terça-feira, 22 de março de 2016

Povos Antigos e Sua Influência no Monoteísmo Hebreu


Ao longo da História, o povo de Israel foi influenciado pela religião e cultura de diversos povos, o propósito deste trabalho é investigar quais as influências recebidas e exercidas pelos hebreus neste contexto e o que o cristianismo herdou do produto final: o judaísmo. 

Definindo Influência

O vocábulo influência designa uma “força” capaz de produzir alterações em ambientes que estão além da sua origem. É um princípio universal de trocas, um poder da transmissão que, normalmente, atua como uma “via de mão dupla”. Às vezes, uma influência é mais forte e neutraliza outra de sentido contrário. Onde houver algum tipo de contato, haverá influência. Seja no campo físico, químico, social, político, religioso, etc. Se colocarmos, em um mesmo copo, café e leite, esses líquidos se influenciarão mutuamente. Haverá troca de temperatura, cor, sabor e consistência. Se unirmos determinadas substâncias, a interação não será assim tão pacífica. Contudo, a influência acontecerá, ainda que explosiva.
Nas relações humanas, este mesmo princípio se mantém válido. Estamos expostos a inúmeros tipos de influência. Poderíamos compará-las, por exemplo, às ondas eletromagnéticas, que estão no ar, não podem ser vistas, mas ninguém escapa ao seu alcance. O cenário brasileiro apresenta exemplos que nos mostram que influência é sinônimo de poder. A maior parte da nossa população é manipulada pelas influências disseminadas através dos meios de comunicação. Na política, a prática chega a pontos tão extremos que já inventaram até o “tráfico de influência”. Analisando o que somos, como pessoas, notamos que a nossa personalidade é o resultado da ação de influências diversas. Nosso livre-arbítrio não deixa de existir, mas até as decisões mais conscientes estão carregadas de fatores-externos.
A influência é, às vezes, positiva e necessária, mas em outros casos, pode ser perniciosa e prejudicial. É por isso que a Bíblia nos adverte contra o conselho dos ímpios, o caminho dos pecadores, a roda dos escarnecedores e as más conversações. (Sl.1:1 ; II Cor.6:14 ; I Cor.15:33). Somos o sal da terra (Mat.5:13), devemos dar sabor, influenciar. O sal insípido é inútil. Somos a luz e não podemos fazer aliança com as trevas (II Cor.6:14), ou produziremos a penumbra e sombra, o que, para Deus, são trevas da mesma maneira. Assim diz o Senhor nas Sagradas Escrituras: “Não toquem em coisas impuras e eu os receberei”.(II Cor. 6:17). “Aquele que anda com os sábios, será cada vez mais sábio, mas o companheiro dos tolos acabará mal”. (Pv.13:20). 

Geralmente, as influências são sutis, a começar etimologicamente: o termo “influência” tem a mesma raiz que o verbo “fluir” que, por sua vez, se refere, primariamente, à característica sutil de escape e penetração dos líquidos e gazes. Algumas influências se instalam e chegam a criar raízes sem que percebamos. E também há outros casos, onde a é exercida ou recebida conscientemente.
No âmbito religioso, tais princípios e situações são realidades históricas, o que possibilita detectar as influências que o judaísmo recebeu de outras religiões, bem como as que transmitiu no decorrer de sua história até o primeiro século d.C. Tal empreendimento será útil para podermos avaliar, até certo ponto, a origem divina ou humana das práticas religiosas, elucidando a distinção entre o santo e o profano. Estudando fatos relacionados ao judaísmo, entenderemos também nossas raízes, já que daí veio o cristianismo e conosco estão muitas influências judaicas. 

A HERANÇA DAS RELIGIÕES PRIMITIVAS

Quando terminou de preparar a terra, Deus criou o homem à Sua Imagem e Semelhança e com ele teve comunhão durante algum tempo. A experiência dessa comunhão marcou definitivamente o ser humano e, depois de haver pecado, este passou a ter uma espécie de saudade de seu estado original e do seu Criador. Seu vazio interior o levou a buscar a Deus, e essa busca deu origem a diversas religiões que, apesar de divergentes em muitos aspectos, possuíam várias características em comum. Por quê? Porque a espécie humana é uma só; teve a mesma origem; tem os mesmos anseios e a mesma atração por Deus. Além disso, muitas práticas e conceitos foram transmitidos corretamente através da tradição oral, só sofrendo acréscimos e degeneração posteriormente. 

A primeira religião foi monoteísta. Os primeiros homens, conhecedores de sua verdadeira origem, buscaram o verdadeiro Deus. Com o passar do tempo, o pecado foi afastando a humanidade para cada vez mais longe do Criador. Vale lembrar o exemplo de Caim, mesmo depois de matar seu irmão, ele ainda conversava com Deu e foi decisão dele fugir da presença do Senhor. (Gn.4:8-14). Este episódio parece servir para retratar bem o rumo da humanidade. Depois da confusão das línguas, em Babel, os homens se espalharam por toda a face da terra. Muitos povos se formaram, de organização inicialmente tribal. Nesse contexto, diversas novas religiões surgiram e todas essas religiões primitivas preservaram muitos conceitos verdadeiros sobre Deus e práticas de importância espiritual-autêntica.

A expressão “religiões primitivas” refere-se às que surgiram na pré-história, ou seja, antes da invenção da escrita. Às que apareceram depois, denominamos “religiões antigas”. O que afirmamos sobre as religiões primitivas procede, principalmente, de informações fornecidas pela arqueologia. Em casos duvidosos, os dados foram confrontados com práticas religiosas de vários povos que, ainda nos dias de hoje, vivem em sociedades primitivas em diversas partes do mundo. 

Exemplificando o exposto acima temos: 
-Na África: os pigmeus, pigmóides, bátuas, babongos e bantos.
-Na América do Sul: os fueguinos (Terra do Fogo).
-Na América do Norte: os esquimós e os caribus.
-Na Ásia: os andamaneses, semangues e os aetos.
-Na Austrália: os aborígenes.

Esses povos vivem em sociedades primitivas, onde predomina o patriarcado; vivendo da caça, da pesca, do plantio ou do pastoreio; sem contato com o resto do mundo e aonde não chegou a influência das descobertas científicas e tecnológicas. Apresentando características primitivas quanto às condições econômicas,sociais e religiosas.

Outra fonte de informações são inscrições rupestres e desenhos em diversos materiais contendo narrativas sobre períodos anteriores à invenção da escrita. As religiões primitivas se desenvolveram e se tornaram cada vez mais diferentes umas das outras. 
Alguns povos conservaram uma ideia sobre Deus bem próxima da original. Criam em um Ser Supremo, que havia criado o homem e morava no céu. Mas algumas dessas religiões foram se corrompendo: passaram a adorar o sol, a lua e outros astros. A crença na imortalidade da alma era comum a todos esses povos, da degeneração desta convicção, alguns caíram no extremo de invocar e adorar os mortos e outros passaram a valorizar os objetos, as palavras e os gestos sagrados, como se tudo isso tivesse uma alma ou um poder residente, inventando a magia. Nas sociedades que viviam da caça, surgiu a adoração aos animais. Nos casos de sociedades agrícolas, preocupadas com o funcionamento da natureza e seus ciclos, passou-se a crer em vários “seres supremos”, cada um responsável por um fenômeno específico, “ (...) e trocaram a glória do Deus Imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e_répteis.”(Rom-1:23)

É interessante observarmos que, entre as religiões que mantiveram a crença no Ser Supremo, algumas o chamavam de Pai, ou Nosso Pai e outras o chamavam de Criador. A maioria não O associava a qualquer figura, e ainda havia algumas que ensinavam que Ele era semelhante a um homem idoso com longa barba branca.

Algumas características eram comuns a quase todas as religiões primitivas: 

- Crença em poderes sobrenaturais (o Ser Supremo, ou seres, ou poderes)
- Uso de colunas, pilares, altares e templos sagrados.
- Realização de sacrifícios de animais para obtenção de perdão e favores divinos.
- Existência do homem sagrado (sacerdote, xamã, vidente, ou feiticeiro).
- Realização de festas sagradas.
- Uso de palavras sagradas (orações, profecias, mitos).
- Uniões sagradas (matrimônio, clã, tribo, ordem religiosa).

Merecem destaque também, embora mais raras: 

- Cânticos, às vezes, acompanhavam os sacrifícios.
- Inclinava-se a cabeça ou erguiam-se as mãos durante as orações.
- Tiravam-se os calçados em sinal de respeito.
- Ofereciam-se ao Ser Supremo os primeiros frutos de uma colheita.
- Sacrificavam-se ao Ser Supremo os animais primogênitos.
- Pactos com uso de sangue.
- Eram observadas regras alimentares.
- Consideravam-se impuros os períodos de menstruação e gravidez.
- Apenas as mulheres eram proibidas de comer carne de porco.
- Tocar em um defunto era motivo de quarentena.
- O Sangue humano ou de animal eram considerados sagrados.
- Proibia-se olhar ou tocar em certos objetos sagrados.
- Evitava-se mencionar o nome do Ser Supremo desnecessariamente.
- Proibia-se trabalhar nos dias das festas religiosas.
- Praticava-se o jejum nas cerimônias de iniciação.
- Comia-se carne dos sacrifícios acreditando que esse ato criaria um vínculo de parentesco entre o praticante e o Ser Supremo (ou deuses).
- Faziam-se promessas aos deuses (votos).
- Alguns povos primitivos praticavam a circuncisão.
- Havia rituais de comunhão, nos quais o novato tinha seu nome trocado.
- O sangue dos animais sacrificados era derramado sobre locais sagrados.
- Cria-se no renascimento do animal a partir dos seus ossos. Por isso, não os quebravam.
- Algumas montanhas eram consideradas sagradas.
- Em alguns rituais de iniciação, havia um banho sagrado, que era considerado início de uma nova vida.

Essas manifestações não aconteceram todas no meio de um só povo e na mesma época, mas foram praticadas por diversos grupos primitivos dentro de um período de tempo que não podemos delimitar com precisão, mas que se situa, aproximadamente, entre 4000 e 3000 a.C, sendo recorrentes em pontos geograficamente distintos e distantes. 

CULTURAS

As culturas apresentam diferentes estágios de desenvolvimento e isso influencia suas convicções religiosas. Israel teve contato com povos em vários desses estágios, por isso, para localizarmos as origens judaicas, é bom mencionarmos que o tempo dos povos primitivos é dividido nos seguintes períodos: 

Cultura primordial - A sobrevivência se baseava na coleta de plantas e na caça. Já havia o clã, que era formado por famílias monogâmicas sem organização política.

Cultura primária - Surge o cultivo de plantas, a horticultura. A caça já é mais especializada. Inicia-se o pastoreio de animais. É a cultura dos pastores que nasce. Nela, se destaca o valor da numerosa família patriarcal e o nomadismo.

Cultura secundária - A horticultura se desenvolve para o cultivo de cereais. Para isso, as comunidades rurais vão se fixando em determinados lugares. A caça e o pastoreio vão se desenvolvendo por outro lado. Os pastores passam a praticar grandes-migrações.

Cultura terciária - É a combinação de todas as atividades citadas anteriormente.

INFLUÊNCIA DE OUTROS POVOS

Influência Suméria

Pela fixação de moradias surgiram as cidades e posteriormente o comércio. Alguns povos cresceram muito, dando origem às primeiras grandes civilizações. A mais antiga civilização que se destacou pelo seu desenvolvimento foi a dos sumérios. 
Em 3000 a.C., a Suméria já possuía grandes cidades situadas na Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates. Seu desenvolvimento em diversos setores foi surpreendente em relação à sua época. Entre seus feitos notáveis destaca-se a invenção da escrita cuneiforme. 
A vida religiosa dos sumérios era intensa: em suas cidades havia grandes templos, chamados zigurates, nos quais encontravam-se sacerdotes, sacerdotisas e muitas outras pessoas ligadas ao serviço sagrado, que consistia, além da manutenção básica, de arte religiosa, a música e os escritos (métodos de encantamento, descrição de rituais, lendas, lamentações e hinos).Os sumérios eram politeístas, possuíam aproximadamente 3000 deuses, aos quais faziam-se sacrifícios de animais. A religião suméria ensinava que os homens haviam sido moldados pelos deuses a partir da argila, unicamente para serem seus escravos. Os templos possuíam terras e celeiros não somente para o sustento dos sacerdotes, mas também dos órfãos e viúvas. 

Dentre as cidades da Suméria estava Ur, de onde saiu Abrão. Foi imensa a herança religiosa que Abrão recebeu, ou seja, inúmeras influências que seriam herdadas mais tarde pelo judaísmo. Muito do que abordamos até aqui pode parecer ter sido extraído da Bíblia. A ação de Abraão ao sacrificar um animal a Deus (Gn.22:13), ou a atitude de Jacó ao erigir uma coluna em Betel (Gn.28:18), não eram práticas inventadas por eles, mas influências herdadas. Se Deus aceitou, e mais tarde até prescreveu certos rituais e ações, isto significa que estavam corretos e, provavelmente, surgiram nas relações de Deus com os povos primitivos. Enquanto alguns degeneraram a religião verdadeira, outros ainda a praticavam, como pode servir de exemplo, em Gênesis 14, Melquisedeque, sacerdote do Deus Altíssimo que ofereceu a Abraão pão e vinho e recebeu seus dízimos.Ele era rei e sacerdote de um povo que servia, ou havia servido, ao verdadeiro-Deus.

Quase todas as crenças e rituais primitivos apareceram mais tarde na vida dos patriarcas ou no judaísmo, devidamente ajustados e regulamentados pela lei mosaica. A lei tornou obrigatórias muitas daquelas práticas. Outras se firmaram pela tradição e houve muitas que Deus proibiu que se fizessem. As proibições divinas interromperam o livre curso das influências, excluindo o que era maligno ou corrompido. Por exemplo, foram proibidos a fabricação e uso das imagens de esculturas. Se Deus não proibisse, o judaísmo teria incorporado essa influência maligna.

À primeira vista, pode parecer um absurdo o fato dos israelitas praticarem um rito religioso existente entre outros povos. Pode parecer estranho e até duvidoso que Deus tenha ordenado que assim se fizesse. Essa impressão decorre da visão que temos dos povos do passado. Vemos Israel como o povo de Deus e o resto do mundo como povos do Diabo. É verdade que Israel foi um povo escolhido para um propósito especial. Entretanto, a própria Bíblia nos apresenta evidências das relações de Deus com outros povos. Daí surgiram rituais que só mais tarde o judaísmo viria a praticar. Outros exemplos, além de Melquisedeque (Gn 14) podem ser usados para comprovar esse relacionamento de Deus com povos fora de Israel: Balaão era moabita e conhecia o Deus verdadeiro (Num 24); o Senhor lirou os sírios através de Naamã (II Rs 5); como Israel foi liberto do Egito, Deus tirou também os filisteus de Caftor e os sírios de Quir (Am.9:7); os habitantes de Nínive jejuaram, cobriram-se de saco e cinza, e Deus perdoou os seus pecados (Jn.3) e Ciro, rei da Pérsia, foi chamado de servo e ungido de Deus (Is.45:1).Tudo isso é bem coerente com o propósito divino da salvação. Seu objetivo sempre foi resgatar homens “de toda tribo, língua, povo e nação”. (Ap.5:9). Israel foi escolhido para ser o agente de Deus através do qual Ele intensificaria Sua ação e Se revelaria plenamente entre as nações. O povo de Israel foi eleito, não para ser influenciado, mas para influenciar, para realizar o serviço de levar a benção da promessa (Gn.12:3) a todas as famílias da terra.

Influência Egípcia

O inicio da religião de Israel se deu, “oficialmente”, no monte Sinai, quando Moisés recebeu de Deus os dez mandamentos. O povo acabara de sair do Egito, onde esteve por 430 anos, tempo suficiente para que os israelitas absorvessem muitas características da religião egípcia. 
Os egípcios haviam tido uma experiência breve de Monoteísmo, no reinado de Aquenaton, mas depois se tornaram politeístas novamente e muitos de seus deuses eram representados por imagens de animais. Por exemplo, a deusa Hator era reapresentada pela imagem de uma vaca. Logo ao pé do monte Sinai, vemos a manifestação da influência egípcia: Aarão constrói um bezerro de ouro e diz: “Eis aí os deuses, ó Israel, que tiraram vocês da terra do Egito”. (Êx.32:1-5). Na seqüência, realizaram uma grande festa, o que era muito comum nos ritos sagrados das religiões primitivas e antigas. No Egito, havia templos e sacerdotes, os quais tinham o hábito de se purificarem nas águas de uma lagoa sagrada. O acesso ao interior dos templos era exclusivo aos sacerdotes e havia também entre um sumo-sacerdote com acesso a lugares ainda mais restritos dentro dos templos, que proferia orações diante da imagem do seu deus; prostrava-se e também queimava incenso.
Na saída do Egito, Deus deu ao povo os dez mandamentos. Daí em diante, viria a travessia do deserto. Durante esses quarenta anos, Deus tratou com o povo a fim de desarraigar muitas influências egípcias que não poderiam caracterizar o povo de Deus e começou a preveni-los acerca da influência dos povos que habitavam a terra prometida. Deus deu dois tipos de ordem, pois sabia que Israel não cumpriria cabalmente a primeira. Mandou que os cananeus fossem totalmente destruídos. (Num 33: 50-56 /Dt.7:1-6 ; 25-26) e, sabendo que isto não aconteceria, o Senhor prescreveu uma série de proibições a fim de que o judaísmo não ficasse manchado com as influências pagãs. (Dt.17:2-5 Dt.18: 9-14).
No caminho para Canaã, Israel ainda passou pelos termos dos moabitas e a influência maligna foi fatal. Os israelitas participaram dos sacrifícios idólatras e se prostituíram. Provavelmente, tal prostituição era parte do culto. (Núm.25:1-3). A reação de Deus foi matar vinte e quatro mil israelitas. Parece assustador, mas se Deus não fizesse assim, Israel poderia querer incluir a prostituição em seus próprios rituais.

INFLUÊNCIA DOS CANANEUS E NAÇÕES VIZINHAS

Apesar das proibições divinas, Israel se contaminou com as práticas religiosas de Canaã e das nações vizinhas. Ao estudarmos esse episódio, entendemos porque Deus achou por bem enviar o povo para o Egito por 430 anos. Os cananeus já eram perversos quando Israel chegou ao Egito e há menção na Bíblia de que a medida da maldade desse povo estava quase se enchendo. Indo para o Egito,habitaram na terra de Gózer, permanecendo imaculados das práticas dos cananeus.
A seguir, relacionamos algumas das ocorrências de influência cananéia, que se deram desde os tempos dos juízes até o fim da monarquia:

-Foram edificados altares em vários lugares, quando só deveria haver um altar para a nação. (II Rs.17:9 II Rs. 21:1-4 Dt.12:11-14)

-Andaram nos estatutos das nações de Canaã. (II Rs. 17:8).

-Fizeram estátuas, imagens de escultura. (II Rs.17:10,16 II Rs. 21:7)

-Queimaram incenso em vários lugares, principalmente debaixo das árvores.(II Rs.17: 10- 11 Os.4:13).

-Praticaram a adoração a diversos deuses, principalmente a Baal. (II Rs.17:7,12,16 Os.4:17). Baal era a principal divindade dos cananeus e fenícios. Sua figura estava relacionada ao sol. Seu culto incluía sacrifícios de crianças.

-Adoraram os astros. (II Rs. 17:16 II Rs.21:5 II Rs.23:5)

-Praticaram a feitiçaria. (II Rs.21:6 I Sm.28:7).

-Invocaram os mortos. (I Sm.28:7-11).

-Praticaram magia. (Os.4:12).

-Os casamentos políticos dos reis favoreceram o aumento da idolatria. (I Rs.16:31). O pior exemplo foi o de Salomão, que tomou mulheres moabitas, amonitas, iduméias, sidônias, hetéias, etc.. ( I Rs.11:1-9).

Todas essas práticas provocaram a ira de Deus. Em conseqüência, disso ele entregou Israel nas mãos da Assíria e Judá foi levado para a Babilônia. (II Rs. 17:20-23).

O PROFETISMO NO ANTIGO ORIENTE MÉDIO

No estudo do Antigo Testamento, deparamos com o profetismo em Israel e Judá. Este fenômeno inicia-se no tempo de Samuel e estende-se até o período pós-exílico. O profetismo não foi um movimento exclusivamente israelita. As descobertas arqueológicas testificam que havia profetas entre outros povos e religiões. Até entre os sumérios eles já estavam presentes. Havia, inicialmente, dois tipos de profetas: o vidente e o nabi. O vidente era parte das comunidades nômades, tinha visões espirituais e transmitia suas mensagens por meio de versos poéticos. Balaão é um exemplo de vidente gentio. O nabi era o profeta fixo, que estava ligado a um santuário, um templo, ou uma corte real. Os reis possuíam, geralmente, um ajuntamento desses profetas a seu serviço. Todos esses traços do movimento profético se manifestaram em Israel (I Sm.9:9). O maior representante do profetismo javista foi Elias. Nesse tempo, havia muitos profetas, que poderiam ser encontrados profetizando isoladamente ou em bandos.

INFLUÊNCIAS NA LITERATURA

Como vimos, os videntes de diversas religiões transmitiam suas mensagens em forma de versos, essa prática também se tornou comum em Israel. Isto pode ser facilmente constatado nos livros proféticos do Velho Testamento. A literatura religiosa judaica assimilou influências diversas. Poderíamos citar, por exemplo, o uso de parábolas e lamentações. A própria literatura sapiencial era corrente entre outras nações. Os reis das nações antigas mantinham muitos sábios em suas cortes. Eram os conselheiros reais. A sabedoria foi muito valorizada no Egito, na Arábia, na Fenícia, na Babilônia e em outras nações. Entretanto, a literatura desses povos estava cheia de magia, superstição, idolatria e licenciosidade. Muitos escritos sapienciais da Antiguidade foram recuperados pela arqueologia. Eles tratavam de questões comuns da humanidade, tais como o sofrimento, a moral e a religião. Suas conclusões, porém, eram desalentadoras. Os sábios gentios já se dedicavam a questionar o comportamento humano e compor provérbios. Cabe destacar, entretanto, que tais escritos perdem na essência, quando comparados aos livros bíblicos poéticos, principalmente, aos Provérbios de Salomão. Israel apresentou a melhor essência sapiencial, mas recebeu a influência quanto ao estilo literário.

INFLUÊNCIA DA ASSÍRIA

A Assíria se localizava nas planícies férteis às margens do rio Tigre. Seu povo era de descendência semita. Eram guerreiros extremamente ferozes e cruéis. Foi um dos impérios mais agressivos da Antigüidade., conquistava outras nações sob a justificativa de uma missão divina. 
A principal divindade era Assur e entre seus rituais estavam os sacrifícios de animais. Eram imolados leões, cabritos, gazelas, avestruzes e até macacos. Os assírios acreditavam na existência de muitos deuses e também demônios, alguns dos quais, supostamente, possuíam asas. A crença dos israelitas nos demônios parece ter se desenvolvido durante o cativeiro, por influência da Assíria e/ou da Babilônia (Judá). O certo é que, antes, atribuíam todos os acontecimentos à ação de Deus. Após levar cativo os habitantes do Reino do Norte, a Assíria assentou outra população em seu lugar criando um ambiente propício para influenciar o remanescente israelita que havia permanecido em sua terra. O resultado foi um povo híbrido, os samaritanos, que, pela carga de influência estrangeira, passaram a ser discriminados pelos judeus. (Jo.4:9).

INFLUÊNCIA DA BABILÔNIA

Semelhantemente às tribos do norte, também Judá se corrompeu com todas as influências dos cananeus e povos vizinhos. Por esta causa, Deus os entregou nas mãos da Babilônia. (II Rs.17:19-20).
Os babilônios eram politeístas e se dedicavam também à magia, astrologia, adivinhações e encantamentos. Em sua religião, havia sacerdotes que possuíam grande poder político. Esse fator parece ter influenciado os judeus. Nos dias de Cristo, os sacerdotes judaicos se encontravam em proeminência política no meio do seu povo. Na Babilônia, os judeus aprenderam a dura lição de que não deviam assimilar toda e qualquer influência religiosa. No livro de Daniel já podemos observar alguns judeus com personalidade religiosa mais forte e inflexível. Notamos o caso de Daniel, que manteve seus hábitos de oração ao verdadeiro Deus, mesmo sob risco de vida. Seus três amigos, Sadraque, Mesaque e Abdenego, recusaram-se terminantemente a adorar a estátua de Nabucodonozor. Tais atitudes possibilitaram momentos surpreendentes em que os judeus cativos influenciaram os reis estrangeiros, os quais ordenaram que todos reconhecessem e adorassem o Deus verdadeiro. (Dn.2:47 ; 4:1-3 ,34-37 ; 6:25-28). Estas foram experiências particulares, mas que exemplificam uma tendência do povo cativo.
Após o retorno, os judeus se mostraram definitivamente imunizados contra a influência politeísta. Durante o cativeiro, eles repensaram suas relações com Deus e seus valores religiosos. Tais reflexões produziram o Talmude da Babilônia. No cativeiro surgiram as sinagogas que, até hoje, são em todo o mundo centros da cultura e da religião judaica.

INFLUÊNCIA DA PÉRSIA

Em 538 a.C. o império da Babilônia foi conquistado pela Pérsia. Essa nação praticava uma religião monoteísta, o zoroastrismo, com características que nos parecem surpreendentes. Os soberanos persas - pelo menos Dario, e talvez Ciro e Câmbises - adotaram uma religião de Estado, todas as conquistas eram realizadas em nome de um Ser Supremo, Ahuramazda, criador do céu e da terra. No obscuro passado persa, Ahuramazda fora uma dentre várias divindades da natureza. Os rituais incluíam sacrifícios de animais, uma cerimônia do fogo e a ingestão de uma bebida sagrada e alucinógena chamada haoma. Mas, em algum momento anterior a 600 a.C., surgiu das estepes do nordeste da Pérsia o profeta Zaratustra, ou Zoroastro, como os gregos o chamavam, alegando que Ahuramazda havia manifestado-se a ele numa visão, revelando-se como a divindade suprema, onisciente e onipotente, representante da luz e da verdade, o criador de todas as coisas, a fonte de toda a virtude. Voltados contra Ahuramazda estavam as potências das trevas, os anjos do mal e os guardiões da mentira e da falsidade. O universo passou a ser visto como o campo de batalha em que essas forças opostas se enfrentavam, tanto na esfera das conquistas políticas quanto nas profundezas da alma humana, com a esperança de que com o tempo a luz voltasse a brilhar, dispersando a escuridão e fazendo prevalecer a verdade. No dia do ajuste de contas, os abençoados alcançariam a salvação celestial, e todos os outros assariam nas chamas do purgatório.
O conceito de um deus único e todo-poderoso não era inteiramente novo. Os egípcios haviam considerado essa idéia durante o reinado de Aquenaton, e os judeus caminhavam nessa direção havia séculos. Mas Zoroastro deu ao monoteísmo seu padrão ético - a luz contra as trevas, a verdade contra a falsidade. O que constituía uma inovação espiritual de enorme importância. Num sentido imediato, essa visão pode ter sido um reflexo da animosidade entre um reformador visionário e um povo tradicionalista. Zoroastro condenou o sacrifício de animais, por exemplo, e elevou o culto do fogo à eminência de símbolo de purificação e verdade. Mas foi no plano ético que ele obteve seu verdadeiro triunfo, promovendo um modelo de comportamento virtuoso. 
O zoroastrismo sofreu inúmeras modificações no decorrer dos séculos, e seu monoteísmo essencial acabou minado por uma hierarquia cada vez maior de santos e demônios. Alguns de seus rituais pareceram excêntricos demais aos contemporâneos: a aparente adoração do fogo, em elevadas torres ao ar livre; a ausência de templos e ídolos; uma veneração pela natureza tão difundida que os zoroastristas ortodoxos abandonavam seus mortos nos topos das montanhas em vez de macularem a terra com um sepultamento. Mas a essência abstrata do zoroastrismo afetou profundamente o pensamento religioso do Oriente Médio. Ela influenciou os escribas judeus que, na Babilônia, estavam editando os antigos textos da lei mosaica, proporcionado-lhes novos conceitos de céu e inferno e inspirando-os com um novo sentido de responsabilidade individual perante um Deus único e verdadeiro.
A crença numa vida celestial após a morte para os bons e nos tormentos infernais para os maus pode ter sido, em parte, responsável pela maneira esclarecida com que os soberanos persas tratavam as nações conquistadas.
É impressionante a semelhança entre o zoroastrismo e o judaísmo em diversos pontos. Além da influência que os judeus receberam no cativeiro, parece que outras tantas influências foram trocadas entre essas religiões. É difícil tirar uma conclusão. Algumas perguntas não encontram respostas. Por exemplo : Teriam tido os persas uma experiência com o Deus verdadeiro ? Essa hipótese é fascinante e não pode ser descartada. Principalmente, quando lembramos que o Deus de Israel se referiu ao rei Ciro como servo e ungido. (Is.45:1). De qualquer modo, algumas características do zoroastrismo são biblicamente reprovadas. Durante o domínio persa, os cativos judeus foram autorizados a retornar para sua terra.

INFLUÊNCIA DA GRÉCIA

Em 333 a.C., Alexandre, o Grande, conquistou a Pérsia. Nesse período, estava em franca ascensão o domínio grego sobre o mundo conhecido da época. Em 175 a.C. , o rei Antíoco IV construiu um ginásio em Jerusalém e ensinou os jovens judeus a praticar o atletismo. Além disso, tirou os vasos do templo em Jerusalém e colocou nele a imagem de Zeus, seguindo uma prática que fora bem sucedida em todos os outros domínios gregos. Antíoco resolveu estirpar a religião judaica, acabando com a circuncisão e com a observância das leis relativas aos alimentos. A tudo isso o povo de Jerusalém se submeteu. Sacrificaram aos ídolos gregos e profanaram o sábado. Entretanto, fora da cidade, os judeus resistiam obstinados. Esses fatos são narrados no primeiro livro dos Macabeus.
Muitos servos de Deus fiéis, que resistiram a Antíoco Epífanes, foram por ele executados. Até então, os judeus esperavam a recompensa divina em vida. Essas mortes de pessoas virtuosas fizeram com que fosse desenvolvida a fé na imortalidade e na ressurreição. Apenas os saduceus resistiram a essas conclusões. Além desses episódios, a influência grega sobre o judaísmo se deu mais através da cultura. A língua grega foi difundida em todo o mundo. Até em Israel se falava grego. Havia colônias judaicas em muitos lugares. Em Alexandria, no Egito, estava uma das principais e lá foi feita , em 270 a.C., a tradução do Antigo Testamento para o grego. Essa versão recebeu o nome de Septuaginta, sendo utilizada mais tarde por Jesus e seus discípulos.

INFLUÊNCIA DE ROMA

Israel conseguiu se libertar do jugo da Grécia, mas logo foi conquistado pelos romanos. Estes, em seus primórdios, praticaram uma espécie de culto da natureza. Depois, foram “adotando” deuses e práticas religiosas de outras nações, principalmente da Grécia. Como influência romana no judaísmo, podemos citar o templo que Herodes construiu em Jerusalém. A construção era em estilo helenístico, com pilares coríntios e com a imagem de uma águia sobre a entrada principal. No ano 70 d.C. os judeus se rebelaram contra Roma, que revidou, invadindo Jerusalém e derrubando o templo.

INFLUÊNCIA DO JUDAÍSMO SOBRE O CRISTIANISMO

O cristianismo é fruto do judaísmo. Cristo é um judeu. Tal influência é tão abrangente, que poderíamos dizer que herdamos tudo o que o judaísmo tinha e passamos a selecionar o que seria utilizado ou não. Do judaísmo recebemos o Antigo Testamento e , com ele, toda a nossa base religiosa. Cremos no mesmo Deus; cremos no céu, no inferno, na existência das hostes celestiais, na recompensa para os justos e no castigo para os ímpios. Uma lista completa seria bastante extensa. Em alguns segmentos considerados, estatisticamente, cristãos, tais como os adventistas do sétimo dia, o vínculo com o judaísmo se torna ainda mais evidente, pois tais igrejas procuram seguir , ainda hoje, alguns preceitos da lei mosaica, que nós, batistas, não observamos.
Os padres católicos, por sua vez, usam vestes que nos lembram os sacerdotes bíblicos. Muitas igrejas, inclusive Assembleias de Deus, mantêm a tradição de apresentar crianças recém-nascidas. Tal prática não é um preceito cristão, mas está relacionada ao rito judaico da circuncisão. (Lc.2:21-58). Enquanto algumas denominações guardam o sábado, outras guardam o domingo como dia do Senhor. Em ambos os casos, está a influência do sábado judaico.
O Novo Testamento ensina que Deus não habita em templos feitos por mãos humanas e que o templo de Deus somos nós. Entretanto, existe, ainda hoje, uma forte valorização dos templos de concretos como se fossem sagrados. Muitos se referem a eles como “Casa de Deus”. Os púlpitos ou altares são, às vezes, considerados lugares santos. Tais pensamentos são herança judaica. Alguns as receberam “via catolicismo”. 
A comemoração da páscoa é outra herança. Nós, como cristãos, não temos o dever de comemorá-la. A ceia do Senhor absorveu os significados dessa festa e não tem data determinada para sua realização. 
Há alguns grupos evangélicos que chegam a comemorar pentecostes e tabernáculos sem, contudo, seguir todos os ritos da lei em relação a essas festas. 
Muitas influências judaicas são necessárias e foram endossadas pelo Senhor Jesus (Mt.5). Outras, porém, são pesos desnecessários e totalmente incompatíveis com a revelação da Nova Aliança. (At.15:28-29 Gl.5:3-4).

Conclusão

Podemos dizer que o judaísmo se ergueu sobre os fundamentos das religiões primitivas e, no seu desenvolvimento, foram adotadas características próprias de outros povos. A verdade é que estas características não pertenciam às culturas em que foram encontradas, mas a uma supra cultura anterior, remota, como um elo que pode ser seguido até o Éden. Mesmo com o homem deliberadamente decidindo fugir de Deus e se afastar, Deus deixou pistas em todas as culturas que reconduzissem a Ele. Claro que estas pistas são insuficientes, mas preparam todos os povos para a revelação plena de Deus na história, através de Jesus Cristo.

Perseguição aos Cristãos primitivos e a Igreja


A primeira perseguição contra a Igreja deu-se no ano 67 d.C, sob o domínio de Nero, o sexto imperador de Roma. Durante os cinco primeiros anos de seu reinado, o monarca agiu de forma tolerante. Depois, porém, deu vazão às mais atrozes barbaridades. Entre outros caprichos diabólicos, ordenou que a cidade de Roma fosse incendiada — ordem cumprida por seus oficiais, guardas e servos. Enquanto a cidade imperial ardia em chamas, subiu à torre de Mecenas a fim de tocar lira e entoar o cântico do incêndio de Tróia. Fez questão de declarar abertamente que “desejava a ruína de todas as coisas antes de sua morte”. Além do grande edifício do Circo, muitos palácios e casas foram destruídos. Milhares de pessoas pereceram nas chamas; outro tanto foi sufocado pela fumaça ou sepultado sob as ruínas.

Quando Nero percebeu que sua conduta era intensamente censurada, e que ele se tornara objeto de profundo ódio, decidiu culpar os cristãos pelo incêndio voraz. Assim, além de livrar-se, aproveitou para regalar-se com novas crueldades.

Foi esta a causa da primeira perseguição. As brutalidades cometidas contra os cristãos eram tais, que até os próprios romanos foram movidos pela compaixão. Nero desenvolveu requintes para as suas crueldades, e inventou castigos que só a mais infernal imaginação poderia conceber. Em particular, fez com que alguns fossem costurados em peles de animais selvagens e lançados aos cães para serem destroçados. Outros, com as vestes encharcadas de cera inflamável, foram atados aos postes de seu jardim particular, onde lhes atearam fogo para que ardessem como tochas de iluminação. A perseguição generalizou-se por todo o império romano. Contudo, o espírito do cristianismo só aumentava. Foi durante essa perseguição que os apóstolos Paulo e Pedro sofreram o martírio.

Aos seus nomes pode-se acrescentar Erasto, tesoureiro de Corinto; Aristarco, o macedônio; Trófimo, de Éfeso, convertido através da mensagem de Paulo e que se tornou seu colaborador; José, comumente chamado Barsabás; Ananias, o bispo de Damasco; e cada um dos setenta.

A Segunda Perseguição sob Domiciano, em 81 d.C.
O imperador Domiciano, por natureza inclinado à crueldade, matou primeiro seu irmão, suscitando logo a segunda perseguição aos cristãos. Em sua fúria, matou alguns senadores romanos; uns, por desconfiança, e outros, para confiscar-lhes os bens. De imediato, ordenou a execução de todos os pertencentes à linhagem de Davi.

Entre os numerosos mártires dessa perseguição, nomeiam-se Simeão, bispo de Jerusalém, e o evangelista João, lançado em óleo fervente, o qual nenhum mal lhe fez e, a seguir, foi exilado na ilha de Patmos. Flávia, filha de um senador romano, foi quem ditou a seguinte lei: “Que nenhum cristão, uma vez trazido ao tribunal, fique isento de castigo, sem que renuncie a sua religião”.

Durante esse reinado, foram escritas várias histórias, inventadas com a finalidade de causar dano aos cristãos. Tal era o fanatismo dos pagãos, que se qualquer fome, epidemia ou terremoto assolasse alguma das províncias romanas, culpavam os cristãos. As perseguições fizeram aumentar o número de informantes, e muitos, movidos pela cobiça, testificavam falsamente contra a vida de inocentes.

Outra dificuldade era que, ao serem levados aos tribunais, os cristãos eram submetidos a um juramento; caso se recusassem a fazê-lo, eram sentenciados à morte, e caso se confessassem cristãos, a sentença era a mesma.

Os nomes abaixo identificam os que mais se destacaram dentre os numerosos mártires dessa perseguição.

Dionísio, o areopagita, era ateniense de nascimento e instruído em toda literatura útil e estética da Grécia. Viajou ao Egito para estudar astronomia e fez observações muito precisas do grande eclipse sobrenatural ocorrido na crucificação de nosso Salvador. A santidade de sua vida e a pureza de suas maneiras recomendaram-no de tal modo diante dos cristãos, que foi designado bispo de Atenas.

Nicodemos, um benevolente cristão, sofreu em Roma durante o furor da perseguição de Domiciano.

Protásio e Qervásio foram martirizados em Milão.

Timóteo, o célebre discípulo de Paulo, foi bispo de Éfeso, onde pastoreou zelosamente a igreja até 97 d.C. Nesse tempo, quando os pagãos estavam para celebrar a festa chamada Catagogião, Timóteo repreendeu-os severamente por sua ridícula idolatria. Exasperado, o povo caiu sobre ele, armado de paus. Terrivelmente espancado, o discípulo de Paulo expirou dois dias depois.

A Terceira Perseguição sob Trajano, em 108 d.C.
Na terceira perseguição, Plínio, o Jovem, homem erudito e famoso, vendo a lamentável matança de cristãos, foi movido pela compaixão e escreveu a Trajano, comunicando-lhe que milhares de pessoas eram mortas diariamente sem que nada houvessem feito às leis romanas; não mereciam, portanto, aquela perseguição. “Tudo o que eles contam acerca de seu crime ou erro (ou como tenha que se chamar) somente consiste nisto: que costumam reunir-se em determinados dias, antes do amanhecer, e repetir juntos uma oração que honra a Cristo como Deus, além de se comprometerem a não cometer maldade alguma, não furtar, roubar ou adulterar; nunca mentir, e jamais defraudar alguém. Feito isto, costumam separar-se e voltar a reunir-se depois para uma inocente refeição em comum”.

Nessa perseguição sofreu o bem-aventurado Inácio, muito considerado por todos os cristãos. Ele havia sido designado ao bispado de Antioquia, em sucessão a Pedro. Contam alguns que, ao ser enviado da Síria a Roma, porque professava a Cristo, foi entregue às feras para ser devorado. Também dizem que quando passou pela Ásia (atual Turquia), debaixo do mais apurado cuidado de seus guardiões, fortaleceu e confirmou as igrejas em todas as cidades por onde passava, tanto com suas exortações como pela pregação da Palavra. Assim, ao chegar a Esmirna, escreveu aos cristãos de Roma a fim de exortá-los a não empregarem meio algum para libertá-lo de seu martírio; que não o privassem daquilo que mais anelava e esperava. “Agora começo a ser um discípulo, fiada me importa das coisas visíveis ou invisíveis, para poder ganhar somente a Cristo. Que venham sobre mim o fogo e a cruz, manadas de bestas selvagens, rompimento de ossos e dilaceramento do corpo, e toda a malícia do diabo. Que assim seja, se eu tão-somente puder ganhar a Cristo Jesus!” E quando recebeu a sentença de ser lançado às feras, tal era o seu desejo de padecer que, cada vez que ouvia rugir os leões, dizia: “Sou o trigo de Cristo; vou ser moído com os dentes de feras para que possa ser achado pão puro”.

Adriano, o sucessor de Trajano, deu andamento a esta terceira perseguição com a mesma severidade que o seu antecessor. Nesse tempo foram martirizados Alexandre, bispo de Roma; seus dois diáconos, Quirino e Hermes, com suas famílias; Zeno, um nobre romano, e cerca de outros dez mil cristãos.Muitos foram crucificados no monte Ararate, coroados de espinhos e traspassados com lanças, numa imitação da paixão de Cristo. Eustáquio, um valente comandante romano, com muitos êxitos militares, recebeu ordem do imperador para unir-se a um sacrifício idólatra em celebração a uma de suas próprias vitórias. Sua fé, porém (pois era cristão), era maior que a sua vaidade, e ele, nobremente, recusou-se a comparecer. Enfurecido pela negativa, o ingrato imperador esqueceu-se dos serviços do destro comandante e ordenou o seu martírio, bem como o de toda a sua família.

No martírio de Faustines e Jovitas, ambos os irmãos e cidadãos de Bréscia, tantos foram os seus padecimentos e tão grande a sua paciência, que Calocerio, um pagão, ao contemplá-los, foi tomado de admiração e exclamou: “Grande é o Deus dos cristãos!” Por isso, foi preso e sofreu igual sorte.Muitas outras crueldades tiveram de sofrer os cristãos, até que Quadratus, bispo de Atenas, fizesse uma erudita apologia a favor deles, diante do imperador, que então se achava presente. Aristides, um filósofo da mesma cidade, também contribuiu, ao escrever uma elegante epístola que levou Adriano a diminuir sua severidade e ceder a favor dos cristãos.Adriano, ao morrer em 138 d.C, foi sucedido por António Pio, um dos mais gentis monarcas que já reinaram, e que deteve as perseguições contra os cristã.

A Quarta Perseguição sob Marco Aurélio, em 162 d.C.

No ano 161 de nosso Senhor, Marco Aurélio assumiu o trono. Embora elogiável no estudo da filosofia e em sua atividade de governo, era um homem de natureza rígida e severa; foi duro e feroz contra os cristãos, e desencadeou a quarta perseguição.

As crueldades executadas nesta perseguição foram de tal calibre que muitos dos espectadores estremeciam de horror ao vê-las, e ficavam atónitos diante da coragem dos que as sofriam. Alguns dos mártires eram obrigados a passar, com os pés já feridos, sobre espinhos, cravos, conchas afiadas, etc. Outros eram açoitados até que seus tendões e veias ficassem expostos, e, depois de haverem sofrido os mais atrozes tormentos já inventados, eram mortos das maneiras mais terríveis.

Germânico, jovem ainda, porém verdadeiro cristão, foi entregue às feras por causa de sua fé. Enfrentou tudo com coragem tão assombrosa, que muitos pagãos se converteram ao cristianismo.

Policarpo, o respeitado bispo de Esmirna, ocultou-se ao ouvir que o procuravam; foi, porém, descoberto por um menino. Depois de servir uma refeição aos guardas que o prenderam, pediu-lhes uma hora de oração, e foi atendido. Orou com tal fervor que os soldados, os quais o haviam detido, arrependeram-se de havê-lo feito. Todavia, levaram-no ao procônsul; ele foi condenado e queimado na praça do mercado.

O procônsul pressionou-o: “Jura e te darei a liberdade. Blasfema contra Cristo”.

Policarpo respondeu-lhe: “Durante oitenta e seis anos o tenho servido, e nunca me fez mal algum. Como blasfemaria eu contra o meu Rei, que me tem salvado?”

Policarpo assegurou-lhes que se manteria imóvel na estaca; então, ao contrário do que se costumava fazer, foi apenas atado, e não cravado. Ao acenderem a fogueira, as chamas rodearam-lhe o corpo, como um arco, sem tocá-lo. Ordenaram então ao carrasco que o traspassasse com uma espada. Com isto, manou tão grande quantidade de sangue que o fogo apagou-se. Não obstante, por instigação dos inimigos do Evangelho, principalmente dos judeus, ordenou-se que seu corpo fosse consumido na fogueira; e a petição de seus amigos, que lhe queriam dar um sepultamento cristão, foi desprezada. Contudo, recolheram-lhe os ossos e o que foi possível de seus restos mortais, e os enterraram decentemente

Metrodoro, um ministro e pregador impetuoso, e Peônio, autor de várias e excelentes apologias à fé cristã, foram também queimados. Carpo e Papilo, dois dignos cristãos, e Agatônica, uma piedosa mulher, sofreram o martírio em Pergamópolis, na Ásia.

Felicitate, uma ilustre dama romana, de classe social elevada e muito virtuosa, era devota crista. Tinha sete filhos, a quem educara com a mais exemplar piedade. Enero, o mais velho, foi flagelado e prensado com pesos até morrer. Félix e Felipe, que o seguiam em idade, foram descerebrados com garrotes. Silvano, o quarto, foi jogado de um precipício e morreu. Os três mais novos, Alexandro, Vital e Marcial, foram decapitados. A mãe foi morta com a mesma espada que os mataram.

Justino, o célebre filósofo, foi martirizado nesta perseguição. Era natural de Neápolis, em Samaria, e nascera em 103 d.C. Foi um grande amante da verdade e erudito universal; investigou as filosofias estóica e peripatética, e provou a pitagórica, mas, ao desgostar-se da conduta de um de seus professores, investigou a platónica, na qual encontrou grande deleite. Por volta do ano 133 d.C, aos trinta anos, converteu-se ao cristianismo e, desde então, pela primeira vez, percebeu a real natureza da verdade.

Escreveu uma elegante epístola aos gentios e empregou seus talentos para convencer os judeus da verdade dos ritos cristãos. Dedicou grande tempo a viajar, até estabelecer sua residência em Roma, no monte Viminal.

Abriu uma escola pública; ensinou a muitos que foram, posteriormente, destacados personagens na história; e escreveu um tratado para refutar todo tipo de heresias. Quando os pagãos começaram a tratar os cristãos com severidade, Justino escreveu sua primeira apologia a favor deles. Este escrito, que exibe grande erudição e genialidade, fez com que o imperador publicasse um edito em favor dos cristãos.

Pouco depois entrou em frequentes discussões com Crescente, pessoa de vida viciosa, conquanto célebre filósofo cínico. Os argumentos de Justino foram poderosos, porém odiosos para Crescente, que decidiu, e conseguiu, sua destruição.

A segunda apologia de Justino, devido a certas coisas que continha, deu ao cínico Crescente a oportunidade de predispor o imperador contra ele; por isso, Justino foi detido juntamente com seis companheiros. Como se recusassem a prestar sacrifícios aos ídolos pagãos, foram condenados ao açoite seguido de decapitação. Esta sentença cumpriu-se com toda a severidade imaginável.

Vários foram decapitados por se recusarem a sacrificar à imagem de Júpiter; em particular, Concordo, diácono da cidade de Espólito.

Quando algumas das agitadas nações do Norte levantaram armas contra Roma, o imperador pôs-se em marcha para enfrentá-las. Não obstante, viu-se preso numa emboscada e temeu perder todo o seu exército. Isolados entre montanhas, rodeados de inimigos, e com muita sede, em vão invocaram as divindades pagãs. Então o imperador ordenou aos homens pertencentes à Legião do Trovão que orassem ao seu Deus pedindo socorro. De imediato veio a milagrosa resposta: caiu uma chuva torrencial, que foi recolhida e represada pelos homens, trazendo alívio repentino e assombroso. Parece que a tormenta intimidou de tal forma os inimigos que uma parte deles desertou até o exército romano; o restante foi derrotado, e as províncias rebeldes foram totalmente recuperadas.

Este episódio fez com que a perseguição se atenuasse por algum tempo, ao menos nas zonas sob a inspeção do imperador. Observamos, porém, que logo se desencadearia na França, particularmente em Lyon, onde as torturas impostas aos cristãos quase ultrapassam a capacidade de descrição.

Eis os principais desses mártires: um jovem chamado Vetio Agato; Blandina, uma dama cristã de débil constituição; Sancto, diácono em Vienna — a este aplicaram pratos de bronze em brasas sobre as partes mais sensíveis do corpo; Bíblias, uma frágil mulher que fora apóstata anteriormente; Attalo, de Pérgamo, e Potino, o conceituado bispo de Lyon, que tinha noventa anos. No dia em que Blandina e outros três campeões da fé foram levados ao anfiteatro, penduraram-na em um lenho a fim de expô-la como alimento às feras. Entretanto, com suas fervorosas orações, ela alentava os companheiros. Nenhuma das feras a tocou, e ela foi levada de volta à masmorra. Ao ser retirada de lá pela terceira e última vez, saiu acompanhada por Pontico, um adolescente de quinze anos. A consistência da fé deles enfureceu de tal maneira a multidão, que não foram respeitados nem o sexo dela nem a juventude dele; ambos foram objeto de todo tipo de castigos e torturas. Fortalecido por Blandina, o menino perseverou até a morte; ela, depois de suportar os sofrimentos mencionados, foi finalmente morta à espada.

Nessas ocasiões, os cristãos caminhavam para o martírio coroados com guirlandas de flores; por elas, recebiam no Céu imarcescíveis coroas de glória.

Dizem que a vida dos cristãos primitivos consistia em “perseguição sobre a terra e orações no subsolo”. Suas vidas estão expressas no Coliseu e nas

catacumbas. Debaixo de Roma estão os subterrâneos que chamamos de catacumbas, e tanto serviam de templos como de tumbas. A primitiva comunidade cristã em Roma poderia ser chamada, com razão, de a Igreja das Catacumbas. Perto desta cidade existem cerca de sessenta catacumbas, onde podem ser percorridas umas seiscentas milhas de galerias, e isto não é a totalidade. Elas têm uma altura de aproximadamente oito pés (2,4 metros) e uma largura entre três e cinco pés (em torno de 1 a 1,5 metro), e contêm, de cada lado, várias fileiras de cavidades compridas, baixas e horizontais, umas sobre as outras, como as beliches de um barco. Nestes cubículos eram postos os cadáveres e em seguida eram fechados com uma simples lápide de mármore ou grandes lajes de argila, unidas com concreto. Nestas lápides ou lajes estão gravados ou pintados epitáfios e símbolos. Tanto pagãos como cristãos sepultavam seus mortos nessas catacumbas. Quando foram abertos os sepulcros cristãos, os esqueletos contaram sua terrível história. Encontraram-se cabeças separadas do corpo, costelas e clavículas quebradas, e ossos calcinados pelo fogo. Apesar da terrível história de perseguição que aí se lê, as inscrições respiram gozo, paz e triunfo. Eis algumas delas:

“Aqui jaz Márcia, posta a repousar em um sonho de paz.”

“Lorenzo a seu mais doce filho, levado pelos anjos.”

“Vitorioso em paz e em Cristo.”

“Ao ser chamado, foi-se em paz.”

Ao ler estas inscrições, recordemos a história de perseguições, tortura e fogo contada pelos esqueletos.

Entretanto, a plena força destes epitáfios é melhor apreciada quando os contrastamos com os epitáfios pagãos, tais como:

“Vive para esta hora presente, porque de nada mais estamos seguros.”

“Levanto minhas mãos contra os deuses que me arrebataram aos vinte anos, mesmo não havendo feito algo de errado.”

“Uma vez não era. Agora não sou. Nada sei dele, e não é minha preocupação.”

“Peregrino, não me maldigas quando passares por aqui; porque estou em trevas e não posso responder.”

Os mais frequentes símbolos cristãos nas paredes das catacumbas são: um pastor com um cordeiro nos ombros, um navio com as velas desfraldadas, harpas, âncoras e, principalmente, o peixe.

A Quinta Perseguição sob Severo, em 192 d.C.

Severo, recuperado de uma grave enfermidade após haver recebido cuidados de um cristão, chegou a ser um grande benfeitor dos cristãos em geral. Ao prevalecer, porém, os preconceitos e a fúria da multidão ignorante, foram postas em ação leis obsoletas em relação aos adeptos do cristianismo. O avanço do movimento alarmava os pagãos e reavivava o velho hábito de se culpar os cristãos pelas desgraças acidentais que sobrevinham. Esta perseguição desencadeou-se em 192 d.C.

Embora rugisse a malícia persecutória, o Evangelho resplandecia fulgurantemente; firme como uma rocha, resistia com êxito aos ataques dos inimigos. Tertuliano, que viveu nessa época, informa-nos que, se os cristãos houvessem se retirado em massa dos territórios romanos, o império teria ficado grandemente despovoado.

Victor, bispo de Roma, sofreu o martírio no primeiro ano do terceiro século, em 201 d.C. Leônidas, pai do célebre Origenes, foi decapitado por Cristiano. Muitos dos ouvintes de Origenes também foram martirizados; em particular dois irmãos, Plutarco e Sereno. Um outro Sereno, e também Heron e Heráclides, foram decapitados. Com Rhais deu-se o seguinte: derramaram-lhe breu fervente sobre a cabeça, e logo o queimaram, como também a sua mãe Marcela. Potainiena, irmã de Rhais, foi executada da mesma forma que ele. Entretanto, Brasílides, oficial do exército, que recebeu ordens para presidir a execução, converteu-se ao Evangelho.

Quando pediram a Brasílides que fizesse um certo juramento, afirmou que não poderia jurar pelos ídolos romanos, porque era cristão. Cheia de estupor, a multidão não podia crer no que ouvia; porém, após confirmar o que dissera, ele foi arrastado à presença do juiz, lançado no cárcere e, pouco depois, decapitado.

Irineu, bispo de Lyon, nascera na Grécia e recebera uma educação esmerada e cristã. Supõe-se, em geral, que o relato das perseguições em Lyon tenha sido escrito por ele mesmo. Sucedeu ao mártir Potino, como bispo de Lyon, e pastoreou com grande discrição sua comunidade cristã; opunha-se fervorosamente às heresias em geral e, por volta de 187 d.C, escreveu um célebre tratado contra as mesmas. Victor, bispo de Roma, desejoso de impor ali a observação da Páscoa, ao preferir este a outros lugares, provocou algumas desordens entre os cristãos. De maneira particular, Irineu escreveu-lhe uma epístola sinódica, em nome das igrejas galicanas.

Este zelo pelo cristianismo acabou por destacá-lo como objeto de ressentimento diante do imperador, o que lhe custou a decapitação em 202 d.C.

As perseguições, ao se estenderem à África, provocaram a morte de muitos cristãos. Mencionaremos os mais destacados entre eles:

Perpétua, de aproximadamente vinte e dois anos, casada. Com ela sofreram Felicitas, também casada e em adiantado estado de gestação, e Revocato, escravo e catecúmeno de Cartago. Outros presos destinados a sofrer nessa ocasião foram Saturnino, Secúndulo e Satur. no dia marcado para a execução deles, foram levados ao anfiteatro. A Satur, Secúndulo e Revocato mandaram que corressem entre os domadores das feras. Estes, dispostos em duas fileiras, flagelavam-nos severamente enquanto corriam. Felicitas e Perpétua foram despidas e expostas a um touro bravo, que se lançou primeiro contra Perpétua, deixando-a inconsciente; logo arremessou-se contra Felicitas, e a içou terrivelmente pelos chifres. Como ambas continuassem vivas, o carrasco atravessou-as com uma espada. Revocato e Satur foram devorados pelas feras; Saturnino foi decapitado, e Secúndulo morreu no cárcere. Estas execuções aconteceram em março de 205 d.C.

Esperato e outros doze foram decapitados, e o mesmo aconteceu com Androcles, na França. Asclepíades, bispo de Antioquia, sofreu muitas torturas, mas não foi morto.

Cecília, jovem dama de uma boa família em Roma, casada com um cavaleiro chamado Valeriano, ganhou o marido e o irmão para Jesus, que foram por isso decapitados. O oficial que os levou à execução foi convertido por eles e sofreu a mesma sorte. A dama foi lançada despida em um banho fervente e, após permanecer ali um tempo considerável, foi decapitada. Isto aconteceu em 222 d.C.

Calixto, bispo de Roma, sofreu o martírio em 224 d.C, mas não há registro sobre a forma de sua morte. Urbano, bispo de Roma, sofreu a mesma sorte em 232 d.C.

A Sexta Perseguição sob Maino, em 235 d.C.
Em 235 d.C, começou, sob o comando de Maximino, uma nova perseguição. O governador de Capadócia, Seremiano, fez todo o possível para exterminar os cristãos daquela província.

As principais pessoas a morrer sob este reinado foram: Pontiano, bispo de Roma (seu sucessor, um grego chamado Anteros, ofendeu o governo ao

reconhecer os atos dos mártires); Pamaquio e Quirito, senadores romanos, juntamente com suas famílias; Simplício, também senador; Calepódio, um ministro cristão que foi lançado ao rio Tiber; Martina, uma nobre e formosa donzela; e Hipólito, um prelado cristão que foi atado a um cavalo selvagem e arrastado até morrer.

Durante esta perseguição, suscitada por Maximino, muitos cristãos foram executados sem julgamento e enterrados indiscriminadamente em montões; às vezes, cinquenta ou sessenta eram jogados juntos em uma vala comum, sem a menor decência.

Ao morrer o tirano Maximino, em 238 d.C, substituiu-o Qordiano. Durante seu reinado, assim como no de Felipe, seu sucessor, a Igreja esteve livre das perseguições num período de mais de dez anos. Porém, em 249 d.C, por instigação de um sacerdote pagão, e sem conhecimento do imperador, desatou-se em Alexandria violenta perseguição.

A Sétima Perseguição sob Décio, em 249 d.C.
Esta foi ocasionada, em parte, pelo aborrecimento que Décio tinha para com seu antecessor, Felipe, considerado cristão, e também por seu ciúme diante do assombroso avanço do cristianismo. O que ocorria era que os templos pagãos começavam a ser abandonados e as igrejas cristãs tornavam-se repletas.

Estas razões estimularam Décio a tentar a extirpação do nome “cristão”. E, desafortunadamente para o Evangelho, vários erros ocorreram, nesse tempo, dentro da Igreja. Os cristãos achavam-se divididos entre si; os interesses próprios separavam aqueles a quem o amor deveria manter unidos; a virulência do orgulho deu ocasião a uma série de facções.

Os pagãos, em geral, ambicionavam pôr em ação os decretos imperiais e consideravam o assassinato dos cristãos um mérito para si próprios. Nessa ocasião, os mártires foram inumeráveis; relacionaremos, porém, apenas os principais.

Fabiano, bispo de Roma, foi a primeira pessoa, em posição eminente, a sentir a severidade dessa perseguição. O falecido imperador havia posto seu tesouro aos cuidados desse homem, devido à sua integridade. Mas Décio, por não encontrar tanto quanto sua avareza o fizera imaginar, decidiu vingar-se do bom prelado. Fabiano foi, então, preso e decapitado em 20 de janeiro de 250 d.C.

Julião, nativo da Cilicia, como nos informa Crisóstomo, foi preso por ser cristão. Posto em uma bolsa de couro, junto com várias cobras e escorpiões, foi lançado ao mar.

Pedro, um jovem muito simpático, tanto pelo seu físico como por suas qualidades intelectuais, foi decapitado por se recusar a sacrificar a Vénus. No julgamento, declarou: “Estou atónito ao ver que sacrificais a uma mulher tão infame, cujas abominações são registradas por vossos próprios historiadores e cuja vida consistiu em ações que vossas próprias leis castigariam. Não oferecerei sacrifício a ela, mas ao verdadeiro Deus apresentarei a oferta aceitável de louvores e orações”. Ao ouvir isto, Óptimo, procônsul da Ásia, ordenou que o preso fosse estirado na roda de tormento, onde se lhe romperam todos os ossos. Depois, foi decapitado.

Nicômaco, obrigado a comparecer diante do procônsul como cristão, recebeu ordens de sacrificar aos ídolos pagãos. No entanto, ele replicou: “Não posso dar a demónios a reverência devida somente ao Todo-Poderoso”. Esta maneira de falar enfureceu de tal modo o procônsul, que Nicômaco foi posto no potro. Depois de suportar os tormentos por um tempo, retratou-se. Porém, logo depois desta prova de debilidade, entrou em agonia; tombou ao chão e morreu imediatamente.

Denisa, uma jovem de apenas dezesseis anos, ao contemplar este terrível juízo, exclamou: “Oh, infeliz, para que comprar um momento de alívio à custa de uma eternidade de misérias?!” Ao ouvi-la proferir tais palavras, Óptimo chamou-a e, ao saber que ela também era cristã, mandou decapitá-la.

André e Paulo, dois companheiros de Nicômaco, sofreram o martírio por apedrejamento em 251 d.C. e morreram invocando o nome de seu Redentor.

Alexandro e Epímaco, de Alexandria, foram presos como suspeitos de serem cristãos. Diante da confirmação, foram golpeados com estacas, rasgados com ganchos de ferro e, finalmente, queimados. Também nos informa um fragmento preservado por Eusébio que quatro mulheres mártires sofreram naquele mesmo dia e no mesmo lugar, mas não da mesma maneira; foram decapitadas.

Luciano e Marciano, dois malvados pagãos versados nas artes mágicas, converteram-se ao cristianismo e, para expiar os erros passados, passaram a viver como eremitas e alimentar-se apenas de pão e água. Depois de um tempo nesta condição, tornaram-se zelosos pregadores e ganharam muitas almas para Jesus. Vindo a perseguição, foram presos e levados diante de Sabino, o governador da Bitínia. Quando lhes interrogaram em nome de que autoridade pregavam, Luciano respondeu que “as leis da caridade e da humanidade obrigavam todo homem a buscar a conversão de seus semelhantes e a fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para libertá-los dos laços do diabo”.

Havendo Luciano respondido desta maneira. Marciano acrescentou que a conversão deles “havia sido pela mesma graça concedida ao apóstolo Paulo, que, de zeloso perseguidor da Igreja, convertera-se em pregador do Evangelho”.

O procônsul, ao perceber que não podia prevalecer sobre eles no sentido de obrigá-los a renunciar a fé, condenou-os a ser queimados vivos. A sentença foi logo executada.

Trifon e Respício, dois homens ilustres, foram apreendidos como cristãos e encarcerados em Nisa. Tiveram os pés traspassados com cravos; foram arrastados pelas ruas, açoitados, descarnados com ganchos de ferro, queimados com tochas, e finalmente decapitados no dia primeiro de fevereiro de 251 d.C.

Ágata, uma bonita dama siciliana, não era tão notada por seus dotes naturais, mas por sua piedade. Tal era a sua formosura que Quintiano, governador da Sicília, apaixonou-se por ela e fez muitas tentativas de vencer sua castidade; todas, porém, sem êxito. A fim de satisfazer mais facilmente suas paixões, colocou a virtuosa dama nas mãos de Afrodica, mulher infame e depravada. Esta miserável usou todos os artifícios para arrastá-la à prostituição; contudo, viu falidos todos os seus esforços, pois a castidade de Ágata era inexpugnável, e ela sabia muito bem que só a virtude poderia dar-lhe a verdadeira felicidade. Afrodica fez saber a Quintiano a inutilidade de seus esforços, e este, enfurecido ao ver seus desígnios frustrados, tornou sua concupiscência em ressentimento. Quando Ágata se confessou cristã, ele decidiu satisfazer-se com a vingança, desde que não podia gratificar-se com a paixão. Por ordens suas. Ágata foi flagelada, queimada com ferros em brasa e descarnada com ganchos de ferro. Ao suportar estas torturas com admirável força, foi posta nua sobre brasas misturadas com vidro, e logo devolvida ao cárcere, onde expirou no dia 5 de fevereiro de 251 d.C.

Cirilo, bispo de Qortyna, foi preso por ordens de Lúcio, governador daquela região, que o exortou a obedecer à ordem imperial, a fazer os sacrifícios e a salvar da destruição sua venerável pessoa de oitenta e quatro anos. O bom prelado respondeu que, como havia ensinado a outros durante muito tempo a salvar suas almas, agora só podia pensar na própria salvação. O digno prelado escutou, sem a menor emoção, a sua sentença, dada com furor; caminhou animadamente até o lugar da execução e sofreu o martírio com total integridade.

Em nenhum lugar a perseguição manifestou-se com tanta ira como na ilha de Creta, pois o governador, sumamente ativo na execução dos éditos imperiais, fez correr rios de sangue dos piedosos cristãos.

Babylas, um cristão com educação académica, chegou a ser bispo de Antioquia em 237 d.C, depois de Zebino. Atuou com zelo incomparável e pastoreou a igreja com uma prudência admirável durante os tempos mais tormentosos. A primeira desgraça a ocorrer em Antioquia durante a missão de Babylas foi o cerco orquestrado por Sapor, rei da Pérsia, que, ao invadir toda a Síria, tomou e saqueou essa cidade, entre outras, e tratou os moradores cristãos com maior dureza que os outros; porém, logo foi derrotado por Qordiano.

Depois da morte de Qordiano, o imperador Décio, que o sucedeu, visitou Antioquia e ali expressou o desejo de visitar uma comunidade cristã. Babylas opôs-se absolutamente a isso e não permitiu a sua entrada. O imperador dissimulou momentaneamente a ira, mas logo mandou buscar o bispo e, ao repreendê-lo duramente por sua insolência, ordenou que sacrificasse às divindades pagãs como expiação por sua ofensa. Ao recusar, Babylas foi deixado no cárcere, preso em cadeias, e tratado com a maior severidade. Logo depois, foi decapitado juntamente com três jovens que foram seus alunos. Isto aconteceu em 251 d.C.

Neste mesmo tempo foi encarcerado Alexandro, bispo de Jerusalém, e ali morreu devido à dureza de sua reclusão.

Juliano, um ancião aleijado por causa de uma artrite, foi atado juntamente com Cronión a corcovas de camelos, flagelados cruelmente e logo lançados ao fogo, onde morreram. Também quarenta donzelas foram queimadas em Antioquia, após sofrerem encarceramento e flagelos.

Em 251 d.C, o imperador Décio, depois de erigir um templo pagão em Éfeso, ordenou que todos os habitantes da cidade sacrificassem aos deuses. Esta ordem foi nobremente desprezada por sete de seus próprios soldados: Maximiano, Marciano, Joanes, Malco, Dionísio, Seraión e Constantino. O imperador, desejoso de que eles renunciassem a fé cristã mediante suas exortações e apelos, deu-lhes um tempo considerável até voltar de uma expedição. Durante a sua ausência, os bravos soldados fugiram e ocultaram-se em uma gruta. Ao regressar e tomar conhecimento do fato, o imperador ordenou que a entrada da caverna fosse fechada, e todos morreram de fome.

Teodora, uma jovem e formosa dama de Antioquia, recusou-se a sacrificar aos deuses de Roma. Foi, por isso, condenada a viver em um bordel, onde sua

virtude seria sacrificada à brutalidade e à concupiscência. Dídimo, um cristão, entrou naquele recinto vestido com um uniforme de soldado romano, revelou-se a Teodora e aconselhou-a a fugir disfarçada com aquela roupa, ficando ele em seu lugar. Quando descobriram no bordel um homem no lugar da formosa dama, Dídimo foi levado diante do governador, a quem confessou a verdade. Ao declarar-se cristão, recebeu imediata sentença de morte. Teodora, ao ouvir que seu libertador morreria, rogou perante o juiz e implorou que a sentença recaísse sobre ela. Não obstante, surdo aos clamores dos inocentes e insensível à justiça, o implacável juiz condenou a ambos. Dídimo e Teodora foram decapitados e depois tiveram os corpos queimados.

Secundiano, acusado de ser cristão, era levado ao cárcere quando Veriano e Marcelino indagaram aos soldados que o conduziam: “Para onde levais um inocente?” A pergunta fez com que também fossem presos e, após serem torturados, os três foram pendurados e decapitados.

Orígenes, o célebre presbítero e ensinador da Palavra de Deus em Alexandria, foi preso aos sessenta e quatro anos e largado numa imunda masmorra, totalmente acorrentado, com os pés no cepo e as pernas estiradas ao máximo, durante vários dias seguidos. Foi ameaçado com fogo e torturado com todos os requintes de crueldade inventados pelas mentes mais diabólicas. Durante o seu terrível e prolongado tormento, morreu o imperador Décio. Qallo, seu sucessor, envolveu-se numa guerra com os godos e, com isso, os cristãos tiveram um certo alívio. Orígenes obteve então a liberdade e retirou-se para Tiro, onde ficou até a morte, que lhe sobreveio aos sessenta e nove anos.

Qallo, depois de concluir suas guerras, deparou-se com uma praga no império. Ele ordenou, então, que fossem oferecidos sacrifícios aos deuses pagãos. Esta medida fez com que novas perseguições aos cristãos fossem desencadeadas, desde a capital do império até as províncias mais afastadas. Muitos foram as vítimas da impetuosidade da população, assim como do preconceito dos magistrados. Entre esses mártires estiveram Cornélio, bispo cristão de Roma, e Lúcio, seu sucessor, em 253 d.C.

A maioria dos erros introduzidos na Igreja, nesta época, resultou de se colocar a razão humana em competição com a revelação. Quando, porém, os teólogos mais capazes demonstraram a falibilidade de tais argumentos, as opiniões que se haviam levantado desvaneceram-se como as estrelas diante do Sol.

A Oitava Perseguição sob Valeriano, em 257 d.C.
A oitava perseguição veio sob o comando de Valeriano, em abril de 257 d.C, e continuou por três anos e dez meses. Foram inumeráveis os mártires dessa perseguição; suas torturas e mortes eram variadas e penosas. Citamos a seguir os mais ilustres nomes dentre eles, embora não se tenha respeitado classe, sexo ou idade.

Rufina e Secunda eram duas formosas e refinadas damas, filhas de Asterio, eminente cavalheiro de Roma. Rufina, a mais velha, estava prometida em casamento a Armentário, um jovem da nobreza. Secunda, a mais nova, a Verino, pessoa de linhagem fina e opulenta. Os pretendentes eram ambos cristãos, mas ao levantar-se a perseguição, renunciaram a fé para salvar suas fortunas. Esforçaram-se muito, então, na tentativa de persuadir as damas a fazerem o mesmo. Frustrados em seus propósitos, tornaram-se tão abjetos que chegaram ao ponto de denunciá-las. Ambas foram presas e levadas a comparecer perante Junio Donato, governador de Roma. Lá, em 257 d.C, selaram com sangue o seu martírio.

Estêvão, bispo de Roma, foi decapitado naquele mesmo ano. Também Saturnino, o piedoso bispo ortodoxo de Toulouse, por se recusar a sacrificar aos ídolos, foi tratado com as mais bárbaras e inimagináveis crueldades. Ataram-lhe os pés à cauda de um touro, e o enfurecido animal desceu em disparada as escadarias do templo. O crânio do digno mártir abriu-se, de onde saiu seu cérebro, que se espalhou pelo chão.

Sixto sucedeu a Estêvão como bispo de Roma. Supõe-se que era grego de nascimento e servira durante algum tempo como diácono, sob a direção de Estêvão. Sua grande fidelidade, singular sabedoria e coragem incomum distinguiram-no em muitas ocasiões. E o feliz resultado de uma polémica travada com alguns hereges é geralmente tido como uma confirmação de suas características de piedade e prudência. Mo ano 258 d.C, Marciano, que dirigia os assuntos do governo em Roma, conseguiu uma ordem do imperador Valeriano para matar todo o clero cristão que atuava na capital do império. Por ordem dele, Sixto e seis de seus diáconos sofreram o martírio.

Acerquemo-nos do fogo do martirizado Lorenzo, para que nossos corações sejam aquecidos. O implacável tirano Marciano, ciente de que Lorenzo não só era ministro da Palavra de Deus, mas também tesoureiro das finanças da igreja em Roma, prometeu ao imperador, com o aprisionamento de uma só pessoa,

uma dupla presa: primeiro, com o espírito da avareza, puxaria para o governo todo o tesouro dos cristãos pobres; depois, com a ferocidade da tirania, trataria de agitá-los, perturbá-los e esgotá-los em seus trabalhos diários. De rosto feroz e cruel semblante, o ambicioso lobo perguntou onde Lorenzo havia empregado as riquezas da igreja em Roma. Este, pedindo-lhe três dias de prazo, prometeu declarar onde se encontrava o tesouro. Enquanto isso, fez congregar uma grande quantidade de cristãos pobres. Ao chegar o dia em que deveria dar a resposta, Lorenzo recebeu do perseguidor ordens de se manter fiel à promessa. Então, o valente ministro, estendendo os braços aos pobres, declarou: “Estes são o precioso tesouro da igreja em Roma; estes são verdadeiramente o tesouro, aqueles em quem reina a fé de Cristo, em quem Jesus Cristo tem sua morada. Que jóias mais preciosas pode ter Cristo, senão aquelas nas quais prometeu morar? Porque assim está escrito: Tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; fui forasteiro e me hospedastes’. E também: ‘Sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes’. Que maior riqueza pode possuir Cristo, nosso Mestre, que o povo pobre em quem deseja ser visto?”

Ah! que língua poderia expressar o furor e a raiva do coração do tirano? Agora batia o pé, lançava olhares furiosos, gesticulava ameaçadoramente, comportava-se como louco. Seus olhos relampagueavam fogo; a boca espumava como a de um javali e mostrava os dentes como um infernal mastim, não era mais um homem racional; era um leão rugidor e rompante.

“Acendam o fogo”, guinchou ele, “e não economizem lenha. Este vilão pensa que engana o imperador? Acabem com ele! Acabem com ele! Açoitem-no com chicotes, sacudam-no com varas, apliquem-lhe golpes com os punhos, descerebrem-no com garrotes. Este traidor zomba do imperador? Pincem-no com uma tenaz ardente, imprensem-no com placas incandescentes, atem-lhe as mãos e os pés, e quando a grelha de ferro estiver em brasas, amarrem-no a ela. Sob pena de nosso maior desagrado, cada um de vocês, verdugos, cumpra sua missão”.

Ditas estas palavras, foram prontamente cumpridas. Depois de cruéis tormentos, o manso cordeiro foi posto — não direi que sobre uma cama de ferro incandescente, mas em suave colchão de plumas. Pois Deus operou de modo tão milagroso para com Lorenzo, que a cama de fogo serviu-lhe de leito de repouso eterno.

Na África, a perseguição rugiu com peculiar violência; milhares receberam a coroa do martírio. Dentre eles destacamos as personalidades mais distintas:

Cipriano, bispo de Cartago, um eminente prelado e adorno da Igreja. O esplendor de seu génio era temperado pela solidez de seu juízo; tinha todas as virtudes de cavalheiro combinadas às qualidades de um cristão. Sua doutrina era ortodoxa e pura; sua linguagem, fácil e elegante; e seus modos, gentis e atraentes. Era, em resumo, um pregador piedoso e cortês. Em sua juventude, fora educado nos princípios dos gentios e, possuidor de uma fortuna considerável, vivera em todo o esplendor da riqueza e em toda a dignidade da pompa.

Por volta do ano 246 d.C, Cecílio, ministro cristão em Cartago, tornou-se o feliz instrumento da conversão de Cipriano e, pelo grande afeto que sempre sentiu pelo mestre, este jovem resolveu ser chamado Cecílio Cipriano. Antes de seu batismo, estudou cuidadosamente as Escrituras e, impressionado com a beleza da verdade, decidiu praticar as virtudes que nelas se recomendavam. Depois de seu batismo, vendeu suas posses, distribuiu seu dinheiro aos pobres, vestiu-se de modo simples e iniciou uma vida austera. Em pouco tempo foi nomeado presbítero. Era tão admirado por suas virtudes e obras que, por ocasião da morte de Donato, em 248 d.C, foi eleito, quase unanimemente, bispo de Cartago.

Os cuidados de Cipriano não se estendiam somente a Cartago, mas a Numídia e Mauritânia. Em todas as suas palestras, sempre aconselhou seus obreiros, ciente de que só a unanimidade ajudaria o progresso da Igreja. Esta era a sua máxima: “O bispo está na igreja, e a igreja no bispo, de forma que a unidade só pode ser preservada mediante um estreito vínculo entre o pastor e sua igreja”.

Em 250 d.C, Cipriano foi publicamente proscrito pelo imperador Décio sob o nome de Cecílio Cipriano, bispo dos cristãos. O clamor universal dos pagãos foi: “Cipriano aos leões; Cipriano às feras”. O bispo apartou-se do furor da multidão, e suas possessões foram imediatamente confiscadas. Durante seu retiro, escreveu trinta piedosas e elegantes epístolas ao seu rebanho. Contudo, vários cismas ocorridos na Igreja provocaram nele grande ansiedade. Com o abrandamento do rigor da perseguição, voltou a Cartago e fez tudo o que estava ao seu alcance para desfazer as opiniões erróneas. Quando uma terrível peste sobreveio a Cartago, foi, como de costume, atribuída aos cristãos. Os magistrados começaram logo uma perseguição, o que ocasionou uma carta deles a Cipriano. Em resposta, ele reivindicou a causa do cristianismo. Em 257 d.C, Cipriano teve de comparecer diante do procônsul Aspásio Paturno, que o desterrou para uma pequena cidade, no mar da Líbia. Ao morrer este procônsul, voltou a Cartago; porém, logo foi preso e levado diante do novo governador, que o condenou à decapitação. A sentença foi executada no dia quatorze de setembro de 258 d.C.

Os discípulos de Cipriano, martirizados nesta perseguição, foram Lúcio, Flaviano, Victórico, Remo, Montano, Julião, Primelo e Donaciano.

Em Útica, a tragédia foi maior: por ordem do governador, trezentos cristãos foram postos ao redor de um forno de cozimento de cerâmica. Após prepararem as brasas e o incenso, receberam a ordem para que sacrificassem a Júpiter, ou seriam jogados ao fogo. Recusaram unanimemente e, cheios de bravura, saltaram no forno, onde foram imediatamente asfixiados.

Fructuoso, bispo de Tarragona, na Espanha, e seus dois diáconos, Augúrio e Eulogio, foram queimados por serem cristãos.

Alexandro, Malco e Prisco, três cristãos da Palestina, e uma mulher da mesma região, acusaram-se voluntariamente de serem cristãos, pelo que foram sentenciados a ser devorados por tigres, determinação que foi executada.

Máxima, Donatila e Secunda, três jovens de Tuburga, receberam como bebida fel e vinagre, foram duramente flageladas, atormentadas sobre um patíbulo, sujas com cal, assadas sobre uma grelha de ferro, maltratadas por feras, e finalmente decapitadas.

É oportuno observar a singular, porém mísera sorte do imperador Valeriano, que durante muito tempo, e tão duramente, perseguiu os cristãos. Este tirano foi feito prisioneiro, mediante um estratagema, por Sapor, imperador da Pérsia, que o levou ao seu próprio país e tratou-o ali com a mais inusitada indignidade, ao fazê-lo sempre ajoelhar-se como o mais humilde escravo e colocar sobre ele os pés, como se fora uma banqueta, quando montava em seu cavalo. Depois de tê-lo humilhado durante sete anos neste abjeto estado de escravidão, fez com que lhe tirassem os olhos, apesar de já possuir oitenta e três anos de idade. Ainda não saciados os seus desejos de vingança, ordenou que o esfolassem e esfregassem-lhe sal na carne viva. Sob tais torturas, morreu Valeriano, um dos mais tiranos imperadores de Roma e um dos maiores perseguidores dos cristãos.

Em 260 d.C, assumiu Qallieno, filho de Valeriano, e durante seu reinado (exceto por alguns poucos mártires) a Igreja gozou paz.

A Nona Perseguição sob Aureliano, em 274 d.C.
Eis os dois mártires desta perseguição:

Félix, bispo de Roma, que assumiu o cargo em 274 d.C, foi a primeira vítima da petulância de Aureliano, ao ser decapitado no dia vinte e dois de dezembro do mesmo ano.

Agapito, um jovem cavalheiro que vendera suas possessões e dera o dinheiro aos pobres, foi preso como cristão, torturado, e logo decapitado em Praeneste, cidade que dista um dia de viagem de Roma.

Foram eles os únicos mártires registrados durante este reinado, que tão cedo viu o seu fim, quando foi o imperador assassinado em Bizâncio por seus próprios criados.

Aureliano foi sucedido por Tácito, que foi seguido por Probo, e este, por Caro. Quando este último foi morto por um raio, sucederam-no os seus filhos Carnio e Numeriano. Durante todos estes reinados a Igreja teve paz.

Diocleciano ascendeu ao trono imperial em 284 d.C. No princípio, mostrou grande favor aos cristãos. No ano 286 d.C, fez sociedade com Maximiano. Alguns cristãos foram mortos antes que se desatasse uma perseguição geral. Dentre eles destacam-se os irmãos Feliciano e Primo.

Marco e Marceliano eram gémeos, naturais de Roma e de nobre linhagem. Seus pais eram pagãos, porém os tutores responsáveis por sua educação criaram-nos como cristãos. Sua constância venceu os que desejavam vê-los convertidos ao paganismo; seus pais e toda a família converteram-se à fé que antes reprovavam. Foram martirizados ao serem atados a estacas, com os pés traspassados por cravos. Depois de permanecer nesta situação um dia e uma noite, foram transpassados com lanças, que lhes puseram fim aos sofrimentos.

Zoe, a mulher do carcereiro que cuidou dos mártires acima mencionados, converteu-se através deles. Foi por isso pendurada numa árvore com um fogo de palha sob si. Seu corpo foi lançado a um rio, atado a uma pedra, para que afundasse.

No ano 286 d.C, teve lugar um acontecimento dos mais notáveis registrados nos anais da Igreja. Uma legião de soldados, composta de seis mil seiscentos e sessenta seis homens, era totalmente constituída por cristãos. Era chamada Legião Tebana porque os homens haviam sido recrutados em Tebas. Estiveram alojados no Oriente até que o imperador Maximiano ordenou que se dirigissem às Qálias, a fim de o ajudarem contra os rebeldes de Borgonha. Passaram os Alpes, entraram nas Qálias, sob as ordens de Maurício, Cândido e Exupérnio, seus dignos comandantes, e finalmente reuniram-se ao imperador.

Nesta ocasião, Maximiano ordenou um sacrifício geral, que deveria ser assistido por todo o exército. Também determinou um juramento de lealdade e de auxílio na extirpação dos cristãos das Qálias. Alarmados diante de tais ordens, cada um dos componentes da Legião Tebana recusou-se, por completo, a sacrificar e fazer os juramentos propostos. Extremamente enfurecido com a recusa, Maximiano ordenou que toda a legião fosse dizimada, isto é, que selecionassem um de cada dez homens, e os matassem à espada. Após a execução da ordem sanguinária, o restante permaneceu inflexível; por isso deu lugar à segunda dizimação: um de cada dez homens dos que ficaram vivos morreu de igual modo.

Este segundo castigo não teve maiores efeitos que o primeiro; os soldados mantiveram-se firmes em sua decisão e em seus princípios. Porém, por conselho de seus oficiais, declararam fidelidade ao seu imperador. Poder-se-ia pensar que isso abrandaria o soberano, mas o efeito foi contrário. Encolerizado diante da perseverança e unanimidade dos soldados, determinou que toda a legião fosse morta. A ordem foi executada pelas outras tropas, que os despedaçaram com suas espadas em 22 de setembro de 286 d.C.

Alban, que deu nome a St. Alban’s, em Hertfordshire, foi o primeiro mártir britânico. A Inglaterra havia recebido o Evangelho de Cristo através de Lúcio, o primeiro rei cristão; porém, não sofreu a ira da perseguição até muitos anos depois. Alban era originalmente pagão, mas foi convertido através de Anfíbalo, um evangelista, a quem deu refúgio por causa de sua religião. Os inimigos de Anfíbalo, ao inteirar-se do lugar onde estava escondido, chegaram à casa de Alban. A fim de facilitar a fuga do mensageiro de Deus, Alban apresentou-se como a pessoa a quem buscavam.

Descoberto o engano, o governador ordenou que o açoitassem, e o sentenciou à decapitação no dia 22 de junho de 287 d.C. Assegura-nos o conceituado Beda que, nesta ocasião, o carrasco converteu-se subitamente ao cristianismo e pediu permissão para morrer por Alban ou com ele. Ao obter sua segunda petição, foram ambos decapitados por um soldado, que assumiu voluntariamente o papel de carrasco. Isto aconteceu no dia vinte e dois de junho de 287 d.C, em Verulam, agora St. Alban’s, em Hertfordshire, onde foi erigida uma magnífica igreja em sua memória, no tempo de Constantino, o Grande. Destruído nas guerras saxônicas, o nobre edifício gótico foi reconstruído por Offa, rei de Mércia, e junto a ele levantou-se um monastério, onde ainda é visível parte de suas ruínas.

Fé, uma mulher cristã da Aquitania, França, foi assada sobre uma grade de ferro e depois decapitada em 287 d.C.

Quintin era um cristão natural de Roma; porém, decidiu empreender a propagação do Evangelho nas Qálias com um tal Luciano, e pregaramjuntos em

Amiens. Luciano dirigiu-se a Beaumaris, onde foi martirizado. Quintin permaneceu em Picardia e mostrou grande zelo em seu ministério. Preso como cristão, foi estirado com roldanas até que se lhe deslocassem os membros. Seu corpo foi dilacerado com açoites de arame farpado, e depois derramaram-lhe óleo fervente sobre a carne viva. Suas faces e axilas foram queimadas com tochas. Após tanta tortura, foi enviado de volta à masmorra, onde morreu no dia 31 de outubro de 287 d.C. Seu corpo foi lançado ao rio Somme.

A Décima Perseguição sob Diocleciano, em 303 d.C.
Sob os imperadores romanos, a chamada Era dos Mártires foi ocasionada, em parte, pelo aumento do número de cristãos e por suas crescentes riquezas, que suscitaram o ódio de Qalerio, filho adotivo de Diocleciano. Some-se a isto o estímulo de sua mãe, uma fanática pagã, que praticamente empurrou o imperador a iniciar esta perseguição.

O dia fatal, assinalado para o início da sangrenta obra, era vinte e três de fevereiro de 303 d.C., data em que se celebraria a Terminalia, e que, como se jactavam os cruéis pagãos, poria fim ao cristianismo. Mo dia marcado, iniciou-se a perseguição em Nicomédia. Pela manhã, o prefeito da cidade chegou à igreja dos cristãos com um grande número de oficiais e, após arrebentarem as portas, tomaram todos os livros sagrados e lançaram-nos às chamas.

Toda esta ação ocorreu na presença de Diocleciano e Qalerio que, não satisfeitos em queimar os livros, fizeram desmoronar a igreja, de modo que não ficasse dela nem o rastro. O gesto foi seguido de um severo edito que ordenava a destruição de todas as demais igrejas e todos os livros cristãos. Logo veio a ordem para banir os seguidores de Cristo de todas as possessões romanas.

A publicação deste edito ocasionou um martírio imediato porque um atrevido cristão não só o arrancou do lugar onde estava posto, mas execrou o nome do imperador pela injustiça cometida. A provocação foi suficiente para atrair a vingança pagã sobre o tal cristão, que foi então preso, severamente torturado e, finalmente, queimado vivo.

Todos os cristãos foram encarcerados. Qalerio ordenou secretamente que ateassem fogo ao palácio imperial para que os seguidores de Cristo fossem acusados de incendiários; assim teria uma razão plausível para, com a maior das severidades, levar a cabo a perseguição. Começou um sacrifício generalizado; houve vários martírios. Não se fazia distinção de idade ou sexo. O simples nome “cristão” era tão odioso aos pagãos que todos, imediatamente, caíram vitimados. Muitas casas foram incendiadas, e famílias cristãs inteiras pereceram nas chamas. Outros tiveram pedras penduradas ao pescoço e, atados juntos, foram lançados ao mar. A perseguição generalizou-se em todas as províncias romanas, principalmente no Leste. Pelo longo tempo que durou — dez anos — é impossível determinar o número de mártires e descrever as várias formas de martírio.

Açoites, espadas, punhais, cruzes, veneno e fome foram empregados para matar os cristãos. Esgotou-se a imaginação no esforço de inventar torturas contra pessoas que não haviam cometido crime algum, a não ser pensar de maneira distinta dos seguidores da superstição.

Uma cidade da Frigia, totalmente povoada por cristãos, foi queimada, e todos os moradores pereceram nas chamas.

Cansados da carnificina, vários governantes de províncias apresentaram-se diante da corte imperial para mostrar a ilegalidade de tal conduta. Assim, muitos foram livres da execução, mas, ainda que não fossem mortos, tudo se fazia para que suas vidas se tornassem miseráveis. Muitos tiveram as orelhas e o nariz cortados, o olho direito arrancado, os membros inutilizados mediante terríveis deslocações, e as carnes queimadas com ferro em brasa.

Lembremos agora, de maneira particular, das pessoas mais destacadas dentre aquelas que deram suas vidas nesta sangrenta perseguição.

Sebastião, um célebre mártir nascido em Narbona, nas Qálias, e que chegou a ser oficial da guarda do imperador romano, permaneceu um verdadeiro cristão em meio à idolatria. Não se deixou seduzir pelos esplendores da corte, nem se levar pelos maus exemplos; tampouco se contaminou por esperanças de ascensão.

Ao recusar-se a abraçar o paganismo, foi levado, por ordem do imperador, a um campo perto da cidade, chamado Campo de Marte, e ali o atacaram com flechas. Executada a sentença, alguns piedosos cristãos dirigiram-se ao local da execução a fim de sepultar o corpo. Foi então que perceberam nele sinais de vida. Levado imediatamente para um lugar seguro, em pouco tempo Sebastião recuperou-se, a fim de preparar-se para um segundo martírio. Pois, tão logo pôde sair, colocou-se intencionalmente no caminho do imperador, quando este subia a um templo pagão, e repreendeu-o pelas muitas crueldades e irracionais prejuízos contra o cristianismo.

Ao recobrar-se do assombro, Diocleciano ordenou que Sebastião fosse preso e levado a um lugar perto do palácio, e que ali fosse golpeado até morrer.

Para que os cristãos não conseguissem recuperar nem lhe sepultar o corpo, ordenou que fosse lançado ao esgoto. Todavia, Lucina, uma dama cristã, encontrou um modo de tirá-lo dali e de sepultá-lo nas catacumbas.

Neste tempo, os cristãos, após sérias ponderações, concluíram ser ilegítimo portar armas sob as ordens de um imperador pagão. Maximiliano, o filho de Fábio Victor, foi o primeiro a ser decapitado por causa desta norma.

Vito, siciliano de alta classe, foi educado como cristão e teve suas virtudes aumentadas com o passar dos anos. Em todas as suas aflições, susteve-o a sua constância; a sua fé foi superior aos maiores perigos. Seu pai, Hylas, que era pagão, ao descobrir que o filho fora instruído nos princípios do cristianismo pela ama que o criara, empregou todos os esforços para demovê-lo da fé. Desiludido, por nada conseguir, sacrificou o filho aos ídolos, no dia 14 de junho de 303 d.C.

Victor era um cristão de boa família, em Marselha, na França. Passava grande parte da noite em visita aos aflitos e aos débeis, obra que não podia ser realizada durante o dia, por questão de segurança. Victor gastou sua fortuna na minoração das angústias dos cristãos pobres. Finalmente, teve sua prisão decretada pelo governador Maximiano, que ordenou fosse ele atado e arrastado pelas ruas. No cumprimento dessa ordem, Victor recebeu da enfurecida plebe todo tipo de crueldades e indignidades. Como continuasse inflexível, sua força foi interpretada como obstinação.

Levantou então os olhos ao céu, orou a Deus que lhe desse paciência; depois, sofreu as torturas com a mais admirável firmeza. Os carrascos, cansados de atormentá-lo, levaram-no a uma masmorra. Nesta prisão, ganhou para Cristo os carcereiros Alexandro, Feliciano e Longino. Ao inteirar-se disso, o imperador ordenou que fossem imediatamente executados. Os policiais foram decapitados, e Victor novamente levado ao tronco. Depois de golpeado sem misericórdia, foi de novo lançado ao cárcere. Ao ser interrogado pela terceira vez acerca de sua religião, perseverou em seus princípios.

Trouxeram então um pequeno altar, e ordenaram-lhe que oferecesse incenso sobre ele. Inflamado de indignação diante de tal ordem, precipitou-se valentemente e, com um chute, derrubou o altar e o ídolo. Maximiano achava-se presente, e ficou de tal modo enfurecido, que ordenou a amputação do pé que golpeara o altar. Pouco depois, Victor foi jogado em um moinho e destroçado. Isto se deu no ano 303 d.C.

Quando Máximo era governador da Cilicia, na cidade de Tarso, fizeram comparecer diante dele três cristãos: Taraco, um ancião; Probo e Andrônico.

Depois de repetidas torturas e exortações a que se retratassem, receberam finalmente a sentença de morte. Levaram-nos ao anfiteatro, soltaram sobre eles várias feras. Contudo, nenhum dos animais, ainda que famintos, os quis tocar. Então o domador soltou um grande urso, que naquele mesmo dia havia destruído três homens; tanto este voraz animal como uma feroz leoa recusaram atecax os presos. Ao perceber que era impossível destruí-los através das feras, Máximo ordenou sua morte pela espada, no dia 11 de outubro de 303 d.C.

Romano, natural da Palestina, era diácono da igreja em Cesaréia, quando se iniciou a perseguição de Diocleciano. Condenado por sua fé, em Antioquia, foi flagelado e posto no tronco. Seu corpo foi rasgado com ganchos; sua carne, cortada com facas; seu rosto, marcado; seus dentes, quebrados com golpes; e seus cabelos, arrancados pela raiz. Pouco depois ordenaram que fosse estrangulado. Era dia o 17 de novembro de 303 d.C.

Susana, sobrinha de Caio, bispo de Roma, foi induzida pelo imperador Diocleciano a se casar com um nobre pagão, parente próximo dele. Ao recusar a honra que lhe era proposta, foi decapitada.

Doroteo, homem notável na casa de Diocleciano, era cristão, e muito se esforçou a fim de ganhar outros para Cristo. Em seus labores religiosos, foi ajudado por Qorgonio, outro cristão que também pertencia ao palácio. Ambos foram torturados e estrangulados.

Pedro, um eunuco pertencente à cada do imperador, era um cristão de singular modéstia e humildade. Foi posto sobre uma grelha de ferro e assado em fogo lento, até expirar.

Cipriano, o mago (assim chamado para ser distinguido de Cipriano, bispo de Cartago), era natural de Antioquia. Recebeu uma educação académica em sua juventude, e aplicou-se particularmente à astrologia. Depois, viajou para ampliar seus conhecimentos, e visitou vários países, entre eles Grécia, Egito, índia, etc. Com o passar do tempo, conheceu Justina, uma jovem dama de Antioquia, cuja linhagem, beleza e qualidades suscitavam a admiração geral. Um cavalheiro pagão pediu a Cipriano que o ajudasse a conquistar o amor de Justina. Porém, após ele empreender esta tarefa, foi convertido; queimou seus livros de astrologia e magia, recebeu o batismo, e sentiu-se animado pelo poderoso espírito da graça. A conversão de Cipriano exerceu grande efeito sobre o cavalheiro pagão, que logo abraçou o cristianismo. Durante as perseguições de Diocleciano, Cipriano e Justina foram aprisionados como cristãos. Ele foi dilacerado com tenazes; ela, açoitada. Após outros tormentos, foram decapitados.

Eulália, dama espanhola de família cristã, fora notável em sua juventude, por seu gentil temperamento e grande sabedoria, raramente encontrados nos caprichosos anos juvenis. Após ser ela presa como cristã, o magistrado tentou, com os modos mais sutis, ganhá-la para o paganismo. Eulália ridicularizou as divindades pagãs com tal aspereza, que o juiz, enfurecido por sua conduta, ordenou que fosse torturada. Assim, seus flancos foram dilacerados com garfos, e seu tórax queimado, até que espirou nas chamas. Era dezembro de 303 d.C.

No ano 304 d.C, quando a perseguição atingiu a Espanha, Daciano, governador de Tarragona, ordenou que Valério, o bispo, e Vicente, o diácono, fossem presos, atados com correntes e encarcerados. Como os prisioneiros se mantivessem firmes em sua resolução, Valério foi exilado, e Vicente, posto no tronco. Seus membros foram deslocados, e sua carne rasgada com garfos. Depois, foi posto sobre uma grelha, com fogo por baixo, e pontas para cima, que lhe atravessavam a carne. Estes tormentos não o destruíram nem fizeram com que mudasse de atitude; foi então levado de volta ao cárcere, confinado em uma pequena e imunda masmorra escura, repleta de pedras pontiagudas e de cacos de vidro, onde morreu em 22 de janeiro de 304 d.C. Seu corpo foi jogado a um rio.

A perseguição de Diocleciano tomou feições mais duras em 304 d.C, quando muitos cristãos foram torturados de modo cruel, e mortos das maneiras mais penosas e ignominiosas. Citaremos dentre estes cristãos os mais eminentes.

Saturnino, bispo de Albitina, cidade da África, foi, depois de torturado, enviado de novo ao cárcere, onde morreu de fome. Seus quatro filhos, após serem atormentados de várias maneiras, tiveram a mesma sorte.

Dativas, um nobre senador romano; Telico, um piedoso cristão; Victoria, uma jovem dama de fina linhagem e grande fortuna, com alguns outros de classes sociais mais humildes, todos eles discípulos de Cristo, foram torturados de maneira similar, e pereceram de igual forma.

Agrape, Quionia e Irene, três irmãs, foram encarceradas em Tessalônica, quando a perseguição de Diocleciano chegou à Grécia. Receberam nas chamas a coroa do martírio, em 25 de março de 304 d.C. O governador, ao perceber que não podia causar qualquer impressão a Irene, ordenou que a fizessem desfilar nua pelas ruas, e quando a vergonhosa ordem foi executada, acendeu um fogo junto à muralha da cidade. Nessas chamas, subiu ao Céu o espírito desta jovem cristã.

Agato, homem piedoso, Cassice, Felipa e Eutiquia foram martirizados nessa mesma época. Os detalhes, porém, não nos foram transmitidos.

Marcelino, bispo de Roma, que sucedeu a Caio naquela cidade, opôs-se intensamente às honras divinas dadas a Diocleciano. Por isso, sofreu o martírio mediante uma variedade de torturas, no ano 304 d.C. Até expirar, consolou sua alma com a perspectiva dos gloriosos galardões, que receberia pelos sofrimentos experimentados no corpo.

Victorio, Carpoforio, Severo e Severiano eram irmãos, e os quatro ocupavam cargos de grande confiança e honra na cidade de Roma.