quarta-feira, 16 de junho de 2010

Ouvindo o lado Histórico

Quem é que nunca ouviu falar de jesus de Nazaré? É claro que todo mundo ouviu falar de Jesus. A Bíblia nos diz que sua fama se espalhou por toda a Palestina e Síria. Ele é o homem-deus/salvador do mundo que realizou milagres que só um deus poderia realizar. Transformou água em vinho, alimentou milhares de pessoas com apenas alguns pedaços de pão e peixe, andou sobre as águas, acalmou tempestades, curou cegos, surdos e enfermos, recuperou mãos atrofiadas, expulsou demônios e ressuscitou os mortos. Seus ensinamentos morais são considerados superiores a tudo o que já foi ensinado.

Ele foi rejeitado por seu próprio povo, os judeus, e brutalmente crucificado pelos romanos. Mas isto não deteve jesus. A Bíblia nos diz que, ao ser crucificado, céus e terra confirmaram sua divindade, causando um eclipse do sol de 3 horas em toda a terra, um terremoto que fez com que a cortina do templo em Jerusalém se rasgasse ao meio e que túmulos se abrissem e homens santos ressuscitassem e aparecessem s pessoas em Jerusalém. Três dias depois, o Filho de deus derrotou o Diabo, o príncipe das trevas, ressuscitou dos mortos, apareceu a seus discípulos e então subiu aos céus. Como é possível alguém não gostar desta história nem desejar acreditar nela?

O problema que pesquisadores sinceros e com mentes objetivas têm com esta história espantosa é: por que os registros históricos de escritores gregos, romanos e judeus não cristãos praticamente não dizem nada sobre jesus de Nazaré? Certamente que notícias sobre acontecimentos como esses, se fossem verdadeiras, teriam se espalhado por todo o mundo mediterrâneo. E, no entanto, os escritos que sobreviveram, de uns 35 a 40 observadores independentes durante os primeiros 100 anos que se seguiram suposta crucificação e ressurreição de jesus, praticamente não confirmam nada. Estes autores eram respeitados, viajados, sabiam se expressar, observavam e analisavam os fatos, eram os filósofos, poetas, moralistas e historiadores daquela época. Entre as mais destacadas personalidades que não mencionam jesus, temos:

Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.) — Um dos mais famosos autores romanos sobre ética, filosofia e moral e um cientista que registrou eclipses e terremotos. As cartas que teria trocado com Paulo se revelaram uma fraude, mais tarde.

Plínio, o velho (23 d.C. – 79 d.C.) — História natural. Escreveu 37 livros sobre eventos como terremotos, eclipses e tratamentos médicos.

Quintiliano (39 d.C. – 96 d.C.) — Escreveu “Instituio Oratio”, 12 livros sobre moral e virtude.

Epitectus (55 d.C. – 135 d.C.) — Ex-escravo que se tornou renomado moralista e filósofo e escreveu sobre a “irmandade dos homens” e a importância de se ajudarem os pobres e oprimidos.

Marcial (38 d.C. – 103 d.C.) — Escreveu poemas épicos sobre as loucuras humanas e as várias personalidades do império romano.

Juvenal (55 d.C. – 127 d.C.) — Um dos maiores poetas satíricos de Roma. Escreveu sobre injustiça e tragédia no governo romano.

Plutarco (46 d.C. – 119 d.C.) — Escritor grego que viajou de Roma a Alexandria. Escreveu “Moralia”, sobre moral e ética.

Três romanos cujos escritos contêm referências mínimas a Cristo, Cresto ou cristãos:

Plínio, o jovem (61 d.C. – 113 d.C.) — Foi proconsul da Bitínia (atual Turquia). Numa carta ao imperador Trajano, em 112 d.C., pergunta o que fazer quanto aos cristãos que “se reúnem regularmente antes da aurora, em dias determinados, para cantar louvores a Cristo como se ele fosse um deus”. Uns oitenta anos depois da morte de jesus, alguém estava adorando a um Cristo (messias, em hebraico)! Entretanto, nada se diz sobre se este Cristo era jesus, o mestre milagreiro que foi crucificado e ressuscitou na Judéia ou se um Cristo mitológico das religiões pagãs de mistério. O próprio jesus teria dito que haveria muitos falsos Cristos, portanto a afirmação de Plínio não contribui em muito para demonstrar que o jesus de Nazaré existiu.

Suetônio (69 d.C. – 122 d.C.) — Em “A vida dos imperadores”, com a história de 11 imperadores, ele conta, em 120 d.C., sobre o imperador Cláudio (41 d.C. – 54 d.C.), que ele “expulsou de Roma os judeus que, sob a influência de Cresto, viviam causando tumultos”. Quem é Cresto? Não há menção a jesus. Seria este Cresto um agitador judeu, um dos muitos falsos messias, ou um Cristo mítico? Este trecho não prova nada sobre a historicidade de um jesus de Nazaré.

Tácito (56 d.C. – 120 d.C.) — Famoso historiador romano. Seu “Annuals”, referente ao período 14-68 d.C., Livro 15, capítulo 44, escrito por volta de 115 d.C., contém a primeira referência a Cristo como um homem executado na Judéia por Pôncio Pilatos. Tácito declara que “Cristo, o fundador, sofreu a pena de morte no reino de Tibério, por ordem do procurador Pôncio Pilatos”. Os estudiosos apontam várias razões para se suspeitar de que este trecho não seja de Tácito nem de registros romanos, e sim uma inserção posterior na obra de Tácito:

1. A referência a Pilatos como procurador seria apropriada na época de Tácito, mas, na época de Pilatos, o título correto era “prefeito”.

2. Se Tácito escreveu este trecho no início do segundo século, por que os Pais da Igreja, como Tertuliano, Clemente, Orígenes e até Eusébio, que tanto procuraram por provas da historicidade de jesus, não o citam?

3. Tácito só passa a ser citado por escritores cristãos a partir do século 15.

O que é claro e indiscutível é que um período de 80 a 100 anos sem nenhum registro histórico confiável, depois de fatos de tal magnitude, é longo o bastante para levantar suspeitas. Além do mais, é insuficiente citar três relatos tão curtos e tão pouco informativos para provar que existiu um messias judeu milagreiro chamado jesus que seria deus em forma humana, foi crucificado e ressuscitou.

Há três autores judeus importantes do primeiro século:

Philo-Judaeus (15 a.C. – 50 d.C.) — de Alexandria, era um teólogo-filósofo judeu que falava grego. Ele conhecia bem Jerusalém porque sua família morava lá. Escreveu muita coisa sobre história e religião judaica do ponto de vista grego e ensinou alguns conceitos que também aparecem no evangelho de João e nas epístolas de Paulo. Por exemplo: deus e sua Palavra são um só; a Palavra é o filho primogênito de deus; deus criou o mundo através de sua palavra; deus unifica todas as coisas através de sua Palavra; a Palavra é fonte de vida eterna; a Palavra habita em nós e entre nós; todo julgamento cabe Palavra; a Palavra é imutável.

Philo também ensinou sobre deus ser um espírito, sobre a Trindade, sobre virgens que dão luz, judeus que pecam e irão para o inferno, pagãos que aceitam a deus e irão para o céu e um deus que é amor e perdoa. Entretanto, Philo, um judeu que viveu na vizinha Alexandria e que teria sido contemporâneo a jesus, nunca menciona alguém com este nome nem nenhum milagreiro que teria sido crucificado e depois ressuscitou em Jerusalém, sem falar em eclipses, terremotos e santos judeus saindo dos túmulos e andando pela cidade. Por que? O completo silêncio de Philo é ensurdecedor!

Flavius Josephus (37 d.C. – 103 d.C.) — era um fariseu que nasceu em Jerusalém, vivia em Roma e escreveu “História dos judeus” (79 d.C.) e “Antiguidades dos judeus” (93 d.C.). Apologistas cristãos (defensores da fé) consideram o testemunho de Josephus sobre jesus a única evidência garantida da historicidade de jesus. O testemunho citado se encontra em “Antiguidades dos judeus”. Ao contrário dos apologistas, entretanto, muitos estudiosos, inclusive os autores da Encyclopedia Britannica, consideram o trecho “uma inserção posterior feita por copistas cristãos”. Ele diz que:

“Naquele tempo, nasceu jesus, homem sábio, se é que se pode chamar homem, realizando coisas admiráveis e ensinando a todos os que quisessem inspirar-se na verdade. Não foi só seguido por muitos hebreus, como por alguns gregos, Era o Cristo. Sendo acusado por nossos chefes, do nosso país ante Pilatos, este o fez sacrificar. Seus seguidores não o abandonaram nem mesmo após sua morte. Vivo e ressuscitado, reapareceu ao terceiro dia após sua morte, como o haviam predito os santos profetas, quando realiza outras mil coisas milagrosas. A sociedade cristã que ainda hoje subsiste, tomou dele o nome que usa.

”Por que este trecho é considerado uma inserção posterior?

1. Josephus era um fariseu. Só um cristão diria que jesus era o Cristo. Josephus teria tido que renunciar s suas crenças para dizer isto, e Josephus morreu ainda um fariseu.
2. Josephus costumava escrever capítulos e mais capítulos sobre gente insignificante e eventos obscuros. Como é possível que ele tenha despachado jesus, uma pessoa tão importante, com apenas algumas frases?

3. Os parágrafos antes e depois deste trecho descrevem como os romanos reprimiram violentamente as sucessivas rebeliões judaicas. O parágrafo anterior começa com “por aquela época, mais uma triste calamidade desorientou os judeus”. Será que “triste calamidade” se refere vinda do “realizador de mil coisas milagrosas” ou aos romanos matando judeus? Esta suposta referência a jesus não tem nada a ver com o parágrafo anterior. Parece mais uma inclusão posterior, fora de contexto.

4. Finalmente, e o que é ainda mais convincente, se Josephus realmente tivesse feito esta referência a jesus, os Pais da Igreja pelos 200 anos seguintes certamente o teriam usado para se defender das acusações de que jesus seria apenas mais um mito. Contudo, Justino, Irineu, Tertuliano, Clemente de Alexandria e Orígenes nunca citam este trecho. Sabemos que Orígenes leu Josephus porque ele deixou textos criticando Josephus por este atribuir a destruição de Jerusalém morte de Tiago. Aliás, Orígenes declara expressamente que Josephus, que falava de João Batista, nunca reconheceu jesus como o Messias (”Contra Celsum”, I, 47).

Não somente a referência de Josephus a jesus parece fraudulenta como outras menções a fatos históricos em seus livros contradizem e omitem histórias do Novo Testamento:

1. A Bíblia diz que João Batista foi morto por volta de 30 d.C., no início da vida pública de jesus. Josephus, contudo, diz que Herodes matou João durante sua guerra contra o rei Aertus da Arábia, em 34 – 37 d.C.

2. Josephus não menciona a celebração de Pentecostes em Jerusalém, quando, supostamente: judeus devotos de todas as nações se reuniram e receberam o Espírito Santo, sendo capazes de entender os apóstolos cada qual em sua própria língua; Pedro, um pescador judeu, se torna o líder da nova igreja; um colega fariseu de Josephus, Saulo de Tarso, se torna o apóstolo Paulo; a nova igreja passa por um crescimento explosivo na Palestina, Alexandria, Grécia e Roma, onde morava Josephus. O suposto martírio de Pedro e Paulo em Roma, por volta de 60 d.C., não é mencionado por Josephus. Os apologistas cristãos, que depositam tanta confiança na veracidade do testemunho de Josephus sobre jesus, parecem não se importar com suas omissões posteriores.

A Encyclopedia Britannica afirma que os cristãos distorceram os fatos ao enxertar o trecho sobre jesus. Isto é verdade? Eusébio (265-339 d.C.), reconhecido como o “Pai da história da Igreja” e nomeado supervisor da doutrina pelo imperador Constantino, escreve em seu “Preparação do evangelho”, ainda hoje publicado por editoras cristãs como a Baker House, que “ s vezes é necessário mentir para beneficiar queles que requerem tal tratamento”. Eusébio, um dos cristãos que mais influenciou a história da Igreja, aprovou a fraude como meio de promover o cristianismo! A probabilidade de o cristianismo de Constantino ser uma fraude está diretamente relacionada desesperada necessidade de encontrar evidências a favor da historicidade de jesus. Sem o suposto testemunho de Josephus, não resta nehuma evidência confiável de origem não cristã.

Justus de Tiberíades é o terceiro escritor judeu do primeiro século. Seus escritos foram perdidos, mas Photius, patriarca de Constantinopla (878-886 d.C.), escreveu “Bibleotheca”, onde ele comenta a obra de Justus. Photius diz que “do advento de Cristo, das coisas que lhe aconteceram ou dos milagres que ele realizou, não há absolutamente nenhuma menção (em Justus)”. Justus vivia em Tiberíades, na Galiléia (João 6:23). Seus escritos são anteriores s “Antiguidades” de Josephus, de 93 d.C., portanto é provável que ele tenha vivido durante ou imediatamente após a suposta época de jesus, mas é notável que nada tenha mencionado sobre ele.

A literatura rabínica seria logicamente o outro lugar para se pesquisar a historicidade de jesus de Nazaré. O Novo Testamento alega que jesus é o cumprimento da profecia judaica sobre o messias, crucificado no dia da Páscoa. Naquele dia, supostamente houve um terremoto em Jerusalém, a cortina de seu templo se rasgou de alto a baixo, houve um eclipse do sol, santos judeus ressuscitaram e andaram pela cidade. Três dias depois, jesus ressuscitou e depois subiu aos céus diante de todos. Algum tempo depois, no dia de Pentecostes, os judeus de várias nações se reuniram e viram o Espírito Santo descer na forma de línguas de fogo; a igreja cristã se expandiu de forma explosiva entre judeus e pagãos, com sinais e milagres acontecendo por toda a parte. Em 70 d.C., Jerusalém foi cercada pelos romanos, que destruíram Israel como nação e dispersaram os judeus.

Ainda que os rabinos não aceitassem jesus como o Messias, o impacto dos acontecimentos volta de jesus logicamente teria sido registrado nos comentários ao Talmud (os midrash). A história e a tradição oral dos judeus registradas nos midrash foram atualizadas e receberam sua forma final pelo rabino Jehudah ha-Qadosh por volta de 220 d.C. Em seu livro “O jesus que os judeus nunca conheceram”, Frank Zindler diz que não há uma única fonte rabínica da época que fale da vida de um falso messias do primeiro século, dos acontecimentos envolvendo a crucificação e ressurreição de jesus ou de qualquer pessoa que lembre o jesus do cristianismo.

Não há locais históricos na Terra Santa que confirmem a historicidade de jesus de Nazaré. Monges, padres e guias turísticos que levam peregrinos cristãos (aceitam-se doações) aos locais dos acontecimentos descritos na Bíblia dificilmente podem ser considerados pessoas isentas. Ainda citando Zindler, “Não há confirmação não tendenciosa desses locais.” Nazaré não é mencionada nem uma vez no Antigo Testamento. O Talmud cita 63 cidades da Galiléia, mas não Nazaré. Josephus menciona 45 cidades ou vilarejos da Galiléia, mas nem uma vez cita Nazaré. Josephus menciona Japha, que é um subúrbio da Nazaré de hoje. Lucas 4:28-30 diz que Nazaré tinha uma sinagoga e que a borda da colina sobre a qual ela tinha sido construída era alta o suficiente para que jesus morresse se o tivessem realmente jogado lá de cima. Contudo, a Nazeré de nossos dias ocupa o fundo de um vale e a parte de baixo de uma colina. Não há “topo de colina”. Além disso, não há nenhum vestígio de sinagogas do primeiro século. Orígenes (182-254 d.C.), que viveu em Cesaréia, a umas 30 milhas da atual Nazaré, também não fala em Nazaré. A primeira referência cidade surge em Eusébio, no século 4. O melhor que podemos imaginar é que Nazaré só surgiu depois do século 2. Esta falta de evidência histórica parece ser a explicação para o fato de não haver nenhuma menção a Nazaré em nenhum registro, de nenhuma origem não cristã. Ou seja, Nazaré não existia no primeiro século.

Não há tempo nem espaço para se falar de outras cidades significativas citadas no Novo Testamento, mas as evidências históricas e arqueológicas quanto a Cafarnaum (mencionada 16 vezes no N.T.) e Betânia, ou o Calvário, são, assim como no caso de Nazaré, igualmente fracas e até mesmo desmentem as Escrituras.

Mentes críticas e objetivas se destacam por procurar confirmação imparcial dos supostos fatos. Quando a única evidência disponível de um acontecimento ou de seus resultados é, não apenas questionável e suspeita, mas também aquilo que os divulgadores do acontecimento ou resultado querem que você acredite, convém desconfiar. O fato é que os escritores judeus não-cristãos, gregos e romanos das décadas que se seguiram suposta crucificação e ressurreição de jesus nada dizem sobre ninguém chamado jesus de Nazaré. Uma pessoa justa sempre estará disposta a analisar novas evidências, mas, 2 mil anos depois, o cristianismo continua tendo tantas evidências imparciais sobre jesus quanto sobre o Mágico de Oz, Zeus ou qualquer um dos muitos deuses-redentores daquela época.

De Volta á Palestina de Jesus


A Palestina no Século I d. C. O objetivo deste texto é procurar reconstruir, em linhas gerais, como estava organizada política, econômica, social e religiosamente a Palestina no século I d.C., momento em que Jesus nasceu e o Novo Testamento foi escrito. Compreendemos que quanto mais conhecermos o cotidiano palestinense neste período, será mais fácil avaliar o impacto da mensagem cristã.

A Palestina é uma estreita área situada entre a África e a Ásia, funcionando como uma espécie de ponte entre estas regiões. Com um território menor que o nosso estado do Espírito Santo, possuía uma superfície de 34.000 Km2 e cerca de 650 mil habitantes. Encontrava-se dividida em áreas menores: Judéia, Samaria e Galiléia, à oeste; Ituréia, ao norte; Gualanítade, Batanéia, Traconítide, Auranítide, Decápole e Peréia, à leste e Iduméia ao sul. Vamos centrar nas regiões situadas à oeste, já que a maior parte dos fatos referentes a vida de Jesus ocorreram neste cenário.

Quadro político e administrativo

A Palestina, durante as vidas de Jesus e de Paulo, foi governada, principalmente, pela Dinastia Herodiana. Contudo, este quadro não é tão simples, já que esta região estava subdividida em outras que, neste período, possuíram formas de governo e administração distintas.

Como sabemos, em 63 a.C. Roma conquistou a Palestina, aproveitando a fragilidade da dinastia asmonéia em crises internas. Hircano, um dos descendentes de Simão Macabeu, foi recolocado ao trono por Júlio César, que institui a Antípatro, ou Antípater, natural da Induméia, como seu procurador. Foi um dos filhos de Antípatro, Herodes, que acabou por fundar a nova dinastia judaica, a dos herodianos, e manter a região independente por mais algum tempo.

Herodes governou entre 37 a 4 a.C. os territórios da Judéia, Samaria, Induméia, Galiléia e Peréia. Estas áreas foram divididas entre seus filhos após a sua morte: Herodes Arquelau herdou a Judéia, Samaria e a Induméia, que governou até 4 d.C. e Herodes Antipas, as regiões da Galiléia e Peréia, de 4 a.C. - 39 d.C.. Este último é, dentre os soberano herodianos, o mais citado no Novo Testamento (Cf. Lc. 3:1; 9:7-9; 13: 31-32; 23: 7-12; Mt. 14: 1-12).

De 6 até 41 d.C, a Judéia, Samaria e a Induméia passaram a ser administradas diretamente por procuradores romanos. Agripa I, neto de Herodes, governou esta região entre 41 a 44 d.C. Após este período, a administração voltou para as mãos dos procuradores romanos.

Os procuradores eram funcionários diretamente ligados ao imperador. Sob este título eram denominados diversos funcionários que possuíam atribuições diferentes. Eles provinham da ordem eqüestre, ou dos cavaleiros, e eram remunerados. Os procuradores palestinos estavam subordinados ao governador da Síria. Entretanto, como representantes diretos do Imperador, detinham poderes civis, militares e jurídicos. Eles residiam em Cesaréia, mas em épocas de festa religiosas se transferiram para Jerusalém, já que, nestas ocasiões, esta ficava apunhada de fiéis.

Faz-se importante ressaltar que as questões internas da comunidade judaica, contudo, mesmo sob a administração romana, eram resolvidas pelo Sinédrio, tribunal presidido pelo sumo-sacerdote e formado por 71 membros (anciões, sumo-sacerdotes depostos, sacerdotes do partido dos saduceus e escribas fariseus), com sede em Jerusalém. Provavelmente instituído ainda no século III aC, no século I dC possuíam atribuições jurídicas: julgavam os crimes contra a Lei Mosaica, fixavam a doutrina e controlavam todos os aspectos da vida religiosa. Em todas as cidades e vilas da Palestina também existiam pequenos sinédrios formados por três membros que cuidavam de questões locais (Mt. 5:25).

Ainda que Roma tenha procurado manter as estruturas locais anteriores à conquista e tenha respeitado a idiossincrasia judaica no tocante à diversos aspectos (cf. Estudo 1), a dominação romana implicou na progressiva romanização e helenização e na cobrança de inúmeros impostos diretos e indiretos.

Neste sentido, face a irreversível ocupação romana na região, surgiram movimentos de resistência armados, como os zelotas. Historiadores, como Flávio Josefo, e o próprio Novo Testamento apresentam indícios de que ocorreram, no período, alguns levantes pontuais contra Roma (Lc. 13;1; At. 5: 36-37, 21:37).

Pouco a pouco grandes parcelas da população foram mobilizadas contra o controle romano, o que resultou no embate militar que durou de 66 a 70 dC e é conhecido como Guerra Judaica. Foi no decurso desta guerra que o Templo de Jerusalém foi novamente destruído e levaram que a política tolerante de Roma em relação aos judeus fosse revista.

Estes acontecimentos marcaram profundamente a judeus e cristãos. Seus reflexos encontram nos textos neotestamentários e foram um fator decisivo no rompimento definitivo entre judeus e cristãos. Com a destruição do Templo, cessaram os sacrifícios. O culto nas sinagogas ganharam importância, sendo dirigidos pelos Rabis fariseus. A Judéia tornou-se província romana, na qual se encontravam duas legiões estacionadas. Contudo, as revoltas não cessaram.

Em 132 a Palestina torna-se palco de nova revolta, agora liderada pelo judeu Simão Bar-Kosba. Esta insurreição resultou numa acentuada baixa demográfica na Palestina. Jerusalém foi destruída e reconstruída como colônia romana, ou seja, ali foram fixados soldados aposentados de diversas origens. Os judeus foram proibidos de entrar na cidade. No local do Templo foi construído um templo pagão.

Organização econômica

Devido a sua posição estratégica, a palestina era uma região de passagem. Por ela circulavam soldados, comerciantes, mensageiros, diplomatas, etc. Esta região possuía importantes centros urbanos, como Cesaréia e Jerusalém, que concentravam pessoas e atividades econômicas. Como em outras áreas do Império, nesta região existiam vias e portos, que facilitavam as comunicações e transporte de mercadorias e pessoas.

Existia, na região, uma incipiente manufatura, especializada na defumação ou salgação de peixes, construção, fiação e tecelagem, produção de artigos em couro, cerâmica, além de um artesanato de produtos de luxo, como perfumes e a extração e tratamento do betume, substância utilizada para a calafetagem dos navios. Além disso, outros ofícios se faziam presentes, principalmente nas grandes cidades, tais como os padeiros, carregadores de água, barbeiros etc.

O comércio, tanto interno quanto externo, também era praticado. O comércio interno, pouco conhecido, consistia-se nas trocas locais e, sobretudo, visava o abastecimento das grandes cidades. Quanto ao externo, importava-se produtos de luxo, consumidos pelas elites e pelo Templo. Por outro lado, exportavam-se alimentos – frutas, óleo, vinho, peixes – e manufaturas, como perfumes, além do betume.

A principal atividade econômica da região, contudo, era a agricultura. Plantava-se trigo, cevada, figo, azeitonas, uvas, tâmaras, romãs, maçãs, nozes, lentilhas, ervilhas, alface, chicória, agrião etc. Além da plantação de alimentos, eram encontrados cultivos especiais, voltados para a produção de manufaturas, como rosas, para a produção de essências para os perfumes.

As atividades de pesca, pecuária e extrativismo também não podem ser esquecidas, devido a sua grande importância econômica. Banhada pelo Mediterrâneo, cortada por rios e possuindo lagos, não é difícil constatar a variedade de peixes e seu papel para o abastecimento interno e até exportação. Quanto a pecuária, a região possuía rebanhos de ovelhas, cordeiros e bois. No campo da extração, além do já mencionado betume, há que ressaltar a variedade de árvores, como o salgueiro, loureiro, pinheiros, das quais se extraía madeira, temperos e essências; certos animais, como pombas; e alimentos, como o mel.

Organização Social

A sociedade palestinense pode ser dividida em quatro grandes grupos socioeconômicos: os ricos, grandes proprietários, comerciantes ou elementos provenientes do alto clero; os grupos médios, sacerdotes, pequenos e médios proprietários rurais ou comerciantes; os pobres, trabalhadores em geral, seja no campo ou nas cidades; e os miseráveis, mendigos, escravos ou excluídos sociais, como ladrões.

Contudo, as diferenças sociais na palestina não se pautavam somente na riqueza ou pobreza do indivíduo, mas em diversos outros critérios, como sexo, função religiosa, conhecimento, pureza étnica, etc. Ou seja, uma mulher, ainda que proveniente de uma família rica, estava numa situação social inferior a de um levita; um samaritano, apesar de ser descendente dos israelitas, devido à miscigenação, era considerado impuro e, socialmente, inferior a uma mulher judia, para citar só dois exemplos.

Instituições religiosas

O Templo foi, até 70 dC, o mais importante centro religioso judaico. Destruído duas vezes, estava sendo reconstruído neste período. As mulheres e os não circuncidados não podiam entrar no interior do Templo. Neste edifício eram realizados os sacrifícios; o sinédrio se reunia; eram armazenadas as riquezas e impostos dirigidos ao Templo, bem como os objetos de culto. Ou seja, o Templo era muito mais do que um local de culto. Sobretudo, era o centro de toda a vida religiosa, econômica e política judaica. Suas atividades e organização revelam os valores e as divisões desta sociedade, onde os sacerdotes e conhecedores da Lei possuem privilégios, só os homens circuncidados são levados em conta e mulheres e gentios são colocados à margem.

Organizando a vida religiosa e os cultos no templo existiam um amplo clero chefiado pelo sumo-sacerdote, que provinham das famílias mais ricas judaicas da palestina. Os sacerdotes, tanto sob o governo dos herodianos quanto dos procuradores, eram escolhidos e destituídos pelos governadores civis. Logo, este posto possuía um marcado caráter político.

O sumo-sacerdote era auxiliado por diversos funcionários, todos provenientes das famílias mais importantes: o comandante do Templo; os chefes das 24 equipes semanais, os sete vigilantes, três tesoureiros.

Além do sacerdote supremo, existiam cerca de 7 mil outros sacerdotes divididos em 24 equipes que se revezavam nos serviços do Templo. Em média, cada sacerdote atuava cinco vezes por ano. Recebiam salário, que provinha dos sacrifícios e do dízimo. A função sacerdotal era hereditária. Ao lado dos sacerdotes, haviam 10 mil levitas, também organizados e 24 equipes. Atuavam como músicos ou porteiros, também cinco vezes ao ano. Não recebiam salários.

As sinagogas também eram centros religiosos, já que nelas se cultuava a Deus e era estudada a Lei, tal como ocorre ainda hoje. Nelas, qualquer judeu poderia ler e fazer comentários à Lei, o que não ocorria na prática, função que acabava controlada pelos especialistas nas escrituras, os escribas e rabis farisaicos.

As festas religiosas também possuíam um papel destacado na vida judaica. Nestas ocasiões o povo se reunia em Jerusalém e celebrava a intervenção divina em sua História. Mais do que um momento de comemoração, tais datas serviam para perpetuar a memória e as tradições do povo. Três festas eram consideradas mais importantes: a Páscoa, que recordava a libertação da escravidão no Egito; Pentecostes que ocorria na época da colheita e recordava a Aliança do Sinai; Tendas, que festeja o próprio Templo.

Outras práticas religiosas judaicas comuns no século I dC eram a circuncisão, a guarda do Sábado, a oração cotidiana, realizada pela manhã e à tarde. Contudo, apesar de uma aparente unidade, o Judaísmo estava subdividido em uma série de facções político-religiosas, que apresentaremos no próximo item.

O Judaísmo no século I

Muitas pessoas pensam no judaísmo do século I dC como um bloco monolítico, uma religião solidamente unificada que o cristianismo dividiu, formando uma religião nova. Entretanto, haviam muitos subgrupos diferentes dentro de judaísmo antigo e o movimento de Jesus era, à princípio, só um deles. Assim, a separação do cristianismo do judaísmo não foi súbita, mas aconteceu gradualmente.

O Judaísmo no tempo de Jesus parecia muito com as divisões internas do cristianismo de hoje. Todos os judeus tinham certas crenças comuns e praticaram alguns aspectos da religião: eram monoteístas, praticavam a lei de Moisés, circuncidavam-se, etc. Porém, os diferentes grupos judeus debatiam e discordavam entre si sobre muitos detalhes, tais como as expectativas sobre o Messias, os rituais e as leis de pureza, sobre como viver sob a dominação estrangeira.

Para entendermos o Novo Testamento mais completamente, especialmente como a vida de Jesus é apresentada nos Evangelhos, nós precisamos conhecer a variedade dos grupos judeus que existiram no primeiro século.

Josefo, historiador judeu do primeiro-século, descreve três grupos principais com suas filosofias ou modos de vida: os fariseus , Saduceus, e Essênios. Ele também menciona vários outros grupos políticos e revolucionários judeus ativos no primeiro século d.C., especialmente durante a primeira Guerra contra Roma (66-70 d. C.). O Novo Testamento menciona os Fariseus e Saduceus, além de vários outros grupos identificáveis a partir da pequenas menções. São estas informações que nos permitem reconstruir tais partidos político-religiosos.

A seguir, vamos apresentar os principais grupos e suas características:

1- Fariseus

Os fariseus formavam um grupo ativo, numeroso e influente na Palestina desde o século II a.C.. O termo Fariseu provavelmente significa, em hebreu, separado e se refere à observância rígida das leis e tradições por parte dos membros do grupo (Lc. 18:10-12). Seus líderes eram chamados de rabinos ou professores, tal como Gamaliel, já que se dedicavam a estudar e comentar as escrituras (Atos 5:34; 22:3).

Os Fariseus aderiram e defendiam a observância rígida do sábado sagrado, dos rituais de pureza, do dízimo, das restrições alimentares, baseando-se nas Escrituras hebraicas e em tradições orais mais recentes (Mc. 7:1-13; Mt. 15:1-20). Se opunham à romanização e à helenização. Seus maiores rivais políticos e religiosos foram, durante muito tempo, os Saduceus, principalmente devido a postura pró-roma deste grupo. Esta rivalidade, contudo, não os impedia de unirem-se em alguns momentos em que os objetivos faziam-se comuns.

Em sua maioria, os fariseus eram leigos, ainda que entre eles fossem encontrados alguns levitas e membros do Sinédrio (Atos 5:34). Consideravam-se sucessores de Esdras e dos primeiros escribas. Eram os freqüentadores das sinagogas e buscavam divulgar a interpretação da Lei escrita e oral.

Em contraste com os Saduceus (Mc. 12:18-27), os Fariseus acreditavam na ressurreição dos mortos, no livre arbítrio do homem, na onipresença de Deus, no papel da Lei como um freio para os impulsos negativos dos homens (Atos 23:1-8). Os Evangelhos os retratam como os principais oponentes de Jesus (Mc. 8:11; 10:2) e que teriam conspirado junto com os herodianos para matá-lo (Mc. 3:6). Por outro lado, Jesus dirige algumas críticas severas contra a hipocrisia e cegueira do Fariseus (Mt. 23; Jo. 9). Contudo, em termos teológicos, cristãos e fariseus concordavam em alguns aspectos, o que explica o grande número de fariseus que acabaram por tornar-se cristãos (Atos 15:5). Paulo, antes de converter-se ao cristianismo, era um fariseu (Fil. 3:5; Atos 23:6; 26:5).

Mesmo após a Guerra Judaica, os fariseus permaneceram ativos. Como, dentre as seitas de então, não foi eliminado, passou a dirigir o Judaísmo e a rivalizar com os cristãos.

2- Saduceus
Os saduceus formavam outro grupo proeminente de judeus na Palestina entre os séculos II a.C. ao I d.C. . Não se sabe ao certo a origem da palavra Saduceus. Alguns crêem que vem do hebreu saddiqim, que significa íntegro ou derivado de Zadok, nome do mais importante sacerdote durante o reinado de Davi (1 Reis 1:26). Organizaram-se no período da dinastia asmonéia, momento de prosperidade política e econômica. Eles eram um grupo formado pela elite, principalmente proveniente das famílias da alta hierarquia sacerdotal. Provavelmente era menor, mas mais influente que os Fariseus. Sua influência, porém, era sentida sobretudo entre os grupos governantes ricos.

Seguiam somente as leis escritas, presentes na Bíblia hebraica (a Torah), e rejeitavam as tradições mais novas. não acreditavam em vida depois de morte (Mc. 12:18-27; C. 20:27); em anjos ou espíritos (Atos 23:8) ena Providência Divina. Eram altamente ritualistas e só aceitavam os cultos realizados no Templo onde, acreditavam, Deus estava. Possuíam um papel preponderante no Sinédrio e controlavam as atividades e riquezas do Templo (Atos 4:1; 5:17; 23:6).

Rejeitaram os ensinos do Fariseus, especialmente as tradições orais e as tradições mais novas. Além dos fariseus, rivalizavam com os Herodianos, porém, eram simpáticos à romanização e à helenização. Os Evangelhos os retratam freqüentemente junto com o Fariseus como oponentes de Jesus (Mt. 16:1-12; Mc. 18:12-27). Com a destruição do templo e a efetivo domínio romano, esta seita acabou por desaparecer.

3- Essênios
Os essênios formavam um grupo minoritário que estava organizado como uma comunidade monástica em Qumram, área localizada perto do Mar Morto, desde o século II a.C. até o século I d.C, quando em 68 foram eliminados pelos romanos durante a Guerra Judaica. Alguns crêem que o nome essênios deriva do grego hosios, santo, ou isos, igual, ou ainda do hebraico hasidim, piedoso. Ou seja, não há consenso. Sua origem pode estar associada à era macabéia, quando um grupo, liderado por um sacerdote, teria fundado a comunidade. Eles rejeitaram a validez da adoração de Templo, e assim recusavam-se a assistir os festivais ou apoiar o Templo de Jerusalém. Eles consideraram os sacerdotes de Jerusalém ilegítimos, desde que não fossem Zadokites, ou seja, descentes de Zadok, dos quais eles próprios se viam como descendentes.

Eles viviam em regime comunitário com exigências rígidas, regras, e rituais. Provavelmente também praticavam o celibato. Esperaram que Deus enviasse um grande profeta e dois Messias diferentes, um rei e um sacerdote. O objetivo dos essênios era manterem-se puros e observar a lei. Praticavam um culto espiritualizado e sem sacrifícios e possuíam uma teologia de caráter escatológico. Dentre os ritos observados, estava a prática do batismo por imersão periódico, como forma de purificação. Eles interpretavam a Lei de forma literal e produziram diversos textos que foram considerados, posteriormente, apócrifos, como a Regra da Comunidade.

Os essênios não são mencionados no Novo Testamento. Contudo, alguns estudiosos pensam que João Batista e o próprio Jesus estavam associados a este grupo, mas uma conexão direta é improvável.

4- Herodianos
Os herodianos formaram a facção que apoiou a política e o governo da família dos Herodianos, especialmente durante o reinado de Herodes Antipas, que governou a Galiléia e Peréia durante as vidas de João Batista e de Jesus.

No Novo Testamento são mencionados só duas vezes em Marcos e uma vez em Mateus. Em Marcos 3:6, como já assinalamos, eles conspiram com os Fariseus para matar Jesus, quando este iniciava o seu ministério na Galiléia. Em Marcos 12:13-17 e Mateus 22:16 eles figuram, novamente unidos a alguns Fariseus, tentando apanhar Jesus com uma pergunta sobre o pagamento de impostos ao César. Alguns autores acreditam que as referências neotestamentárias aos amigos e funcionários do tribunal de Herodes também estão relacionadas aos herodianos (Mc. 6:21, 26; Mt. 14:1-12; 23:7-12). Esta seita desapareceu com o efetivo domínio romano na região palestina.

5- Zelotes
Os zelotes eram um grupo religioso com marcado caráter militarista e revolucionário que se organizou no I século d.C. opondo-se a ocupação romana de Israel. Também foram conhecidos como sicários, devido ao punhal que levavam escondido e com o qual atacavam aos inimigos.
Seus adeptos provinham das camadas mais pobres da sociedade. À princípio, foram confundidos com ladrões. Atuaram primeiro na Galiléia, mas durante a Guerra Judaica tiveram um papel ativo na Judéia.

Os zelotes se recusavam a reconhecer o domínio romano. Respeitavam o Templo e a Lei. Opunham-se ao helenismo. Professavam um messianismo radical e só acreditavam em um governo teocrático, ocupado por judeus. Viam na luta armada o único caminho para enfrentar aos inimigos e acelerar a instauração do Reino de Deus.

Um de discípulos de Jesus é chamado de Simão, o Zelote em Lucas 6:15 e Atos 1:13. Alguns autores apontam que ele poderia ter pertencido a um grupo revolucionário antes de se unir a Jesus, mas o sentido mais provável era de " zeloso " na sua acepção mais antiga.

6- Outros grupos
Além dos grupos político-religiosos aqui representados, não podemos deixar de mencionar os outros segmentos que participavam do cenário religiosos judaico no I século: os levitas, como vimos no estudo anterior, que formavam o clero do Templo de Jerusalém e que eram os responsáveis pelos sacrifícios e pelos cultos; os escribas, hábeis conhecedores e comentadores da Lei; os movimentos batistas, seitas populares que mantinham as práticas de batismo de João Batista, dentre outros.

Quando Jesus Cristo iniciou sua pregação foi visto como mais um dentre os diversos grupos que já possuíam interpretações próprias da lei. Contudo, a mensagem de Cristo mostrou-se revolucionária, chegando a formar uma nova religião. Jesus soube colocar o homem acima da Lei e das tradições e proclamou que qualquer mudança só poderia se iniciar a partir do coração do homem que, pela fé em seu sacrifício salvador, era restaurado.

Conclusão

A Palestina no século I dC era um grande mosaico de povos e costumes. Dominados por Roma, os judeus, maioria da população, acabaram por revoltarem-se, o que redundou no efetivo domínio romano. Área produtiva, a maior riqueza da região, contudo, era a sua privilegiada posição estratégica. Cada vez mais influenciada pela cultura romano-helenística, o judaísmo resistia, mantendo suas práticas e instituições, mesmo que excluindo a alguns grupos. Ao final do século I, com a Guerra Judaica e a extinção da grande maioria das seitas judaicas, o judaísmo acabou por gerar uma religião autônoma, o cristianismo, e a passar por um processo de cristalização farisaica.

terça-feira, 15 de junho de 2010

O Taumaturgo Apolônio de Tyana

Nascido entre 1 e 10 d.C. em Tyana, na Capadócia, Turquia, ou na Ásia Menor como era conhecida à época, Apolônio de Tyana teve pais aristocratas e viveu entre sacerdotes, líderes e imperadores, questionando-lhes a ética e a desonestidade. No Egeu, aos dezesseis anos instruiu-se nos mistérios pitagóricos. Deixou o Egeu dez anos depois e dirigiu-se à Índia, quando no caminho, provavelmente entre 41 e 54 d.C. na Pérsia, conheceu seu discípulo Damis (“Vamos juntos” – dissera Damis. “Tu seguirás a Deus e eu a Ti”). Passou pela Babilônia, Tróia, Chipre e Grécia onde se iniciou nos mistérios de Elêusis (ver adiante em “Os Ensinamentos de Platão”). Em 66 d.C., já em Roma, tentou introduzir, junto com o Papa Lino, reformas religiosas, mas fugiu de lá devido às perseguições de Nero. Viajou para a Espanha, África do Norte e Alexandria, no Egito.

Em todos os lugares procurou reformar as práticas religiosas, principalmente o derramamento de sangue de seres vivos. Perseguido, acusado, preso e acorrentado pelo Imperador Domiciano, em 93 d.C., soltou a sua perna do corpo e a recolocou de volta, livre das correntes, e disse a seu discípulo: ”Estás vendo a liberdade que tenho, portanto peço-te que não desanimes”. No seu julgamento não lhe foi permitido defesa, e disse a Domiciano: “Nem mesmo tua lança mortal pode matar-me, pois não sou mortal”, e desapareceu do tribunal. Em 96 d.C., em Éfeso, teve uma visão do assassinato de Domiciano, após o que encaminhou seu discípulo de volta a Roma e desapareceu misteriosamente. Teria morrido com 80 ou 100 anos

Apolônio de Tyana viveu na mesma época de Jesus. Era famoso e reconhecido como o maior filósofo do mundo greco-romano, não apenas durante o século I, mas até o século V. Seu busto encontra-se hoje no Royal Bourbon Museu em Nápoles, Itália. O Imperador romano Caracalla (211-217) construiu uma capela em sua homenagem e o Imperador seguinte, Severo, colocou a estátua de Apolônio em sua residência, entre seus objetos religiosos. Quando o Imperador Aureliano (270-275) estava sitiando Tyana teve uma visão de Apolônio e suspendeu o sítio, salvando assim muitas vidas. Posteriormente Aureliano dedicou-lhe um templo.

Não se conhece nenhuma estátua antiga de Jesus, ou templos que se lhe tivessem sido dedicados antes de 300 d.C., mas a vida e os ensinamentos de um homem tão poderoso como Apolônio podem ter influenciado os princípios da Igreja Cristã e até mesmo o teor dos Evangelhos. Hoje em dia, quase um ilustre desconhecido, não há como avaliar sua influência na história bíblica e sua biografia não registra qualquer encontro com Jesus ou qualquer de seus discípulos, embora um de seus discípulos, Lucius de Cirena, fosse conhecido como Lucius, Lucas ou Luke, devido às diferentes línguas em que era escrito – o evangelho de Lucas é considerado o mais detalhado dos evangelhos.

Jesus de Nazaré, um judeu da Galiléia, teria nascido em 6 a.C., quando Roma dominava a Palestina e Augusto era o imperador. Embora historiadores contemporâneos a Jesus, como Plínio, o Moço (61-114), que cita João Batista, Herodes e Pilatos, aparentemente nunca tenha ouvido falar dele, ou pelo menos não o tenha considerado digno de menção, Tácito (56-120) faz referência a um homem chamado Cristo, que foi crucificado por Pôncio Pilatos no reinado de Tibério, Suetônio (65-135) cita alguns judeus seguidores de Cresto em sua obra “Os Doze Césares” e Flavius Josephus (37-100) também o cita em sua obra “Antigüidades Judaicas” (XVIII, 4), embora alguns autores suspeitem que o parágrafo tenha sido interposto à obra a posteriori. Escritores judeus, como Justo que vivia em Tiberíades próximo a Cafarnaum, ou Fílon de Alexandria (20 a.C. -40 d.C.), um grande entendido em assuntos bíblicos e seitas judaicas, em suas extensas crônicas, nada citam sobre Jesus.

Incrível é a similaridade dos feitos de Apolônio de Tyana e os de Jesus. Vestindo-se com túnicas brancas, usava cabelo longo e andava descalço, ensinou a libertação do sofrimento a todos os homens, independente de sua classe social, nacionalidade ou religião. Em geral, ensinava seus discípulos pela manhã e o povo à tarde. Suas curas eram famosas, afastava os maus espíritos, e via o passado das pessoas. Filostrato“É melhor não fazer sacrifício a Deus – não acender fogueiras, não O chamar por nomes que os homens empregam às coisas sensórias, porque Deus é tudo, o Primeiro.... O único sacrifício válido para Deus é a mente sadia do homem e não a palavra que sai da sua boca.... A mente não precisa de coisas materiais para fazer a sua prece. Então para Deus, o Todo-Poderoso, que está acima de tudo, nenhum sacrifício deveria ser feito”. (216 d.C.), erudito romano, cita a realização de inúmeros outros milagres. Por exemplo, em Roma, às vésperas do casamento, uma moça morrera. Durante o cortejo fúnebre, Apolônio fez parar a procissão e, perguntando à morta seu nome, tocou-a, proferiu algumas palavras num sussurro e ressuscitou-a. Lutou contra a escravidão, pregava que o nascimento e a morte eram apenas aparências, condenava os sacrifícios a Deus e as fogueiras ascendidas a Ele:

Foi mencionado pelos primeiros padres da Igreja Católica (como Justino em 160 d.C.) como um líder espiritual do primeiro século da nossa era: “Se Deus é Construtor e Mestre da Criação, como os objetos consagrados de Apolônio têm poder nas ordens da Criação? Pois, como podemos ver, controlam a fúria das ondas e o poder dos ventos, os meandros dos vermes e os ataques de animais selvagens”. São Jerônimo (331-420) chegou a contar uma longa história sobre uma certa luta, travada entre Apolônio e São João, que foi uma verdadeira competição de milagres. Ele descreve minuciosamente a “derrota” de Apolônio.

O primeiro historiador da Igreja Cristã, Eusébio de Cesaréia (263-339), em carta a Hiérocles, admitiu que Apolônio era um homem sábio e virtuoso, mas que não havia provas suficientes de seus feitos (veja Contra Hieroclem) e que, se verdadeiros, não fossem obra do “demônio”. A partir de então a Igreja Cristã passou, com algumas exceções, a associar a sua imagem a um anticristo pagão. Surgiu uma “luta” de Jesus contra Apolônio, na qual Apolônio teria que ser massacrado e esquecido, pois a nova crença não era compatível com dois líderes espirituais similares.

Assim a circulação de suas biografias (inúmeras) foi evitada. Após o Concílio de Nicéia (325 d.C.), em que foram designados quais os escritos eram canônicos, começou a perseguição de todos os escritos que a partir de então foram considerados apócrifos. A sua famosa biografia, feita a mando da mãe do Imperador Caracalla por Flavius Filostratus (Filostrato) em 216 d.C., é raríssima. Ela, Domina Julia, reuniu inúmeros manuscritos sobre Apolônio e, junto com o diário de seu discípulo Damis, deu-os a Filostrato. Preservada secretamente pelos árabes, após a queima da Biblioteca de Alexandria, a obra de Filostrato foi por eles liberada ao mundo ocidental através de sua tradução ao latim, em 1.501. Os dois primeiros manuscritos de Filostrato, publicados em inglês (1.680), foram rapidamente condenados pela Igreja que se prontificou a queimar tantas cópias quantas aparecessem. A única tradução completa para o inglês, feita por E. Berwick em 1.809, foi queimada e perseguida pela Igreja Cristã.
A temerosa comparação de seus milagres com aqueles do Jesus bíblico tornou imprescindível a queima de todos os registros de sua existência, principalmente aqueles dos três primeiros séculos de nossa era, pois mencionavam Apolônio como o grande líder espiritual do primeiro século. Como co-existir dois Jesus?

Há relatos históricos da passagem de um personagem, conhecido como Isa-Masih, em várias partes da Índia (no Bhavishyat Maha-Purana), que os hindus defendem ser o Jesus de Nazaré. Ele teria morrido na Índia com mais de 80 anos. Muitos documentos registram a estada de Jesus (Hazrat Isa) na Pérsia, com suas curas e pregações. O volume I do Farhang-Asafia persa, cita que ele era conhecido como Yuz Asaf, que quer dizer “líder dos purificados” (nome derivado de suas curas a leprosos). Outros livros, como o Ahwali Ahaliau-i-Paras, escrito por Agha Mustafai, confirmam Yuz Asaf e Jesus como sendo a mesma pessoa. A Bíblia Sagrada não fala nada sobre a visita de Jesus a países como Índia ou Pérsia, mas Apolônio de Tyana, que fazia prodígios semelhantes ao Jesus bíblico, esteve nesses lugares.

Os judeus reconhecem um personagem histórico, conhecido como Jeschua Ben Pandira, que viveu por volta de 100 a.C., como o único candidato possível ao Jesus bíblico. Mas na maioria dos relatos tradicionais, Jeschua teria sido apedrejado até a morte e em seguida enforcado, em virtude de sua habilidade em realizar milagres. Para os mulçumanos, Jesus é tido como o último grande profeta de Israel, precursor de Maomé. Conhecido como Issa ou Isa, derivado da palavra síria Yeshu, não teria morrido, mas teria sido elevado aos céus por Alá (Alcorão 4:157-158), enquanto Judas foi crucificado como seu sósia.

Para os que acreditam em reencarnação, fica bem cômodo crer que o Jesus bíblico é a compilação de aspectos da vida do Jeschua judeu e da vida de Apolônio como forma de comprovar definitivamente a existência histórica de Jesus. Grandes Mestres contemporâneos, como Paramahansa Yogananda e Sathya Sai Baba afirmaram que sua existência histórica foi real e toda uma tradição religiosa foi criada, evoluiu e ramificou-se, e não poderia ter sido baseada em fatos ilusórios criados por outrem. Mas a Verdade só será conhecida daquele que a viver pessoalmente, senão será apenas o relato da Verdade conhecida por outrem. Quem conhece o relato da Verdade não conhece a Verdade, pois os relatos da Verdade não são a Verdade.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A Datação dos Evangelhos

1-OS EVANGELHOS CANÔNICOS

O assunto que analisarei a seguir merece toda atenção possível, principalmente, em razão de ter ser um tema desvinculado de qualquer dogma.

No Brasil, sempre se foi complicado fazer teologia:

Primeiro: o estudo sistemático da palavra não é incentivado no meio cristão. Membros de seitas cristãs lêem mais a Bíblia do que os próprios cristãos.

Segundo: a maioria dos teólogos brasileiros necessita do púlpito para se manterem financeiramente. Isso cria um limite doutrinário no qual ele possa trabalhar, pois ele não pode nas suas publicações ir contra aquilo que a sua denominação afirma. E assim a teologia brasileira vai se defasando no decurso do tempo. O estudo acerca do "Jesus Histórico" não pode ser realizado com tendências ou "rédeas" eclesiais.

Terceiro: Existe uma interpretação existencial moderada de Jesus e do Cristianismo.

1.1. ORIGEM E CREDIBILIDADE DOS EVANGELHOS

Em vista da obra ser apoiada em sua maior parte nos evangelhos canônicos, obrigatoriamente, terei que entrar no mérito da credibilidade dos Evangelhos.

Essa problemática não é moderna. Antes do ano 200, no chamado FRAGMENTO DE MURATORI, já existe uma distinção entre quatro pontos sobre a origem e utilização dos "escritos sagrados", os quais estavam em circulação na época, testemunhando as dificuldades que deviam ser superadas antes que se chegasse à nossa distinção entre livros canônicos e livros apócrifos do Novo Testamento. Portanto, a discussão acerca da aceitação de alguns textos como corretos e fidedignos já era ativa antes mesmo do ano 200 d C. O leitor deve estar se perguntando: Então, se já havia uma discussão antiga sobre possíveis adulterações, escritos de falsos autores, etc., então como podemos saber se a Bíblia que lemos hoje é exatamente aquilo que escreveram os autores dos livros bíblicos?

Consideraremos agora quanto à re-escrita desses livros, se foram adulterados com o decorrer do tempo, ou, se devido o número de cópias feitas, sofreram modificações indesejáveis. Ninguém melhor do que o renomado biblista Oscar Cullmann para nos dirimir essa dúvida.

"Não temos documento original do Novo Testamento, mas cópias. Os manuscritos completos mais antigos que possuímos não remontam além do séc IV. Deixando à parte fragmentos mais antigos, cerca de 300 anos, portanto, separam a redação original do texto conservado. Tal espaço de tempo poderia fazer-nos duvidar da autenticidade estrita desses textos. De fato, de cópia em cópia, lograram introduzir-se deformações e impor erros. Contudo, não se deve esquecer que o Novo Testamento, desde que foi reconhecido como Sagrada Escritura, foi recopiado com minuciosidade escrupulosa que inspira o respeito das coisas sagradas. Também é preciso considerar que a distância entre o original e o primeiro texto conservado é, abstraindo de fragmentos, muito menor para os escritos do Novo Testamento do que para os outros escritos da Antiguidade".

Em face das evidências que Cullmann nos apresentou temos de concordar que o que possuímos em nossas mãos hoje reflete na maior parte aquilo o qual constava nos escritos autógrafos. O meu leitor inquiridor deve estar se questionando: Mas se os escritos que possuímos são fidedignos por que há tanta diferença, no relato acerca de Jesus, entre os evangelhos e as cartas paulinas?

Em rápida leitura bíblica, percebemos o evidente contraste entre as epístolas do Novo Testamento e os evangelhos. Notamos nas epístolas paulinas que todos os elementos das biografias evangélicas de Jesus de Nazaré estão omitidos nelas, e que Paulo e outros escritores do cristianismo primitivo, nos apresentam apenas uma figura divina e espiritual de Cristo no céu, revelada por Deus através da inspiração e da escritura. Esse Jesus jamais foi identificado com um homem da história recente. Destarte, quando abrimos os evangelhos, estamos despreparados para a figura de carne e sangue que vive e nos fala através de suas páginas, que andou nas areias da Palestina e morreu no Calvário nos dias de Herodes e Pôncio Pilatos. Em suma: A humanidade de Jesus é totalmente desprezada nas epístolas tanto paulinas quanto as católicas. A única epístola que relata alguma coisa a respeito da humanidade de Jesus é a Epístola aos Hebreus, que nem ao menos sabemos o seu autor. Outra observação importante que podemos fazer é que tanto Tiago quanto Judas (irmãos de Jesus) o mencionam sempre de forma divina e distante. O lógico seria que eles, por serem próximos de Jesus, escrevessem a biografia deste.

Vamos então separar os problemas para então poder entendê-los:

1-Paulo desconhece a vida de Jesus como homem real que viveu na Palestina.
2-Os livros de Tiago e Judas, irmãos de Jesus, não apresentam nada acerca da vida de seu irmão: o que ele fez, como ele era, o que pensava, etc.
3-A epístolas aos Hebreus é aquela que demonstra um pouco mais da humanidade de Jesus.
Por que isso acontece? Qual explicação pode-se fornecer ao leitor da Bíblia que constata essa característica na primeira leitura? Daremos uma resposta evasiva? Justificaremos afirmando que a Inspiração dada pelo Espírito Santo achou melhor que assim fosse? Não seremos simplistas nesta obra, iremos buscar a verdade dos fatos, aquilo que é chamado no Processo Penal de "verdade real".

Primeira questão: Não significa que, sendo do desconhecimento de Paulo, não se possa existir em comunidades isoladas, como no caso da "crença do nascimento virginal", textos ou tradição oral acerca da vida de Jesus. Entretanto, é muito difícil crer que essa lenda não tenha sido criada pelos judeus-cristão em razão da batalha apologética contra seus compatriotas ou talvez na necessidade de conversão de judeus ao cristianismo. Mais difícil ainda é que tal tradição ou fragmentos de textos existissem antes dos martírios de Paulo e Pedro. Podemos até pensar que a tradição oral, o "Q" e qualquer outra fonte da vida terrena de Jesus tenha somente existido após o ano 70 d.C.

Segunda questão: Tiago e Judas eram totalmente envolvidos com a Igreja de Jerusalém, altamente influenciada pela "seita dos fariseus". Isso faz com que esses escritores estejam em total consonância com o pensamento judaizante, que não se interessava por uma vida terrena de Jesus. Percebemos, nos evangelhos a dura crítica lançada por Jesus aos fariseus, o relato do julgamento, entre outros fatos que constam no relato da sua vida que não interessava os judaizantes mencionar. Essas epístolas provavelmente foram escritas antes da destruição do templo. Essa é uma explicação, talvez forçada demais, seria mais facilmente explicado que essas cartas nem ao menos foram escritas pelos irmãos de Jesus e sim por alguma escola cristã da Palestina. Tiago parece mais uma adaptação da sabedoria judaica do que um texto cristão. Vejo que destoa totalmente da teologia da justificação pela fé de Paulo e indo totalmente contra os princípios de Jesus, onde o ser humano também era justificado pelas obras. Se assim fosse os judeus também estariam salvos. É nítida a influência da "seita dos fariseus". Judas e Tiago podem realmente ser textos muito tardios, contudo, é evidente a imitação que fazem do estilo literário da época.

Terceira questão: O livro de Hebreus foi escrito por volta do ano 70 d.C., logo após as cartas paulinas serem escritas. Podemos notar no texto uma transição da Teologia Paulina a Evangelística. Como assim? Podemos acreditar que esse texto é a primeira tentativa de se confeccionar um Evangelho. Por que?

A) O autor desse texto não indica a autoria, como o faz os evangelhos.

B) A data de sua escrita (por volta do ano 70 d.C.) nos mostra uma tendência à questão histórica de Jesus. Podemos perceber isso na confecção do livro de Marcos na mesma época.

C) O texto da "epístola aos Hebreus" apresenta muitas citações do Antigo Testamento, foi escrito como o próprio título do livro diz "aos Hebreus".

D) Esse livro traz as primeiras noções que podem nos levar a sentir que realmente Jesus viveu como um homem, na Palestina, sob um período de tempo, modificando os que entraram em contato com ele, nesse determinado período histórico. Não se torna um Evangelho, propriamente dito, em razão de possuir ainda como característica principal, a apresentação de Jesus como um ser divino, espiritual e distante.

Contemplemos as passagens desse livro:

"Por essa razão era necessário que ele se tornasse semelhante a seus irmãos em todos os aspectos, para se tornar sumo sacerdote misericordioso e fiel com relação a Deus, e fazer expiação pelos pecados do povo" (Hb 2.17).

"Pois não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado" (Hb 4.15).

"Durante os seus dias de vida na terra, Jesus ofereceu orações e súplicas, em alata voz e com lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, sendo ouvido por causa da sua reverente submissão" (Hb 5.7).

"Da mesma forma, como o homem está destinado a morrer uma só vez e depois disso, enfrentar o juízo, assim também Cristo, foi oferecido uem sacrifício uma única vez para tirar o pecado de muitos; e aparecerá segunda vez, não para tirar o pecado, mas para trazer a salvação aos que o aguardam" (Hb 9.27,28).
A epístola aos Hebreus traz "pistas" acerca da humanidade de Jesus, contudo, apresenta com mais transparência que as epístolas paulinas. Seria na verdade, um texto de transição entre o modo literário epistolar para o modo evangelístico.

Historiadores estão cada vez mais próximos de compreender como e quando os evangelhos foram escritos. Os nomes, Mateus e João são aceitos como descrições posteriores; os autores reais são desconhecidos (exceto Lucas e talvez Marcos). O que "Marcos" escreveu primeiro foi seguido de "Mateus" e "Lucas", com mais material adicionado (abordaremos cada evangelho separadamente nos itens a seguir).

A precoce escrita de Marcos traz alguns problemas. Esses problemas são mais enfatizados pelo fato de existir concordância em palavras entre Lucas e Mateus, mas diferenças nas passagens similares contidas em Marcos. Esses problemas foram solucionados por outra descoberta: cada um dos evangelhos canônicos é o resultado de uma história inicial de escrita e re-escrita, incluindo adições e exclusões. Na verdade, Mateus e Lucas, eram escritores independentes e provavelmente desconheciam um ao outro, e usaram uma edição (ou mesmo edições) primitiva de Marcos.

Há muito se foi à visão antiga e piedosa de que os quatro evangelhos eram relatos independentes e corroborativos. Em seu lugar, suas fortes similaridades são o resultado de cópia. Isso significa que para a base da história da vida de Jesus e sua morte são dependentes de uma única fonte: quem quer que tenha produzido a primeira versão de Marcos. Naturalmente, essas fontes podem ser inúmeras: missionários cristãos, supostamente guiados pelos doze apóstolos, disseminados pelo Império; transmissões orais que mantiveram viva e constantemente revitalizadas as histórias das palavras de Jesus e seus feitos e versões escritas dessa história devem ter surgido em vários centros, verdadeiramente independente e notavelmente divergentes.

1.2. QUANDO FORAM ESCRITOS OS EVANGELHOS?
1.2.1. AS CONSIDERAÇÕES A SEREM FEITAS PARA UMA DATAÇÃO APROXIMADA DOS EVANGELHOS.

O renomado arqueólogo Willian F. Albright observou o seguinte:

"Em minha opinião, cada livro do Novo Testamento foi escrito por um judeu batizado entre os anos quarenta e oitenta do primeiro século A D.".

Quando os evangelhos, ou suas primeiras versões foram escritos?

As datas atribuídas a Mateus e Lucas (e mesmo João), são influenciadas pela figura que eles apresentam da "divisão de caminhos" entre o cristianismo e a cultura judaica estabelecida (estudaremos o distanciamento dos escritos da influência judaica, posteriormente) ou a melhor datação se dá em vosta da necessidade apologética de cada época do cristianismo. Analisaremos no momento, a segunda por se tratar de teoria mais fundamentada nos textos bíblicos. O meu leitor deve estar querendo saber afinal quando os três evangelhos foram confeccionados. Partirei primeiro da questão do silêncio dos pais apostólicos quanto a estes evangelhos. Segundo; iremos analisar a datação correta de cada evangelho de acordo com a necessidade apologética. Terceiro, iremos analisar a partir do texto bíblico o porquê da omissão dos apóstolos em escrever uma biografia do seu mestre.

1.2.2. A QUESTÃO DO SILÊNCIO DOS PAIS APOSTÓLICOS.

Quando os evangelhos começaram a surgir nos escritos cristãos, grandemente documentados? Se Marcos foi escrito por volta de 70, e todos os quatros estavam escritos por volta de 100, porque nenhum dos primeiros padres - Clemente de Roma, Inácio, Policarpo, o autor da Epístola de Barnabás - que escreveram entre 90 e 130, citaram ou se referiram a qualquer um dos evangelhos? Como pode Inácio (por volta de 107), que se esforçou tanto para convencer seus leitores de que Jesus realmente nasceu de Maria e morreu sob Pilatos, de que ele havia sido um verdadeiro homem que sofreu, como ele não pode apelar a algumas passagens dos evangelhos como verificações de tudo isso, se ele realmente conhecesse algum evangelho?

Como vimos acima, somente o evangelho de Marcos e os textos Q poderiam existir por volta do ano 70 d.C., entretanto, estes não eram centralizados, os pensamentos eram diversos e principalmente; eles não circulavam dentre os cristãos. Eles estavam limitados ao uso nas comunidades de origem. Podemos notar isso analisando o objetivo pelo qual foram escritos esses evangelhos. Contemplemos a concisa explicação do reconhecido do Dr, Charles C. Ryrie:

"A rápida expansão do cristianismo acelerou a necessidade de registros escritos da vida de Cristo. Além disso, à medida que as principais testemunhas e personagens da história de Cristo começaram a morrer, aumentou a necessidade de registros do que eles haviam visto, ouvido e experimentado. Estes evangelhos escritos eram para evangelizar, catequizar novos convertidos e, provavelmente, faziam parte do culto cristão primitivo".

À época da pregação de Paulo, absolutamente, seria um erro afirmar em uma escrita dos Evangelhos. Portanto, nos resta verificar após o martírio de Paulo e Pedro, quando se iniciou a elaboração destes textos. A ordem cronológica dos livros do Novo Testamento, na Bíblia a qual utilizamos no dia-a-dia é quase que inversa a disposição real delas no tempo. As epístolas de Paulo foram as primeiras a serem escritas. Logo depois se tem a elaboração da Primeira Carta de Pedro, em seguida Tiago. No final dessa fase encontram-se as epístolas joaninas, de Judas e o apocalipse. Essa fase eu denomino fase inicial do cristianismo (do pentecostes até a destruição do templo).

Percebemos, nessa fase, facilmente o desinteresse da comunidade primitiva na escrita de uma biografia de Jesus. A preocupação era a evangelização e expansão do nascituro cristianismo. Assim como Paulo, a maioria dos pais apostólicos também tratou Jesus como ser unicamente divino, sendo então colocado em segundo plano o Jesus da História, o Jesus humano, não interessando, portanto, os escritos dos evangelísticos. A estrutura literária era a epistolar e sua autoria era especificada pelo próprio documento.

Portanto tem razão Bultmann em desconsiderar o estudo acerca do Jesus histórico em uma Teologia do Novo Testamento, esse assunto não era o escopo do Cristianismo, e sim, é agora dos historiadores. Após a fase inicial, com a perda sofrida pelos cristãos, devido à morte de Paulo e Pedro, logo verificou-se a importância de se fazer um relato apologético do cristianismo - tem-se também a influência negativa dos docetistas. A primeira tentativa de se estabelecer um texto que destacasse a humanidade de Jesus, sem contanto desprezar sua divindade foi verificado na Epístola aos Hebreus. Por que posso afirmar isso?

1) Essa epístola é diferente das demais: não possui o nome do autor destacado no texto (pode ter sido por uma escola);

2) Destaca-se muito pouco a humanidade, entretanto o faz mais do que as demais epístolas;

3) Utiliza-se da estrutura literária até então predominante na época (epistolar);

4) Não faz comentário a destruição do templo (o que nos faz afirmar ter sido escrita antes dos evangelhos).

Somente após a escrita de Hebreus e posterior vista de necessidade de um trabalho mais abrangente e que se deu a escrita de Marcos.

1.2.3. A ESCRITA DO EVANGELHO DE MARCOS, MATEUS, LUCAS E ATOS DOS APÓSTOLOS.

Há fortes argumentos para a hipótese de uma prioridade cronológica de Marcos. Contemplemos as justificativas para tal pensamento:

1-Todo o material de Marcos se acha nos outros dois sinóticos, ou em pelo menos um deles;

2-A ordem dos acontecimentos relatados por Marcos normalmente é seguida pelos outros;

3-O estilo rude e desajeitado de Marcos em relação aos demais evangelhos;

4-Em Marcos encontramos uma teologia mais primitiva do que as dos demais.

Marcos é usualmente datado pelo seu "pequeno apocalipse" no capítulo 13, que nos fala de grandes revoltas e da destruição do Templo, dito como uma profecia por Jesus. Isto tem de ser uma referência, segundo é clamado, a Primeira Guerra Judaica (66-70); assim, Marcos teria escrito nessa época, ou pouco mais tarde. Mas mesmo Marcos, presumivelmente, teve de procurar por fontes de informações, e alguns pensam que seu Pequeno Apocalipse pode ser originalmente uma composição judaica (sem referências a Jesus), que Marcos posteriormente se apossou e adaptou. Ou, se o capítulo 13 é de autoria de Marcos, pode muito bem ter sido desenvolvido em um período posterior, já que outros documentos mostram que essa vívida expectativa apocalíptica persistiu até o fim do século.

Portanto, este evangelho já possui a data aproximada de sua confecção: que foi por volta do ano 70 d C. Em vista deste "evolução" textual dos evangelhos: Hebreus; Marcos e Mateus que constatamos que o volume de informações, os dados e a própria teologia justificam as características de cada Evangelho. Mas, voltando a questão do silêncio dos pais apostólicos quanto aos Evangelhos, já verificamos que Marcos deve ter sido escrito em meados da década de 70 d.C., enquanto Mateus deve ter sido escrito somente na década de 80 d.C. Mesmo assim ainda continuamos com o problema do silêncio dos pais da Igreja. Partiremos para a análise de outra questão fundamental para explicar tudo isso.

Outra questão é o fato do isolamento doutrinal que algumas comunidades se fechavam. Até as cartas paulinas apenas foram divulgadas e se tornado acessíveis algumas décadas depois. Em vista disso, deve ter acontecido o mesmo com os Evangelhos. Alguns pais não devem ter entrado em contato com esses textos que não estavam em circulação no mundo gentio até aquele momento. Como nos mostra Paulo, em sua Carta aos Coríntios, cada comunidade queria possuir sua própria doutrina, todos se achavam por demais sábios e ultra-espirituais.

E por isso demoravam a aceitar um a doutrina estranha e também a ceder uma nova doutrina as demais comunidades. Bornkamm afirma que cada evangelho mostra claramente que foram influenciados por cada comunidade e tradição que vieram, isto é, do seu Sitz im Leben (ambiente criativo). Pode-se acreditar também que estes permaneceram em suas comunidades um bom tempo até começarem a circular no mundo cristão. Isso deve ter apenas acontecido após o ano 100 d.C.

Em vista do que foi exposto acima, possuímos agora uma explicação plausível quanto a não citação por parte dos pais apostólicos dos evangelhos, exceto o de Marcos (como já sabemos foi escrito por volta do ano 70 d C.) Eles não citaram pela razão de não terem ainda entrado em contato com estes escritos que como apoiamos nesse estudo foram confeccionados por volta do ano 90 d C. e, portanto entrado em circulação somente nas décadas seguintes. Como veremos agora alguns entraram em contato com os evangelhos, mostrando que a aquisição desses textos diferia de lugar para lugar.

Eusébio reporta que em sua agora perdida obra escrita por volta de 130, o bispo Papias mencionava duas peças escritas por "Mateus" e "Marcos". Mas mesmo esses não podem ser atribuídos aos evangelistas canônicos, já que Papias os denominou de "divulgadores do Senhor em hebraico", e a carta também soa como se não fossem trabalhos narrativos. Mais do que isso parece que Papias jamais havia visto por si mesmo tais documentos.

Apenas em o Martírio de Justo, escrito por volta de 150, encontramos as primeiras citações identificáveis de alguns dos evangelhos, embora o autor do Martírio, os chame simplesmente de "memórias dos apóstolos", sem qualquer "alusão" primitiva a materiais como os evangelhos. É concebível que os primeiros registros da vida e morte de Jesus poderiam ter sido escritos tão cedo como por volta de 70 (ou mesmo alguma data mais antiga), e mesmo assim o mundo cristão tomou quase um século para receber suas cópias?

Se, por outro lado, a "biografia" de Jesus de Nazaré foi algo incomum, que foi contra grande parte do conhecimento e da fé da época, podemos entender como nas versões mais antigas dos evangelhos, escritas por volta da virada do século, teriam tido apenas um uso limitado e isolado em recriações por ao menos uma geração. Também começa a parecer que Marcos, Lucas e Mateus vieram originalmente de um grupo dessas comunidades interligadas.

Como para os Atos, escritos pelo mesmo autor que escreveu a versão final de Lucas, não há referências a isso antes do ano 170 - mais de um século após a data que era atribuída aos evangelhos! Eles são claramente desconhecidos mesmo para Justo. Alguns, como John Knox, vêem os Atos como uma resposta da igreja de Roma aos gnósticos da metade do segundo século, como Marcion e sua visão das coisas. O autor dos Atos compilou peças-chaves da tradição sobre a primitiva igreja palestina, mas esses fatos tiveram de ser alterados para encaixarem em uma nova linha de acontecimentos. Existem grandes discrepâncias entre Atos e o que Paulo diz em suas cartas. Historiadores foram forçados a admitir que muito dos Atos foram apenas fabricações imaginosas. Com esses descréditos, a verdadeira origem do cristianismo cai em uma penetrante sombra.

Por que apenas um escritor, e ainda no segundo século apenas, decidiu compor a história da origem e desenvolvimento da igreja primitiva? Nenhum outro escritor menciona Pentecostes, a visitação coletiva de Espírito aos apóstolos que, de acordo com os Atos, iniciou todo o movimento missionário. Mas, se ao invés, esse movimento foi dividido e dispersado em diferentes tipos, pouco coordenados e competitivos (como as cartas de Paulo sugerem), expressando uma grande variedade de doutrinas de acordo com o tipo de revelação religiosa de seu tempo, é fácil compreender como um grupo, procurando impor a unidade perdida e dando a si mesmo autoridade, poderia criar seu próprio e único retrato do início do cristianismo.

Essa é uma questão que merece um estudo amplamente detalhado que não pode por mim ser feito agora, entretanto, ficamos com uma resposta pragmática: Lucas escreveu o evangelho por volta do ano 100, mas não escreveu juntamente com Atos (pode também não ter terminado de escrever Atos e outro escritor ter dado término ao seu livro) e sim o enviou a Teófilo separadamente muitos anos após. Teófilo poderia ter juntado essas dois relatos posteriormente.
Concluindo ficamos com as datas da confecção dos evangelhos por volta do ano 90 e não antes como estudiosos conservadores afirmam e querem acreditar.

1.2.4. POR QUE OS APÓSTOLOS NÃO ESCREVERAM SOBRE A VIDA DE JESUS?

Os Evangelhos podem ter sido escritos tardiamente (por volta do ano 100 d.C.), entretanto, os escritos que serviram como base para a confecção dos Evangelhos foram confeccionados logo após a ressurreição de Jesus (a partir do ano 30 d C.).

Apenas após o Jesus lhes "abrir o entendimento" é que se pode dizer de consciência comum no nascente cristianismo. Como assim? Contemplemos o texto bíblico:

"A seguir Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco, que importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então lhes abriu o entendimento para compreenderem as escrituras (Lc 24.44,45)"

Percebemos que só a partir desse momento que os seguidores de Jesus teriam condições intelectuais de confeccionarem os Evangelhos. Isso não quer dizer que logo que Jesus lhes "abriu o entendimento", eles já começaram a escrever os Evangelhos! Não pode não ter sido assim. Os apóstolos estavam preocupados principalmente com a difusão do evangelho e só depois, vista a necessidade, é que se pensou no registro dos atos e pensamentos de Cristo (esses pensamentos, falas e atos de Jesus estavam sendo transmitidos oralmente, de uma forma bem primária). E quando foram escritos relataram tudo que Jesus viveu? Não. Novamente retornamos ao texto bíblico:

"Na verdade fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creias que Jesus é o Cristo, O filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em meu nome (Jo 20.30,31)".

A Bíblia responde a todas as perguntas que os céticos fazem, retira todas as dúvidas que pairam na mente dos cristãos! É realmente um livro escrito com a supervisão de Deus, vocês não acham? Atentem para o texto bíblico. Não foram registrados todos os atos de Jesus no livro de João. Que isso quer dizer? Existiam mais informações, dados, e atos que Jesus realizara. Havia certamente várias abordagens de diversos ângulos das mais diferentes comunidades cristãs existem à época (como podemos ver no pentecostes). Cada uma enfatizou de uma forma diferente aquilo que cria ser importante na vida e obra de Cristo. Assim que surgiram todos os textos primitivos (ex: o "Q").

No processo de elaboração dos evangelhos cada qual consultou os escritos conforme suas convicções e o fizeram com o fim de padronizar todos os pensamentos em circulação na época, para deste modo protegerem a sã doutrina (aspecto preocupante no início do cristianismo). Será por isso que os quatro Evangelhos são tão diferentes? Absolutamente, os Evangelhos tratam de assuntos diferentes, de forma diferente, e discordam em alguns pontos, pois, são fruto de um trabalho de indivíduos, os quais eram separados "doutrinariamente", pertenciam a comunidades cristãs diferentes, em vista disso, eles não conseguiram conciliar todas as informações (que por sinal eram muitas), vejam novamente o texto bíblico:

"Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos (Jo 21.25)"

1.2.5. A FALTA DE IMPORTÂNCIA DE UMA DATAÇÃO EXATA DOS EVANGELHOS.

Após toda explanação acima surgi uma pergunta: Se não temos certeza da data da escrita dos evangelhos, então não podemos apoiar neles o estudo histórico de Jesus? A fé cristã, definitivamente, não necessita da historicidade dos evangelhos. Quanto à busca do "Jesus Histórico" podemos utilizar os evangelhos pelo fato de serem baseados nas fontes primárias e na transmissão oral, que mesmo com algumas deturpações e exageros, apresentam um bom grau de credibilidade. Como temos uma data aproximada (por volta do ano 100 d C.) já possuímos condições de determinar o contexto no qual está inserido cada evangelho.
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1- O fragmento de Muratori foi o marco inicial da busca da Igreja em distinguir quais livros seriam utilizados pela Igreja. Contudo, Marcião, conhecido pelo seu radicalismo separatista, foi o primeiro a distinguir livros que até então circulavam, acerca do cristianismo. Ele reconheceu apenas as obras gentílicas: o corpus Paulino e o evangelho de Lucas como àqueles livres de adulterações e influências judaicas.

2-Trata-se de um texto latino, extremamente incorreto e muitas vezes de interpretação difícil, descoberto na Biblioteca Ambrosiana por Ludovico Antônio Muratori em 1740.

3-Formação do Novo Testamento, Oscar Cullmann, Editora Sinodal, 8ª edição, 2003. Leitura recomendada para aqueles que almejam ter uma primeira visão da problemática do Novo Testamento.
4- Bornkamm nos esclarece quanto essa acentuada diferença: É verdade que a mensagem fala de uma história particular e não de um evento intemporal e mítico. Paulo pode resumir o evangelho todo em sua frase lapidar: "a palavra cruz" (1 Co 1.18ss). Mas não há nenhum índice de que Paulo tivesse algum lugar especial no seu evangelho para a vida terrena de Jesus antes de sua morte e ressurreição. Não existe nenhuma menção do que contam os Evangelhos, nenhuma palavra sobre a pregação de Jesus ou a aproximação do reino de Deus, nada sobre Jesus expulsando demônios, curando doentes, debatendo com escribas e fariseus ou fazendo comunhão de vida com cobradores de impostos, pecadores e marginalizados. Paulo também nunca menciona as palavras de Jesus ou a oração do Senhor (Bíblia Novo Testamento, Editora Teológica, 3ª edição, 2003, 29,30pp.).

5- Goppelt afirma que para Paulo a ação terrena de Jesus não teria tido a mínima importância.

6- "Os autores dos outros escritos do Novo Testamento podiam ter como óbvio que os seus ouvintes e leitores estava familiarizado com a história de Jesus terreno, de tal modo que não havia necessidade que a ele se referissem com muitas palavras (Bíblia do Novo Testamento, Günther Bornkamm, Editora Teológica, 3ª edição, 2003, 32pp.)". Bornkamm não é adepto deste pensamento, somente o cita em sua obra.

7- Bultmann afirma que o fato de Paulo não conhecer a "lenda do Nascimento Virginal" de Jesus, não prova que ela não estivesse difundida já antes dele em outros círculos (Teologia do Novo Testamento, Rudolf Bultmann, Editora Teológica, 2004, p.181).

8- A dificuldade em se apresentar um relato detalhado sobre a vida de Jesus, como nos informa Bornkamm, sucumbe pelo fato dos cristãos das origens não demonstrarem interesse pela "mera seqüência de fatos históricos nem por descrições dos fatos do próprio Jesus". O interesse deles quando relacionado a Jesus e sua história era somente no caráter salvífico (relato da paixão).

9- A explicação mais plausível para uma não citação de Paulo em suas epístolas da vida terrena de Jesus se concretiza no fato de que o objetivo dos escritos paulinos era catequizar (doutrinar) os cristãos, enquanto os evangelhos procuravam evangelizar (fazer cristãos). Diante disso, nota-se a diferença entre ambos estilos literários e a desconsideração de Paulo da questão histórica de Jesus.

10 - A questão da epístola de Tiago e Judas nos mostra que ambos podem até possuir conhecimento da vida terrena de Jesus, contudo, não expressam em seus escritos. Talvez omitiram esse aspecto da vida do irmão em razão de, na época, não encontrarem muitos olhos atentos a esse tipo de texto.

11 - Como podemos perceber na Introdução a Epístola aos Hebreus da Bíblia de Estudo NVI (São Paulo: Editora Vida, 2003, p. 2091).

12 - Bornkamm afirma que a epístola aos Hebreus não é uma carta. Corrobora nossa opinião que a "Epístola aos Hebreus" não era carta e nem Evangelho. O que era então? Bornkamm diz que ela mais se parece com um tratado doutrinal na forma de sermão. Eu chamo isso de literatura de transição.

13 - Esse texto foi escrito antes da destruição do templo, enquanto Marcos foi escrito após. Hebreus nada afirma sobre esse acontecimento histórico, enquanto Marcos o retrata, no capítulo 13.

14 - O termo grego euaggélion, que se traduz por "evangelho", provém do grego profano. Significava, por exemplo, em Homero e Plutarco, a recompensa dada ao mensageiro por sua mensagem; ou, no plural, as ofertas de ações de graça aos deuses por uma boa nova. Por extensão, veio a designar, em Aristófano, por exemplo, a mensagem propriamente dita e, depois, o conteúdo da mensagem, a boa nova anunciada. Entre os cristãos primitivos, o euaggélion é primeiramente a boa nova da salvação realizada em Jesus Cristo, tal qual é anunciada oralmente pelos apóstolos. Somente mais tarde, o termo se aplica à forma escrita dessa boa nova apostólica. Enfim, chega a designar (por volta de 150 a C.) aqueles escritos do Novo testamento que contam mais precisamente a vida terrena de Jesus Cristo (A Formação do Novo Testamento, Oscar Cullmann, Editora Sinodal, 8ª edição, 2003, p. 15,16).

15 - Cullmann crê que o evangelho de João tenha sido escrito por Lázaro. No item 1.6 iremos abordar o assunto. Já antecipo que a teoria é fantasiosa demais e que defendemos uma data tardia para a escrita desse Evangelho.

[16] Goppelt sabe que nem todos os escritos do Novo Testamento foram formulados por apóstolos (Martin Dreher).

[17] Inácio também não citou Flávio Josefo o que nos leva a concordar em uma posterior adulteração do texto original da obra de Josefo.

[18] Bíblia Anotada, Charles C. Ryrie, Editora Mundo Cristão, 1994, p. 1179.

[19] As que são realmente de Paulo.

[20] Que foi realmente escrito pelo apóstolo João. As epístolas joaninas foram elaboradas pela mesma escola que confeccionou o Evangelho segundo João.

[21] Parece que os Evangelhos foram escritos todos a partir da destruição do templo e que a primeira tentativa de escrever uma obra com o objetivo de firmar a real existência de Jesus (contra a heresia docetista) foi a Epístola aos Hebreus. Esta epístola pode ser uma espécie de transição do Cristo Divino para o Jesus de "carne e osso".

[22] Os docetas foram os maiores responsáveis pela pressão imposta aos cristãos de uma comprovação da real existência de Jesus como homem natural, que nasceu, viveu e morreu como ser humano à época de Pôncio Pilatos. Outras heresias também influenciaram nos Evangelhos.
[23] Günther Bornkamm concorda com a opinião de que cada comunidade tenha incorporado suas próprias experiências, questões e visões na tradição (Bíblia Novo Testamento, Editora Teológica, 2003, p. 51).

[24] A não citação do evangelho de Marcos pelos pais apostólicos é de difícil solução, pode, absolutamente, nos mostrar que esse texto também fora escrito tardiamente, após o ano 100 d. C. Essa NÃO é a minha opinião que como já mostrei creio na data aproximada ao ano 70 d. C. Quanto à datação mais precisa dos Evangelhos, será minuciosamente estudada a seguir, no item relativo ao estudo de cada Evangelho de per si.

[25] A única certeza que possuímos é que os textos já eram correntes antes do ano 150 d C. Pois, há no FRAGMENTO DE MURATORI (já visto anteriormente) citação dos evangelhos de Lucas e João. Sendo Marcos reconhecidamente escrito antes do ano 70, constatamos agora que, os evangelhos tanto pelo relato desse Fragmento (Muratori) como o relado de Justino, eles já estavam em circulação antes do ano 150 d C. Existe outra evidência forte da data de confecção destes evangelhos (Lucas e João). É o fato de ter sido descoberto o PAPIRO DE RYLANDS (no Egito), contendo alguns versículos de João 18. Este Papiro é datado por volta de 135 d C. Sendo assim, este evangelho estava em circulação já na data deste Papiro.

[26] Solucionamos também o problema de Atos datando Lucas após o ano 100 d.C. e também por admitirmos que existiu um intervalo de tempo na confecção dos dois livros. Atos pode ter sido escrito por volta do ano 150 d.C. Contudo, para isso teríamos que admitir uma segunda autoria, ou seja, uma continuação pos mortum.

[27] Lucas na minha opinião foi o último evangelho a ser escrito, absolutamente, após o ano 100 d C.

[28] Notamos esse fato no prefácio do Evangelho de Lucas: "Visto que muitos houve que empreenderam uma narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram (Lc 1.1)".