quarta-feira, 14 de julho de 2010

A familiaridade de Jesus com as ciências da magia. Parte III

Continuando, além da passagem em Sanhedin 43a, Professor Geza Vermes cita algumas outras que provavelmente aludem aos ensinos de Jesus, indiretamente, bem como em curas efetuadas em seu nome por um díscipulo Jacó (Tiago) de Kfar Secaniah:

"Uma máxima do Rabi Abbahu de Cesaréia, contemporâneo do século III de Orígenes, refere-se quase com certeza a Jesus: - Se um homem lhe diz "Eu sou Deus, ele esta mentindo. Eu sou o filho do Homem [um ser humanõ] , no final ele vai lamentar [pois como todo ser humano, vai morrer] . Eu vou subir aos céus, terá, mas não vai cumprir (yTaan 65 b). A segunda citação de Jesus aparece no Talmude Babilônico (b Abodah zara 16b-17a) atribuídas a rabis ou Taanaim da passagem do primeiro ao segundo século. O famoso R. Eliezer ben Hircano recorda que um cristão judeu, chamado Jacó de Kfar Seranaya, interpretou "Não trarás a casa de (...) teu Deus o salário de uma prostituta, no sentido de que tal dinheiro só seria adequado à construção de uma latrina para o Sumo-Sacerdote. Quando Eliezer confessou que era incapaz de compreender a explicação Jacó apresentou-lhe uma exegese atribuida a Jesus que aparentemente vinculou Miquéias 1:7 (já que elas [ todas as suas estátuas] foram ajuntadas com o salário da prostituição, tornar-se-ão de novo salário de prostituição", a Deuterônomio 23:19 para chegar a explicação: "De um lugar de corrupção elas vieram, e ao lugar de corrupção elas retornarão". Eliezer ficou impressionado com o talento interpretativo de Jesus, e, por causa disso, foi acusado de heresia e excomungado pelos outros rabis." [1]

Jacó de Quefar Secania (ou Quefar Sama) foi um carismático curandeiro judeu-cristão citado diversas vezes na literatura rabínica. As personalidades os quais ligado sugere que esse Jacó atuou na virada do século I para o século II DC. Jacó prometia realizar curas em nome de Jesus de Nazaré e transmitia seus ensinamentos. Uma história o liga ao Rabino Eleazar Ben Dama e seu tio Ismael ben Elisha. Jacó, em nome de Jesus, quis curar Eleazar, que tinha sido picado por uma cobra venenosa. O Rabi Ismael vetou a oferta. Eleazar, desejando ser curado, tentou argumentar com seu tio, mas morreu antes de conseguir faze-lo [2]

Além dessas prováveis referências a Jesus, existem algumas outras, mais incertas, citadas pelo Professor Craig Evans, Acadia University (Canadá) [3]:

"Rabi Meir costumava ensinar 'Qual o significado (do verso), "Aquele que for pendurado no madeiro é maldito de Deus" (Dt 21:23)? Havia dois irmaos gêmeos que eram parecidos. Um reinava sobre o mundo todo e outro se tornou um ladrão. Após um tempo, o que era bandido foi pego e então crucificado em um madeiro. Todos que passavam e viam, diziam "parece que o Rei foi crucificado" (bTalmude, Sinédrio 9:7).

Evans acredita, contra a opinião do célebre talmudista Morris Goldstein, que o texto acima possivelmente alude a Jesus, a cena da crucificação e o "Titulus Crucis" ("Jesus Nazareno Rei dos Judeus"). Evans cita Marcos 14:48 ("Disse-lhes Jesus: Saístes com espadas e varapaus para me prender, como a um salteador?), o termo utilizado para ladrão ou salteador nesta passagem do Talmude teria uma conotação de agitação politica e revolucionária ou rebeldia, semelhante a encontrada na descrição de Flavio Josefo "A Judéia estava infestada de salteadores ... qualquer um podia se proclamar Rei" (Antiquidades 17:285). Essa passagem, juntamente a referência de Jesus como próximo ao governo (ou realeza) em Sinédrio 43a, sugere Evans, seriam uma resposta sarcástica a alegada descendência davídica de Jesus [4]

Prof. Mahlon H Smith [5], da Universidade Rutgers (New Jersey State University), apresenta uma possível alusão a Jesus, encontrada no Talmude Babilônico, Tratado Sinédrio, 106 b. Aqui um minim (ou herege, termo frequentemente usado para designar os cristãos) pergunta ao Rabi Hanina Bar Hama (220-260 DC) qual era a idade de Balaão quando ele foi morto. Hanina diz que os registros não mencionavam essa informação, mas que, no entanto, ele achava que ele teria morrido com 33 ou 34 anos de idade pois "homens de sangue e de traição não viverão metade dos seus dias" (Salmos 55:23). O Minin responde que Hanina devia estar certo, pois no relato sobre Balaão estava escrito que "Balaão, o coxo, tinha 33 anos de idade quando foi morto por Finéias, o ladrão" (bTalmude, Sinédrio, 106b). O Professor Smith observa que Balaão, o falso profeta citado no livro de Números que levou Israel a pecar, seria um codinome utilizado por alguns rabis para se referir a Jesus (em virtude da censura exercida pela Igreja). Da mesma forma 33 anos, seria a idade de Jesus, somando os 30 anos que ele tinha quando iniciou seu ministério (Lc 3:23), com as três páscoas mencionadas no evangelho de João. Ainda segundo Smith, Finéias, o Ladrão, seria também o codinome para Pôncio Pilatos, porque ele se apropriou dos fundos do Templo, incidente mencionado por Josefo (Antiguidades 18:60-62).

Um pouco mais hesitante que Mahlon D Smith, Travis Herford acredita que o codinome Balaão se aplicava a Jesus. Evans é cético quando a essa identificação, assim como Bruce Chilton, Morris Goldstein e Joseph Klausner. Chilton observa que dificilmente os rabinos dariam um nome tão respeitável a alguém como Pôncio Pilatos [6] Entretanto, poderíamos objetar que independente da identificação com Pilatos, o Talmude já usa o termo Finéias, o Ladrão, que é no mínimo estranho se o objetivo era se referir ao venerável sacerdote Finéias, neto de Arão.

Por fim, Jonh.P. Meier cita Klausner, e o julgamento deste quanto as tradições encontradas no Talmude:

Klausner (Jesus of Nazareth, 46) faz o seguinte resumo das afirmações confiáveis na tradição rabínica (1) Yeshu de Nazaré praticava a feitiçaria, istoé, fazia milagres e desencaminhava Israel; (2) Ele zombou das palavras dos sábios (istoé, dos mestres reverenciados de Israel). (3) Interpretava as escrituras da mesma forma que os fariseus (4) Tinha cinco discípulos (5) Dizia que não viera para tirar nada da Lei ou acrescentar algo (6) Foi enforcado (ou seja, crucificado) como falso mestre. Como é facil de ver temos aqui apenas uma imagem invertida e polêmica de várias afirmações dos quatro evangelhos [7]

Assim, o Talmude conteria tradições que compartilhariam a perspectivas básicas das atividades de Jesus, milagres, crítica a religião tradicional, o compartilhamento das crenças básicas dos fariseus, como anjos e ressureição dos mortos, seu relacionamento com Lei, ter discípulos e sua morte violenta. Geza Vermes [8] observa que, provavelmente, os rabinos reinterpretaram antigas tradições populares de Jesus como homem sábio e realizador de milagres, correntes na Palestina, atribuindo esses feitos a prática de feitiçaria. Assim, a imagem popular de Jesus retratada nos evangelhos e reavaliada sob um prisma negativo.

"Quando essas duas acusações são examinadas, elas se tornam uma representação pejorativa do retrato Josefano de Jesus. Pois desencaminhador/falso profeta e "feitiçeiro" são equivalentes deturpados de "homem sábio" e "milagreiro" [8]

O ponto levantado por Vermes, da reinterpretação de antigas tradições sobre Jesus é relevante, principalmente quando comparamos a parte reputada autêntica do polêmico "Testimonium Flavianum", escrita por Flavio Josefo no século I. Josefo diz que Jesus fazia feitos paradoxais ou incríveis, sendo a palavra paradoxa ambigua, isto pode significar tanto maravilhoso quanto controverso. O Talmude (e Celso) diz que Yeshu praticava feitiçaria (o que torna implícito que praticava feitos "controversos", explicados pela suposta prática de magia). Josefo diz que Jesus "era mestre de homens que recebem a verdade com prazer. Ele atraiu muitos judeus e muitos gentios". Os rabis dizem que Yeshu era uma ameaça, pois "levou Israel a pecar" e "o fez apóstata", dando a entender uma popularidade razoável , aliciando e desencaminhando um grande número de díscipulos. Dizem também que um processo foi iniciado, e um arauto saiu a covocar as testemunhas de defesa. Josefo afirma que "os principais homens entre nós o denunciaram". Por fim, no Talmude Jesus é executado e "levantado" (no madeiro), talvez por ordem de "Fineias, o Ladrão" (codinome para Pôncio Pilatos), enquanto Josefo diz que Pilatos o crucificou. É ainda possível que haja uma recordação dos motivos que levaram a execução (algo que Josefo não declara abertamente), de que Jesus foi acusado de ser um insurgente que ameaçava a ordem estabelecida, "O Rei dos Judeus".

Graham Stanton também compatilha da percepção de Geza Vermes ao observar que as acusações imputadas a Jesus nessa passagem do Talmude - que ele praticou feitiçaria e levou Israel a pecar - também são encontradas em Dialogo com Trifo, de Justino, já mencionado.Para Stanton essa tradição rabínica é de dificil interpretação, e mais complicado ainda é data-la com segurança. No entanto, acrescenta que não fora a grande correspondência com a acusação que circulava em circulos judaicos, na metade do século II, de que "Jesus era um mágico e enganador do povo" (Dialogo com Trifo 69:7), seria tentador descartar essa passagem do Talmude como resultado de polêmicas do terceiro século, ou mesmo posteriores, entre judeus e cristãos.Entranto, a terminologia semi-técnica encontrada no grego de Dialogo com Trifo é muito próxima do hebreu das tradições rabínicas. Assim, conclui Stanton, essas tradições teriam raízes profundas.[9]

Em resumo, quais são as informações que podemos obter do Talmude (se é que alguma informação pode ser obtida)?

Além de Johannes Maier, Edgard Leite é bastante cético em relação ao Talmude, "que não parece conter referências claras ao Jesus histórico" [10]

Por outro lado, Professor R. T. France, de Oxford, conclui que, pelo menos a partir do início do segundo século, Jesus era conhecido e abominado como alguém que realizava feitos incríveis e que tinha conquistado tão grande número de seguidores que foi devidamente executado como "aquele que levou Israel a pecar". Embora depreciativo, pelo menos é, de uma maneira distorcida, evidência para o impacto razoável dos milagres de Jesus e de seus ensinos. A conclusão de que isto é inteiramente dependente da pregação cristã, e que "judeus do segundo século adotaram de forma acrítica o pressuposto de que ele realmente existiu " é certamente resultado do ceticismo dogmático. Tal polêmica, frequentemente utilizando "fatos" completamente distintos do que os cristãos acreditavam, muito dificilmente teria surgido em menos de um século em torno de uma figura inexistente." [11]

Também Geza Vermes, observa que histórias como a de Jacó de Kfar Secaniah "indicam que um judeu cristão palestino no final do século I DC estava se dedicando, como os apóstolos e seus seguidores imediatos nos Atos dos Apostolos, a curar e pregar em nome de Jesus. Ainda, os textos rabínicos mostram que o mundo oficial rejeitava essas práticas, mas que judeus e até mesmo rabinos não necessariamente se opunham a elas na sociedade judaica palestina do fim do século I" [12]

Da mesma forma, Max Wilcox, Professor da Universidade de North Wales, avalia que o Talmude e outros escritos da literatura rabínica embora mencionem Jesus de forma muito esporádica, e devam ser utilizados pelo historiador de forma muito cautelosa e criteriosa, acabam por endossar as afirmações evangélicas de que Jesus curava e operava milagres, ainda que atribuindo esses feitos a feitiçaria. Além disso, preservam uma memória de que ele era um mestre, tinha discipulos, e de que pelo menos no início do período rabínico nem todos os rabinos tinham se convencido totalmente de que ele era um herege e enganador. [13]

Assim, em vista do exposto, podemos dizer que passagens sobre Jesus no Talmude devem ser avaliadas com cautela, reconhecendo que mais provavelmente trazem um "eco" de informações e tradições antigas, frequentemente de forma âmbigua, não devendo ser tomadas ao "pé-da-letra". Analisando em conjunto com o Dialogo com Trifo (69:7), e Celso, podemos dizer que o Talmude reforça a percepção de alguns fatos da vida de Jesus, encontrados nessas e em outras fontes, sua execução violenta em conflito com as autoridades, sua fama de realizador de milagres e feitos extraordinários (atribuidos por alguns rabinos a atos de feitiçaria), de que ele conseguiu alcançar um grupo razoavel de discipulos ("pois levou Israel a pecar e fez apóstata"), ainda que, por vezes, apareçam alguns sinais de que a hostilidade não é completa, de que, como já disse Geza Vermes, judeus e até mesmo rabinos não necessariamente se opunham a elas na sociedade judaica palestina do fim do século I .

Desta Forma, em vista das observações de Klausner, Vermes e Wilcox, acima, concluimos que as tradições populares sobre Jesus na Palestina, (provavelmente) teriam sido conservadas pelos rabinos por várias gerações, e não eram necessariamente hostis. Com o tempo, a medida que os caminhos de cristãos e judeus foram se afastando, essa memória foi sendo reinterpretada de forma cada vez mais polêmica e hostil.
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Referências bibliograficas:

[1] Geza Vermes, O Autêntico Evangelho de Jesus , fl.19, nota 33[2] Geza Vermes, Quem é quem na época de Jesus, fls. 152-153[3] Craig Evans; Jesus in Non Christians Sources in Bruce Chilton & Craig Evans; Studying the Historical Jesus, fl. 447[4]Craig Evans; Jesus in Non Christians Sources in Bruce Chilton & Craig Evans; Studying the Historical Jesus, fl. 449[5] Mahlon H. Smith, Into His Own, Jesus and Christians in non Christians sources, 191http://virtualreligion.net/iho/jesus.html, acessado em 23.12.2009[6] Craig Evans; Jesus in Non Christians Sources in Bruce Chilton & Craig Evans; Studying the Historical Jesus, fl. 449, nota 16[7] John P. Meier, Um Judeu Marginal, Vol. I fl. 115, nota 62[8] Geza Vermes, Jesus in His Jewish Context fl. 98[9] Graham Stanton, Gospel Thuth?New Light on Jesus and the Gospels, fl. 157[10] Edgard Leite, Yeshu Ha Notzri e sua viagem ao Egito: Uma Parábola Talmudica in Chevitarese, Corneli & Selvatici; Jesus de Nazaré, Uma outra História, fl. 291.[11] R T France The Evidence for Jesus, fl. 39[12] Geza Vermes, Quem é quem na época de Jesus, fls. 154[13] Edwin Yamaguchi, Jesus Outside the New Testament: What is the Evidence, in Wilkins & Moreland; Jesus Under Fire, fls. 214)

A familiaridade de Jesus com as ciências da magia. Parte II

Continuamos nossa analise da imagem popular de Jesus com base nas fontes polêmicas judaicas e apologéticas cristãs da antiguidade. Na parte 1, avaliamos fontes do sec. II, Celso (que afirma estar repetindo informações que circulavam em fontes judaicas), e os escritos de Justino e Tertuliano (que buscavam rebater percepções negativas que também existentes entre os judeus). Verificamos que sua origem, seus feitos extraordinários, e sua morte violenta foram atribuidos a uma união ilícita de seus pais, de seu aprendizado de magia, e da impossibilidade das reinvidicações messianicas.

Concluimos, seguindo a tese do Prof. Geza Vermes, que essa é uma reinterpretação polêmica de uma visão popular anterior - atestada em Josefo, de que Jesus de Nazaré era percebido entre os judeus do sec .I como um mestre sábio, hasside e realizador de feitos extraordinários - e se torna cada vez mais incisiva como reação as reinvidicações cristãs da origem dávidica de Jesus, de seus milagres como prova de sua messianidade, e de sua morte (e ressureição) como cumprimento das escrituras.

Analisaremos agora o Talmude, que considero uma das fontes mais difíceis no que se refere ao Jesus Histórico, em virtude de ser tardia, e das eventuais alusões serem objeto de intensa polêmica entre os estudiosos, primeiro no que diz respeito a se realmente uma dada passagem faz uma menção a Jesus de Nazaré, segundo se traz uma tradição histórica antiga, com um núcleo que remonte ao 1° século DC, ou é apenas uma reação dos rabinos do sec. V ou VI, ou até mesmo de meados da Idade Média, a pregação do evangelho pelos cristãos.

Introdução

Professor Edgard Leite, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, descreve o desenvolvimento e formação do Talmude:

Os fariseus se consideravam detentores de uma tradição espacífica, a assim chamada Mishnah, literalmente "Ensinamento". Tratava-se de um conjunto complexo de disposições legais e filosóficas, conhecida também como a Torah oral. Aceitava-se que se constituia em material complementar à Torah escrita e instrumental para sua correta compreensão. Tal tradição não tinha uma aceitação ampla no período anterior ao levante. Para os fariseus, no entanto, era a espinha dorsal de uma particular visão de mundo. A sua origem, do ponto de vista mítico, era entendida como associada à revelação a Moisés, tendo sido transmitida por ele a Josué, depois aos anciãos, aos profetas, aos homens da Grande Assembléia (zoferim, os escribas), e finalmente aos líderes dos fariseus. A tradição atribui as academias dos mestres Hilel e Shamai o início do processo de organização deste vasto material , ainda em períodos anteriores ao primeiro levante. Após a guerra, depois de 73, vários sábios estiveram envolvidos no processo de consolidação da Mishnah (...) os sábios que contribuiram para essa versão final da Mishnah, cerca de 150, passaram a ser tradicionalmente conhecidos como tannaim, isto é, os professores. (...)A partir do século III, a discussão sobre os conteúdos da Mishnah foi conduzida pelos amoraim, os expositores. Foram eles que começaram a elaborar o Talmude, ou Gemara, isto é o comentário, no caso sobre a Mishnah. (...) Um texto mais ou menos consolidado foi fixado por Ashi, diretor de Sura por 52 anos, em torno de 427, e consolidado por Rabina, em torno de 499. Aos capítulos da Mishnah , assim, foram acrescentados os comentários dos amoraim. Estes constituem a Gemara, de fato atas de reuniões ou coletâneas de opiniões, que envolvem não apenas afirmações amoraitas, mas tanaíticas e de fontes diversas. Não se trata, portanto, de um livro de história. O seu objetivo é a exegese da Torah, a reflexão sobre os infinitos sentidos da revelação do Sinai, a discussão ampla sobre a natureza da condição humana segundo a perspectiva judaica [1]

Desta forma, o Talmude não é propriamente um livro de história, e as alusões (ou supostas alusões a Jesus), são, em sua maioria, indiretas ou ambiguas.Em alguns casos a (suposta) alusão é feita em forma de parabola ou lenda, referindo-se a tradições correntes sobre Jesus ou dos cristãos.

Um motivos adicional para que as alusões fossem veladas, e que como as passagens atribuem imputações de nascimento ilegitimo e pratica de feitiçaria a Jesus, o Talmude esteve sujeito a desconfiança e vigilância da Igreja e autoridades cristãs durante a Idade Média. Em 1264, a Igreja ordenou a exclusão dessas passagens, consideradas ofensivas, e, eventualmente, o Talmude foi incluido no Index Librorum Prohibitorum em 1554, pelo papa Paulo IV.
Avaliação da Fonte. É mesmo Jesus?

Desta forma, o que se discute é se determinada passagem realmente se refere a Jesus, e se há e qual seria o núcleo histórico daquela afirmação. Alguns estudiosos entendem que o valor histórico das referências do Talmude é nulo, ou quase nulo. Enquanto outros acreditam que podem obter valiosas informações com base nas tradições dos rabis, independentes ou complementares aos evangelhos.

No lado "cético", temos como principal referência o Professor Johann Maier:

"Johann Maier representa uma posição radical ao sustentar que não apenas a Mishná, como também ambos os Talmudes, não contém qualquer menção direta e autêntica a Jesus de Nazaré (...) Sua conclusão é que mesmo os textos originais dos dois Talmudes nunca falaram de Jesus: tais referências seriam, todas, interpolações posteriores, inseridas na idade média" [2]
"Ele [Maier] antes afirma que o nome de Jesus foi inserido no processo secular de formação do Talmud apenas secundariamente em contextos existentes, a saber, como reação a provocações cristãs" [3]

Já entre aqueles que acreditam que o Talmude apresenta algumas (poucas) tradições historicamente independentes sobre Jesus, provenientes do periodo tanaitico, temos como "campeão" e representante o Professor Joseph Klausner (1874-1958), da Universidade Hebraica

Klausner (Jesus of Nazareth, 23) menciona vários baraitas do tempo do Rabi Eliezer Ben Hircano e do Rabi Ismael (final do século I e início do século II d.C). Baraitas são doutrinas rabínicas antigas que não foram incluidas no Mishná, porém foram preservadas nos documentos posteriores (Tosefta, dois Talmudes). [4]

Em contraposição a isso, outros autores, como por exemplo, J. Klausner, acreditam poder encontrar pelo menos algumas tradições antigas e historicamente confiáveis no Talmud [5].

Entre essas posições "extremas", existem várias opiniões intermediárias que parecem acomodar a maior parte dos críticos, e que, nesse primeiro momento, buscaremos seguir.

Jesus e sua execução no Talmude

Thiessen e Merz [6] apontam Sanhedrin 43a, abaixo, como representante de muitos textos possíveis, por se referir a execução de Jesus e seus (cinco?!) díscipulos e a uma tradição que provavelmente procede do periodo tanaítico.

Isso com certeza foi dito: Na véspera da páscoa Yeshu [de Nazaré] foi pendurado (ou enforcado); Pelos quarenta dias que antecederam sua execução, um arauto saiu e anunciou: ‘Ele será apedrejado porque praticou feitiçaria e induziu Israel à apostasia: "Jesus de Nazaré será apedrejado porque praticou feitiçaria e induziu Israel a pecar". Qualquer um que saiba algo em seu favor deixo-o vir adiante e o defenda. Porém, uma vez que nada foi alegado em seu favor, ele foi pendurado a véspera da páscoa.Rabi Ulla pergunta: “Você supõe que ele era alguém de quem alguma defesa pudesse serfeita?“Ele não era um instigador, a respeito de quem as Escrituras dizem: ‘tu não o pouparás, nem o ocultarás’?” Com Yeshu (Jesus), contudo, foi diferente porque ele tinha conexões com o governo (ou a realeza).Os rabinos ensinaram: Yeshu tinha cinco díscipulos: Mathai, Naqai, Neçer, Buni e Thoda. Quando apresentaram Mathai, este lhes disse: deve Mathai ser executado: pois foi dito: quando [Mathai] virei eu e aparecerei diante do rosto de Deus!? [ Sl. 42,3]. Eles lhes responderam: pois bem, Mathai deve ser executado, pois foi dito: quando [Mathai] ele morrerá e seu nome perecerá? [Sl. 41,6] (semelhantes jogos de palavras seguem-se também para os outros quatro díscipulos de Jesus) [7]

Segundo o Professor Edgard Leite [8], apenas 1 dos quatro manuscritos mais antigos (todos da Idade Média) do Talmud, trazem a expressão Ha Nozri, (Nazareno ou de Nazaré). Nos outros manuscritos é simplesmente Yeshu. Leite lista como possíveis explicações a auto censura da maioria dos copistas, ou de que algum deles teve acesso a alguma tradição especial, ou então pela simples decisão de acentuar uma identificação/justaposição. Uma vez que uma identificação ainda mais explícita de Yeshu com Jesus de Nazaré seria altamente problemática para copistas judeus em um ambiente majoritariamente cristão, é bem possivel que a omissão do termo "de Nazaré" nos outros manuscritos esteja relacionado ao receio de possíveis reações da Igreja. O Prof. David Flusser, acredita que Yeshu seria a pronuncia galiléia do nome Yeshua [9].

Tanto Maier como Klausner aceitam que na passagem, na forma como está hoje, Yeshu se refere a Jesus de Nazaré. No entanto, Thiessen e Merz [10], esclarecem que a posição de Maier é a de que o nome de Jesus foi incluido secundariamente no relato da execução de algum mago ou aliciador, que fora casualmente morto na véspera da páscoa. Desta forma, observa Thiessen, se Maier estiver certo, "fica impossibilitada qualquer conclusão histórica".

Thiessen e Merz comentam as informações trazidas pelo Baraita :

"Uma vez que se trata de explicar um processo legal rabínico, os acusadores e executores da punição são, exclusivamente autoridades judaicas, o que com certeza não é historicamente exato.

De modo correspondente, Jesus deve ser apedrejado e depois o cadaver deve ser suspenso. O "deixar suspenso na véspera da Páscoa" é fortemente destacado em relação ao apedrejamento, talvez para ajustar a narrativa ao conhecido fato de Jesus foi crucificado (pelos romanos). (...)

Jesus praticou feitiçaria, uma acusação que estava circulando desde muito cedo, uma vez que já aparece na pericope de Belzebu (Mc. 3.22). Ela naturalmente interpreta os milagres de Jesus como feitiçaria e magia satânica quando não se via neles a ação de Deus. Mas é muito improvável que esta acusação esteja relacionada a execução de Jesus".

"Jesus desencaminhou Israel e o tornou apóstata. Esta acusação absolutamente não reproduz a postura dos acusadores de Jesus.; Aqui um processo histórico posterior é retroprojetado na vida de Jesus. Somente retrospectivamente - depois que os cristãos se separam do judaísmo como grupo religiosos, aboliram a observância da Lei (principalmente, a circunsição, o sábado, e as regras alimentares) e cultuavam Jesus como Kyrios e Deus - os judeus poderiam apresentar Jesus como alguém que desencaminhou Israel, levando-o a idolatria" [11]

A forte ênfase sobre o "deixar suspenso no madeiro", apontada por Thiessen e Merz parece também ser uma forma de enfatizar o destino vergonhoso de Yeshu-Jesus, pois esta escrito em Deuteronômio: "Se um homem tiver cometido um pecado digno de morte, e for morto, e o tiveres pendurado num madeiro, o seu cadáver não permanecerá toda a noite no madeiro, mas certamente o enterrarás no mesmo dia; porquanto aquele que é pendurado é maldito de Deus. Assim não contaminarás a tua terra, que o Senhor teu Deus te dá em herança.(Deuteronômio 21:22-23)". A idéia dos cristãos, de um Messias Crucificado (logo, pendurado no madeiro) foi considerada absurda por seus contemporâneos. Em o Dialogo com Trifo, Justino alude as profecias de Daniel 7:9-27, e Trifo prontamente responde "Estas mesmas escrituras, meu caro, nos ordenam esperar aquele que, como Filho do Homem, receberá do Ancião de Dias o Reino Eterno. Mas este que vocês chamam de Cristo não teve honra ou glória, tanto assim que a maldição contida na Lei de Deus caiu sobre ele, porque foi crucificado [11].
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CONTINUA

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS[1]Edgard Leite, Yeshu Ha Notzri e sua viagem ao Egito: Uma Parábola Talmudica in Chevitarese, Corneli & Selvatici; Jesus de Nazaré, Uma outra História. fl. 280-281[2] John P. Meier, Um Judeu Marginal, Vol. I, fl. 101[3] Gerd Thiessen e Annete Merz, O Jesus Histórico, Um Manual, fl. 94[4 John P. Meier, Um Judeu Marginal, Vol. I, fl. 112, nota 47.[5] Gerd Thiessen e Annete Merz, O Jesus Histórico, Um Manual, fl. 95[6] Talmude Babilônico, Tratado Sinédrio (bSahedrin) 43a[7] Edgard Leite, Yeshu Ha Notzri e sua viagem ao Egito: Uma Parábola Talmudica in Chevitarese, Corneli & Selvatici; Jesus de Nazaré, Uma outra História, fl. 286.[8] David Flusser, Jesus, fl.16[9] Gerd Thiessen e Annete Merz, O Jesus Histórico, Um Manual, fl. 95, nota 38[10] Gerd Thiessen e Annete Merz, O Jesus Histórico, Um Manual, fl. 95-96[11] Justino Martir, Dialogo com Trifo, Capítulo 32

A familiaridade de Jesus com as ciências da magia. Parte I

Este estudo, ou melhor, esta série de estudos, tem como objetivo desenvolver uma questão que sempre me intrigou. Gerd Thiessen e Annete Merz, em seu monumental "O Jesus Histórico, Um Manual", fazem a seguinte observação:

"Segundo G. Vermes, a descrição de Jesus como "homem sábio" e "realizador de feitos maravilhosos (milagrosos) (...) espelha a imagem de Jesus que circulava na Palestina como uma tradição popular.O fariseu Josefo recebeu-a sem uma apreciação, enquanto os rabinos interpretam a mesma tradição como testemunho sobre um mago e enaganador" [1].

Thiessen se refere aqui, em especial, ao importante trabalho do Prof. Geza Vermes, de Oxford, em em seu artigo "The Jesus Notice of Josephus Re-Examined" (1987).

Fatos e Versões: A proposta do Prof. Vermes abre uma "avenida", uma verdadeira auto-pista para os estudos do cristianismo primitivo.

Teriamos alguns fatos: O povo comum, contemporâneo de Jesus, tinha dele uma memória e lembrança como alguém capaz de realizar sinais e prodígios, feitos tidos como milagrosos e espetaculares. Um mestre cujos ensinos atrairam multidões. Sua atuação, porém, gerava controvérsia, que logo se transformou em conflito com as autoridades judaicas e romanas, levando a crucificação.

Para estes fatos teríamos uma interpretação dada por aqueles que, dentre o povo, seguiam a Jesus de Nazaré (os cristãos). O sinais e prodígios realizados por Jesus e seus ensinos provam que ele é "profeta poderoso em Palavras e Atos, diante de Deus e de todo o povo" (Lc. 24:24; Atos 2:22), que estas e outras coisas, bem como sua morte, aparentemente desonrosa, aconteceram para que se cumprisse a escritura (At. 2:23). "Ele nos apareceu vivo, pois Deus o ressuscitou dos mortos, em cumprimento da Escritura" (At. 2:24-32), testemunhavam os apóstolos. Tais fatos, interpretados a luz da escritura comprovariam uma reinvidicação ambiciosa: Jesus é o Cristo, em cumprimento das escrituras.

Outros, porém davam aos referidos fatos, interpretação diversa. Jesus foi preso e crucificado pelos próprios opressores do povo de Deus, a qual, supostamente, o Cristo deveria derrotar. Portanto, seu fracasso em impor seu reino e sua morte desonrosa, reservada a salteadores e agitafores, provariam que ele não podia ser quem dizia ser. Era então um falso profeta, magico e charlatão, e maldito, pois foi pendurado no madeiro. A medida que o cristianismo como movimento se tornou uma religião em separada, predominantemente gentia, essa visão se torna mais comum. Embora, possivelmente, alguns contemporâneos de Jesus pensassem assim, a predominância de tal visão seria resultado de uma reinterpretação tardia e deturpada da memória popular, que se intensifica com o passar do tempo, a medida que cristãos e judeus se distanciam.
No entanto, na visão de Geza Vermes, muitos dos contemporâneos de Jesus, provavelmente a maioria, interpretavam os fatos de uma maneira menos categórica. Acreditavam que Jesus tinha sido um homem santo, um hasside galileu, assim como Onias e Hanina Ben Dosa. Um sábio, realizador de feitos extraordinários, com muitos seguidores (como, parece, escreveu Josefo). Contudo, não o tinham como Messias. Outros ainda tinham dificuldade de distinguir Jesus de outros líderes carismáticos como Teudas ou Judas Galileu e pensavam que, se fosse de Deus, o legado de Jesus perduraria, ao contrário do que acontecera com Teudas ou Judas. O parecer atribuido a Gamaliel (Atos 5:33-42) pode ter sido uma opinião bem comum.

A hipótese é atrente, mas deve ser testada com as fontes disponíveis. Nossa análise será das fontes do II século e o Talmude.

Polêmica do II Século: O Professor Maurice Goguel (1880-1955), da Sorbonne (Universidade de Paris) observou certa vez que desde seus primórdios o cristianismo foi objeto de oposição tanto gentia quanto judaica, em Jerusalém, Judéia e todo o mundo romano. Por meio de Luciano, Celso, das várias apologias do século II (Justino, Taciano, Aristides) e pelo Dialogo entre Justino e o judeu Trifo, diz Goguel, podemos ter uma visão bem detalhada dos críticos do cristianismo no Segundo Século. Da mesma forma que há uma tradição apologética existe um outra polêmica, a qual a primeira tentava refutar [2]

Os mais importantes exemplos entre a polêmica a respeito de Jesus de Nazaré, no século II, são encontrados na obra do autor pagão Celso, e nos escritos dos apologistas Justino Martir e Tertuliano.

Sobre Celso, John Dominic Crossan escreve:

Em algum momento entre 177 e 180 E.C, com o Imperador Marco Aurélio já perseguindo os cristãos, o filósofo pagão Celso escreveu sua doutrina verdadeira, um ataque intelectual a religião dos cristãos [3]

A obra de Celso não sobreviveu. Mas várias partes de a Doutrina Verdadeira são conservadas na resposta de Origenes, "Contra Celso", escrita por volta de 230 a 240 DC. O mais interessante é que Celso afirma que sua fonte de detalhes supostamente biograficos de Jesus seriam relatos que circulavam entre os judeus. O que é relevante pois suas afirmações podem ser comparado com as apologias de São Justino Martir (140-160 DC), notadamente seu livro "Dialogo com Trifo" (150 DC), e com os escritos de Tertuliano de Cartago, por volta do ano 200, que também buscaram responder acusações feitas a Jesus por seus conterrâneos.

Entre as informações que Celso, Justino e Tertuliano apresentam estão:

1) Jesus é acusado de ter nascido de uma união ilegítima, da noiva de um carpinteiro e um soldado romano (Celso).

2) Os feitos extraordinários atribuidos a Jesus seriam resultado de seu conhecimento de magia (Celso, Justino e Tertuliano).

3) Os cristãos seguiam a Jesus, auto-proclamado Filho de Deus, por conta de seus feitos incríveis (Justino, Tertuliano e especificamente em Celso, resultado de seu aprendizado de magia no Egito), mas ele seria na verdade um aliciador e mago.

4) Se Jesus era o Messias e o Filho de Deus, não poderia ter sido crucificado, morte vergonhosa reservada aos mais baixos criminosos (Justino e Celso).

I) Origens e Acusação de Ilegitimidade:

"[Jesus] nasceu em uma certa vila judia, filho de uma pobre mulher do campo, que ganhava sua subsistência como fiandeira, e que foi expulsa de casa por seu marido, que exercia o ofício de carpinteiro, porque foi acusada de adultério; após ter sido abandonada por seu marido, e vagando por algum tempo, ela desgraçadamente deu a luz a Jesus, seu filho ilegitimo. Porque [Jesus] era pobre, empregou-se como operário no Egito e lá testou habilidades em certos poderes mágicos dos quais os egípcios se vangloriam, ele voltou cheio de presunção por causa desses poderes e por conta deles, deu a si mesmo o título de Filho de Deus."Durante a sua gravidez foi expulsa de casa de casa pelo carpinteiro a qual estava prometida, como sendo culpada de adultério, e deu a luz a uma filho de um soldado chamado Pantera[4]

No que se refere a questão de Ben Pandera e a suposta ilegitimidade de Jesus, Geza Vermes observa:

"Curiosamente, o nome Pantera/Pandera encontra confirmação no período, como nome de soldados romanos, e provas epígraficas, datando do ano 9, falam de um certo Tiberius Julius Abdes Pantera, um arqueiro sidoniano de uma legião estacionada na distante Germânia (...) A possibilidade de Pantera ser o Pai de Jesus foi retomada por James Tabor, em The Jesus Dynasty" [5]

Vermes acredita que a associação a Pandera surgiu de uma corruptela do grego "partenos" ou virgem, seria uma reação portanto as narrativas do evangelho de Mateus. J.P Meier, Notre Dame University, concorda, e aponta as dificuldades com essa tese:

"Como Celso relata o que um judeu lhe havia contado um pouco antes de 178, é de presumir que essa história já vinha circulando entre alguns judeus helenistas na Diaspora, em meados do século II. Com muita probabilidade, ela não data de época anterior, pois Justino, o Martir, trava um debate bastante detalhado co m Trifo, o judeu, sobre a concepção virginal, sem que este último seja apresentado como tendo respondido a acusação de ilegitimidade. Contudo, o fato da história ser primeiro atestada entre os judeus da diaspora, e não na Palestina, e só em meados do século II, evoca a apossibilidade de ela ser uma polêmica parodia judaica do relato cristão de concepção virginal, especialmente como apresentada no Evangelho de Mateus. (...) A origem da paródia na Diaspora e não na Palestina , torna improvável que tenhamos nessa passagem um fragmento de informação histórica preservado intacto "secretamente" pelos judeus ao longo de um século e meio [6].

O Novo Testamento registra pelo menos uma insinuaçãodos adversários de Jesus, de que ele teria sido concebido em uma relação ilícita, em João 8:40-41. Então a acusação aberta de ilegitimidade pode remontar aos contemporâneos de Jesus, o mesmo, no entanto, é duvidoso em relação a Pantera. Professor André Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro , apresenta outra motivos para uma dependência entre a tradição de Pantera relatada pela fonte de Celso e o evangelho de Mateus [7], além das trazidas por Vermes e Meier:

i) uma ênfase na concepção virginal;
ii) uma possivel insinuação à consternação de José, quando ele descobre que Maria está gravida, e seu plano para divorciar-se dela (Mateus 1:18-20),
iii) a fuga para o Egito (Mateus 2:13-15)
iv) a referência a José como carpinteiro, que só ocorre no Novo Testamento em Mateus 13:55

b) Feitos milagrosos e magia:

A respeito do extenso debate entre Justino Martir e Trifo (140-150 DC), já referido por Meier, o Prof. Graham Stanton, de Cambridge [8], observa que o primeiro afirma que as curas milagrosas de Jesus foram o cumprimento das profecias messiânicas de Isaias 35:1-7. Os milagres de Jesus seriam então um reconhecimento de sua condição de Messias, entretanto, muitos que os viram chegaram a conclusão oposta:

"Eles atribuiram [os milagres] a utilização de poderes mágicos, porque eles se atreveram a dizer que Jesus era um mágico e enganador do povo" [9].
Ainda segundo Stanton, do contexto, não há dúvida que o termo "enganador" esta sendo usado em comparação com Deuterônomio 13:5, com enfase no falso profeta que leva o povo de Deus a pecar.

Acusação semelhante é registrada e respondida por volta de 200 DC - uma geração após Celso e duas de Justino e Trifo - por Tertuliano, em seu livro Apologeticum:

"Assim, então, sob a força de sua rejeição convenceram a si próprios desse seu baixo procedimento: que Cristo não foi mais do que um homem, seguindo-se, como conseqüência necessária, que tivessem Cristo na conta de mágico, devido aos poderes que demonstrou"[10].

A acusação de Celso de que os judeus diziam que Jesus era na verdade um mágico e enganador do povo, foi também registrada e respondida, 30 anos antes, por Justino, em Diálogo com Trifo, e cerca de 20 anos depois na apologia de Tertuliano. Da mesma forma, é encontrada em passagens do Talmude, que será discutida em seguida, de um certo Yeshu que foi pendurado no madeiro (crucificado) na vespera da Páscoa, por praticar mágica e desencaminhar Israel.
A respeito, Geza Vermes observa:

"A familiaridade de Jesus com as ciências da magia, a representação negativa de sua atividade como realizador de milagres são atribuidos a seu contato com feiticeiros egípcios. O Celso de Origenes faz essas acusações no fim do século II." [11]

Orígenes (...) cita Celso, o crítico pagão de Jesus no século II, dizendo que ele afirmou que Jesus fazia seus "paradoxa" por mágica (Contra Celsum 1:6.17-18). A mesma acusação é levantada contra ele por detratores judeus posteriores (BSahedrin 43b) [12]

Nessa linha, Stanton afirma [13] que a acusação encontrada em Trifo (Jesus era um mágico enganador do povo) é uma tradição com raízes profundas. Durante seu ministério, diz Stanton, foi acusado de ser um mágico possuido pelo demônio. É provavel, ainda que não totalmente certo, que tenha acusado também de ser um falso profeta possuído pelo demônio. As alegações dos oponentes contemporâneos de Jesus confirmam que ele foi visto pior muitos como uma ameaça a ordem social e religiosa. A afirmar que agia e falava com base de um relacionamento especial com Deus foram corretamente percebidas como radicais. Para alguns eram tão radicais que tiveram que ser atacadas com base de uma explicação alternativa de sua fonte: Jesus era um mágico possuido pelo demônio e falso profeta. Avaliação semelhante pode ser feita em relação aos ataques respondidos por Tertuliano.

Na mesma linha, Celso centra seu linha de ataque na comparação entre os feitos de Jesus com os "realizados pelos mágicos egípcios que no meio das praças e feiras, por alguns trocados, demonstram conhecimento nas mais venerandas artes, expulsam demônios, curam enfermidades, e invocam a almas de heróis", e pergunta, "Visto, então, que essas pessoas podem realizar tais feitos, teremos que concluir que são "filhos de Deus" ou que procedem de homens iníquos sob a influência de espiritos malignos?[14]".
Em outras palavras, Celso esta ridicularizando os cristãos, dizendo, em outras palavras, : "vcs falam que esses milagres cumprem as profecias e demostram que Jesus é o Messias; Mas no Egito, os mágicos fazem feitos semelhantes, sem que possam ser chamados Filhos de Deus; Então, Jesus também deve ter sido um mágico possuido pelo demônio" É inevitavel a lembrança das acusações dos escribas no evangelho,
"Ele está possesso de Belzebu; e: É pelo príncipe dos demônios que expulsa os demônios" (Mc 3:22).

Morte:

Celso também ridiculariza a crença dos cristãos em um homem que foi crucificado como criminoso:

"Se, após inventar defesas que são absurdas, e pelas quais vocês são ridiculamente enganados, ainda que imaginando que vocês realmente fizeram uma boa defesa, porque vocês não consideram aqueles outros individuos que também foram condenados, e sofreram uma morte miserável, como maiores e mais divinos mensageiros dos céus (que Jesus) ?""e da mesma forma outros de seus companheiros seria capaz de afirmar, até mesmo de um assaltante e assassino cujo o castigo tenha sido aplicado, que tal não era um bandido, mas um deus, porque previu para seus companheiros de roubo que ele seria punido, como realmente foi" [15] .

No Dialogo entre Justino e Trifo, também encontramos uma amostra de como a idéia de um Cristo Crucificado soava escandalosa para seus contêmporâneos. Justino alude as profecias de Daniel 7:9-27, e Trifo prontamente responde:

"Estas mesmas escrituras, meu caro, nos ordenam esperar aquele que, como Filho do Homem, receberá do Ancião de Dias o Reino Eterno. Mas este que vocês chamam de Cristo não teve honra ou glória, tanto assim que a maldição contida na Lei de Deus caiu sobre ele, porque foi crucificado " [16]

É um eco perfeito, ainda que mais polido, as críticas de Celso. Jesus não pode ser o Messias, pois Messias não são crucificados como bandidos e salteadores comuns.

Conclusão:

É interessante que Celso, ou as fontes judaicas utilizadas por ele, ao invés de negar os milagres de Jesus, opta, primeiro, por desacreditar a fonte de seus poderes, atribuindo a magia e o conluio com forças demoniacas, e em seguida, sua significância, ao dizer que qualquer mágico de esquina poderia realiza-los. É sugestivo também o fato de que as acusações levantadas pelo filósofo judeu anônimo citado por Celso, apresentarem certa similaridade com as encontradas em Dialogo com Trifo, das críticas registradas em Tertuliano, e o Talmude.

Da mesma forma, Josefo fala de Jesus como "realizador de feitos incríveis/controversos". Isso tudo indica que Jesus tinha fama de "milagreiro" (ou feiticeiro) em circulos judaicos. Essa crença é atestada também em circulos pagãos. Ao responder Celso, Orígenes cita Flegon de Trales, cujos escritos datam entre 120-150 DC "Flegon, no décimo terceiro ou décimo quarto livro, se não me engano, de suas cronicas, não apenas atribui a Cristo o conhecimento de eventos futuros, ainda que confundindo alguns coisas referentes a Pedro como se refererissem a Jesus, também afirma que o resultado correspondia as suas previsões [17]". Tudo isso atesta que em meados do século II, Jesus era conhecido como alguém com poderes premonitórios e miraculosos.

E como observa o [18] Professor Robert Van Voorst, Western Theological Seminary, além das acusações de nascimento ilegítimo e prática de feitiçaria, Celso lança um violento ataque sobre vários outros aspectos da vida terrena de Jesus - ancestralidade, concepção, nascimento, infância, ministério, morte, ressureição e influência posterior. Van Voorst escreve

"De acordo com Celso, os pais de Jesus eram de uma aldeia judia (Contra Celso 1.28), e sua mãe era uma pobre mulher que obtinha seu sustento como fiandeira (1.28). Ele realizou seus milagres através de feitiçaria (1.28; 2.32; 2.49; 8.41). Sua aparência física era de um homem feio e pequeno (6.75). Para seu descrédito, Jesus manteve todos os costumes judaicos, inclusive o sacrifício no Templo (2.6). Ele reuniu apenas dez seguidores e ensinou a eles seus piores hábitos, como mendigar e furtar (1.62; 2.44). Seus discipulos, que contavam só "dez marinheiros e coletores de impostos" foram os únicos a qual ele convenceu de sua divindade, mas agora seus seguidores convertem multidões (2.46). Os relatos de sua ressureição vieram de uma mulher histérica, e a crença na ressureição foi o resultado da mágica de Jesus, os desejos de seus seguidores, ou alucinação coletiva, tudo com o propósito de impressionar outros e aumentar as chances de outros tornaram-se mendigos (2.55).” [18]

A críticas acimas são tardias, escrita 100 a 150 anos depois da morte de Jesus. Contudo, Celso é a única fonte não-cristã até então que escreve especificamente sobre o movimento de Jesus. Josefo, Tácito, Plínio, Suetônio, Luciano, Mara, fazem menções incidentais em relação a Jesus. E Justino e Tertuliano se esforçam para defender o cristianismo de acusações semelhantes, que circulavam entre alguns círculos judaícos hostis ao cristianismo.

Tácito e Suetônio estavam interessados nos reinados de Claúdio e Nero; Josefo no governo de Pilatos e na destituição do Sumo-Sacerdote Ananias, nas duas menções que faz a Jesus; Luciano escrevia sobre o Filósofo Proteus, e Mara instruia seu filho nas virtudes da sabedoria apesar do ataque dos poderosos, citando Jesus como exemplo. Mas Celso critica sistemática e detalhadamente os cristãos. Apresenta argumentos filosóficos, aponta supostas inconsistências nas narrativas evangélicas, faz comparações com outros cultos e seitas existentes à época, apresenta alguma familiaridade com os vários grupos cristãos existentes. No que se refere a vida de Jesus, apresenta "fatos" não existentes em qualquer escrito cristão, e derivados de tradições que circulavam entre os judeus em meados, talvez no início do II século. Tais tradições são atestadas também, no mesmo período, pelas defesas de Justino e Tertuliano.

É razoavel inferir que critícos como Celso utilizaram o que havia de melhor à época para atacar o cristianismo. O mesmo pode ser dito dos oponentes de Tertuliano e Justino, que se esforçam por rebater críticas incisivas contra seu Mestre. O que indica fortemente mesmo os mais ferrenhos inimigos do cristianismo, não tinham motivo para questionar a historicidade de Jesus, seus ensinamentos como centrais no cristianismo, e que ele realizou pelos menos alguns feitos considerados milagrosos.
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CONTINUA
Referências:[1] Gerd Thiessen & Annete Merz (1996), "O Jesus Histórico, Um Manual, fl 94[2] Maurice Goguel, Jesus the Nazarene, Myth or History? fls. 69-71[3] John Dominic Crossan, Jesus, uma biografia revolucionária, fl. 43[4] Origenes, Contra Celso Livro 1, Capítulos 28 e 32[5] Geza Vermes, Natividade, fl. 178, nota 16[6] John P. Meier, Um Judeu Marginal, Vol. I, fls. 223-224[7] André Chevitarese, Menino Jesus e a Ilegitimidade Física do Fiho de Deus. O Uso do Modelo Iconográfico de Tipo Universal (Mãe/Filho) pelos cristãos, In Chevitarese, Corneli & Selvatici, Jesus de Nazaré, Uma Outra História, fl. 51[8] Graham Stanton, Gospel Thuth?New Light on Jesus and the Gospels, fl. 156[9] Justino, Dialogo com Trifo, Capítulo 69, verso 5[10] Tertuliano, Apologetica 21:17[11] Geza Vermes, Natividade, fl. 134[12] Geza Vermes, As Varias Faces de Jesus, fl. 306, nota[13] Graham Stanton, Gospel Thuth?New Light on Jesus and the Gospels, fl. 163[14] Orígenes, Contra Celso, Livro 1, Capitulo 68[15] Orígenes, Contra Celso, Livro 2, Capítulo 44[16] Justino Martir, Dialogo com Trifo, Capítulo 32[17] Orígenes, Contra Celso, Livro 2, Capítulo 14[18] Robert Van Voorst, Jesus Outside of New Testament, fl. 66

Jesus e os fariseus, uma estranha relação.

1) Jesus, os cristãos e os fariseus no Novo Testamento

A principal fonte antiga para a controvérsia de Jesus e seus discípulos com os fariseus é o Novo Testamento. Contudo, uma leitura atenta ao texto bíblico junto com a evidência de outras fontes mostra também muitas concordâncias. Os fariseus e os primeiros cristãos protagonizaram uma relação complexa.

É certo que os evangelhos retratam Jesus criticando repetidamente os fariseus; que Saulo (um fariseu) perseguiu os cristãos. Contudo, Nicodemos e Jose de Arimáteia são apresentados como fariseus. As crenças dos cristãos, em anjos, ressureição, vida após a morte os aproximavam muito mais desse partido, do que de qualquer outro grupo judaico de então.

Alguns fariseus avisaram Jesus que Herodes Antipas queria mata-lo (Lucas 13:31-35). Lucas também recorda pelo menos três ocasiões em que Jesus foi convidado a almoçar em casas de fariseus (Lucas 7:36; 11:37 e 14:1) . Na Igreja de Jerusalém existiam alguns fariseus "que haviam crido" (Atos15:5) e estavam, provavelmente, associados ao partido judaizante, ou os da circunsição (Atos 15:1; Galatás 2) que eram numerosos o suficiente para se fazer ouvir. Pedem explicações de Pedro por ele ter batizado o gentio Cornélio (Atos 9), e protagonizam a controvérsia com Paulo que parece ter sido a maior do período (Atos 15), visto que entendiam que os díscipulos gentios deveriam se circuncidar (Galatas 5:2-3), sendo necessário a intervenção de Pedro, Tiago e os demais apostolos para resolve-la. A decisão tomada (Galatas 2:1-9; Atos 15:22-31), enquanto recomendava, para os cristãos gentios, abstenção das "coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da prostituição" (Atos 15:29) e o "cuidado constante dos pobres" (Gl 2:10), não isentou os crentes judeus de continuar observando a lei e os costumes ancestrais.

Mesmo depois do Concílio, pelos menos alguns crentes judeus continuaram insistindo na necessidade da circunsição e obediência a lei mosaica por parte dos gentios, o que levou Paulo a escrever Galatás. E certo também que o fiador do acordo firmado no Concílio - Tiago, irmão de Jesus -, reconhecendo o status diferenciado da missão gentia, continuou conduzindo a Igreja de Jerusalém de forma alinhada com os costumes e leis judaicas (Atos 23:18-25).

Mesmo assim, Atos nos diz que, quando ouvido pelo Sinédrio em Jerusalém, Paulo não se sentiu inibido em dizer "Sou fariseu, filho de fariseus, e por causa da ressureição dos mortos estou sendo julgado". A simples menção de "ressurreição dos mortos", um ponto de profunda controvérsia entre fariseus e saduceus, levou o Sinédrio a se dividir. Se mesmo Paulo, pivô da controvérsia sobre a lei e os gentios, pode ser "adotado" pelos líderes fariseus, os seus oponentes judaizantes dentro do movimento de Jesus deveriam se sentir "em casa".

Prof. David Flusser(1917-2000), da Universidade Hebraica, aprofunda essa constatação:

"Não seria incorreto descrever Jesus como um fariseu, num sentido mais amplo. Todavia, ainda que sua crítica deles não fosse tão hostil quanto a dos essênios (...) Jesus os considerava forâneos e não se identificava com eles.(...). Temos ainda que analisar a tensão inevitável entre o Jesus carismático e o judaismo institucional. Tampouco ousemos nos esqueçer que o elemento revolucionário em sua pregação aumentou a tensão. Não obstante devemos ter em mente que esta tensão nunca implicou em negação, e as concepções de Jesus e dos fariseus não eram opostas, nem tampouco se degeneraram em inimizade (...) é obvio que havia entre os fariseus algumas pessoas de mente tacanha (...) que suspeitavam desse fazedor de milagres. Com satisfação, teriam-no flagado numa ação proibida para que pudessem arrasta-lo para uma corte rabínica (...). [1].

Professor Flusser em seguida relaciona situações em que membros do partido fariseu agiram em benefícios dos cristãos.

"Se lembrarmos o papel que os fariseus desempenharam nas primeiras décadas da Igreja Cristã, fica mais claro o motivo pelo qual não só os relatos originais como também os três primeiros evangelhos, evitam mencionar os fariseus na história do julgamento de Jesus. Quando os apóstolos foram perseguidos pelo sumo-sacerdote saduceu, Rabban Gamaliel tomou o seu partido e os salvou (Atos 5:17-42). Quando Paulo foi levado a comparecer perante o Sinédrio em Jerusalém, encontrou solidariedade entre seus ouvintes ao apelar para os fariseus (Atos 22:30 e 23:10). Quando Tiago, o irmão do Senhor, e aparentemente outros cristãos, foram condenados ilegalmente a morte em 62 DC, pelo sumo-sacerdote saduceu, os fariseus apelaram ao rei e o sumo-sacerdote foi destituído"

[1]Bem como o Professor Geza Vermes, de Oxford

"Nos Atos dos Apóstolos, os líderes judeus de Jerusalém não são descritos como cegamente hostis aos seguidores de Jesus. Pedro atribuiu a ignorância ou falta de compreensão em vez de má-fé aos chefes dos sacerdotes (Atos 3:17). O celebre fariseu rabi Gamaliel invocou a imparcialidade para com os apóstolos diante da alta corte (Atos 5:34-39) e mesmo durante o conturbado encontro no Sinédrio a propósito de Paulo, acusado de pregar contra a lei, os membros fariseus do conselho o apoiam abertamente: "Nenhum mal encontramos nesse homem. E se lhe tivesse falado um espírito ou anjo (Atos 23:9) [2]

2) Os fariseus provocaram a morte de Jesus?

Possivelmente, alguns leitores tenham ficado "chocados" com o que foi dito acima.

"Como?! Isso é absurdo, os fariseus não eram inimigos mortais de Jesus e seus seguidores?!!!"

Um ponto primordial a ser enfatizado é que Jesus de Nazaré foi crucificado (uma punição romana), sob ordem de Pôncio Pilatos (que representava o poder de Roma), acusado de (pretender) ser "O Rei dos Judeus"(um crime contra Roma). Todos os evangelhos dizem isso claramente, sendo certo que isso jamais poderia ter sido inventado [3]. O papel das autoridades judaicas, sejam fariseus, saduceus, herodianas... foi de apresentar a denúncia, ou formular a acusação.

Utilizaremos aqui um esquema adaptado de Dr. Paul Winter [4], de seu clássico livro "Sobre o Processo de Jesus" ("On The Trial of Jesus"), sobre os interlocutores, adversários e oponentes de Jesus por passagem do evangelhos.

Por questão de espaço, vamos analisar detalhadamente apenas o Evangelho de Marcos, situando também dois evento marcantes do Ministério de Jesus, a purificação do Templo em Jerusalém e a Crucificação. As ocasiões em que os fariseus aparecem serão realçadas em vermelho

Jesus e seus oponentes

Mc 2:6: alguns dos escribas;
Mc 2.16: escribas dos fariseus
Mc 2:18: discípulos de João e os fariseus;
Mc 2:23-24: fariseus;
Mc 3:6: fariseus;
Mc 3:22: escribas de Jerusalém
Mc 7:1: Os fariseus e alguns escribas de Jerusalém
Mc 8:11: Os fariseus
Mc: 8:15: fariseus e Herodes
Mc 8:31: Os anciãos, os Chefes dos Sacerdotes, e os escribas
Mc 9:14: Escribas
Mc 10:2: fariseus
Mc 10:33: Os chefes dos sacerdotes e os escribas
Mc 11:15: Jesus expulsa os cambistas do Templo
Mc 11:18: Chefes dos Sacerdotes e escribas
Mc 11:27: Chefes dos Sacerdotes, escribas e anciãos
Mc 12:13: alguns dos fariseus e os herodianos
Mc 12:18: Saduceus
Mc 12:38: um dos escribas
Mc 14: Inicio da Narrativa da Paixão
Mc 14:1: Chefes dos Sacerdotes, escribas e anciãos;
Mc 14:10: Chefes dos Sacerdotes
Mc 14:43: Uma multidão da parte do Chefes dos Sacerdotes, escribas e anciãos
Mc 14:53: Chefes dos Sacerdotes, escribas e anciãos
Mc 14:55: Chefes dos Sacerdotes
Mc 15:1: Chefes dos Sacerdotes, escribas e anciãos e todo o Conselho
Mc 15:3: Chefes dos Sacerdotes
Mc 15:20-24: Jesus é crucificado
Mc 15:31: Chefes dos Sacerdotes

Winter então observa:

"Duas questões saltam os olhos numa análise dessa Tabela. A primeira refere-se a diferença entre as designações dos inimigos de Jesus adotadas por Marcos nos capítulos 2 a 12, de um lado, e 14 e 15, de outro. Outra é a diferença entre as designações marquense e ao adotados nas passagens paralelas de evangelhos mais recentes. Relativamente a primeira questão, exceto por referências isoladas em Mc 11 (e é claro pela predição da paixão em Mc 8:31 e Mc 10:33) os chefes dos sacerdotes e os anciãos não são apontados como adversários de Jesus nos primeiros capítulos de Marcos, enquanto que em Marcos 14 e 15 somente eles e os escribas aparecem em tal posição" [4]

Considerando os pontos levantados por Winter, podemos observar que antes do episódio da purificação do Templo, os principais oponentes de Jesus são os fariseus. Contudo, se formos aos textos veremos que em grande parte são polêmicas a respeito de regras de pureza, como comer com publicanos e pecadores (Mc 2:16), jejum (2:18), lavar as mãos (Mc 7:1) e o divórcio (Mc 10:2). Questões essas que também eram motivo de polêmica entre os fariseus.

Por exemplo, a possibilidade de divórcio dividia as duas grandes escolas farisáicas a de Hillel (a favor), e a de Shammai (contra). Embora alguns desses debates tenham sido ríspidos e acalorados, provavelmente não foram causadores da morte de Jesus.

Como observam o Professor Gerd Thiessen, Universidade de Heildelberg e Annete Merz, Universidade Utrecht

"a maior proximidade existe, sem dúvida, entre Jesus e os fariseus. Sua crítica de Jesus mostram que eles o avaliam com critérios especiais - como se ele fosse um mestre próximo a eles. K. Berger (Jesus*) resume a oposição e a proximidade da seguinte forma: os fariseus representam uma noção defensiva de pureza. Desse modo, eles estão empenhados em evitar contaminação pela impureza. Jesus, ao contrário, defende uma noção ofensiva de pureza: não é a impureza, mas a pureza que contamina. Mas o motivo fundamental é o mesmo: ambos querem santificar o cotidiano a luz de Deus." "A relação de Jesus com os fariseus é ambivalente: ao lado de uma grande afinidade nas convicções, encontramos um conflito básico; sinais de relações positivas estão ao lado de indícios de inimizade."[5]

Mas quando Jesus prevê sua morte, ele diz: "Eis que subimos a Jerusalém, e o Filho do homem será entregue aos principais sacerdotes e aos escribas; e eles o condenarão à morte, e o entregarão aos gentios (Marcos 10:33 e também Marcos 8:31). São as únicas menções aos principais sacerdotes antes do episódio da purificação do Templo (Mc 11:15). E, interessante, em nenhum dos dois versículos, os fariseus são citados. E após a expulsão dos vendilhões do Templo, os fariseus praticamente desaparecem da história (surgem apenas na questão do "dar a César o que é de César"), e partir do capítulo 14 eles somem de vez.

O impacto é ainda maior, se analisarmos as narrativas da paixão em Mateus e Lucas. Utilizando ainda o esquema elaborado por Paul Winter [6]

Narrativas da Paixão

Mateus : Chefes dos Sacerdotes e Anciãos (26:3); Chefes dos Sacerdotes (26:14) multidão da parte dos Chefes dos Sacerdotes (26:47), escribas e anciãos (26:57), Chefes dos Sacerdotes e todo o Conselho (26:59) Chefes dos Sacerdotes e anciãos (27:1, 27:12, 27:20), Chefes dos Sacerdotes, escribas e anciãos (27:41), Chefes dos Sacerdotes e fariseus (27:62)

Lucas: Chefes dos Sacerdotes e escribas (22:1), Chefes dos Sacerdotes e Capitães (22:4), Multidão dirigida pelos Chefes dos Sacerdotes, capitães da guarda do templo e anciãos (22:47-52), Chefes dos Sacerdotes e escribas (22:66), Chefes dos Sacerdotes e multidão (23:4), Chefes dos Sacerdotes, dirigentes e o povo (23:13), dirigentes (23:35).

Também em Lucas e Mateus, até no episódio do Templo, e da chegada de Jesus a Jerusalém, ou seja, na fase galiléia do ministério de Jesus, os fariseus são rotineiramente mencionados como seus oponentes.Mas tanto em Lucas como em Mateus, após a expulsão dos vendedores do Templo, as menções aos fariseus se tornam rarefeitas. E quando atingimos as narrativas da prisão, interrogatório, julgamento, prisão e crucificação, os fariseus desaparecem. É o mesmo padrão observado em Marcos.

Nos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) [6], embora as narrativas da paixão mencionem os oponentes de Jesus 28 vezes, os fariseus são citados uma única vez. Enquanto isso, antes da expulsão dos cambistas do Templo, Mateus, Marcos e Lucas referem-se a 37 disputas de Jesus com vários grupos do judaismo, das quais 24 mencionam os fariseus. Dessas 13 vezes em que os fariseus não são citados, 5 se referem a passagem paralela em que Jesus diz aos seus discípulos que, em Jerusalém, os principais sacerdotes matariam o Filho do Homem.

Assim, a expulsão dos cambistas e vendilhões do Templo, representam um ponto de inflexão das narrativas evangélicas. Como observam Theissen & Merz [7], esse fato é revelador, pois os fariseus são os oponentes típicos de Jesus em toda a tradição sinótica, mas estão ausentes nas narrativas da paixão - não só em Marcos, mas em Mateus e Lucas -mesmo estando representados na elite judaica e no Sinédrio. Pelo contrário, os sinóticos chegar "a dar testemunho de uma simpatia de certos fariseus para com Jesus". Esse fato pode ser explicado, ainda segundo Theissen & Merz, se os verdadeiros inimigos mortais de Jesus fossem os saduceus, que devem ter se sentido atingidos pelo ataque de Jesus ao Templo, a qual seus interesses estavam extremamente associados.

Depois do episódio do Templo, os inimigos passa a ser o grupo ligado aos Principais Sacerdotes, associados ao Templo de Jerusalém, a qual, provavelmente, eram Saduceus. São os principais sacerdotes que buscam um modo de mata-lo, prendendo-o a traição (Mc 11:18; Mc 14:1), dão dinheiro a Judas (Mc 14:10), ajuntam uma multidão com espadas e varapaus para prender Jesus (Mc. 14:43), levando-o ao Sumo Sacerdote (Mc. 14:53) e a Pilatos (Mc. 15:1). Ao atacar os vendilhões do Templo, Jesus desencadeou uma série de eventos que levariam a sua crucificação.

É verdade que no Evangelho de João, que é menos simpático aos fariseus que seus antecessores sinóticos, menciona o envolvimento dos fariseus, que junto com os Chefes dos Sacerdotes, convocam o Sinédrio e deliberam sobre Jesus (11:47 e 57), e o prendem (18:2 e35). No entanto, ao relatar o interrogatório, julgamento, condenação e crucificação (19:6, 19:15, 19:21), João menciona apenas os Chefes dos Sacerdotes, juntando-se a companhia dos evangelhos sinóticos. Mais ainda, em João 9:15-16 os fariseus discutem entre si sobre Jesus, "e havia dissensão no meio deles" . Ou seja, também em João, a iniciativa do processo que leva a execução de Jesus é do grupo dos "Chefes dos Sacerdotes", ainda que o durante seu ministério seus oponentes mais recorrentes tivessem sido os fariseus.

Professor David Flusser observa:

"As palavras e as ações de Jesus em Jerusalém, precipitaram a catastrofe. O sacerdócio saduceu, desprezado por todos, encontrou seu único apoio no Templo. Este profeta da Galiléia, diante da multidão reunida para a festa, havia não só previsto a destruição do Santuário, como o término da casta sacerdotal. Ademais explorando os sentimentos amargos sobre o comércio que ali tinha lugar, desferiu um golpe doloroso contra as autoridades. As mesmas, trinta anos mais tarde, entregarão aos romanos Josué, filho de Ananias, por também profetizar a ruína do Templo. Os romanos protegiam com diligência todos os santuários religiosos do Império. Assumiam igualmente a tarefa de proteger os sumos sacerdotes de agotadores oportunos."[8]

As principais figuras envolvidas na crucificação de Jesus, Anás e Caifas, eram, provavelmente, membros do partido saduceu. Os saduceus controlavam não só o sumo-sacerdócio e o templo, mas também o Sinédrio. Em Atos 4, os sacerdotes e os capitães do templo prendem Pedro e João, "doendo-se muito que eles ensinassem o povo e anunciassem em Jesus a ressureição dentre os mortos" (verso 2), sob ordem dos saduceus (que não criam em ressureição). Em Atos 5:17, lemos que "Levantando-se o sumo sacerdote e todos os que estavam com ele (isto é, a seita dos saduceus), encheram-se de inveja, deitaram mão nos apóstolos, e os puseram na prisão pública.

"Analisando os Evangelhos e Atos dos Apóstolos junto com as evidências de outras fontes, a exclusão dos fariseus não é mera coincidência. Se estes chegaram a sua redação final entre 70 e 110 DC, quando a Igreja já era majoritariamente gentia, o Templo e sua elite dirigente já não mais existiam, e o cristianismo já estava se transformando em uma religião distinta, não haveria motivo para os evangelistas pouparem os fariseus. Seria muito fácil para Marcos, Lucas, Mateus e João descreverem os fariseus como buscando a execução de Jesus, enfatizando sua participação, afinal, como eles mesmos nos dizem, os fariseus são os oponentes e adversários recorrentes de Cristo em seu ministério na Galiléia. A explicação mais provavel, portanto, é que as fontes e relatos mais antigos, a qual estes evangelhos foram baseados, descreviam os Chefes dos Sacerdotes, ligados ao Templo e aos Saduceus, como os responsáveis pela denúncia e entrega de Jesus a Pôncio Pilatos. Isto faz sentido, porque cabia aos Chefes dos Sacerdotes, como a elite dominante dos países ocupados por Roma, colaborar com seus oficiais, identificando possíveis ameaças a ordem estabelecida e a pax romana".
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CONTINUA
Bibliografia e Referências:
[1] David Flusser (1998), Jesus, fls. 48-49.
[2] Geza Vermes (2003), Geza Vermes, A Paixão, fl.114.[3] Os evangelhos foram escritos, provavelmente, entre a 1ª Guerra Judaica (66-73 DC) e 2ª Guerra Judaica (132-135 DC). No primeiro século DC e início do secundo, houveram inúmeras revoltas, provocadas por auto-proclamados "Reis dos Judeus" e "Messias", que causaram a morte de (dezenas de) milhares de pessoas, dentre os quais milhares de bons soldados e cidadãos de Roma. No mesmo período, a igreja era perseguida e o cristianismo era uma seita ilegal, sendo que alguns oficiais e magistrados suspeitavam que o grupo era formado por agitadores, desleias a Cesar e a Roma. De fato, Aristides, Quadrato, Justino Martir, Melito, Apolinario, e outros, escreveram ao Imperador da época buscando incessantemente provar que os cristãos eram leais, pacíficos e produtivos e perfeitos súditos do Império. Porque, nessas circunstâncias, os cristãos inventariam que seu líder tinha sido um Messias Crucificado, executado como um criminoso político, por magistrados romanos, sob a acusação de Alta Traição? Certamente porque Jesus foi realmente crucificado, por ter sido acusado (justa ou injusta) de se auto-proclamar "Rei dos Judeus, e essas coisas eram fatos bem conhecidos (e problemáticos) que os cristãos tinham que explicar.[4] Paul Winter, Sobre o Processo de Jesus, fl. 236-240[5] Gerd Thiessen e Annete Merz (1996), O Jesus Histórico; Um Manual, fl. 162 e 252[6] Paul Winter (1961), Sobre o Processo de Jesus, fl. 122[7] Gerd Thiessen e Annete Merz(1996), O Jesus Histórico; Um Manual, fl. 254[8] David Flusser (1998), Jesus, fl. 113

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Israel Hoje


1. Antecedentes

De modo geral, quem lê a Bíblia conhece a história antiga de Israel. Ela começa com a migração de Abraão, que saiu das longínquas terras da Caldéia (antiga Babilônia) para as terras das tribos cananitas, chamada de Canaã, onde habitavam amorreus, heveus, fereseus e outros pequenos povos (Gên. 15:19-21), em forma tribal. Trata-se de uma faixa de terra pequena, de apenas 9.654km quadrados, estendendo-se do Líbano ao norte, até o Egito, no sul, com uma largura média de 64km. A estas terras, devem ser acrescentados 6.436km quadrados ao leste do Rio Jordão, a área geralmente chamada de Transjordânia, no total mais ou menos equivalente ao Estado de Sergipe. Abraão foi para lá mais ou menos no ano 2000 AC, percorreu toda a terra, estabeleceu-se nela, tornou-se rico e poderoso (Gên. 12 e 14) e recebeu de Deus a promessa de ser “pai de uma grande nação” e dono das terras (Gên.12:2; 15:18). De Abraão nasceram Isaque, Ismael e Midiã. Cada um tomou depois o seu destino, por força das circunstâncias históricas, ficando Isaque na Palestina, Ismael como fundador dos povos árabes e Mídiã, de quem vieram os midianitas, também árabes, ao norte da península arábica. Posteriormente, nós temos a história de Jacó, filho de Isaque, e de José, filho de Jacó, que definiram ainda mais a Palestina como se fosse uma propriedade particular desses patriarcas.

2. A formação do povo de Israel

A história de Jacó é principalmente marcada pela sua migração para o Egito, em tempos de crise (fome) e permanência nas terras do norte (Goshen), que lhes foram dadas por Faraó, amigo de José, que governava o Egito. Aí se formou o povo judeu, que nós chamamos de Israel. Passada a fase de José, veio o período de escravidão do povo, sob o domínio de outros Faraós, que queriam construir grandes monumentos. Eles se aproveitaram da presença, no Egito, de um povo não-egípcio, e o usou como mão-de-obra gratuita para escravizá-lo. Deus, então, proveu um líder, judeu mas com formação egípcia, Moisés, para libertar o povo e o trazer de volta à Palestina, sua antiga morada (Gên. 1 a 5). Depois de muitas peripécias (as pragas, a fuga, a travessia do Mar Vermelho, a caminhada pelos desertos durante 40 anos, a conquista da Canaã), Israel finalmente fixou-se novamente na Palestina (Núm. 10 a 22), depois de muitas guerras.

3. Israel – um povo dominado

Aí começou uma nova fase da história. O povo escolheu um novo regime de governo - a monarquia - e teve, sucessivamente, a Saul, Davi e Salomão como primeiros reis. Morto Salomão, o reino se dividiu em duas partes, ficando a do norte com dez tribos, sob o reinado de Jeroboão e seus sucessores, e a parte do sul com a tribo de Judá, sob o reinado dos filhos de Salomão, ou seus descendentes (leia os livros dos Reis). No séc. VIII AC, as coisas mudaram muito: os assírios, na época de Senaqueribe, formaram um grande império. Em 701, eles começaram a invadir Israel, pela parte do norte, conquistando várias das suas cidades, e, depois, levando os nortistas (Israel) em cativeiro (732-722AC). Foi o cativeiro assírio. Cerca de cem anos depois, foi a vez dos sulistas (tribo de Judá) serem invadidos por outro império – dos babilônicos, que conquistou a Assíria, em 733 AC. Em 605 AC, Jerusalém foi dominada e em 586 foi destruída e os judeus foram levados em cativeiro, que durou por 70 anos. Depois, foi a vez dos persas (época de Ciro), que permitiu e promoveu o retorno de Judá do exílio e a reconstrução de Jerusalém. Foi a época de Esdras e Neemias (539 AC). Mas, um terceiro império surgiu mais tarde – o Império Grego. Em 320 AC, o seu rei, Ptolomeu, tomou também Jerusalém. Este foi o período dos Macabeus, de uma família de judeus heróicos que lutou contra a dominação e a tirania grega. No ano 63 AC aconteceu a mesma coisa, agora da parte de Pompeu, imperador romano. No ano 70 DC, já na era cristã, a cidade de Jerusalém foi novamente e totalmente destruída, por Tito, general romano. Resumindo esta parte, nós colocamos os impérios e os períodos históricos:

IMPÉRIOS:

ASSÍRIO
PERÍODOS DA HISTÓRIA
883 a 612 AC

BABILÔNICO
PERÍODOS DA HISTÓRIA 605 a 539 AC
DESTRUIÇÕES DE JERUSALÉM 587 AC
por Nabucodonor

MEDO-PERSA
PERÍODOS DA HISTÓRIA
539 a 331 AC

GREGO 331 a 146 AC

ROMANO
PERÍODOS DA HISTÓRIA
146AC a 476 DC
DESTRUIÇÕES DE JERUSALÉM
Ano 70, por Tito

Vemos, assim, que desde o século VII AC não há paz em Israel, exceto durante pequenos períodos.

3. O Recesso Judaico Passados esses episódios que duraram séculos, Israel entrou como que num recesso político, porque (1)foi submetido a uma diáspora durante a qual ficou espalhado pelos muitos povos da terra, durante pelo menos 1878 anos (do ano 70, quando o templo foi destruído, até o ano de 1948, quando a reorganização foi autorizada pela ONU); e (2)porque durante todo esse período Israel perdeu a sua condição de povo, com representação política em meio aos outros povos do mundo. O território, então, passou de mão-em-mão, como podemos ver:

a) De 660 a 1071 –

Israel ficou sob o domínio árabe, por três dinastias sucessivas, o que explica a presença muçulmana na região:
· dinastia oríada, com capital em Damasco (660 a 750);
· dinastia abássides, com capital em Bagdá (750 a 974, ou 1258); e
· dinastia fatimidas (974 a 1071), descendentes de Fátima, filha do profeta Maomé, e habitantes do norte da África e do Egito.

b) O Mandato Britânico (1920-1947)

Com a derrota do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial (ele praticamente havia dominado o mundo oriental todo, até 1922, na forma de califado), a Inglaterra assumiu o controle da Palestina, recebendo para isto mandato da Liga das Nações (antiga ONU), em 1922. A imigração judaica para a região então cresceu, estimulada pelo movimento nacionalista sionista nascido na Europa no século XIX, em reação à perseguição aos judeus no continente europeu. Neste período, desenvolveu-se a filosofia das comunidades judaicas chamadas de kibutz (ou kibutzim no plural), de natureza rural, nos quais ficou organizada e residindo a maior parte desses migrantes. A intenção era estabelecer um "lar nacional" para os judeus na Palestina, baseada em parte nos laços religiosos e históricos com a região, firmando a legitimidade histórica à terra. A proposta teve o apoio do governo britânico na Declaração de Balfour, uma carta escrita pelo Secretário para Assuntos Estrangeiros da Inglaterra, Lord Arthur Balfour, em 02/11/1917, demonstrando a intenção de apoiar a criação da Nação de Israel, caso os otomanos fossem expulsos. Entre 1890 e 1922, a população judaica na Palestina dobrou, de 40 mil para cerca de 85 mil e em 1947 chegou a 600 mil, para 1.300.000 árabes, que defendiam a sua legitimidade natural, por nascimento, ao território. Neste período, a população judaica começou a formar grupos paramilitares e a usar o terrorismo como forma de pressão política. Entre 1936 e 1939, ocorreu a revolta dos árabes da Palestina contra o domínio britânico e uma nova fase da imigração judaica, que abriu disputa por mais terras.
c) Partilha e Guerra (1947-1948)

Em 1947, sob o impacto do Holocausto de seis milhões de judeus pela Alemanha nazista, a ONU, sucessora da Liga das Nações, aprovou a partilha da Palestina. Pelo plano, judeus ficariam com 56% do território e um Estado árabe seria formado no restante. Os árabes, porém, rejeitaram a partilha, sob o justo argumento de que ela não obedecia à proporção entre as populações. Começaram, então, confrontos entre os dois grupos. Em 14/05/1948, Israel declarou sua independência, um dia antes do fim do mandato britânico. Milícias foram transformadas em exército. O novo país foi invadido por tropas das nações árabes vizinhas, mas Israel saiu vitorioso e passou a ocupar 77% do território. No conflito, mais de 600.000 árabes foram expulsos ou tiveram que fugir de Israel, perdendo casas e propriedades; 160.000 permaneceram.

d) Expansão Israelense (1948-1967)

O Egito assumiu o controle de Gaza, no sul, e a Jordânia da Cisjordânia, a oeste. A população dos territórios inchou com os campos de refugiados vindos de Israel, que recebeu no período 700.000 judeus da Europa e de países árabes, boa parte deles expulsos ou em fuga. Palestinos se espalharam também por outros países da região. Em 1957, israelenses, britânicos e franceses invadiram o Egito, tentando retomar o controle do Canal de Suez, nacionalizado pelo governo de Gamal Abdel Nasser, do Egito. A guerra foi interrompida após intervenção dos EUA. Em 1967, alegando invasão iminente capitaneada por Nasser, que mobilizara tropas na fronteira, Israel atacou o Egito. A Jordânia e a Síria entraram na guerra (Guerra dos Seis Dias), ao final da qual Israel ocupou a Península do Sinai, pertencente ao Egito, as colinas de Gola, pertencentes à Síria, ao norte, a faixa de Gaza, a Cisjordânia e o setor oriental de Jerusalém, que estava sob domínio dos árabes. A Resolução 242 da ONU determinou a retirada israelense desses territórios. Em 1964, foi fundada a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), coalizão de grupos nacionalistas e marxistas, que não reconhecem o direito de Israel à sua existência no local, pedem o direito de retorno dos palestinos refugiados e a autodeterminação para os palestinos residentes.

e) O recrudescimento do conflito (1967-1988)

Muita coisa aconteceu durante este período, que poderia ter modificado a situação.
·Em setembro de 1970, militantes da OLP foram expulsos da Jordânia e se refugiaram no Líbano.
· Em 1972, 11 atletas israelenses foram mortos pelo grupo Setembro Negro, ligado à OLP, durante as Olimpíadas de Munique.
·Em 6/10/1973, na Guerra do Yom Kippur, a Síria e o Egito atacaram Israel pelo Sinai e por Golã. Depois de 48 horas, Israel reverteu ao ataque obtendo vantagem e lhes impondo derrota.
· Em 1974, o Fatah, facção dominante na OLP, passou a defender a criação de um Estado binacional na Palestina, mas facções radicais romperam com a OLP.
· Em 1979, Israel devolveu a Península do Sinai ao Egito graças ao Acordo de Camp David, mediado pelos EUA.
· Em 1982, Israel invadiu o Líbano para expulsar a OLP. O exército israelense chegou a Beirute, onde permitiu o massacre de refugiados palestinos nos campos de Sabra e Shatila por milícias cristãs aliadas. O comando da OLP se refugiou então na Tunísia.
·Em 1987 eclodiu a primeira Intifada (revolta) contra Israel em Gaza e na Cisjordânia.
·Em 1988 a OLP proclamou a independência Palestina e reconheceu indiretamente Israel, mas nas fronteiras anteriores a 1967.
· No mesmo ano surgiu o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), que prega a destruição de Israel e exige o retorno dos milhares de refugiados palestinos em países vizinhos.
·Chegamos assim ao período atual, com Israel fortemente armado de um lado e o Movimento Palestino dividido, tendo na Faixa de Gaza a liderança do Hamas, inimigo radical de Israel, atacando-o ao norte com foguetes fornecidos pelos outros inimigos de Israel, e na Cisjordânia, sob a liderança de Abbas, do Fatah, em parte dominada por Israel, mas com espírito aberto a um acordo que resolva definitivamente o problema. .

f) Esperança e Decepções (1988-2000)

Sob pressão dos EUA, Israel estabeleceu as primeiras negociações diretas com representantes palestinos, na Conferência de Madri (1991). Em 1993, Israel e a OLP firmaram o Acordo de Oslo, que previu um estágio interino de autonomia palestina em Gaza e na Cisjordânia, até negociações finais para criação do Estado Palestino. Foi criada a Autoridade Nacional Palestina (ANP), sob comando de Yasser Arafat, que em 1994 voltou do exílio na Tunísia. Em 1996, Arafat foi eleito presidente da ANP. Áreas de Gaza e da Cisjordânia passaram ao controle palestino, mas Israel manteve a colonização da Cisjordânia, o que não aconteceu na Faixa de Gaza, de onde Israel retirou toda a sua população ali residente. Em 1994, o Hamas promoveu seu primeiro atentado terrorista, após a morte de 29 palestinos por grupo extremista judaico em Hebrom (Cijordânia). Em 1995, o premiê israelense Yitzhak Rabin, que tinha um espírito mais aberto a negociações, foi assassinado por um extremista judeu. Em 1996, o direitista Binyamin Netanyahu foi eleito primeiro ministro. Em 1999, ele foi sucedido pelo trabalhista Ehud Barak. Em julho de 2000, último ano de seu mandato, o americano Bill Clinton reuniu Barak e Arafat novamente em Camp David (EUA) para uma nova cúpula destinada a pôr fim à questão. A cúpula fracassou, apesar de Israel julgar ter apresentado, na sua opinião, sua melhor proposta. Barak oferecia aos palestinos 95% de Gaza e da Cisjordânia (equivalente a menos de 22% da Palestina histórica) e capital em parte da Jerusalém árabe, mas não a soberania sobre Esplanada das Mesquitas (área de Jerusalém que concentra os templos árabes). Também não houve acordo sobre o retorno dos refugiados.

g) Endurecimento da Situação (2000-2008)


Em setembro de 2000, Ariel Sharon, líder do Likud (partido político de Israel, que congrega políticos em geral conservadores, sionistas e nacionalistas), em campanha para primeiro ministro, ousou ir à Esplanada das Mesquitas, no que os palestinos se sentiram insultados. Como conseqüência, teve início a Segunda Intifada. Atentados terroristas (geralmente com homens-bomba), ataques israelenses e confrontos deixaram 5.000 palestinos e 1.000 israelenses mortos em quatro anos. Sharon, eleito premiê em 2001, fundou o Partido Kadima, que prometeu abrir mão da "Grande Israel". Em 2002, ele começou a construção do muro entre Israel e a Cisjordânia, que reduziu a quase zero os atentados em Israel, mas anexou grandes porções do território palestino. Em 2004, Arafat, presidente da ANP, morreu e foi substituído por Mahmoud Abbas, do Fatah, eleito em 2005 Em 2005, Israel retirou soldados e 8.000 colonos da Faixa de Gaza, mas manteve controle sobre as fronteiras marítimas e terrestres do território, dificultando assim o acesso de palestinos a Israel e gerando uma crise de emprego (uma grande quantidade de palestinos trabalha em Israel). Na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental são ainda mantidos 400.000 colonos israelenses. Sharon entrou em coma em 2006 (ainda continua) e foi substituído por Ehud Olmert. O Hamas, na Faixa de Gaza, venceu as eleições legislativas palestinas de janeiro de 2006; seu gabinete foi boicotado por Israel e pelo Ocidente, que classificaram o grupo como terrorista e assim inapto para conversações. Em 2007, combates entre o Hamas e o Fatah levaram à expulsão do Fatah de Gaza. A ANP nomeou um novo gabinete, que só tinha voz em parte da Cisjordânia. Israel iniciou, então, um cerco econômico a Gaza. O Hamas passou a usar túneis na fronteira egípcia para contrabandear alimentos, combustível e armas (cerca de 1000 túneis). O grupo e facções ultra-radicais, como a Jihad Islâmica, aumentaram os ataques com foguetes contra Israel. A trégua mediada pelo Egito entre Israel e o Hamas vigorou entre junho e dezembro de 2008, mas nenhum dos dois lados cumpriu estritamente o acordo. A situação só podia piorar.

5. fase atual


O Movimento Palestino está hoje dividido: por um lado, a Cisjordânia continua sob a direção de Mohamoud Abbas, que reconhece o Estado de Israel e não está em guerra com ele. Por outro lado, porém, a Faixa de Gaza está sob o controle do Hamas, não reconhece o Estado de Israel, deseja a sua expulsão da Palestina, e passou a lançar foguetes contra ele a partir do norte, atingindo cidades como Asquelom e Siderot, o que vem acontecendo há anos. Israel se disse cansado de apenas se defender e resolveu atacar a Faixa de Gaza, para destruir as bases de lançamento de foguetes e os túneis de acesso através dos quais os mísseis, outras armas e artigos eram trazidos para dentro do país, mandados pelo Irã, pela Síria e pelo grupo Hesbolah, do Líbano, que na verdade usam ao Hamas como seu instrumento de guerra. Algumas semanas atrás (no dia 27/12/08), Israel começou a bombardear a Faixa de Gaza, provocando intensa destruição e a morte de 1.132 palestinos, 14 israelenses e pelo menos 5.146 feridos (até 16/01/09). Atingidos os seus objetivos militares, Israel resolveu suspender os ataques, unilateralmente, e retirar suas forças da Faixa de Gaza, o que poderia significar o término de um novo período da história local. Os palestinos também declararam uma suspensão dos ataques a Israel. Todavia, como palestinos recomeçaram o lançamento de foguetes sobre Israel e como muitos túneis, não atingidos pelos bombardeios, continuavam sendo utilizados, Israel tem retomado as suas ações, ainda que com menor intensidade. O problema está longe de ser resolvido.

6. Conclusões
a ) Os conflitos entre israelenses e árabes são muito antigos, existindo há mais de 2.000 mil anos. Biblicamente, eles datam dos conflitos de Esaú e Jacó, desde o seu nascimento (Gên. 27:41).

b) Por ser um conflito muito antigo, ele se tornou muito complexo, com difíceis soluções. Todos sabemos que muitos elementos têm entrado no cenário da história. Hoje, a questão declaradamente é territorial, mas outros aspectos estão presentes, como o religioso (Israel é adepto do Judaísmo; os Palestinos são quase todos adeptos do Islamismo); o político (Israel é uma democracia, com igualdade de direitos para todos; os Palestinos, como os árabes, são monárquicos, ou governados por um líder de poder e tradição, sem igualdade de direitos para todos – as mulheres, por exemplo, sofrem grandes restrições); o cultural (Israel é hoje uma sociedade urbana e moderna; os Palestinos, como os árabes, ainda têm os olhos voltados para o passado da época rural, ou das caravanas pelo deserto, proibindo à população o acesso à modernidade).

c) Há também um problema de natureza jurídica: o direito de Israel à terra não pode ser baseado simplesmente na tradição bíblica, ou na história antiga de Abraão, que formam a tradição religiosa do povo. Israel tem direito hoje à terra porque a ONU assim determinou. O Direito Internacional não pode se basear em tradições religiosas, mas em fatos concretos. Isto vale também para os Palestinos, ou para qualquer outro povo sobre a terra. Por outro lado, os palestinos tem direito à terra, porque nasceram nela, o que constitui um direito natural.

d) Na guerra atual (denominada de “Chumbo Derretido”), em que pese o direito de Israel de defender o seu território (isto é legal do ponto de vista do Direito Internacional), ele foi de extremo rigor, não fazendo muito para poupar a população civil, inclusive crianças, e os edifícios.Israel se defende afirmando que os civis e as crianças morreram porque os terroristas as usam como escudo, isto é, porque não se isolam da população civil quando praticam os seus atos. Mesmo assim, Israel destruiu maciçamente as cidades. Reconstruir cidades é lançar mão de verbas vultosas que poderiam ser aplicadas em melhorias sociais. Entendemos, pois, que a desproporção do poder aplicado por Israel poderia ser evitada.

e) O problema vai um dia ser resolvido. Chegará o dia em que “o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e uma criança os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas e as suas crias juntas se deitarão; o leão comerá palha com o boi. A criança de peito brincará sob a toca da áspide, e o já desmamado meterá a mão na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar” (Isa. 11:6-9). Israelenses e palestinos farão as pazes e viverão juntos, como dois povos irmãos no mesmo território.

O Tributo do Templo

Os judeus no Tanach pagavam uma taxa de meio shekel (moeda que em nossas traduções é chamada siclo) para ajudar na manutenção do templo.

Uma moeda tal como aquela usada para pagar essa contribuição foi encontrada recentemente nas escavações que estão sendo realizadas próximas à área da explanada do templo, na Cidade de Davi. Essas escavações são dirigidas por Eli Shukron, representante das Autoridades Israelense para as Antigüidades, e pelo professor Ronny Reich, da Universidade de Haifa.

O arqueólogo Eli diz que “como hoje, quando às vezes caem moedas dos nossos bolsos e entram nas caixas dos canais de água para a chuva abertas nas estradas de nossas cidades, assim também aconteceu há cerca de 2000 mil anos atrás: alguém estava indo para o Templo e a moeda com a qual pretendia saldar a sua dívida com o Templo acabou caindo dentro do canal da drenagem”

A origem da obrigação de pagar essa taxa se encontra em Exodus 30,11-16: Disse mais o Senhor a Moisés: Quando fizeres o alistamento dos filhos de Israel para sua enumeração, cada um deles dará ao Senhor o resgate da sua alma, quando os alistares; para que não haja entre eles praga alguma por ocasião do alistamento. Dará cada um, ao ser alistado, meio siclo, segundo o siclo do santuário (este siclo é de vinte jeiras); meio siclo é a oferta ao Senhor. Todo aquele que for alistado, de vinte anos para cima, dará a oferta do Senhor. O rico não dará mais, nem o pobre dará menos do que o meio siclo, quando derem a oferta do Senhor, para fazerdes expiação por vossas almas. E tomarás o dinheiro da expiação dos filhos de Israel, e o designarás para o serviço da tenda da revelação, para que sirva de memorial a favor dos filhos de Israel diante do Senhor, para fazerdes expiação por vossas almas.

Durante a construção do templo, todo judeu a partir de certa idade, devia dar sua doação de meio shekel para contribuir com a obra. Essa soma permitiu que todo judeu pudesse contribuir com a construção do templo. Depois da construção, o povo continuou a dar a sua contribuição com o propósito de comprar os sacrifícios públicos e suprir as necessidades do templo. A coleta acontecia todo ano a partir do primeiro dia do mês de Adar e terminava no primeiro dia do mês de Nissan. A moeda encontrada pesa 13 gramas e tem de uma parte a rosto de Melqart, o deus pagão da cidade de Tiro, e de outra parte temos uma imagem de uma águia. A moeda provavelmente foi cunhada no ano 22 d.C.

Apesar da importância da taxa pagada ao templo, até hoje foram encontradas apenas outras 7 moedas como esta nas escavações em Jerusalém.

Todo judeu era obrigado a pagar esse imposto de meio siclo (equivalente a duas dracmas romanos), uma vez por ano.

Na qualidade de Filho do Pai real, a quem pertencia o templo, Yeshua não tinha obrigação de pagar o imposto relativo ao Templo. A breve parábola de Yeshua indica que as autoridades religiosas faziam de estrangeiros ao povo de Israel. A lei judaica exigia que a moeda fosse trocada pelo dinheiro judaico, mais naquela época os Romanos proibiam que os judeus cunhassem moedas; e ao processo de câmbio, as autoridades religiosas exigiam uma certa comissão. Com essa taxa de comissão ganhavam muito dinheiro.

A data de pagamento era o mês de Adar (março) e assim , Jesus e Pedro estavam realmente atrasados em seis meses. Durante este tempo estiveram viajando pela Galiléia. O imposto se destinava ao Templo de Jerusalém. Não era exigido de todos os homens judeus, só os de mais de vinte anos de idade.

Uma dracma naquela época comprava-se uma ovelha.

Mateus 17:24-27 diz: E, chegando eles a Cafarnaum, aproximaram-se de Pedro os que cobravam as dracmas, e disseram: O vosso mestre não paga as dracmas? Disse ele: Sim. E, entrando em casa, Jesus se lhe antecipou, dizendo: Que te parece, Simão? De quem cobram os reis da terra os tributos, ou o censo? Dos seus filhos, ou dos alheios? Disse-lhe Pedro: Dos alheios. Disse-lhe Jesus: Logo, estão livres os filhos. Mas, para que os não escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, tira o primeiro peixe que subir, e abrindo-lhe a boca, encontrarás um estáter; toma-o, e dá-o por mim e por ti.

Estáter=moeda que valia quatro dracmas, o bastante para pagar o imposto d'Ele e de Pedro....
Amparados por Lv. 6:23, também os sacerdotes reivindicavam a isenção da contribuição do meio siclo, segundo consta no tratado rabínico Mishná Segalim 1:3-5. Para ver mais detalhes faça um download do texto em PDF, clique aqui.