Mas, devemos considerar isso como fato? Vamos investigar um pouco o assunto:
A. O que dizer do termo latino crux?
Sobre a descrição da cruz em escritos antigos, temos vários exemplos que mostram qual a forma mais comum, e que foram reunídos pela forista Leiolaia. Aqui faço a tradução dos escritos que ela reuniu, e comento o que está escrito, adaptando os comentários que ela mesma fez destas passagens.
Primeiramente, vamos analisar o uso da palavra latina crux, já que é em Roma que a crucificação com dois postes de madeira, como vimos, se origina. As citações a seguir são de Plautus, Sêneca e Tacitus. Elas mostram que a crux incluia um patibulum ou furca, e que o patibulum era pregado ao poste horizontal. As vítimas carregavam o patibulum antes de sua crucificação e as vítimas estendiam seus braços na crux ou patibulum.
1. Titus Maccius Plautus
Titus Maccius Plautus foi um dramaturgo romano. Acredita-se que nasceu em Sarsina (uma cidade em Úmbria) em 254 A.C., devido a uma notícia de Cícero (Brutus, 60), e morrendo em 184 A.C. Seus escritos são os mais antigos da literatura latina. Suas 21 obras se preservam até os dias atuais, e datam entre 205 A.C e 184 A.C. Ele escreve
“Frateor, manus vobis do. Et post dabis sub furcis. Abi intro–in crucem. – Eu o admito, eu levanto minhas mãos. E depois vocês as prenderão na furca. Prosseguindo para a crux.” (Persa, 295)
Aqui vemos o poste horizontal chamado de furca, que é relacionado com a palavra crux. Em outra obra, o escritor diz:
“Credo ego istoc extemplo tibi esse eundum actutum extra portam, dispessis manibus, patibulum quom habebis. – Eu suspeito que vocês estejam condenados a morrer do lado de fora do portão, naquela posição: mãos estendidas e presas no patibulum.” (Miles Gloriosus, 359-360).
Aqui, Plautus usa a palavra patibulum para se referir ao poste horizontal. A palavra é usada também quando ele escreve
“O carnuficium cribum, quod credo fore, ita te forabunt patibulatum per vias stimulis carnufices, si huc reveniat senex. – Oh, eu aposto que os suspensores te farão parecer uma peneira humana, da forma que eles te espetarão para ficar cheio de furos enquanto te levam pelas ruas com suas mãos presas ao patibulum, assim que o velho voltar” (Mostellaria, 55-57).
Esta última citação mostra o costume de se carregar o patibulum pelas ruas da cidade, antes da crucificação. Plautus ainda cita o patibulum relacionado à crux na seguinte passagem:
“Patibulum ferat per urbem, deinde adfigatur cruci. – Deixe-o levar o patibulum pela cidade, depois o deixe ser pregado à cruz.” (Carbonaria, fr. 2).
Ainda sobre a palavra crux, Plautus diz
“Ego dabo ei talentum, primus qui in crucem excucurrerit; sed ea lege, ut offigantur bis pedes, bis brachia. – Eu darei duzentas moedas para o primeiro homem que carregar minha crux e a levar – na condição que suas mãos e pernas sejam pregadas duplamente”. (Mostellaria, 359-360).
Aqui, é a crux que é carregada. Todas estas palavras foram escritas cerca de 200 anos antes da crucificação de Jesus, e demonstra como os costumes relacionados com a crucificação, que mencionamos antes, já eram praticados.
2. Lucius Annaeus Seneca
Lucius Annaeus Seneca foi um filósofo estóico romano. Nasceu em Córdova, no ano 4 D.C, e morreu em Roma, em 65 D.C. Em seus escritos, encontramos uma descrição da crux composta de duas partes: o suporte (stipitibus) ou poste horizontal, e o patibulum. Ele diz:
“Cum refigere se crucibus conentur, in quas unusquisque vestrum clavos suos ipse adigit, ad supplicium tamen acti stipitibus singulis pendent; hi, qui in se ipsi animum advertunt, quot cupiditatibus tot crucibus distrahuntur. At maledici et in alienam contumeliam venusti sunt. Crederem illis hoc vacare, nisi quidam ex patibulo suo spectatores conspuerent! – Apesar de tentarem se livrar de suas cruzes – aquelas cruzes que cada um de vocês os pregam por suas próprias mãos – ainda eles, quando trazidos para a punição penduram cada um em um simples suporte, mas estes outros que trazem a si mesmos sua própria condenação são esticados por quantas cruzes eles desejarem. Mesmo assim são caluniadores e geniais em amontoar insultos para outros. Eu talvez ache que eles são livres para fazer isto, alguns deles não cuspem de seu próprio patibulum” (De Vita Beata, 19.3).
Sêneca ainda escreve em outro lugar: “….alium in cruce membra distendere…. – outro que teve seus braços estendidos na crux” (De Ira, 1.2.2). Aqui, ele descreve que os braços são estendidos na crux, expressão que ele repete em “….sive extendendae per patibulum manus – …ou suas mãos serem estendidas em um patibulum.” (Fragmenta, 124; cf. Lactantius, Divinis Institutionibus, 6.17), mas aplicando ao patibulum, o que mostra que as duas palavras poderiam se referir à mesma parte do instrumento. Observe outra citação:
“Video istic cruces non unius quidem generis sed aliter ab aliis fabricatas: capite quidam conversos in terram suspendere, alii per obscena stipitem egerunt, alii brachia patibulo explicuerunt. – Lá eu vejo cruzes, deveras não de uma forma, mas diferentemente planejadas por diferentes pessoas, alguns penduram suas vítimas com suas cabeças para o chão, alguns impalam suas partes íntimas, outras estendiam seus braços no patibulum.” (De Consolatione, 20.3)
Nessa citação Sêneca nos mostra que a palavra crux tinha uma ampla gama de significados. O mesmo pode ser visto na passagem:
“Cogita hoc loco carcerem et cruces et eculeos et uncum et adactum per medium hominem, qui per os emergeret, stipitem. – Imagine em sua cabeça a prisão, a crux, a tortura, o gancho e a estaca por onde eles passam diretamente por um homem até que ele se projeta em sua garganta.” (Epistle, 14.5).
Observe mais uma:
“Contempissimum putarem, si vivere vellet usque ad crucem….Est tanti vulnus suum premere et patibulo pendere districtum…. Invenitur, qui velit adactus ad illud infelix lignum, iam debilis, iam pravus et in foedum scapularum ac pectoris tuber elisus, cui multae moriendi causae etiam citra crucem fuerant, trahere animam tot tormenta tracturam? – Eu deveria avaliá-lo como mais desprezível se quisesse viver até a hora da crucificação. Vale a pena se deprimir pelos próprios ferimentos de uma pessoa, e ser pendurado empalado em um patibulum? … Pode algum homem se encontrar desejoso de ser preso à árvore amaldiçoada, há muito fraco, já deformado, inchado com vários tumores no peito e ombros e puxar o fôlego de vida em meio a franca agonia? Eu acho que ele teria muitos motivos para morrer antes de subir na crux.” (Epistle, 101.10-14),
Nessa citação temos mais uma relação entre o patibulum e a crux.
3. Publius Cornelius Tacitus
Publius (ou Gaius) Cornelius Tacitus foi um senador e historiador romano. Tacitus nasceu em 56 ou 57 D.C. e morreu em 117 D.C. Entre seus escritos, encontramos:
“Solacio fuit servus Verginii Capitonis, quem proditorem Tarracinensium diximus, patibulo adfixus in isdem anulis quos acceptos a Vitellio gestabat. – Os tarracenos, contudo, acharam conforto no fato de que o escravo de Verginius Capito, que os traiu, foi crucificado (patibulo adfixus) usando os mesmos anéis que ele recebeu de Vitellius.” (Historia, 4.3).
Aqui, encontramos a expressão patibulo adfixus, clara referência à crucificação. Semelhante a esta, temos:
“Rapti qui tributo aderant milites et patibulo adfixi. – Os soldados colocados para supervisionar o tributo foram capturados e pregados ao patibulum.” (Annals, 4.72) Na citação “…sed caedes patibula ignes cruces, tamquam redddituri. – Ele foi rápido com o massacre e o patibulum, com incêndio e crux.” (Annals, 14.33), crux e patibulum são paralelos de massacre e incêndio.
Várias outras referências ainda são encontradas na literatura. Clodius Licinus (primeiro século A.C.) se refere ao carrasco que iria “prender [as vítimas] ao patibulum(ad patibulos); assim atados eles iriam levá-los pelas redondezas e depois prendê-los à cruz (cruci defiguntur)”. (História Romana, 3; citado em TLL, p. 707 para “patibulum“). Plínio o ancião, como já dito antes, se refere a uma crucificação anual de cães perto do templo de Juventas, prendendo-os a uma furca (furca fixi).(Historia Naturalis, 29.14.57).
Outro escritor romano que um pouco mais tarde aludiu ao patibulum ao qual os prisioneiros eram presos foi Lucius Apuleius (DC 123-170), que fez quatro referências ao patibulum em sua obra Asinus Aureus:
(1) Captão Lamarchus enfiou sua mão em um grande buraco de chave para arrombar uma porta mas Chryseros pegou um grande prego e o martelou na mão de Lamarchus, prendendo-o à porta e o deixando “pregado lá como um pobre infeliz no patibulum” (4.10); (2) Ponderando sobre o tipo de execução que dariam a sua prisioneira, um grupo de ladrões discutia se a queimariam, jogariam-na para as feras ou se a pendurariam em um patibulum (patibulo suffigi), de forma que (3) “ela ficasse no patibulum enquanto cães e urubus comiam suas entranhas” (4.32), mas foi decidido que ela “não deveria ser crucificada (cruces) nem queimada nem jogada às feras” (6.31). Este último texto usa crux intercambialmente com patibulum suffigere. Ainda depois, no terceiro século, Historia Augusta relata que quando o Imperador Celsus foi morto por uma mulher chamada Galliena, “sua imagem foi colocada em uma cruz (in crucem)”, de forma que os espectadores olhassem como se Celsus estivesse fixado em um patibulum (patibulo adfixus)” (29.4).
Por fim, a Vulgata Latina traduz os termos Hebreus por “forca” e “pendurar” com patibulum em Ester 2:23, 6:4 (affigi patibulo), 7:10, 9:13 (patibulis suspendantur), e 16:18.
B. O que dizer da palavra gregra stauros?
O que dizer da palavra gregra stauros? É verdade que stauros originalmente significou um tipo de estaca usada para construir cercas, como atesta a Odisséia de Homero: “Ele fincou estacas (stauros) por todo este caminho e aquele, grandes estacas, foram colocadas juntas, as quais ele fez rachando um carvalho até o centro negro”. (14.11). Thucydides (Historia, 4.90.2) da mesma forma descreve a construção de uma cerca “fixando estacas (staurous)” por um canal, e stauros também foi usado no sentido de “cerca” ou como “pilha” servindo como fundação”. (ex. Herodotus, Historiarum 5.16; Thucydides, Historia 7.25.6-8). Também foi usado para descrever a estaca usada para empalação (compare com o uso feito por Sêneca acima), apesar do termo mais comum ser skolops, exemplo: “…atirem seus corpos em rochas pontiagudas ou os empalem com uma estaca (skolopsi)” (Euripides, Iphigenia Taurica,1430).
Assim, é verdade que stauros significava originalmente estaca. No entanto, não devemos supor que por isto, a palavra jamais agregou outros significados. Sabemos que a crucificação era praticada por Persas, Fenícios e posteriormente por Romanos. Vimos também que uma palavra poderia se referir a vários formatos de instrumentos (ex. Herodotus, Historiarum 9.120; Plutarco, Artaxerxes 17.5). Certamente, o formato do instrumento não vai ser especificado simplesmente através da palavra usada.
Vimos acima, como os romanos formaram a crux compacta baseando-se em outras punições antigas, já no terceiro século antes de Cristo. Resta saber, qual palavra era usada pelos gregos, para se referir a este instrumento de tortura. Vejamos algumas citações em grego sobre o costume romano:
“Toda bagagem caiu nas mãos dos inimigos, e o próprio Hannibal foi feito prisioneiro. Eles [os soldados romanos] imediatamente o levaram para a cruz (stauron), onde Spendius estava pendurado, e depois da inflição de excelentes torturas, tiraram o corpo do último e prenderam Hannibal, ainda vivo, à sua cruz (stauron) e então massacraram trinta cartaginenses dos mais altos cargos perto do corpo de Spendius”. (Polybius, Historiae 1.86.6; o autor viveu entre 200-118 A.C., este evento aconteceu em 183 A.C.)
“Eles encontraram os outros já pendurados em suas cruzes (staurous), e ele já estava subindo em sua cruz (epi bainonta tou staurou). De longe eles gritaram apelos: ‘Misericórdia dele!’ ‘Desça!’ ‘Não o machuque!’. Então o carrasco parou seu trabalho, e Chaereas desceu da cruz (katebaine tou staurou), arrependidamente, pois ele estava feliz por deixar esta vida e infeliz amor.” (Chariton, Chaereas and Callirhoe, 4.3.5-6; escrito no primeiro século AC ou começo do primeiro século DC).
“Muitos homens também, que estavam vivos, eles ataram por um pé, prendendo-os pelo tornozelo, e assim eles os arrastaram e os machucaram, pulando sobre eles, planejando infringir neles a morte mais bárbara… arrastando-os por todas as vielas e becos da cidade… as relações e amigos daqueles que foram as reais vítimas foram deixadas para trás na prisão, foram espancados, foram torturados, e depois de todo o tratamento doentio a qual seus corpos vivos poderiam agüentar, acharam a cruz (stauros), o fim de tudo, e a punição da qual eles não poderiam escapar.” (Filo de Alexandria, In Flaccum 70-72; autor viveu entre cerca de 20 A.C. – 50 D.C.).
“Mas você vai pregá-lo a uma cruz (eis stauron kathélóseis) ou empalá-lo a uma estaca (skolopi péxeis)? Por que Theodorus se importa se ele apodrecerá acima ou abaixo da terra? (Plutarco, Moralia, Ad Vitiositas 499D; autor viveu entre 45-125 DC).
Enquanto os soldados [romanos] estavam cortando sua cabeça, seu tutor [o tutor de Antyllus, filho de Marco Antônio] planejou roubar uma jóia preciosa que ele usava em seu pescoço, e colocá-la em sua bolsa, e depois negou o fato, porém foi condenado e crucificado (anestauróthé)” (Plutarco, Antonius 81.3).
“Eles foram chicoteados com varas, e seus corpos foram feitos em pedaços, e foram crucificados (anestaurounto), enquanto ainda estavam vivos e respiravam. Eles também estrangularam aquelas mulheres e seus filhos que eles tinham circuncidado, como o rei apontou, pendurando seus filhos pelos pescoços assim como eles estavam pendurados na cruz (anestaurómenón). E se fosse encontrado algum livro sagrado da Lei, era destruído, e aqueles com quem era encontrado pereciam também miseravelmente.” (Flávio Josefo, Antiquitates Judaicae 12.256-257; autor viveu entre cerca de 37-100 DC, escreveu cerca de 95 DC; o evento narrado ocorreu em 168 A.C.).
“Agora, aconteceu nesta luta que um certo judeu foi levado vivo, que pela ordem de Tito, foi crucificado (anastaurósai) diante da muralha, para ver se o resto deles se assustaria, e abatia sua obstinação.” (Josefo, De Bello Judaico 5.289; o evento narrado aconteceu em 66-70 DC).
“Nem falhou em sua esperança, pois os mandou montar uma cruz (stauron), como se fosse justamente pendurar Eleazar imediatamente, a visão disto causou um pesaroso sofrimento entre aqueles que estavam na fortaleza, e eles suspiravam veementemente, e choravam por não conseguiriam vê-lo destruído de tal forma.” (Josefo, De Bello Judaico 7.202).
“Por que vocês obedecem à ordem de se submeter ao tribunal? Pois se vocês querem ser crucificados (stauróthénai), esperem e a cruz (ho stauros) virá.” (Epictetus, Dissertationes 2.2.20; autor viveu entre 55-135 DC).
“Ele era escoltado por multidões e recebendo sua fartura de glória enquanto via o número de seus admiradores, sem saber, pobre infeliz, que aqueles homens no caminho da cruz (stauron) ou preso pelo carrasco tem muito mais nos seus calcanhares… É como um homem que prestes a subir na cruz (epi stauron anabésesthai) deve cuidar dos arranhões no seu dedo.” (Luciano, De Morte Peregrini 34.7, 45.5; autor viveu entre 117-180DC).
“Os judeus, de fato, machucaram muito os romanos, mas eles mesmos sofreram muito mais… Estas pessoas Antônio confiou a um certo Herodes o governo, mas Antigonus ele prendeu em uma cruz (stauroi) e o açoitou, uma punição que nenhum outro rei sofreu nas mãos dos romanos, e depois o mataram.” (Cassius Dio, Historae Romanae 49.22.4-6; o autor viveu entre 165-235 DC).
“O pai de Capio levou o segundo escravo pelo fórum com uma inscrição deixando conhecida a razão pela qual ele estava sendo colocado para morrer, e depois crucificou (anastaurosantos) ele.” (Cassius Dio, Historae Romanae 54.3.7-8).
Nenhuma destas referências dizem nada a respeito do formato do instrumento, mas mostra que “stauros” era a palavra mais comumente usada para designá-lo. Como o uso da cruz com dois postes pelos romanos apareceu por esta época, e que não era um formato incomum como nos atesta Sêneca e outros escritores romanos como vimos antes, vemos que stauros significava muito mais que uma simples estaca na até o primeiro século A.C. A citação de Plutarco acima é interessante, pois ele diferencia crucificação com stauros de empalamento com skolops. Porém não apenas stauros foi aplicado à crucificação. Há evidências literárias que indicam que até skolops era aplicado ao instrumento de tortura:
“Muitos do povo foram com Theron enquanto ele era levado, ele foi crucificado (aneskolopisthe) em frente à tumba de Callirhoe e da cruz (staurou) observava o mar”. (Chariton, Chaereas and Callirhoe, 3.4.18).
“Mas este homem não ordenou homens que já pereceram na cruz (stauron) a descer, mas comandou homens vivos a serem crucificados (anaskolopizesthai), homens a quem o próprio tempo deu, senão inteiro perdão, pelo menos uma breve e temporária pausa de sua punição.” (Filo de Alexandria, In Flaccum 84).
“Agora traga o produto das cortes, eu quero dizer aqueles que morreram pelo castigo e pela cruz (aneskolopismenous).” (Luciano, Cataplus 6.18-20).
“Somente os fantasmas daqueles que morreram com violência andam, por exemplo, se um homem se pendurou, ou se teve sua cabeça cortada, ou foi crucificado (aneskolopisthé).” (Luciano, Philopseudes 29).
“Os ladrões de templo não são punidos mas escapam, enquanto homens sem culpa de toda injustiça morrem algumas vezes crucificados (anaskolopizomenous) ou açoitados.” (Luciano, Juppiter Tragoedus, 19).
Note como os dois primeiros textos usam stauros para se referir à crucificação. Veremos adiante que Luciano usa este verbo (anaskolopizoó) ao se referir à crucificação com dois postes.
Como vimos acima, a crucificação romana evoluiu da forma mais primitiva de humilhação, onde o condenado era obrigado a carregar o patibulum. Muito interessante é o fato de que a palavra stauros se referia também ao patibulum, como vemos abaixo:
“Sem mesmo vê-los ou escutando sua defesa ele imediatamente ordenou os dezesseis companheiros de cela a serem crucificados (anastaurósai). Eles foram imediatamente trazidos para fora, acorrentados juntos nos pescoços e pés, cada um carregando sua própria cruz (ton stauron ephere). Os carrascos adicionaram este terrível espetáculo à punição requisitada como um dissuasor a outros que tentarem o mesmo. Agora Chaereas não disse nada enquanto era levado com os outros, mas pegando sua cruz (ton stauron bastazón), Polycharmus exclamou: ‘É sua culpa, Callirhoe, que nós estamos nesta encrenca!’” (Chariton, Chaereas and Callirhoe, 4.2.6-7; escrito no primeiro século A.C. E começo do primeiro século D.C).
“Todo criminoso que é executado deve carregar sua própria cruz (ekpherei ton hautou stauron) nas suas costas.” (Plutarco, Moralia, De Sera Numinus Vindicta 554 A).
“Pois a cruz (ho stauros) é como a morte e o homem que é pregado deve carregá-la antecipadamente. (proteron bastazei)”(Artemidorus Daldianus, Oneirocritica 2.56; escrito no segundo século D.C.)
É possível que toda a crux compacta seja referida aqui, mas é improvável. Várias fontes indicam que a parte vertical era estacionária, fixada no chão antes da chegada da vítima. (ex. Cicero, Verrines 5.66; compare possivelmente com Josephus, Bello Judaico 7.202). Além disto, o peso combinado do patibulum com o poste vertical não poderia ser suportado pelas vítimas. No entanto, não se refere a um simples poste também, que não tem precedentes nas práticas romanas. Por exemplo, Artemidorus que vamos nos referir adiante, foi bem explícito ao dizer que a cruz era composta de duas traves.
Algumas descrições da crucificação por escritores gregos são ambíguas, mas assumem a crux compacta. Epictetus (filósofo estóico do primeiro século D.C) descreve aqueles sendo massageados como “estendidos (ekteinas) como homens que foram crucificados (estauromenoi)” (Dissertationes, 3.26.22). A frase aqui lembra de estender as mãos (dispessis manibus) de Plautus e de estender os braços (membra distendere) e mãos estendidas (extendere manus) de Sêneca, em escritos cristãos posteriores a frase de Epictetus se tornou um clichê para a crucificação na crux compacta. Josefo também dá um relato detalhado do cerco e ataque a Jerusalém em 70 D.C. e menciona que “os soldados por raiva e ódio se divertiam pregando seus prisioneiros com diferentes posturas” (allon allói skhémati, ou “de um estilo a outro”), e seu número era tão grande que espaço não podia ser encontrado para as cruzes (staurois), nem cruzes (stauroi) para os corpos.” (De Bello Judaico 5.451-452). Como poucos tipos de postura são possíveis em uma crux simplex, a passagem é melhor entendida com o uso de uma crux compacta.
Outros escritores são mais explícitos quanto ao formato do stauros. Por exemplo, Artemidorus Daldianu, um profeta pagão que prosperou no segundo século D.C. Cerca de 160 D.C, ele escreveu um manual de interpretação de sonhos chamado de Oneirocritica, onde como vimos acima clama que pessoas que foram condenadas à crucificação deve carregar seu próprio stauros (patibulum, como os romanos chamavam) antes da execução. Ele também fala que o stauros possui duas traves:
Ser crucificado(staurousthai) é próspero para todos os navegantes. Pois a cruz (ho stauros), como um barco, é feita de madeira e pregos, e o mastro do navio lembra uma cruz. (hé katartios autou homoia esti stauró) – (Artemidorus Daldianus, Oneirocritica 2.53).
Assim como hoje, os mastros dos navios consistiam de um alto poste levantado no centro do convés, cruzando com postes horizontais. Na verdade, a palavra latina para nomear estes postes horizontais, antenna também era usada para se referir ao patibulum (ver Insight, Vol. 1, p. 1191). Entalhes em rochas do período mostram como realmente os mastros daquela época se assemelhavam à cruz. (cf. alto-relevo de um barco romano de Sidon na obra de Philip Carrington’s The Early Christian Church, 1957, Vol. 1, p. 129). Em outro lugar, Artemidorus (Oneirocritica, 1.76) menciona que aqueles que são crucificados (staurothesetai) “estendem os braços” (tón cheirón ektasin), uma expressão originada de Epictetus, Seneca e Plautus para se referir ao patibulum.
Outro escritor que se refere explicitamente ao formato do stauros é o satirista Luciano de Samosata, que viveu entre os anos de 120 a 180 DC. Ele escreveu a fábula Julgamento na corte das letras, onde ele relata o julgamento da letra Tau (T). No fim da estória lemos o seguinte:
“Tais são suas ofensas verbais contra o homem; suas ofensas de fato permanecem. Homens choram, e lamentam sua sorte, e amaldiçoam Cadmos com muitas maldições por introduzir Tau na família de letras; eles dizem que foi seu corpo que tiranos pegaram de modelo(somati phasi akolouthésantas), imitaram sua forma(mimésamenous autou to plasma) e moldaram semelhantes pedaços de madeira(skhémati toioutói xula) para crucificar(anaskolopizein) homens nelas, e o vil instrumento até deriva seu nome(eponumian) dele (ex. sTAUros). Agora, com todos estes crimes sobre ele, TAU não merece a morte, senão muitas mortes? De minha parte eu acho que a única coisa a fazer é punir Tau no que é feito com sua própria forma(tó skhemati tó hautou), pois a cruz(ho stauros) deve sua própria existência a Tau, senão o seu nome para os homens (hupo de anthrópón onomazetai) .” – (Lis Consonantium, 12).
Note o uso de anaskolopizoó para se referir à crucificação em uma crux compacta. O texto estabelece, sem sombra de dúvidas, que os termos usados até agora se referiam a este tipo de crucificação.
Finalmente, outra palavra usado para especificar a crucificação é a palavra xulon. Assim como outras palavras já tratadas aqui, xulon aceita uma ampla gama de significados. No grego clássico e koiné, a palavra era usada para se referir a lenha, madeira (Ilíada, 8.507; Thucydides, Historia 7.25.2; Herodotus, Historiarum 1.186), bancos (Demosthenes, 1111.22; Aristophanes, Vespae, 90; Acharnenses, 25), mercado de madeira (Aristophanes, Fragmenta 402-403), e até mesmo como medida de comprimento (Hero, Geometrica 23.4.11). Mas isto não é tudo, pois eventualmente “a palavra passou a significar algo vergonhoso ou desafortunado” (Kittel and Friedrich, Vol. 3, p. 37). Ele passou a denominar vários instrumentos de punição, incluindo pelourinho (Aristophanes, Nubes 592; Lysistrata, 680), tronco onde se prendia os pés e a cabeça do condenado (Herodotus, Historiarum 9.37), uma combinação de ambos (Aristophanes, Equites 367, 1049), e porrete (Herodotus, Historiarum 2.63, 4.180; Plutarch, Lycurgus 30.2). Claramente a palavra significava mais do que um simples pedaço de madeira.
No Novo Testamento, sua variação semântica variava pouco. Foi usada para significar materiais de madeira (1 Coríntios 3:12), árvores (Apocalipse 22:19), instrumento para prender escravos (Atos 16:24), e porretes (Mateus 26:47). Mas muitos escritores cristãos a usaram para definir o instrumento de crucificação romana. Aparentemente há duas razões para isto:
Em épocas pré-republicanas, romanos algumas vezes puniam escravos desobedientes prendendo-os em árvores e os açoitando até a morte (cf. Joseph A. Fitzmyer, CBQ 40: 509, 1978). Ocasionalmente as vítimas eram forçadas a levar o patibulum também. Esta forma de punição foi chamada de arbor infelix ou infelix lignum, e muitos escritores latinos posteriores usaram esta expressão para se referir à crucificação (cf. Livy, Ab Urbe Condita 1.26.10-11; Cicero, Pro Rabirio 4.13; Seneca, Epistle 101.14). Como resultado, a crux compacta se tornou conhecida como arbor ou lignum (ambas palavras latinas se referem à árvore). Isto deve ter influenciado escritores gregos a usarem a palavra xulon para significar o mesmo que stauros.
No entanto, há ainda mais uma explicação. Muitos eruditos acreditam que o uso de xulon no NT e outros escritores judeus contemporâneos surgiu de uma interpretação midráshica de Deuteronômio 21:22-23:
“Se um homem tiver cometido um pecado digno de morte, e for morto, e o tiveres pendurado num madeiro, o seu cadáver não permanecerá toda a noite no madeiro, mas certamente o enterrarás no mesmo dia; porquanto aquele que é pendurado é maldito de Deus. Assim não contaminarás a tua terra, que o Senhor teu Deus te dá em herança.”
É claro que este texto não se refere à crucificação. Mas muitos judeus o acharam relevante quando os romanos introduziram esta forma de punição na Judéia, principalmente tendo os romanos o costume de deixar o corpo apodrecer por dias na cruz (cf. Horace, Epistle 1.16.48; Lucan, Pharsalia 6.543). Assim, isto foi um guia para decidir como a crucificação romana deveria ser entendida legalmente. Significantemente, os Rolos do Mar Morto, datados do primeiro século antes de Cristo, citam Deuteronômio 21:22-23 duas vezes com relação à crucificação romana praticada por judeus helenizados (11QT, 64:6-13; 4QpNah, 3-4:1:1-11; o último texto se refere à crucificação de Alexandre Janneus em 88 A.C., compare com Josefo, Antiquitae 13.14.2, Bello Judaico 1.4.5-6). Similarmente, Paulo aplicou aquela escritura (derivada da LXX que usa xulon para a palavra hebraica “árvore”) à crucificação de Jesus:
“Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro; para que aos gentios viesse a bênção de Abraão em Jesus Cristo, a fim de que nós recebêssemos pela fé a promessa do Espírito”. – Gálatas 3:13,14
De acordo com Max Wilcox, a influência de Deuteronômio pode ser detectada em cada instância que xulon é usada em relação à crucificação. O discurso de Paulo em Atos 13:28-30 tem a aparência de ser uma midrash de Deuteronômio 21:22- 23 (cf. JBL, 96: 92, 1977). Ainda nos evangelhos, os judeus exigiram que Pilatos retirasse os corpos de Jesus e dos ladrões para prevenir que eles ficassem na cruz durante o sábado (João 19:31; cf. Lucas 23:50-54). Tudo isto indica que a percepção judaica sobre a crucificação romana envolvia Deuteronômio 21:22-23. Como resultado, vemos o uso de xulon como sinônimo de stauros é quase exclusivamente feito por escritores judeus (cf. Josephus, Antiquitae 11.246-261; Philo, De Somniis 2.213). Vendo tudo isto, e sabendo do amplo significado que xulon poderia ter, percebemos que esta palavra era usada com o mesmo fim que stauros: indicava o instrumento de duas traves, usado na crucificação romana.