruzam e em alguns sobrepõem-se uma às outras.

A história da tentação é igualmente insatisfatória, seja interpretada como sobrenatural, ou como simbólica, seja de uma luta interior ou de eventos externos (como por exemplo na interpretação de Venturini, onde a parte do Tentador é interpretada por um fariseu); é simplesmente lenda cristã primitiva, construída de sugestões do Antigo Testamento.

O chamado dos primeiros discípulos não pode ter acontecido como é narrado, sem que antes eles não soubessem nada sobre Jesus; a forma do chamado é modelada sobre o chamado de Eliseu por Elias. A lenda seguinte que foi adicionada – a pesca milagrosa de Pedro – surgiu do dito sobre “pescadores de homens”, e a mesma idéia é refletida, num outro ângulo de refração, em João 21. A missão dos setenta não é histórica.

Se a purificação do templo é histórica, ou se ela surgiu da aplicação messiânica do texto, não pode ser determinado” (p. 104).
As hipóteses levantadas por Strauss suscitaram polêmica e oposição; no decorrer de cinco anos foram publicados cerca de cinqüenta ensaios sobre o assunto, diante dos quais Strauss se revelou um péssimo polemista. Na verdade, o embelezamento ou a idealização de uma figura do passado requer tempo; faz-se aos poucos; por isto Strauss postulava uma data tardia (século II) para a redação dos Evangelhos. Ora a peleografia mais e mais demonstra que os Evangelhos datam da segunda metade do século I, tendo começado a respectiva redação por volta do ano 50. Ver a propósito PR 398/1995, pp. 290ss.

4. Ferdinand Christian Baur (1792-1860): tendências

Baur aplicou à história do Cristianismo nascente o esquema dialético de Hegel, segundo o qual a história procede por tese, antítese e síntese. Ora na Igreja nascente

- a tese foi a corrente petrina, judaizante; queria subordinar à Lei de Moisés os pagãos convertidos ao Cristianismo, obrigando-os a observancias judaicas;

- a antítese terá sido a corrente paulina, aberta aos pagãos, que seriam dispensados da Lei de Moisés e introduziriam a cultura helenística para dentro do Cristianismo;

- a síntese seria a Igreja Católica, compromisso conciliatório, no qual as duas tendências se encontram parcialmente absorvidas.

Os Evangelhos Sinóticos representariam as tentativas de conciliação redigidas no século II: o de Mateus, de inspiração petrina com alguns elementos paulinos; o de Lucas, predominantemente paulino; em meados do século II terá sido redigido Marcos, de característica neutra. Quanto ao Evangelho de João, seria mera especulação teológica ainda mais tardia.

A propósito é de notar que tal teoria baseada nas premissas da filosofia de Hegel mais do que na consideração dos textos do Novo Testamento. São Pedro foi o primeiro a apregoar o universalismo da fé cristã (ver At 4,12); foi também o primeiro a receber um pagão – o centurião Cornélio com seus familiares – na Igreja sem lhe impor a Lei de Moisés (ver At 10, 1-48); no concílio de Jerusalém Pedro e Paulo distribuíram entre si harmoniosamente as tarefas do apostolado (ver Gl 2, 6-10). São Paulo reconhecia a autoridade da Igreja-mãe, que ele foi visitar ao voltar do seu retiro na Arábia, “para avistar-me com Cefas e fiquei com ele quinze dias” (cf. Gl 1, 18s).

Quanto ao incidente de Antioquia (Gl 2, 11-14), ver p. 12 deste fascículo.

5. Ernest Renan (1823-1892): estilo de romance

Foi seminarista, mas, após ler a literatura crítica alemã, perdeu a fé e tornou-se livre pensador. Escreveu uma famosa “Vida de Jesus”, que em 1867 estava na 13ª edição e foi traduzida para várias línguas. Eis como Schweitzer a avalia:

“Dificilmente haverá outra obra sobre este assunto como tão abundantes lapsos de gosto – e do tipo mais deprimente – como a Vie de Jésus de Renan. É arte cristã no pior sentido do termo – a arte da imagem de cera. O gentil Jesus, a linda Maria, os belos galileus que formavam a companhia do “simpático carpinteiro”; poderiam tornar forma num corpo de vitrine de uma loja de arte eclesiástica na Place St. Sulpice. Ainda assim, há algo de mágico sobre a obra. Ela ofende e atrai. Ela nunca será realmente esquecida, nem é provável que seja superada em sua própria linha, pois a natureza não é pródiga em mestres do estilo, e raramente um livro é tão diretamente nascido do entusiasmo quanto aquele que Renan planejou entre as colinas da Galiléia” (p. 119).

Escrita com grande habilidade literária, em estilo de romance¹, a Vie de Jésus de Renan foi acolhida com aplausos pelos incrédulos; exerceu vasta influência sobre a camada populacional de cultura média. Mas também foi severamente criticada; “há uma espécie de insinceridade no livro, do início ao fim, Renan declara representar o Cristo do quarto Evangelho, mas não acredita na autenticidade dos milagres daquele Evangelho. Ele declara escrever uma obra científica, mas está sempre pensando no grande público e na maneira de lhe interessar; “Ele fundiu assim duas obras de caráter díspar” (Schweitzer, p. 229). Escreve Cerruti (obra citada, p. 162):

“Obra de arte, na qual, com “visão de pintor, imaginação de poeta, indução de filósofo racionalista” (Weinel), o autor impõe aos textos suas próprias sugestões, a Vida de Jesus é um romance do diletantismo tão na moda durante o século XIX e de que Renan foi o perfeito modelo (Guignebert, op. cit., págs. XXVIII-XXX). Como obra de ciência, nenhum valor”.

6. Alfred Loisy (1857-1940) e os escatologistas

Foi católico e, como tal, lecionou no Institut Catholique de Paris. Wm 1893 foi destituído da cátedra por ensinar teorias não católicas: as fórmulas de fé seriam apenas metáforas e símbolos, sujeitos a diversas interpretações. No tocante a Jesus, afirmava: “Jesus apregoou o Reino de Deus, mas o que veio, foi a Igreja”. Com outras palavras: Jesus terá compartilhado a expectativa dos judeus de seu tempo, que aguardavam ansiosamente uma intervenção de Deus: mediante um cataclisma universal, o Altíssimo viria destruir o reino da iniqüidade dominante na Terra e instauraria um reino de justiça, felicidade e paz. Jesus terá esperado essa catástrofe; por isto quis preparar os discípulos para esse grande evento, apregoando uma “Ética do provisório”: não resistir aos assaltantes, dar a túnica a quem quer levar o manto, apresentar a face esquerda a quem esbofeteia a direita (cf. Mt 5, 38-42). Consequentemente, segundo Loisy e sua escola, tudo o que nos Evangelhos insinua a Igreja como sociedade estável e duradoura, só pode ser acréscimo tardio devido aos discípulos que, frustrados, fundaram a Igreja (pois Jesus mesmo não a fundou, enganado como estava no tocante à escatologia).

Tais idéias foram professadas outrossim por Charles Guignebert, C. Burkitt, Johannes Weiss, constituindo a escola escatologista.

A propósito convém notar: se nos Evangelhos se encontram alusões ao juízo final e à glória celeste, existem também (indícios presentes em todos os manuscritos antigos) de que Jesus contava com a longa duração de sua obra; assim a parábola do joio e do trigo refere ao paulatino crescimento das sementes até que chegue o dia da messe (cf. Mt 13, 24-30); o mesmo se depreende da parábola do grão de mostarda que cresce a ponto de tornar-se uma grande árvore; os Apóstolos são enviados a todos os povos (cf. Mt 28, 18-20).

A crítica assumiu ainda outro aspecto

7. História das Religiões comparadas: Gunkel, Eichhorn, Wrede

No fim do século XIX os estudos da história haviam progredido tanto que os pesquisadores procuraram descobrir a origem do Cristianismo no ambiente religioso pagão que cercava o povo de Israel. Especialmente importante, no caso, parecia ser o culto das religiões de mistérios. Estas constavam de ritos dos quais participavam apenas os iniciados, a quem eram transmitidas doutrinas religiosas secretas... doutrinas que deviam levar o iniciado à felicidade e à salvação; os ritos aplicados compreendiam loções purificadoras, entrega de símbolos e de fórmulas dentro de uma atmosfera de dramaticidade. Em conseqüência fundavam-se confrarias religiosas como as de Mitra, Dionísio, Zagreu, Osíris, Adônis, Átis..., onde o “mista” devia chegar à união com a Divindade. Eis algumas das semelhanças que fundamentariam a pretensa dependência do Cristianismo:

Trindades babilônicas e Trimurti da Índia Trindade cristã (Pai, Filho e Espírito Santo);
Avatares (homens divinos) da Índia Encarnação do Verbo;

Deus salvador nos mistérios de Átis, Osíris, DionísioJesus Salvador;

ressurreição nos mesmos mistérios ressurreição de Cristo;

loções purificadoras Batismo;

banquetes sagrados Eucaristia;

Ascese budista ascese cristã.

Afirmando a dependência do Cristianismo em relação aos cultos pagãos, os historiadores classificavam como lendária a mensagem histórica que acompanha a Boa-Nova de Cristo. O Apóstolo Paulo terá sido o responsável pela distorção paganizante da pregação semita de Jesus; Paulo terá helenizado o Cristianismo nascente.

Alguns críticos chegaram mesmo a negar a existência de Jesus, visto que a noção de Deus feito homem é, para a razão, totalmente inconcebível. Tão radical posição hoje em dia não conta com sérios adeptos.

A propósito seja observado:
1) há manifestações religiosas espontâneas a todo homem que: por ser espontâneas, podem aparecer em regiões (e religiões) diversas sem que haja dependência. Assim o levantar as mãos para o céu, o ajoelhar-se, o prostrar-se por terra...

2) Também há símbolos cujo significado é o mesmo para todos os homens e, por isto, ocorrem cá e lá sem que haja dependência. Assim a água como sinal e fator de purificação (donde a loção das mãos, dos pés, do corpo), o fogo, o sal, a luz, as trevas...

3) O conceito de ascese ou mortificação das paixões desregradas para que exista união com Deus é outro elemento que aflora por si mesmo à consciência de todo homem sincero.

4) O simbolismo de certos números é o mesmo para todos os povos; assim três é sinal de perfeição, porque lembra o triângulo eqüilátero, figura sempre igual a si mesma e, por isto, invencível: quatro, idem; donde o valor positivo de 3 + 4 e 3 x 4.

5) Nos casos em que há identidade de sinais (água, refeição sagrada entendida como partilha), é preciso investigar qual a mentalidade que inspira o uso de tal símbolo; será panteísta?... politeísta?... monoteísta? Se a mentalidade difere de um caso para o outro, torna-se improvável a dependência. A respeito veja-se quanto já foi ponderado em PR 266/1983, pp. 30-33:

a) A Trindade cristã (Pai, Filho e Espírito Santo) seria análoga às tríades de deuses da Babilônia (Anu, Bel, Ea) ou à Trimurti hindu (que professa Braama, o criador casado com Sarasvati, a deusa da beleza; Siva, o destruidor e o renovador, casado com Cali, a deusa da destruição).

Como se vê, em religiões não cristãs há tríades de deuses distintos uns dos outros e entendidos em sentido politeísta. Têm suas aventuras e lutam entre si pela hegemonia. Acontece, porém, que na mensagem cristã há um só Deus, cuja natureza é tão rica que ela se afirma em três pessoas (que não são três deuses nem repartem a natureza divina) É de notar que os cristãos passavam por “ateus” no Império Romano pelo fato de não cultuarem os deuses da mitologia greco-romana – o que bem mostra como eram infensos ao politeísmo.

b) As encarnações de Visnu, que se manifesta em avatares (Buda, Krishnamurti...) seriam paralelas à Encarnação do Verbo... Ora um exame mais detido mostra a oposição frontal entre um e outro termo. O Cristianismo professa que a segunda Pessoa da SS. Trindade quis assumir a natureza humana, sem nada perder do que é de Deus, a fim de santificar o homem e o mundo. Ao contrário, as crenças hindus professam a metamorfose de Visnu em sucessivos avatares como seriam o peixe, a tartaruga, o javali, o leão..., no fim do mundo, o cavalo. Visnu aparece também em dois heróis (Rama e Krishna), da casta dos guerreiros, que a lenda divinizou. Krishna, com suas façanhas cruéis e sua vida devassa foi a antítese do que o Cristianismo atribui a Jesus Cristo.
c) Quanto aos pretensos paralelos de ressurreição, verifica-se que as narrações pagãs estão muito distantes do evento professado pelo Cristianismo. Examinaremos os mitos mais freqüentemente aduzidos:

Dionísio Zagreu, nascido da união de Júpiter com sua filha Perséfona, foi morto, despedaçado e devorado por Titãs, instigados por Hera, esposa de Júpiter. Todavia, diz o mito, o coração de Dionísio escapara à voracidade dos Titãs. Ora Júpiter (segundo uma lenda) ou Semele (segundo outra) engoliu tal coração e em conseqüência deu à luz um outro Dionísio. – Como se vê, este episódio da mitologia se diferencia radicalmente do que se chama “a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo”. Seria despropositado querer aproximá-los entre si.

Set ou Tifon mostra a seu convivas um cofre maravilhoso e promete doá-lo a quem o achar exatamente proporcionado ao seu tamanho. Apenas o seu irmão Osíris, que não suspeitava da cilada, nele se acomodou, Set fez pregar a tampa e lançar o cofre no Nilo; pouco depois, decepou o cadáver e dispersou os pedaços! – Tal terá sido a Paixão de Osíris! – Ora, continua a lenda, Isis, irmã e esposa desse infeliz, consumada feiticeira, tornou a unir os membros espalhados. Em vão, porém, se esforçou por reanimá-los. Foi-lhe revelado contudo que, enquanto a múmia reconstituída se conservasse em Heliópolis, seu marido poderia ter uma vida nova no outro mundo; reinaria doravante sobre os mortos. Tal terá sido a “ressurreição” de Osíris!

O belo Adônis, amado simultaneamente por Vênus e Proserpina, rainha dos infermos, foi morto por um javali; as duas deusas o reclamaram então. Para dirimir o litígio, Júpiter decidiu que passaria quatro meses com uma e quatro meses com outra, ficando livre para dispor dos quatro meses restantes. – Como se vê, tal seria a paixão e a ressurreição de Adônis!

Cibele, mãe dos deuses, fez morrer a Ninfa, que Átis preferia à própria Cibele. Depois disto reteve consigo o jovem pastor Átis. Este, porém, sucumbiu à ferida que sofrera no segundo instante do seu desespero. Cibele então obteve pelo menos que o corpo de Átis permanecesse incorrupto; Júpiter concedeu ainda a Cibele que a cabeleira do seu protegido continuasse a crescer e que o seu dedinho ficasse sempre em movimento. Tal terá sido a “ressurreição” de Átis!

Como se percebesse, todos esses mitos estão muito longe de transmitir o autêntico conceito de ressurreição da Divindade; não podem ser tidos como paralelos ou analogias da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. É simplório ou anticientífico aproximar entre si termos cuja inspiração fundamental é antagônica; na verdade, o Cristianismo é essencialmente monoteísta, ao passo que a mitologia é politeísta... Aliás, sabe-se que a idéia de ressurreição era muito estranha ao pensamento helenista; ela não representava ideal algum a que os gregos aspirassem, pois para muitos destes o corpo era o cárcere ou o sepulcro da alma; não brotaria do âmago da mentalidade helenista a concepção de ressurreição como meta para os homens. Muito a propósito diz o escritor cristão Tertuliano no começo do século III: “A pregação da ressurreição, inaudita até então, abalou as nações com a sua novidade” (De resurrectione carnis 3).

d) O conceito de salvação nas religiões pagãs geralmente se refere ao plano medicinal e mágico, tendo em vista o alívio dos sofrimentos terrestres. O Cristianismo, sem negligenciar tal aspecto da salvação (tenham-se em vista os milagres realizados por Jesus), apregoa a expiação e o perdão dos pecados, a plenitude da vida em comunhão com Deus mediante a oblação de Cristo. – O paganismo não tinha a noção de pecado “ofensa a Deus”, ao passo que o Cristianismo a propõe como fundo de cena da sua mensagem; é o que reconhece o crítico liberal R. Reitzenstein: “O que há de novo no Cristianismo, é a redenção enquanto remissão do pecado. A temerosa seriedade da pregação do pecado e da expiação não se acha no helenismo” (Poimandres, Leipzig 1904, p. 180).

e) Se há semelhança de expressões entre as religiões helenistas ou orientais e o Cristianismo, devem-se ao fato de que os sentimentos religiosos são basicamente os mesmos em todos os homens; há, sim, uma religiosidade natural no pagão e no cristão, que recorre aos mesmos símbolos e gestos para se exprimir; assim o uso da água e das abluções rituais significa naturalmente a pureza interior; a ceia ou a refeição exprime a comunhão ou participação; o Sol, a Luz, as trelas exprimem o brilho da Divindade que ilumina o homem... O Cristianismo não recusou adotar expressões religiosas dos povos pré-cristãos na medida em que correspondem ao patrimônio religioso comum de todos os homens e, consequentemente, dos próprios cristãos. Tal fenômeno não implica dependência do conteúdo ou da mensagem do Cristianismo em relação às religiões não cristãs, visto que a inspiração fundamental do Cristianismo é diferente da do paganismo.

8. Conclusão

O livro de Albert Schweitzer é importante como informativo da história da crítica dos Evangelhos desde o começo do século XVIII até o início do século XX; mostra o esforço de intelectuais racionalistas para explicar o teor do Livro Sagrado sem o apoio da fé. Foram propostas teorias preconceituosas, que a própria crítica no século XX rejeitou, enveredando por trilhas mais fundamentadas, que são o Método da História das Formas, Método não necessariamente racionalista, pois pode ser cultivado também em chave católica; cf. PR 318/1988, pp. 491-201.

APÊNDICE

Seja brevemente considerado o chamado “incidente da Antioquia” (Gl 2,11-14). Este episódio ainda vem a ser um testemunho indireto da autoridade do Primaz: Paulo diz ter chamado a atenção de Pedro justamente porque o exemplo deste Apóstolo era de tal modo persuasivo que coagia moralmente os étnico-cristãos a o imitarem ou a observarem a Lei de Moisés: “Se tu, que és judeu, dizia Paulo, vives à maneira dos gentios, e não dos judeus, como forças os gentios a se fazerem judeus?” (Gl 2, 14). A falha de Pedro parece ter consistido em não estar plenamente cônscio da influência que ele exercia ou em não ter percebido que sua condescendência para com amigos, embora fosse legítima, era mal interpretada, perturbando a Igreja inteira. Note-se que, na sua atitude forte, Paulo não disse palavra contra os direitos de S. Pedro a exercer tal influência sobre os fiéis. De tudo isso conclui Loisy que o gesto de S. Paulo “atesta ter sido Simão Pedro o chefe do serviço evangélico, o homem com o qual era preciso entrar em acordo, sob pena de trabalhar em vão” (Les Évangiles synoptiques 14).

¹ Tradução de W. Fischer, Sergio Paulo de Oliveira e Cláudio Rodrigues. Ed. Novo Século, São Paulo, 160 x 230 mm, 477 pp. ¹ Eis dois espécimens desse estilo citados por Cerruti, p. 162:Os possessos do demônio eram simples loucos ou pessoas excêntricas e “uma palavra meiga basta muitas vezes nesse caso para “expulsar o demônio”. As curas são devidas ao influxo moral exercido por Jesus, porque “a presença de um homem superior que trate o doente com mansidão e com alguns sinais sensíveis, lhe garante a cura, é muitas vezes um remédio decisivo” (Vie de Jésus, c. XVI)”.

João "o Batista" e Jesus "o Cristo", dois candidatos messiânicos.

Marcos, o primeiro dos evangelhos, engrandece a presença de Jesus perante o Batista, numa afirmação que o batizador aguardava sem dúvidas o início do ministério de Jesus:

“Após mim vem aquele que é mais forte do que eu, ao qual não sou digno de, abaixando-me, desatar a correia de suas alparcas” – Marcos 1: 7.

No evangelho João 1:29-30 e seguintes, diz que João Batista reconhece o Cristo em Jesus, e o aponta a dois dos seus discípulos, André e João, como o esperado para a libertação de Israel; os condiscípulos tornam-se apóstolos de Jesus (João 1:35-41).

Mateus 11 e referências atestam que o batizador não estava nada convicto disso: “És tu aquele que haveria de vir, ou esperamos outro?

Os demais evangelistas igualmente diminuem a importância de João Batista diante de Jesus. João, todavia, não abandona seu ministério, João 3:23, como seria de se esperar; ao reconhecer a superioridade do ministério de Jesus, de imediato deveria cessar o seu, o que evidentemente não veio a fazer.

Apesar de todas tentativas dos copistas e tradutores evangelistas em contrário, Jesus foi seguidor do Batista por um bom período de tempo, João 3:26, a ponto de receber influências daquele em seus primeiros discursos.

O discurso de João (Mateus 3:2): “E dizendo: Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus”, é igual ao de Jesus no início de seu ministério: “Desde então começou Jesus a pregar, e a dizer: Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus” conforme Mateus 4:17.

Jesus herdou de João Batista também a prática do batismo (João 3:22 e 26). O mesmo evangelho de João (4:2), no entanto diz que Jesus não batizava e sim seus discípulos, o que parece não ter importância alguma, mesmo que uma situação venha contraditar outra; o texto referido evidencia que Jesus e Batista concorreram entre si (versos 22 e 23 de João 3).

Entre os discípulos de Jesus e João as disputas parecem constantes, sobre quem fazia mais seguidores, celeuma que viria prolongar-se por todo primeiro século.

Há indícios bíblicos que Jesus separou-se de João por questões doutrinárias, acerca da purificação (João 3:25) e do jejum (Mateus 9:14). Também a omissão do Batista em identificar-se como Messias, ou mesmo um dos profetas, trouxe-lhe queda de popularidade agravada sobremaneira com a prisão, o que facultou a ascensão de Jesus, sem dúvidas carismático e bom pregador, dono de um magnetismo bastante influidor junto às massas.

As curas de Jesus são sobre necessitados psicossomáticos e de outras doenças psicológicos – histeria, esquizofrenia, etc. Parece ser isto o mínimo que se esperava de um pegador (Mateus 15:27), embora o Batista jamais tenha curado alguém, segundo narrações.

Se João Batista não renunciou seu ministério em favor de Jesus, isto implica em não reconhece-lo Messias; mesmo preso e apesar da fama crescente de Jesus, João Batista não o aceita como Messias, nem libera seus discípulos para segui-lo.

O Batista encontrou a morte sem jamais haver reconhecido messianismo algum em Jesus, mas certamente a entender que seu antigo discípulo, fora bem mais longe que imaginara, com aquela de exercer ministério ambulante, indo às pessoas onde estas se encontrassem, enquanto o dele, João, era fixo, o povo interessado tinha que deslocar-se até ele, algo muito mais complicador.

As andanças do grupo de Jesus tiveram início a partir da prisão de João Batista, o que implica dizer que o medo [da prisão e morte] foi a razão maior para aquela opção que resultou num tremendo êxito.

Outra razão do sucesso de Jesus sem dúvidas foram os milagres, que João jamais soubera ou não quis fazer.

Jesus tentou ganhar adeptos do Batista com a morte deste, além dos que conquistara quando o batizador em vida, louvando suas qualidades de profeta, e que dos nascidos de mulher não havia nenhum maior que ele, João Batista [Mateus 11:11]. Tão próximos eram os ministérios de Jesus e João, que para muitos, inclusive Herodes, Jesus era o João Batista ressuscitado (Marcos 3:14-16 e referências).

Também Jesus ofereceu aos seus seguidores iniciais, compensações terrenas (Marcos 10:29 e 30). O sentido espiritual atribuído à sua obra somente viria ocorrer nos séculos III e IV, com Orígenes, Jerônimo e outros grandes nomes da Igreja, quando lhe foi dado o papel de Messias sofredor e seus milagres enquadrados em Isaias 35 e citações, por referências, nos evangelhos.

Os apóstolos e discípulos também esperavam compensações terrenas mais a libertação pátria. A passagem bíblica dos dois discípulos no caminho de Emaús, reflete o pensamento dos messianistas [seguidores de Jesus]: “E nós esperávamos que fosse ele o que remisse Israel” – Lucas 24:21.

Atos 1:6, não deixa dúvida daquilo que pretendiam os discípulos: “És tu que restaurarás o trono em Israel?”, da mesma maneira que Jesus deixa bastante claro (Marcos 10:29 e 30) que estaria ainda a oferecer-lhes compensações materiais.

O messianismo encarnado por Jesus, não só caracterizava-se de libertação quanto terreno, com a restauração do trono de Israel. É impossível acreditar que qualquer judeano ou estrangeiro que fosse, em Israel na época de Jesus, concebesse a libertação de Israel, expulsão dos inimigos e instalação do reino de Yavé, como algo espiritual, inteiramente ou apenas em parte; também era impossível a admissão de um Messias Libertador, que viesse agir apenas com intervenção de Deus.

Jesus não ignorava nada disso, assim como seus seguidores, todos portanto envolvidos numa campanha político-religiosa, que não poderia ser diferente, em se tratando de Israel.

Nos seus últimos dias, ainda no auge do sucesso quando a campanha mostrava-se possivelmente vitoriosa, com adesão totalitária das massas populares, Jesus começou ter conflitos com seus seguidores mais íntimos.

A razão da discórdia era simples: Jesus havia se sustentado durante quase um ano de ministério ambulante (Mateus, Marcos e Lucas, enquanto por João, três anos), às custas dos pobres e colaborações secretas de pessoas de posses, pelas suas mulheres e alforriados (Lucas 8:1-3), pois que era rejeitado em público pelos ricos; todavia quando a campanha estava prestes sair-se vitoriosa, Jesus foi procurado e voltou-se justamente para aqueles ricos, aceitando-os agora em sua companhia, numa descarada negociação político-financeira [ou aceitação de colaboradores adesistas de ultima hora].

Historicamente é impossível comprovar a existência de algum homem deus, deus humanizado ou situações do gênero, na face da terra. Jesus Cristo a exemplo de outros tantos divinizados, também não tem historicidade comprovada, sem dúvidas tratando-se de personagem mítica.

O estudo em pauta [e subdivisões] fundamenta-se tão somente nas escrituras cristãs, em torno de uma figura materializada que os credos insistem torna-la espiritual. Apenas pelas Escrituras fundamentamos historicidade de Cristo e seus seguidores mais próximos.

Nenhum dos apóstolos de Jesus teve melhores condutas que Judas; todos que se aproximaram do mestre, aqueles de primeira linha e chamados, o fizeram tão somente por interesses materiais e de poder político.

domingo, 20 de junho de 2010

Combatendo o Modernismo Teológico.

BATALHANDO PELOS PRINCÍPIOS QUE CRISTO ESTABELECEU

A LONGA E DEPLORÁVEL HISTÓRIA DO MODERNISMO TEOLÓGICO - Parte 1 de 2

Título original em inglês: The Modernistic Attack Upon The Bible In These Last Days
Por David Cloud


É impossível entender o que está acontecendo em nossos dias sem um conhecimento da história do modernismo teológico. O modernismo enfraquece a fé das pessoas na Bíblia e estabelece a plataforma para o sucesso da teoria da evolução.
O modernismo não enfraqueceria a Igreja da Inglaterra e outras denominações se não tivesse sido tão amplamente aceito.

Charles Darwin foi até mesmo honrado pela Igreja da Inglaterra com uma sepultura na Catedral de Westminster.

O modernismo pavimentou o caminho para ataques furiosos contra a Bíblia pela imprensa secular.

A nona edição da Enciclopédia Britânica, publicada em 1878, incluiu trabalhos de críticos da Bíblia, fazendo com que este criticismo se tornasse disponível para os povos de língua inglesa em geral pela primeira vez.

Desde então o assalto a Bíblia pela imprensa popular tem se tornado comum.

A Newsweek, Time, The New York Times, The London Times, National Geographic, CNN, BBC e outras incontáveis vozes influentes regularmente publicam reportagens criticando a Bíblia.

Tal fato se tornou plenamente aceitável. O modernismo pavimentou o caminho para a rápida propagação da filosofia da Nova Era. A Nova Era é baseada na premissa modernista de que o registro histórico da Bíblia não é exato e que o Cristo Bíblico não é verdadeiro. A Nova Era também emprega métodos engendrados de modernistas para interpretação não literal.

O modernismo pavimentou o caminho para os ataques violentos das versões modernas da Bíblia.

A maioria dos fundadores do moderno criticismo textual, que nos deram as Bíblias modernas, eram comprometidos com o modernismo teológico.

O modernismo pavimentou o caminho para a corrupção do cristianismo popular.

É o modernismo que pode explicar a reportagem da revista Newsweek de 31 de agosto de 2009, intitulado “We Are All Hindus Now.” [Somos Todos Hindus Agora].

O artigo diz: “De acordo com recentes dados de uma pesquisa conceitual, pelo menos, estamos aos poucos nos tornando mais semelhantes aos hindus e menos parecidos com cristãos tradicionais no modo em que pensamos sobre Deus, sobre nós mesmos, sobre os outros e sobre a eternidade. ... O Rig Veda, o mais antigo escrito hindu, diz assim: ‘A verdade é uma, mas a sabedoria que fala dela é através de muitos nomes’. Um hindu acredita que existam muitos caminhos para Deus. Jesus é um caminho, o Corão é outro, a prática da yoga é um terceiro. Nenhum é melhor do que outro, são todos iguais... De acordo com o Forum Pew 2008 avaliou que 65% acreditam que muitas religiões podem levar a vida eterna – incluindo 37% de evangélicos. Para Stephen Prothero, professor de religião na Universidade de Boston, os americanos tem como marca uma propensão para a religião do tipo cafeteria-delicatessen muito semelhante ao espírito do hinduísmo... sobre qualquer prática. Se for para a prática da yoga, está bem –se for para a prática da missa católica, está bem. E se for para uma missa católica e também para a yoga, o budista aceita obras, isto é bom também”.

Em nossa opinião, esta observação está correta... o cristianismo na América está a milhas de distância daquele mostrado nas Escrituras. Mas ainda existe uma pequena porção bíblica nele. Para descobrir a razão disto, deve-se entender o surgimento e a difusão do modernismo teológico sobre os dois últimos séculos.

O MODERNISMO FOI PROFETIZADO NA BÍBLIA

A ascensão do modernismo teológico não é surpresa alguma para um crente na Bíblia. As profecias do Novo Testamento sobre a trajetória da era da Igreja descrevem um grande abandono da fé verdadeira entre os aqueles que professam ser cristãos. Considere por exemplo estas duas passagens:

2 Timóteo 3:1 - 4:4 Esta profecia fala de uma apostasia indiscriminada (abandono da fé bíblica) no fim desta era. Esta não é uma descrição do mundo como um todo; é uma descrição de cristãos professos. Estas pessoas têm “aparência de piedade” (3:5) e rejeitaram a sã doutrina (4:3), ao passo que o mundo nunca teve nada em comum com a sã doutrina. É nos dito que esta apostasia iria aumentar por toda a era da igreja (3:13), mas outras passagens indicam que ela explodirá no fim desta era.

Se observarmos as características desta apostasia, veremos que o modernismo teológico é descrito em grandes detalhes.

1. Orgulho (3:2)

Modernismo é caracterizado por orgulho do intelecto e da erudição. Eles rejeitam a sabedoria do passado.

2. Blasfêmia (3:2)

Modernistas tem blasfemado de Deus e O rejeitado, negando a divina inspiração de Sua Palavra, chamando-O de “amedrontador”, renunciando Seus milagres e negando que Jesus é Deus.

3. Profanidade (3:2)

Modernismo na doutrina tem andado de mãos dadas com o modernismo na vida, com relativismo na moral. Muitos dos pais do modernismo teológico, incluindo Paul Tillich e Karl Barth, foram adúlteros. Alguma das denominações modernistas tem usado até mesmo pornografia em seu ensino. Por exemplo, em 1988, uma comunicação da Igreja Metodista Unida emitiu uma declaração sobre o erotismo, aprovando a sexualidade explícita na pornografia considerando-a como não “violenta ou coerciva”. Como vemos, os modernistas estão na vanguarda na aceitação da homossexualidade em suas igrejas.

4. Calunioso ( 3:3)

Modernistas são desonestos. Um pastor crente na Bíblia amigo de um estudante que tinha lido os escritos de modernistas concluiu: “modernistas mentem”. Eles fazem mau uso da Palavra de Deus e torcem a verdade. Eles também torcem aquilo que os crentes na Bíblia acreditam.

5. Desprezo pelos crentes na Bíblia (3:3)

Modernistas desprezam os pregadores que crêem na Bíblia. Eles os hostilizam, particularmente quando são desafiados pela verdade.

6. Sempre aprendendo e nunca chegando ao conhecimento da verdade (3:7)

O modernismo não tem um credo estabelecido exceto que a Bíblia não é infalivelmente inspirada. Isto tem sido constante por dois séculos.

7. Resiste a verdade (3:8)

O modernismo não se contenta em pregar suas próprias doutrinas; ele se opõe a verdade Bíblica, as vezes atrevidamente, as vezes ocultamente.

8. Réprobos em relação a fé (3:8)

O modernismo é fundado sobre este princípio. Começou pela rejeição da fé doutrinária do Novo Testamento.

9. Rejeição intencional da verdade (4:3-4)

O problema com os modernistas não é que eles sejam inocentemente ignorantes em relação a verdade, mas sim que eles a tem rejeitado conscientemente.

10. Retorno as fábulas (4:4)

O modernismo é impregnado de fábulas. Alegam por exemplo, que houve duas criações em Gênesis 1-2, o documentário da teoria do Pentateuco, os três Isaías, o mítico documento de Qunram sobre o qual os Evangelhos foram alegadamente baseados, etc.

2 Pedro 2:1 - 3:7

Esta profecia também vislumbra os “últimos dias” (3:3) e descreve os falsos mestres que iriam proliferar. Novamente, temos uma perfeita descrição do modernismo teológico.

1. Eles ensinarão terríveis heresias sobre Cristo (2:1).

Isto é precisamente o que o modernismo tem feito ao negar o nascimento virginal de Cristo, Sua vida sem pecado, Seus milagres, Sua morte em lugar do pecador e Sua ressurreição corpórea.

2. Muitos os seguirão (2:2).

Como podemos ver, o modernismo tem ganhado seguidores em massa.

3. Eles blasfemam do caminho da verdade (2:2).

Isto aconteceu por causa de suas heresias e suas vidas imorais. Os descrentes dizem: “Se isto é cristianismo, eu não quero ter nada com ele”. Cristianismo modernista tem produzido agnosticismo e ateísmo desenfreado onde quer que tenha entrado. Pessoas que tem crescido em volta deste tipo de cristianismo espiritualmente impotente acabam por rejeitá-lo. O catolicismo romano e a igreja ortodoxa grega tem produzido o mesmo efeito.

4. Eles são avarentos (2:3, 14, 15).

A cobiça é o que impulsiona o modernismo. O que motiva um modernista para que afirme que cristãos pensem como ele, do que crer nos fundamentos da verdade? Dinheiro! Prestígio! E satisfação de ver outros também cobiçarem.

5. Eles são rebeldes em relação a absoluta moralidade bíblica (2:6, 10, 14, 18-19). Isto é uma expansão do tema que começou na profecia de 2 Timóteo 3. Em 2 Pedro 3:3, temos uma indicação que esta é a maior motivação dos modernistas, a rejeição da verdade. Eles se recusam a obedecer aos mandatos da Escritura.

6. Eles estão sem vida espiritual (2:17).

Tendo rejeitado o Todo-Poderoso Deus Senhor Jesus Cristo e o Evangelho, eles não tem vida espiritual para oferecer a um mundo necessitado.

7. Eles são caracterizados pelo orgulho. (2:18).

Vemos isto na 2 Timóteo 3.

8. Eles são escarnecedores (3:3).

Eles não estão satisfeitos em rejeitar a Bíblia; eles querem zombar dos ensinos tradicionais. Isto faz lembrar das palavras do bispo Episcopal John Spong em seu livro Rescuing the Bible from Fundamentalism [Regatando a Bíblia do Fundamentalismo]: “É claro que essas narrativas [da Bíblia] não são literalmente verdade. Estrelas não passeiam pelo céu, anjos não cantam, virgens não dão a luz, magos não viajam a uma terra distante para presentear um bebê e pastores não vão procurar um recém nascido”. O nome de Spong não está na Bíblia, mas sua zombaria está! 9. Eles negam a segunda vinda de Cristo (3:4).

Este tem sido um princípio do modernismo desde seu começo. Eles negam as profecias bíblicas da segunda vinda totalmente ou as alegorizam.

10. Eles defendem uma doutrina uniformitarista [N.T.: Teoria segundo a qual as grandes modificações ocorridas na Terra, no passado, resultaram não de catástrofes em grande escala, mas de processos geológicos contínuos, como os que ocorrem no presente] e negam que houve um dilúvio que cobriu toda a terra (3:4-5). O modernismo teológico se amarrou a teoria da evolução desde seu começo no século 19.

11. Eles são conscientemente ignorantes (3:5). Novamente, os modernistas não são meramente ignorantes; eles são conscientemente ignorantes. A verdade pode ser encontrada na Bíblia e é bem substanciada por fatos, mas os modernistas se recusam a acreditar.

O COMEÇO E CRESCIMENTO DO MODERNISMO

A metade do século 18 trouxe a era da “iluminação”, em que o racionalismo foi positivamente encorajado por Frederico II, o “rei filósofo”, que reinou sobre a Prússia por 46 anos (1740-1786). A “era do iluminismo” deveria ser de fato chamada de “era da descrença”. Frederico II foi “um profundo racionalista e patrono no ‘livre pensamento’. O sinal de uma cruz, se dizia, era suficiente para ofendê-lo” (Iain Murray, Evangelicalism Divided, p. 5). O dicionário Oxford de 1934 definiu corretamente o termo “iluminismo” como sendo “superficial e pretensioso intelectualismo, excessivo desprezo pela autoridade e tradição”.

Seguem alguns dos nomes mais proeminentes no desenvolvimento do modernismo teológico:

Gotthold Ephraim Lessing (1729-81) poeta alemão, dramaturgo, teólogo e luterano deísta. Ele é conhecido como “o pai do criticismo alemão” (Minute History of the Drama, 1935). Quando jovem se engajou na tradução das obras de Voltaire, que viveu por algum tempo na Alemanha, mas abandonou tal empreitada e desenvolveu sua própria filosofia descrente. Lessing foi uma proeminente voz de uma nova proposta sobre a história do homem que levou ao conceito de “desenvolvimento orgânico”. Lessing considerava a história como um contínuo processo pelo qual um deus imanente vai de forma gradual educando a humanidade. A humanidade é vista como um indivíduo gigante que vai se desenvolvendo desde a infância passando pela juventude até a maturidade; sempre mudando, mas sempre o mesmo indivíduo e em cada estágio de desenvolvimento vai adquirindo avançados conceitos éticos. A palavra germânica aplicada a este processo é aufheben [N.T.: elevar]. A revelação foi meramente a instrução progressiva da raça e não foi negada para ser omitida, mas também não foi sempre intencionada para ser fixa, dada uma vez por todas. Requereu ser mudada de era em era. Este processo de educação religiosa das raças, em que necessariamente há avanço na doutrina, eventualmente tornou-se o conceito de desenvolvimento orgânico”. (James Sightler, Tabernacle Essays on Bible Translation, 1992, pp. 8, 9).

Johann Gottfried Eichhorn (1752-1827) desenvolveu e popularizou a teoria de Jean Astruc. Foi Eichhorn que fez a distinção entre “baixo criticismo” e “alto criticismo”. Baixo criticismo é o exame de manuscritos para “recuperar” o melhor possível do texto original de um documento, enquanto que alto criticismo é a investigação de questões tais como autorias, datas e historicidade da Bíblia. (Ambos, baixo e alto criticismo vieram do mesmo caldeirão de ceticismo e ambos tem minado grandemente a fé nas Sagradas Escrituras porque são baseadas erradamente à fé). Eichhorn audaciosamente se engajou no criticismo bíblico, afirmando que o Pentateuco não foi escrito por Moisés como ensinou Jesus Cristo e os apóstolos e como tradicionalmente o povo de Deus acreditava, mas que foi editado como uma composição de diversos documentos e tradições. “Esta teoria foi depois estendida e desenvolvida na tese Graf-Wellhausen, o qual via todo o Pentateuco como o produto de vários extratos de tradições orais, desenvolvidas com o passar do tempo e os escritos registrados muito tempo depois que os eventos ocorreram”


H.E.G. Paulus (1761-1851) de Heidelberg, Alemanha, fez uma divisão naturalista para explicar os milagres de Cristo. Ele afirmou, por exemplo, que Jesus não caminhou de fato sobre a água, mas que Ele estava caminhando sobre a terra e por causa da neblina e da névoa parecia que Ele estava caminhando sobre a água. Ele afirmou que Jesus não morreu na cruz, mas somente desmaiou, e com a umidade de baixa temperatura da tumba reviveu; e depois de um terremoto ter movido a pedra, Ele saiu do sepulcro e apareceu aos discípulos. É claro que isso tudo teria sido quase como um grande milagre como foi a ressurreição!

Frederick Schleiermacher (1768-1834) de Halle, Alemanha, exaltou a experiência e sentimentos acima da doutrina bíblica. Ele usou linguagem cristã tradicional, mas lhe deu um novo e herético significado. Enfatizou a necessidade de conhecer Cristo através da fé, mas isto não significava crer na Bíblia como a verdadeira Palavra de Deus tanto historicamente quanto infalivelmente; ele se referia meramente a própria intuição humana ou subconsciente. Não era pela fé na Palavra de Deus, mas “fé na fé”. Ele não considerava as verdades bíblicas históricas como necessárias para a fé. Assim Schleiermacher podia dizer: “Com meu intelecto eu sou um filósofo, e com meus sentimentos sou um devoto; mais do que um cristão” (citado por Daniel Edward: “Schleiermacher Interpreted by Himself and the Men of His School”, [Schleiermacher interpretado por si próprio e o Homem e sua Escola] British and Foreign Evangelical Review, Vol. 25, 1876, p. 609). Schleiermacher impediu a pregação doutrinária do púlpito (Iain Murray, Evangelicalism Divided, 2000, p. 11). “Schleiermacher é corretamente visto como a fonte principal da massiva mudança que ocorreu nas denominações protestantes históricas durante os dois últimos séculos ... em sua separação do conteúdo intelectual do cristianismo (a revelação bíblica objetiva) do “sentimento” cristão. Schleiermacher pareceu prover um meios por onde a essência do cristianismo pode restar não afetada, não importando o quanto da Bíblia foi rejeitado. A hostilidade do criticismo pela Escritura por esta razão não necessariamente é vista como uma ameaça a “fé”... o cristianismo, conclui-se, pode ter êxito independente se a Bíblia foi preservada como a Palavra de Deus e este pensamento foi o mais apelativo dos estudos teológicos do século 19 e tornaram-se cada vez mais destrutivos” (Murray, p. 11). Schleiermacher pavimentou o caminho para a visão neo evangélica que o homem pode ser um genuíno cristão e “amar o Senhor” mesmo que rejeite a doutrina bíblica. Por esta razão Billy Graham pode ter doce comunhão com modernistas céticos e papas e bispos católicos romanos.

Ferdinand Christian Baur (1792-1860), fundador da escola de criticismo do Novo Testamento de Tuebingen (Alemanha), afirmou que o Evangelho de João não foi escrito até 170 d.C. e que somente quatro das epístolas de Paulo foram de fato escritas por ele. Argumentou que o Novo Testamento foi meramente o registro natural das igrejas primitivas. Ele ensinava que Paulo pregou uma ressurreição espiritual ao invés de uma ressurreição corpórea e que somente depois da morte do apóstolo, durante a controvérsia com os docetistas é que a pregação da ressurreição corpórea teve início. Baur também promoveu a doutrina do “desenvolvimento orgânico” que “a igreja como o corpo literal de Cristo na terra empreendeu progressivamente elevadas verdades, mas sempre infalível e autoritativa em qualquer ponto ao longo da história” (James Sightler, Tabernacle Essays on Bible Translation, 1992, p. 9). A escola de Tuebingen foi muito influente em espalhar o modernismo teológico.

David F. Strauss (1808-74), um pupilo de Baur, “disseminou a ideia de que os elementos sobrenaturais e messiânicos presentes nos Evangelhos eram mitos”. Negou a divindade corpórea de Cristo. Seu livro Das Leben Jesu (A Vida de Jesus -1835) foi muito influente. A tese de Strauss é que todos os quatro Evangelhos são uma grande parábola; uma grande massa de lendas trazidas de muitas fontes, algumas até mesmo de origem pagã, aplicadas com motivos de esperança e benevolência em seus seguidores, por um obscuro profeta galileu que se promoveu inconscientemente, não apontando para o Deus de Moisés e Elias, cruel e vingativo e mesmo imoral como Strauss e os transcendentalistas o sentiam ser, mas um elevado, sintético, platônico, que foi beneficiário de avançados conceitos éticos no século 19” (Sightler, Tabernacle Essays on Bible Translation, p. 9). Strauss espiritualizou a ressurreição. A sua “Vida de Jesus” foi traduzida para o inglês em 1846 por Mary Ann Evans (que foi pelo ensinada por George Eliott), autor de Silas Marner, “que no processo se rendeu a fé evangélica no qual ela tinha sido criada” (Sightler, p. 9).

John Stuart Mill (1806-73) publicou seu sistema de lógica em 1843, em que afirmava que a única fonte válida de informação é o sentido físico e a investigação cientifica, renunciando assim a fé. Mill teve uma grande influência na Universidade de Cambridge e por toda a Inglaterra no campo acadêmico.

A teoria Graf-Wellhausen foi assim batizada pelos seus criadores Julius Wellhausen (1844-1918) e Karl Heinrich Graf (1815-69). (Wellhausen publicou a Prolegomena, a história do Antigo Israel em 1878). De acordo com esta teoria, o Antigo Testamento não é a divina revelação de Deus, mas meramente o registro da evolução da religião judaica. Wellhausen tinha a opinião que “a religião judaica tinha evoluído a partir do desenvolvimento de primitivas histórias dos tempos dos nômades para o elaborado e institucionalizado ritualismo do período dos séculos antes de Cristo” (The History of Christianity, Lion Publishing, 1977, p. 554). Wellhausen negou a historicidade de Abraão, Noé e outros personagens bíblicos. Afirmou que Israel não conhecia o Deus Jeová até Moisés lhes ensinar sobre Ele no monte Sinai. Afirmou que as leis e o sistema sacerdotal não foram dados através de Moisés, mas foram desenvolvidos depois que Israel já estava estabelecido em Canaã e em alguns casos, depois do exílio babilônico; que a maior parte do Pentateuco foi escrito durante a época dos reis de Israel como uma “piedosa fraude”. Esta teoria teve, em suas diversas mutações várias formas e detém uma vasta influência na educação da maior parte das denominações e tem afetado dramaticamente o ensino “evangélico”.

Considere algumas descrições gerais dos efeitos do modernismo teológico na Europa e na Inglaterra durante o século 19:

O testemunho do historiador James Good:

“O racionalismo foi uma terrível onda que varreu a Alemanha como uma inundação” (James Good, History of the Reformed Church of Germany 1620-1890).

O testemunho de R.L. Dabney em 1881:

“Enquanto os eruditos e instituições de ensino alemãs têm estado demasiado ocupados com seus trabalhos, a nação como um todo tem sofrido um lapso em direção a um estado de semi-paganismo” (“The Influence of the German University System on Theological Education,” Discussions: Evangelical and Theological).

O testemunho de L.W. Munhall:

“A condição de declínio espiritual das igrejas… o ceticismo, infidelidade e ateísmo prevalecendo de forma alarmante entre o povo da Alemanha, Suíça e Holanda, é sem dúvida, quase totalmente tributado aos que defendem a tese do criticismo, presente em uma grande maioria de proeminentes pastores e teólogos professores nestas terras. A mesma condição pode ser medida na Inglaterra, Escócia, Nova Inglaterra e em cada comunidade onde este criticismo é crido por qualquer número considerável de pessoas e abertamente defendido (L.W. Munhall, The Highest Critics vs. the Higher Critics, 1896).

O testemunho de Matthew Arnold sobre as condições encontradas na Grã-Bretanha no século 19:

“Clérigos e ministros estão cheios de lamentações sobre o que eles chamam de difusão do ceticismo... as especulações do dia estão operando entre o povo...” (Literature and Dogma, 1873, p. vi).

O testemunho do historiador S.M. Houghton:

“O fato é que a Alemanha, por volta da metade do século 19 foi inundada pela descrença. Os seminários e faculdades, bem como as igrejas, contribuíram para isto. O seu próprio livro de hinos foi revisado para privá-los de muito do conteúdo evangélico. A filosofia foi colocada no lugar da teologia e a Bíblia assaltada com selvageria. Milagres pararam de ser contados como milagres; eles são agora explicados de outra forma. As profecias bíblicas são desacreditadas. A deidade de Cristo foi roubada. Sua ressurreição é dita que nunca aconteceu. Tampouco Ele morreu de fato, mas sofreu um desmaio, ou se retirou depois de Sua suposta morte para algum lugar conhecido somente por seus discípulos. D.F. Strauss chocou com seu livro “A Vida de Jesus” (publicado entre 1835-36) o qual admitia uma estrutura de fato, mas afirmava que muito do conteúdo dos quatro Evangelhos foi pura mitologia. Julius Wellhausen (1844-1910) alcançou notoriedade por atacar o ensino ortodoxo no tocante a autoridade, unidade e inspiração das Escrituras e muitos infelizmente seguiram os seus passos. Ele foi o pioneiro da visão da alta crítica e sob sua influência muitos teólogos por todo o oeste europeu e Estados Unidos questionaram ou abandonaram a autoridade de Cristo” (Sketches from Church History, p. 239).

O testemunho de Charles Haddon Spurgeon, que passou os últimos anos de sua vida lutando contra a “degradação” na teologia que havia minado a União Batista Inglesa. Em 1887, Spurgeon escreveu as seguintes palavras:

“UMA BRECHA ESTÁ SE ABRINDO ENTRE OS HOMENS QUE ACREDITAM EM SUAS BÍBLIAS E OS HOMENS QUE FORAM PREPARADOS PARA INVESTIR CONTRA A ESCRITURA... aqueles que estão do lado doutrina evangélica estão em aberta aliança com os que chamam a queda do homem de fábula, que negam a personalidade do Espírito Santo, que chamam a justificação pela fé de algo imoral e que não existe um período de provação depois da morte... participar de adoração pública está diminuindo cada vez mais e reverência pelas coisas santas é considerado como algo vão. Acreditamos solenemente que isto é grandemente atribuível AO CETICISMO QUE TEM SE MOSTRADO NOS PÚLPITOS E SE ESPALHADO ENTRE O POVO” (Sword and Trowel, November 1887).

Spurgeon assim nos descreve a baixa condição espiritual que existia na Grã-Bretanha em sua época como o resultado da difusão do modernismo. A apostasia do fim dos tempos estava florescendo. Enquanto Spurgeon lutava contra o modernismo na União Batista, a mesma batalha sendo travada (e perdida) em outras denominações, incluindo Anglicana, Congregacional, Presbiteriana, Luterana e Metodista. (Uma excelente perspectiva sobre a batalha de Spurgeon pode ser encontrada na obra de Iain Murray: The Forgotten Spurgeon [O Spurgeon Esquecido], Edinburgh: The Banner of Truth Trust).

O testemunho da Liga Bíblica, que foi formada na Grã-Bretanha em 1892:

“Spurgeon em seus dias via a apostasia como uma goteira; no tempo da fundação da Liga Bíblica (1892) tornou-se um córrego, pouco tempo depois expandiu para um rio, e hoje se tornou um autêntico oceano de descrença. A maior parte dos homens que estavam nos marcos antigos desapareceu de vista.

A vida em terra se tornou uma viagem em um oceano desconhecido em um barco de erva daninhas 'lançado para lá e para cá, e levado por todo vento de doutrina.'

Nunca antes na história da humanidade os “homens que com astúcia enganam fraudulosamente”(Ef 4:14) estiveram em tão grande evidência. “Mas os homens maus e enganadores irão de mal para pior, enganando e sendo enganados. (2 Tim. 3:13)”. (“The Bible League: Its Origin and Its Aims,” Truth Unchanged, Unchanging, Abingdon: The Bible League, 1984).

A VITÓRIA DO MODERNISMO

No século 20 o modernismo teológico já estava impregnado na maior parte das denominações na Europa e América e por todo o mundo.

Na primeira parte deste século, as denominações americanas testemunharam a controvérsia entre fundamentalistas e modernistas. Homens que zelavam pela verdade resistiram a maré do modernismo, mas a batalha foi perdida e as denominações não se voltaram mais para a Bíblia. Considere alguns exemplos de quanto o modernismo teológico tem se tornado a corrente em voga nas denominações.

Em 1976, Harold Lindsell afirmou:

“Não é injustiça alegar que entre denominações como a Episcopal, Metodista Unida, Presbiteriana Unida, Igreja Unida de Cristo, a Igreja Luterana na América e a Igreja Presbiteriana Americana NÃO EXISTA UM ÚNICO SEMINÁRIO TEOLÓGICO QUE TENHA UMA FIRME POSIÇÃO EM FAVOR DA INFALIBILIDADE BÍBLICA” (Harold Lindsell, Battle for the Bible, Zondervan, 1976, p. 145).

O seminário Jesus ilustra o ataque do modernismo. Consistindo de alguns “experts em religião e estudiosos do Novo Testamento”, o seminário teve início em um encontro em março de 1985 com o objetivo de descobrir quais palavras dos Evangelhos eram autenticas.

Ao longo dos anos 80, os participantes do seminário Jesus fizeram votações sobre a autenticidade das palavras ditas por Cristo encontradas nos quatro Evangelhos usando esferas ou bolas. Depois de discutir uma passagem, os “eruditos” modernistas faziam a votação. Vermelho indicava uma forte possibilidade de autenticidade; rosa, uma boa possibilidade; cinza, uma fraca possibilidade; e preto, branco ou sem cor, nenhuma possibilidade. As cores, portanto, indicavam vários graus de dúvida sobre a Palavra de Deus.

Em 1993 o seminário Jesus publicou “Os Cinco Evangelhos: Uma Pesquisa Sobre as Autênticas Palavras de Jesus”, que incluiu uma nova tradução chamada: “A Tradução dos Eruditos”. O código de cores foi incorporado ao texto para descrever o grau em que as várias porções dos Evangelhos são consideradas autênticas.

O seminário concluiu que Jesus disse somente 18% das palavras que Lhe são atribuídas na Bíblia. De acordo com este grupo de eruditos modernistas, Cristo não falou as bem-aventuranças no sermão da montanha; não disse nada sobre dar a outra face; não falou a parábola do semeador, a parábola das dez virgens, a parábola das dez peças de dinheiro, ou a parábola dos talentos; Ele não disse: “edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela;”. Ele não orou no jardim do Getsêmane; Ele não disse: “Tomai, comei, isto é o meu corpo” e outras passagens associadas com a Ceia do Senhor, Ele não disse: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”ou “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” quando Ele estava na cruz. O seminário Jesus chegou a conclusão que Cristo não caminhou sobre as águas, ele não alimentou milhares de pessoas com alguns poucos peixes e pães, não profetizou a Sua morte e ressurreição ou segunda vinda, não conduziu a última ceia como registrado nas Escrituras, não apareceu diante do sumo sacerdote ou diante de Pilatos, não ressuscitou corporalmente ao terceiro dia e não ascendeu aos céus.

De acordo com o seminário Jesus: “A HISTÓRIA DO JESUS HISTÓRICO TERMINOU COM SUA MORTE NA CRUZ E A DECOMPOSIÇÃO DE SEU CORPO” (Religious News Service, March 6, 1995).

Um dos integrantes do seminário Jesus, Marcus Borg, fez a seguinte declaração a imprensa religiosa em 1992:

“EU NÃO VEJO A TRADIÇÃO CRISTÃ COMO VERDADE EXCLUSIVA, OU A BÍBLIA COMO A ÚNICA E INFALIVEL REVELAÇÃO DE DEUS... eu sou um dos cristãos que não acreditam no nascimento virginal, nem na estrela de Belém, nem na jornada dos magos do oriente, nem em pastores que vieram a um estábulo como fatos da história” (Bible Review, December 1992).

A TRAJETÓRIA DO MODERNISMO DESDE A VIRADA DO SÉCULO 20

A descrença que tinha começado como um córrego no século 18 e tornou-se um rio no século 19, transformou-se em um verdadeiro oceano de descrença no século 20. Como o modernismo que estava adormecido no século 18 e se arrastou no século 19, saltou no século 20.

1906 -- Albert Schweitzer publicou The Quest for the Historical Jesus [A Busca pelo Jesus Histórico] afirmando que Jesus não foi o Messias sobrenatural, o eterno Filho de Deus, mas um simples homem que pensando que a destruição do mundo era iminente tentou chamar a atenção das pessoas através de sua própria morte.

1907 -- Walter Rauschenbusch publicou Christianity and the Social Crisis [Cristianismo e as Crises Sociais], popularizando o não bíblico “evangelho social”. Outros influentes nomes do movimento “evangelho social” foram Washington Gladden e Charles Sheldon, autor da obra In His Footsteps [Em Seus Passos].

1910 -- Adolf Harnack que no meio cristão apareceu em uma versão traduzida para o inglês, pregando sobre a paternidade de Deus. As leituras foram primeiro entregues na Alemanha, na Universidade de Berlim durante o inverno de 1899-1900.

1913 -- Ferdinand de Saussure e seu curso de linguística geral foi publicado postumamente, marcando o nascimento da moderna linguística, negando Deus e a natureza absoluta da linguagem. De acordo com Saussure, o significado da linguagem não é algo para ser recuperado em um sentido absoluto, mas algo que cada pessoa cria por si mesma. Cinquenta anos depois, em seu livro Toward a Science of Translating, Eugene Nida reconheceu a influência de Saussure em sua própria teoria de equivalência dinâmica.

1918 -- Harry Emerson Fosdick (1868-1969), pastor da influente igreja Riverside de Nova Iorque, publicou The Manhood of the Master [A Maturidade do Mestre], negando que Jesus Cristo é Deus.

1919 -- Walter Rauschenbusch publicou A Theology for the Social Gospel [Uma Teologia do Evangelho Social] que troca a Grande Comissão de pregar o Evangelho a toda a criatura pelo objetivo de transformar a sociedade, buscando construir assim o reino de Deus na terra.

Karl Barth (1886-1968) publicou a primeira parte de seu comentário sobre a epístola aos Romanos.

Emil Brunner Barth (1889-1965) e Reinhold Niebuhr (1893-1971) foram os pais da neo-ortodoxia, que esconde sua descrença sob os termos usados pela teologia ortodoxa, dando um significado herético através de linguagem obscura (como por exemplo, falar sobre a “ressurreição corpórea” de Cristo ou da “segunda vinda” ou da “inspiração da Escritura”, mas não acreditando nessas doutrinas em um sentido tradicional). De acordo com a neo-ortodoxia, a Bíblia em si não é a objetiva e infalível Palavra de Deus, mas simplesmente se tornou a palavra de Deus por causa da experiência de existir através dos tempos.

1921 -- Rudolf Bultmann (1884-1976) publicou The History of the Synoptic Tradition [A História da Tradição Sinótica], um primeiro passo em direção a sua tentativa de "desmistificar" o Novo Testamento. Em outro livro, Jesus and the Word [Jesus e a Palavra], Bultmann afirmou: “Podemos agora saber que não conhecemos quase nada sobre a vida e personalidade de Jesus”.
1924 – A Igreja Metodista Episcopal aprovou a ordenação de pastoras.

1925 – A tentativa de ligar os macacos ao homem foi defendida em Dayton, Tennesse, e crentes na Bíblia deram seu apoio mostrando pela mídia secular sua alegria pela suposta linhagem.

Alfred Whitehead (1861-1947) publicou Science and the Modern World [Ciência e o Mundo Moderno]; Whitehead foi uma proeminente voz do “processo teológico”, que ensina que o Deus da Bíblia não é onipotente, mas é sujeito ao processo de mudança “levado pelos agentes do livre-arbítrio; Deus não pode forçar alguma coisa a acontecer, mas somente influenciar o exercício deste livre-arbítrio universal através da oferta de possibilidades; porque Deus contém um universo de mudança, Deus é mutável (isto quer dizer, Deus é afetado pelas ações que ocorrem no universo) sobre o curso do tempo”. Outros proponentes deste “processo teológico” são Charles Hartshorne (1897-2000), John B. Cobb e David Ray Griffin.

1926 – Depois de um debate de quase cinco horas, a Convenção Batista do Norte votou por uma margem de três votos a um pela não expulsão da igreja Riverside de Nova Iorque por causa da militância modernista do pastor Harry Emerson Fosdick.

1927 – O bispo metodista Francis McConnell de Nova Iorque, negou a divindade de Jesus Cristo. Ele disse: “Esta tendência de deificar a Jesus não é mais pagã do que cristã?”. 1928 – O missionário metodista E. Stanley Jones escreveu: “se a infalibilidade verbal é insistentemente defendida, então certamente é muito precária” (p. 257).

1930 – A Igreja presbiteriana na América aprovou a ordenação de mulheres como anciãs.

1931 -- Henry Sloane Coffin, presidente emérito da Union Seminary e antigo moderador da Igreja Presbiteriana escreveu: “Certamente... hinos ainda perpetuam a teoria que Deus perdoa pecadores porque Cristo comprou este perdão pela Sua obediência e sofrimento... Não há sangue que possa limpar o registro do que já foi feito... A cruz de Cristo não tem o significado de buscar o perdão” (Coffin, The Meaning of the Cross, pp. 118-121).

1932 – A Convenção Batista do Norte foi tão infiltrada pelo modernismo teológico que um pequeno grupo de homens saiu dela e formou a Associação Geral de Igrejas Batistas Regulares - GARBC (General Association of Regular Baptist Churches).

1934 -- William Temple, que se tornou arcebispo de Canterbury, disse: “... um ateísta que vive em amor é salvo pela sua fé em Deus cuja existência (sob este nome) ele nega” (Nature, Man and God, p. 416).

1935 -- George A. Buttrick, pastor presbiteriano que se tornou presidente do Concílio Federal em 1940, escreveu: “Infalibilidade literal na Bíblia é um forte impossível de ser defendido... Provavelmente poucas pessoas que afirmam “crer em cada palavra da Bíblia” de fato crêem. Esta declaração em manter tal linha de lógica é arriscar uma viagem para um asilo de loucos” (Christian Fact and Modern Doubt, p. 162).

Emil Brunner publicou Unser Glaube (em alemão: Nossa Fé), no qual comparou a voz de Deus na Bíblia com a voz de um orador em uma gravação antiga. Como pode ser reconhecida igualmente a voz do orador da gravação seja tosca e por outro lado imperfeita, a voz de Deus pode ser reconhecida, entretanto a Bíblia é (supostamente) cheia de erros e mitos.

1936 – A Igreja Presbiteriana na América estava tão impregnada com o modernismo teológico que um pequeno grupo de conservadores saiu dela e fundou a Igreja Presbiteriana Ortodoxa.


O limite entre O Jesus Histórico, Jesus Mito, e Jesus Profeta.

André Leonardo Chevitarese possui Graduação em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ – 1986), Mestrado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ – 1989), Doutorado em Ciência Social (Antropologia Social) pela Universidade de São Paulo (USP – 1997) e Pós-Doutorado em História e Arqueologia, pela Universidade de Campinas (UNICAMP – 2003). Atualmente é Professor Associado I da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Professor Visitante do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Antiga Grega, Romana, Judaísmo Helenístico e Paleocristianismo.

De que forma, você como profissional da área de História antiga, acredita que seja possível levar a antiguidade para além dos bancos da academia?

Eu acho que é possível sim. Primeiro é preciso romper com a idéia de que haja um especialista em antiguidade Não há um professor de história antiga. Essa é uma questão base se formos capazes de entender. Nós que trabalhamos com pesquisas relacionadas ao mundo antigo, se nos formos capazes de entender que não somos pesquisadores da antiguidade, mas pesquisadores do tempo presente, os quais se voltam a um período histórico específico, a fim de compreender o seu próprio tempo, a sua própria realidade. Fora desse princípio, reina uma grande confusão. Como a história antiga não está lá, mas está sendo reelaborada, reescrita e resignificada em termos desse tempo presente, tudo que nós fazemos, em grande parte, é dar conta dessa experiência presente e não a do tempo passado. Não existe o pesquisador da antiguidade, não existe o pesquisador medieval; as suas demandas, enquanto pesquisas, são demandas do tempo presente, não do tempo passado. O tempo passado não está lá. Ao contrário, ele está sendo reconstruído. Se eu perco de vista, por exemplo, que helenismo é um conceito altamente contaminado de uma ideologia que me prende ao século XIX, eu vou achar que eu sou um pesquisador da antiguidade, pesquisando o período helenístico. Isso é uma criação do século XIX, já que o que está por detrás do período chamado helenístico, senão o pressuposto de que foi graças a Deus interferindo na história, ou seja, Deus intervindo na história, que levou Alexandre a expandir o seu império em direção ao Oriente mais longínquo, de modo que toda essa população oriental pudesse aprender o grego. Com isso, eles puderam ler os evangelhos. É isso o que está por detrás do conceito de Helenismo. Então, se eu acho que sou um pesquisador da antiguidade dando conta do período de Alexandre com sua helenização, eu preciso mesmo acreditar que Alexandre estava helenizando alguma coisa. Esse é um conceito absolutamente encravado no século XIX, marcadamente eurocêntrico. Certamente, por essa perspectiva, acaba-se por sentir saudade de Alexandre, já que, foi por meio de sua ação, que os evangelhos puderam ser lidos por esses tais árabes e indus. Hoje, essa leitura se complica, ela ganha um ar surreal. Mas, eu me interesso, entre outros aspectos, de uma região chamada Bactria, que seria hoje um grande território dominado por países contemporâneos como Afeganistão, Paquistão, e principalmente noroeste da Índia. O embate historiográfico que ainda se sustenta para essa área é se os gregos situados na Bactria foram indianizados ou se eles helenizaram a Índia. No fundo, ainda se vê o resultado de uma aplicação que nos costumamos fazer, de colocar nas nossas salas de aula sem a devida reflexão: assumimos que houve um momento de helenização do oriente, mas nunca o contrário, isto é, que os tais orientais reagiram, ocorrendo, com isso, uma orientalização dos gregos. Ora, essas questões não têm nada haver com antigo, como também não tem nada de antigo projetarmos para antiguidade grega ou romana os indivíduos serem todos brancos, já que ali haviam muitos negros. Mas, até a noção de negro e de branco passa por um crivo racial que não estava lá, nesta tal antiguidade, mas no século XIX. Então eu acho que a gente vai dar um grande passo quando nos convencermos que todos são pesquisadores do tempo presente, que optam por um determinado recorte temporal e espacial para pensar em suas próprias realidades.

Qual o limite entre o Jesus histórico, Jesus mito, e Jesus profeta?

Essa é uma linha muito tênue. Eu diria o seguinte: para quase a totalidade dos pesquisadores é mais fácil definir o Jesus numa perspectiva estritamente religiosa de fé, principalmente num contexto cultural brasileiro, onde as possibilidades de escolha de uma criança que nasce no Brasil de não ser cristão tende a quase zero. Portanto, desde muito cedo os dados advindos sobre Jesus são todos eles mediados por percepções marcadamente envoltas num contexto religioso, demarcado por um ambiente de fé. Jesus, então, antes de qualquer coisa, adquire essa leitura de divino, de Deus. Olha quanta teologia tem aí, desde o indivíduo que começa perambular pela Galiléia até ele chegar a ser Deus. E essa percepção teológica, ao invés de ser lida assim, é assumida como verdade. Se eu falo de Jesus, eu falo de fé, e ao falar de um Jesus de fé, eu não leio essa percepção como sendo teológica, mas histórica. Tem-se aí uma inversão: o retrato de Jesus que eu tenho é um retrato histórico de Jesus Deus, como se isso fosse História, e não profissão de fé. O Jesus histórico é um grande estranhamento, porque, se desde criança somos ensinados a ver o Jesus da fé e o Jesus da História com um só pessoa, então o Jesus histórico da academia nada tem de histórico, nada tem de verdadeiro, porque lhe falta o elemento fé. Com isso eu não quero dizer se essa inversão é boa ou ruim, mas é assim que começa. Em muitos casos os pesquisadores sentem uma enorme dificuldade em pensar o Jesus histórico descontextualizado de toda a fé que ele atribui a Jesus. Então como é que se pode pensar uma pesquisa nestes termos. Eu acho que o exercício maior, antes de se buscar uma pesquisa direta, pelo menos eu faço assim com os meus alunos, é trabalhar dois, três, quatro semestres com esses alunos, por meio de muita disciplina e orientação acadêmica; discutir muitos textos com eles, de modo que eles compreendam que a sua experiência de fé, ao ser deslocada da pesquisa do Jesus histórico, não os colocará no inferno. Para que suas pesquisas ganhem credibilidade acadêmica, essa separação precisa se impor. Eles precisam ousar, eles precisam ter certa coragem de pegar, por exemplo, o evangelho de João, para a gente se manter em João, e perceber interpoladores agindo. Se perguntar: Jesus foi batizado por João? Saber que por detrás dessa questão, há muita teologia, há muito debate teológico. E Jesus, ele batizou alguém? Se batizou, no ato do batismo, havia ou não a presença do Espírito Santo? Isto está em João, não sou eu quem estou dizendo, este é o embate que está lá. Como é que se resolve isso? Um interpolador vai entrar em João 3:22 “ Depois disto foi Jesus com seus discípulos para o território da Judéia e permaneceu ali com eles e batizava”. Jesus batizava está dito. Vamos para o capítulo quatro versículo 1 e 2 de João “Quando Jesus soube que os fariseus tinha ouvido dizer que ele fazia mais discípulo e batizava mais que João – ainda que de fato Jesus mesmo não batizasse mais os seus discípulos”. A imensa maioria dos que querem trabalhar com Jesus histórico não consegue ver essa contradição em 3:22. Jesus batiza, em Jo 4:1, mas em 4:2 “ainda que ele não batizasse” Então eu digo para os meus alunos: vejam aqui, há duas camadas redacionais. A mais antiga é aquela que informa que Jesus batiza, a comunidade está discutindo a figura de Jesus, e o que é a discussão? Se ele batiza, o Espírito Santo se faz presente. Alguém entrou na discussão posteriormente e disse não, Jesus não batiza. E parece que isso é que saiu vitorioso, porque essa mesma camada antiga vai se reproduzir no capítulo 7 de João a partir do versículo 37, quando esse interpolador de 4:2 fala assim “no último dia da festa e a mais solene Jesus de pé disse em alta voz: “se alguém tem sede venha mim e beba, quem crê em mim como diz a escritura dos seus seios jorraram rios de água viva”. Ele falava do espírito que deviam receber os que nele cressem pois não havia ainda espírito porque Jesus não fora ainda glorificado. Implica dizer, para a camada posterior, que está em 4:2, e que saiu vitoriosa desse embate, enquanto Jesus não ressuscitar e subir aos céus o espírito não se fará presente. Isso tem haver com Jesus histórico? Tem, porque essa comunidade joanina, que gradativamente vai sendo constituída ao longo de um processo histórico, nos seus primeiros passos admite com toda segurança que João, cognominado Batista, é o mentor de Jesus e que, esse último aprende com o primeiro a batizar. Jesus agrega novos elementos neste batismo. Pode-se afirmar com uma certa segurança: Jesus batizava e esse dado provém mesmo de Jesus. Ele não é uma invenção tardia. Olha o que está sendo dito em 3:22 em 4:1 o indivíduo ao ser batizado tem dentro de si um ente, quando a gente abre o mapa das comunidades judaicas, nos diferentes judaísmos dessa primeira metade do século I, só essa comunidade faz isso, todas as outras fazem diferente, é Jesus quem agregou esse dado. Mas isso gerou um problema, conforme essa comunidade foi recebendo mais gente via conversões; os debates continuaram, idéias continuaram a ser produzidas sobre quem era esse Jesus. O Jesus da história está sendo pensado nos ismos, se ele batizava ou não já não era a questão chave; a questão é que idéia eu tenho a cerca do que foi o batismo, e o que é o batismo na minha comunidade e de como eu vou fazer esse diálogo com Jesus. Se você, enquanto um pesquisador do Jesus histórico ou dessas comunidades cristãs, não está suficientemente educado, do ponto de vista da pesquisa, como você espera perceber esses embates? Como você poderá identificar essas camadas mais antigas e as mais recentes em termos de redação de um texto? Como você espera identificar essas contradições? Porque as igrejas não nos ensinam a ver as contradições, mas, ao contrário, elas buscam sempre harmonizar o texto bíblico. Tudo é pensado em termos relacionais, como se estivéssemos diante de um grande grupo de amigos que sentaram para produzir os textos sagrados. A gente harmoniza toda a leitura; isso é fruto da nossa educação. Isso precisa ser desconstruído para que uma nova metodologia de leitura apareça. Agrega-se a essa nova metodologia uma questão que não é acadêmica mais que precisa ser resolvida. Ao se desconstruir uma educação marcadamente de escola dominical, de escola catequética, e se reconstruir uma educação acadêmica para essa pesquisa. Porque o indivíduo pode estudar sobre outras coisas, aí ele não vai precisar aprender a reconstruir. Ele precisa entender que ao fazer isso ele não vai par o céu, nem para o inferno, vai apenas fazer pesquisa. Sua fé continuará preservada porque ela é altamente subjetiva, é dele e nada tem haver com a pesquisa. Meus alunos, em dois anos, estão aptos para essas pesquisas e, se são religiosos, continuam em suas denominações, sem problemas. Eu os oriento a não falar muito em suas igrejas, porque se eles começam a falar lá em suas igrejas sobre as pesquisas, eles estarão fora de contexto. Numa igreja as pessoas buscam reparações, consolo, o ombro amigo de seu Deus. As pessoas não estão buscando história, nem arqueologia. Mas a recíproca é verdadeira, a academia não é o lugar para se resolver essas questões de ordem mais interna, porque ela está conectada com pesquisa. Então a dificuldade em pensar o Jesus histórico, Jesus da fé ou Jesus mito é ter mais ou menos pressa em começar o trabalho de pesquisa. Quanto mais lento, melhor educado for o indivíduo em termos de orientação, menos problema e mais seriedade naquilo que ele vai produzir. Quer dizer, para dar gosto de ler o que ele está produzindo. Normalmente o que eu leio é uma certa confusão entre fé e história, e isso não tem nada haver com o indivíduo ser mais inteligente ou menos inteligente, tem haver com estar mais ou menos preparado para pesquisa.

Como o senhor vê o ensino da história antiga no quadro de horário das universidades?

A carga horária é suficiente ou não? Eu diria que sim, pelo menos nas realidades que eu conheço: UFRJ, UNICAMP, UFF, UNIRIO, UERJ e Rural. Essa carga horária é absolutamente suficiente. O problema é se os nossos professores estão suficientemente preparados, capacitados para lecionar História antiga. Porque sobre muitos aspectos, boa parte deles (e a realidade a que me refiro é bem maior que o Rio de Janeiro) trabalha história antiga ainda com livros do tipo “História das Sociedades”. Os dados pesquisados por Emanuel Rolf V. Cabeceiras, da UFF, os quais foram apresentados mais ou menos, há uns dez anos atrás, na Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, mostravam que em um número significativamente grande de universidades públicas e privadas das capitais norte, nordeste, sudeste, centro este e sul, as aulas de história antiga eram dadas por professores que não eram especialistas em Antiga, que não dominavam minimamente uma bibliografia e que reproduziam barbaridades para os seus alunos. Então, o problema, não é tanto carga horária, mas a capacidade do docente de aproveitar bem o pouco ou muito de carga horária que se tem para trabalhar essa tal história antiga.

Professor como o senhor identifica fonte histórica nos escritos bíblicos?

Eu identifico muitas fontes disponíveis para o pesquisador pensar a sua pesquisa. O teólogo dificilmente abre mão do material bíblico para redigir um trabalho monográfico, uma dissertação de mestrado, uma tese de doutorado. Ao contrário, ele pensa o texto bíblico, a bíblia como um todo, como estando profundamente interligada e auto-explicativa, por si mesmo. Então, para resolver uma questão de Marcos, uma questão de ordem conceitual, o teólogo pode lançar mão de Jeremias, já que os textos tendem a se auto-completarem. Porque a Bíblia é pensada como um documento, um único documento e não o nominativo plural grega Ta Biblia, livros. Mas isso é um método da Teologia que eu respeito. Entretanto, o fato de eu respeitar não significa que esse método me basta, me seja suficiente, afinal não sou teólogo, mas historiador. Então eu agrego outros materiais, outros elementos, outros documentos. E o que é legal que nesses grupos de pesquisas que eu freqüento, e que são transdisciplinares por essência, os meus pares da teologia, apesar de gostarem ou detestarem o que eu produzo, prestam muito atenção no que eu falo. Eu sinto e vejo produzir diferenças, tanto é que, nos encontros posteriores, eu vejo aquele meu colega agregar ao documento bíblico (que ele entende ser o documento por excelência) outros documentos. Isso é bacana porque é a pesquisa andando, é a pesquisa fluindo. Eu publiquei recentemente um trabalho sobre a questão de como no judaísmo helenístico e romano o sacrifício de Isaac sofre algumas alterações em termos de leituras, tanto do ponto de vista textual como imagético. Em Josefo (Antiguidade Judaica) Isaac não é um menino como no livro de Gênesis, é um homem de vinte cinco anos, que é informado por Abraão que ele vai ser sacrificado. Ele fica radiante, feliz mesmo por saber que vai ser sacrificado, já que ele vai voltar pra casa do verdadeiro Pai dele. Da onde veio isso? Da onde Josefo tirou isso? É de um contexto de martírio. Josefo viveu a primeira grande guerra judaica contra os romanos, e tem a informação, ao vivo e a cores, porque ele foi testemunha ocular dos mártires judeus. Ele mesmo não quis ser um, mas ele viu os mártires lá. Ele tem a leitura de macabeus tanto primeiro como segundo livros; ele tem o dado da viúva e seus sete filhos sem medo de morrerem porque crêem na ressurreição. Todo material imagético datado do final do século II e início do III EC, Isaac também é um homem adulto. A patrística vai ler Jesus como um novo Isaac, da mesma forma que Isaac carregou a lenha, Jesus carregou a sua cruz. Mas, eles têm suas diferenças também: Isaac morreu e não ressuscitou e Jesus morreu e ressuscitou. Então você amplia o seu corpo documental, e aí você vai ter grande surpresas na pesquisa, sem sombras de dúvidas.