quinta-feira, 23 de julho de 2015

A glossolalia bíblica é apenas uma linguagem humana?


Se eu falar as línguas dos homens e dos anjos, e não tiver caridade, tenho-me tornado como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. [1 Coríntios 13.1]

A glossolalia bíblica é apenas uma linguagem humana? Exegeticamente essa é uma questão difícil, especialmente diante do texto de 1 Coríntios 13.1 onde Paulo fala de uma  “língua dos anjos”. Ou seja, no fenômeno das línguas haveria algum idioma além do humano? Algum idioma angélico ou celestial? Ao contrário do que muitos pensam não há consenso entre os intérpretes pentecostais sobre esse assunto, embora a tendência da maioria seja aceitar a existência de uma linguagem além da humana no fenômeno da glossolalia. Ou seja, a glossolalia não é apenas xenolalia. Outros, entretanto, interpretam o texto como uma figura de linguagem onde Paulo apenas indicara “a alta consideração dos coríntios para com as línguas”

O conceito de “línguas dos anjos” é biblicamente consistente? Por que essa é uma questão complexa? Vejamos alguns motivos: 1) É a uma única referência bíblica direta sobre o assunto. 2) Há diversas referências à “língua dos anjos” na literatura judaica antiga. 3) Entre os judeus daquela época havia um debate sobre qual seria a língua original do céu. Nesse embate um grupo afirmava o hebraico como a língua dos céus enquanto outros rabinos defendiam a ideia de uma “língua indecifrável e inacessível” ao homem.  3) A Igreja coríntia era composta por judeus e gentios. 4) Não é possível saber se a composição gentílica da igreja coríntia tinha acesso a essa tradição. 5) Também não é possível averiguar se a parte judaica da igreja teve acesso a algumas fontes tardias. 6) Gramaticalmente, a frase paulina é uma figura de linguagem chamada hipérbole, não há dúvidas quanto a isso, mas essa hipérbole seria sobre a anggelos glóssa em si, como oposição exagerada ao amor, ou sobre a possibilidade de Paulo em dominar todos os tipos de linguagem- o que também denotaria um exagero? A resposta a essa pergunta muda totalmente o sentido da interpretação.

Objeções gerais 

John MacArthur Jr. é o cessacionista predileto dos pentecostais. Não porque esse pastor batista- reformado-fundamentalista instigue questões complexas aos carismáticos, mas pelo contrário. Sobre essa questão, por exemplo, ele apresenta duas argumentações frágeis. No livro Strange Fire: The Danger of Offending the Holy Spirit with Counterfeit Worship, que deriva da conferência Strange Fire (Fogo Estranho), MacArthur indica que o assunto central do capítulo 13 não é o carisma, mas o amor, e por esse motivo a expressão “língua dos anjos” não pode ser tomada como uma prática de Paulo ou daquela igreja. Que argumento (!), hein? É óbvio que o assunto continua a ser sobre os dons espirituais. Paulo está apenas lembrando uma verdade inconveniente aos coríntios: O homem pode exercer os dons de maneira maravilhosa, mas caso não tenha amor isso não vale absolutamente nada. E mesmo que o assunto central não fosse os dons, mas o amor, isso em si não invalidaria a ideia que Paulo ou a igreja coríntia pudesse potencialmente praticar a “língua dos anjos”. 

MacArthur argumenta, também, que uma língua angelical fere o princípio de edificação de outros crentes, pois tornaria o uso do dom egoísta [3]. Com um argumento desses é até possível perguntar se MacArthur leu 1 Coríntios 14 com atenção devida. 1) Em primeiro lugar, a fala angelical, se aceita como literal, seria coparticipante com a xenolalia; e os princípios paulinos para a glossolalia angelical seriam os mesmos da xenolalia. 2) Em segundo lugar, é sempre possível que a língua seja interpretada e a comunidade seja edificada (1 Co 14.12, 13). 3) A língua pode, também, ser uma manifestação espiritual para edificação apenas do indivíduo (1 Co 14.4) e, nesse caso, deve ser usada de maneira moderada, ou seja, sem que a tonalidade da voz atrapalhe a adoração do outro e o culto da comunidade (1 Co 14.28) . E outra: não é porque Paulo combate o mal uso do dom que o dom não exista. Só se combate o mal uso daquilo que pode ser bem usado. 

O melhor argumento de MacArthur é: “Se alguém insiste em considerar literalmente a expressão ‘língua dos anjos’ é útil ter em conta que, cada vez que os anjos falavam na Bíblia, eles usaram a própria língua humana que era compreensível para aqueles que os escutavam”. Essa certamente é uma das melhores objeções, mas tem um problema lógico: os anjos falavam essas línguas porque estavam manifestando relevações ou falavam tais línguas porque essas eram os seus próprios idiomas? Ora, a revelação não é necessariamente a reprodução da comunicação celestial. E outra: se os anjos falam uma linguagem humana então esses só saberiam o hebraico e o aramaico? Entretanto, qualquer que seja a possibilidade aventada implicaria numa alta dose de especulação. Porém, ao diferenciar língua humana de angelical Paulo parece descartar qualquer ideia de que anjos tenham uma língua igual a humana. Ceslas Spicq argumenta que “a construção de 1 Coríntios 13.1 implica numa crença na angeloglosia” .

Outra objeção muito usada entre cessacionistas é que a língua cessará (1 Co 13.8) e se essa fosse uma linguagem angelical ou celestial não haveria a indicação de um fim. O teólogo D. A. Carson chama esse argumento de “pedante”, e eu concordo com ele, pois o que o apóstolo Paulo indica é o fim do carisma e não da linguagem. Ou por algum motivo o conhecimento pleno não existirá no céu?

A “língua dos anjos” no judaísmo antigo

O conceito de uma língua angelical não é trivial no judaísmo antigo, pelo contrário, está presente em abundância na literatura daquela religião, especialmente em um período próximo à igreja primitiva com a seita judaica de Qumran e em outras literaturas tais como o Testamento de Jó 48-50, o Livro de Enoque Etíope 40, o Apocalipse de Sofonias, a Ascensão de Isaías 7.15-37, o Apocalipse de Abraão, Gênesis Rabbah e do Livro Copta da Ressurreição de Jesus Cristo atribuído a Bartolomeu. O teólogo pentecostal John C. Poirier, especialista em judaísmo, escreveu um livro detalhado apenas sobre essa questão. Na obra The Tongues of Angels: The Concept of Angelic Languages in Classical Jewish ele mostra a abundância do debate entre judeus sobre a linguagem celestial e como esse embate se desenvolveu nos cinco primeiros séculos da Era Cristã. 

A mais significativa dessas referências é certamente o Testamento de Jó onde conta a história que as filhas de Jó falavam idiomas angelicais. A tradição rabínica também menciona o testemunho do rabino Yohanan ben Zakkai , um “homem piedoso que podia compreender a língua dos anjos”. Todavia, a tradição mais abundante sobre essa relação angelical com a liturgia estava no Qumran. Havia naquela comunidade uma verdadeira obsessão pelo assunto. 

Assim, ao que parece, havia na cultura judaica um entendimento sobre línguas celestiais. Por exemplo, o ideal cúltico no Qumran estava numa adoração que contava com a participação celestial na liturgia. “Em um documento do Qumran diferentes anjos aparentemente lideravam a adoração celestial por sábados sucessivos em diferentes idiomas”, como informa Craig Keener. Nos Cânticos do Sacrifício do Sábado “as ‘línguas de conhecimento’ são línguas dos anjos em louvor a Deus que [...] são comparadas com a linguagem humana descrita como ‘nossa língua no pó’”. Se for correto pensar em ‘língua’ aqui como idioma, então teríamos um raro testemunho de glossolalia angelical num texto palestino no primeiro século fora do Novo Testamento, conforme escreveu Jonas Machado. 

Craig Kenner, por outro lado, lembra que, excetuando a Qumran, as demais fontes são um tanto tardias para uma influência significativa:

Os exemplos mais claros de falar em línguas angelicais nas fontes judaicas iniciais são Apocalipse de Sofonias e, provavelmente, mais cedo e mais importante no Testemunho de Jó 48-51. [...] Mais problemáticas, em contraste com os textos de Qumran, essas fontes podem ser tardias para uma suficiente influência entre os cristãos. Possivelmente alguns cristãos acreditavam que eles oravam em línguas como expressões angelicais.

E como mostra Gordon D. Fee há evidências na carta indicando que coríntios se consideravam parte de uma espiritualidade angelical mais elevada, causando transtornos e orgulho:Os coríntios parecem que se consideravam já como os anjos, portanto, verdadeiramente "espirituais", não necessitando de atividade sexual no presente (7. 1-7), nem de um corpo no futuro (15. 1-58). Assim, falando dialetos angelicais pelo Espírito, havia provas suficientes para eles de sua participação na “nova espiritualidade”, por esse motivo, havia um entusiasmo singular por esse dom.

Outro ponto interessante para compreensão dessa linguagem angelical é a passagem de Apocalipse 14. 2,3 onde está escrito: “Ouvi um som do céu como o de muitas águas e de um forte trovão. Era como o de harpistas tocando suas harpas. Eles cantavam um cântico novo diante do trono, dos quatro seres viventes e dos anciãos. Ninguém podia aprender o cântico, a não ser os cento e quarenta e quatro mil que haviam sido comprados da terra”.  Esse cântico celestial é a expressão da “mais sublime adoração no céu”, assim sublinhando ainda mais a ideia de uma comunicação celestial além da humana e incompreensível em um primeiro momento. 

A questão hermenêutica

Qual é a natureza do texto de 1 Coríntios 13? E como isso afeta a interpretação? Como mostra Grant Osborne, esse texto paulino é um exemplo de literatura sapiencial no Novo Testamento. O amor é louvado pelo apóstolo como a sabedoria era louvada em Provérbios. E nesse tipo de abordagem textual é muito comum o uso de figuras de linguagem como a hipérbole. A hipérbole é uma forma de intensificação do discurso que “nos reconduz ao coração da existência”, ou seja, o exagero não é para expressar uma irrealidade, mas para chamar a atenção a própria realidade. 

A figura de linguagem é um recurso comparativo. Nesse exemplo, o apóstolo Paulo compara o indivíduo (ele mesmo) que possui a capacidade divina de falar em línguas humanas e angelicais com outro (ele próprio) indivíduo com a capacidade para amar.

1ª Hipótese
2ª Hipótese
O apóstolo como praticante de toda linguagem sobrenatural possível sem o amor.
O apóstolo como praticante do amor, independente do carisma manifestado ou não manifestado.
Indicativo de uma espiritualidade incompleta.
É indicativo de uma verdadeira espiritualidade

Mas qual é o exagero usado como figura de linguagem? Não, não é a língua angelical em si. O exagero é a assertiva de que alguém pode dominar toda a linguagem angelical e humana. Tal glossolalista seria considerado o máximo da espiritualidade entre os coríntios. Paulo, ao usar tal figura, expressa uma verdade central no texto: o homem pode ter a melhor manifestação de eloquência sobrenatural possível, mas se não tiver amor nada é. O apóstolo fala de uma possibilidade não vantajosa, porém possível. E ainda diz mais: o exercício da glossolalia sem o amor é semelhante ao barulho do culto pagão: “uma característica do culto pagão, em especial do culto a Dionísio e Cibele, era o choque e o retinir dos címbalos e o som bronco das trombetas”.

É como se eu dissesse a um jovem empregado: “Você pode falar inglês, espanhol e até mandarim, mas sem um bom networking você jamais crescerá nesta empresa”. O recurso do exagero está presente, pois dificilmente o interlocutor daquela conversa domina os três idiomas, mas isso não quer dizer que não exista a possibilidade de dominá-los. É provável que alguém seja agraciado com línguas humanas e angelicais na glossolalia? Não, eis aí o recurso do exagero para exemplicar de maneira chocante, todavia, isso não quer dizer que a potencialidade de falar ambas as línguas inexista. O apóstolo fala por hipótese, e a hipótese não é sinônimo de impossibilidade, mas o contrário. Hipótese é possibilidade, chance e opção. 

E o que determina essa interpretação? O contexto. Paulo estava lidando com conceitos equivocados sobre a verdadeira espiritualidade e uma valorização excessiva do dom de línguas. Ora, porque o apóstolo Paulo tomaria de assalto a expressão “língua dos anjos” se essa não fosse considerada pelos primeiros destinatários da carta como uma possibilidade? Ou seja, uma figura de linguagem pode expressar uma ideia proposicional? Ou ainda, uma figura de linguagem pode expressar teologia? Evidente que a resposta é positiva. “O intérprete da Escritura não deve ignorar as figuras de linguagem, supondo que a linguagem figurada, diferentemente da linguagem proposicional, carece de conteúdo teológico”, como escreveram Andreas J. Kösterberger e Richard D. Patterson. E  ainda: é necessário “interpretar literalmente as comparações, a não ser que haja fortes razões para interpretá-las figuradamente”. Ou como escreveu Roy Zuck: “A linguagem figurada não é antítese da interpretação literal; é sua componente”. Então dizer diante desse texto que: “ora, esse versículo é apenas uma figura de linguagem” e, assim, ignorar as implicações do mesmo, é um grande equívoco de interpretação. 

Conclusão

Há inúmeras referências na literatura judaica que atestam uma crença no primeiro século sobre “línguas angelicais”. Portanto, tomando esse contexto histórico não é inconsequente que um pentecostal tome esse texto para defender a ideia de uma glossolalia além da xenolalia. Além disso, a ideia que o texto seja uma hipérbole não justifica que a expressão usada pelo apóstolo Paulo seja mera fantasia retórica. 

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Curso: TOMÉ E JUDAS NA HISTÓRIA DO CRISTIANISMO


Datas: 4, 11, 18 e 25 de novembro; 2 e 9 de dezembro. Serão 6 encontros, sempre às quartas-feiras, das 19h às 21h.
Ementa: A descoberta de dois evangelhos, antes desconhecidos, trouxe à tona a possibilidade de uma releitura dos primórdios do cristianismo e mostrou como a história de Jesus de Nazaré esteve sujeita a manipulações desde o princípio. O curso pretende, numa perspectiva histórica, apresentar os evangelhos de Tomé e Judas na trajetória do movimento liderado por Jesus de Nazaré.
Professor: Lair Amaro dos Santos Faria é historiador. Atualmente está cursando o Doutorado em História Comparada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mais informações sobre o professor aqui.
Carga Horária: 12 horas/aula. Será conferido certificado aos participantes que frequentarem 75% das aulas dadas.
Local: Centro Cultural João XXIII, na rua Bambina, 115, em Botafogo. Há estacionamento no local, que também fica próximo à estação do metrô de Botafogo (saída pela rua São Clemente).
Investimento: R$ 2 x R$ 100.
Datas: 4, 11, 18 e 25 de novembro; 2 e 9 de dezembro. Serão 6 encontros, sempre às quartas-feiras, das 19h às 21h.
Ementa: A descoberta de dois evangelhos, antes desconhecidos, trouxe à tona a possibilidade de uma releitura dos primórdios do cristianismo e mostrou como a história de Jesus de Nazaré esteve sujeita a manipulações desde o princípio. O curso pretende, numa perspectiva histórica, apresentar os evangelhos de Tomé e Judas na trajetória do movimento liderado por Jesus de Nazaré.
Professor: Lair Amaro dos Santos Faria é historiador. Atualmente está cursando o Doutorado em História Comparada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mais informações sobre o professor aqui.
Carga Horária: 12 horas/aula. Será conferido certificado aos participantes que frequentarem 75% das aulas dadas.
Local: Centro Cultural João XXIII, na rua Bambina, 115, em Botafogo. Há estacionamento no local, que também fica próximo à estação do metrô de Botafogo (saída pela rua São Clemente).
Investimento: R$ 2 x R$ 100.
INSCREVA-SE AQUI.

terça-feira, 30 de junho de 2015

Inscrição em vaso da época do Rei Davi revela nome que, até agora, só aparecia na Bíblia


Quando esteve no Brasil em 2014, apresentando palestras no I Seminário Internacional de Arqueologia da ABAMO, o Dr. Yosef Garfinkel relatou terem sido encontradas duas inscrições nas escavações de Khirbet Qeiyafa, dirigidas por ele. A primeira, do séc. X a.C., que já havia sido publicada em 2008, apresenta cinco linhas de texto e faz menção a rei, juiz e escravos. Quanto à segunda, o Dr. Garfinkel não revelou seu conteúdo, uma vez que ainda estava sob restauração e análise nos laboratórios da Autoridade de Antiguidades de Israel (AAI). Nesta semana, essa segunda inscrição foi publicada.

Essa inscrição, também do séc. X a.C, contém uma única linha, gravada próxima à boca de um grande jarro cerâmico, que era geralmente usado para armazenagem de grãos e outros produtos agrícolas, cujos fragmentos foram descobertos em 2012, em Khirbet Qeiyafa. Nela, em escrita Proto-Canaanita, precursora do Hebraico antigo, lê-se: “Propriedade de Eshba'al ben Beda”, isto é, “Propriedade de Es-Baal filho de Beda”.

O nome Es-Baal significa “homem de Baal”. Até então, não se conhecia ninguém da antiguidade com esse nome, exceto o quarto filho do rei Saul, mencionado na Bíblia, em I Crônicas 8:33 e 9:39. Em II Samuel 2:8 ele também é mencionado, porém sob o nome de Is-Bosheth. A modificação no nome se deve ao fato de que alguns judeus evitavam dizer ou escrever o nome do deus Baal. No lugar dele, fazendo um trocadilho, usavam a palavra “bosheth”, que significa “vergonha”.

A inscrição recentemente encontrada, porém, não se refere a “Es-Baal, filho de Saul” e sim a “Es-Baal, filho de Beda”. Pelo que tudo indica, são duas pessoas distintas. Mas é muito significativo que um nome que não ocorre em nenhum registro histórico de séculos posteriores, apareça apenas num contexto arqueológico do séc. X a.C., justamente a época em que os textos hebraicos dizem que esse nome era usado.

Até recentemente, acreditava-se que as antigas escrituras hebraicas não poderiam ter sido produzidas muito antes do séc. X a.C. porque praticamente não havia evidência de que a escrita já tivesse se desenvolvido o suficiente para isso nos séculos anteriores. Portanto, a conclusão lógica era de que as escrituras hebraicas foram produzidas muitos séculos após os eventos que pretendem retratar. Pela mesma lógica, acreditava-se não ser possível a existência do Reino de Davi e Salomão, descritos na Bíblia, porque um reino requer, no mínimo, a existência de um sistema de escrita muito bem desenvolvido. Em 2002, por exemplo, referindo-se à descoberta do “livro da Lei” mencionada em II Reis 22:8, Israel Finkelstein, um dos mais renomados arqueólogos da atualidade, escreveu: “Para sumarizar, não há dúvida de que uma versão original [isto é, recentemente escrita] de Deuteronômio é o livro da Lei mencionado em II Reis. Ao invés de ser um livro antigo que foi de repente descoberto, parece seguro concluir que foi escrito no sétimo século a.C., pouco antes ou durante o reinado de Josias.”

(Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman. The Bible Unearthed. New York: Simon and Schuster, 2002, p. 281. Frase entre colchetes acrescentada por este autor).

Contudo, recentemente, foram descobertas nada menos do que quatro inscrições datadas do final do séc. XI e começo do séc. X a.C, a época do Rei Davi, uma em Jerusalém, uma em Beth-Shemesh e, agora, duas em Khirbeth Qeiyafa.

Segundo o Dr. Yosef Garfinkel, responsável por sua descoberta e publicação, essa nova inscrição “muda completamente nossa compreensão da distribuição da escrita no Reino de Judá. É claro agora que a escrita era muito mais difundida do que se pensava. Parece que a organização do reino requeria uma estrutra de escrivães e escritores, e sua atividade manifesta-se na descoberta dessas inscrições.”
(Israel Ministry of Foreign Affairs: http://mfa.gov.il/mfa/israelexperience/history/pages/who-are-you-eshbaal-ben-beda-16-jun-2015.aspx, em 16/junho/2015).

O fato de que o nome de Es-Baal está inscrito em um jarro sugere que ele era uma pessoa importante e, aparentemente, proprietária de uma grande propriedade rural. Isso é clara evidência de estratificação social, da existência de uma classe que controlava a economia justamente quando, segundo as escrituras hebraicas, estava se formando o Reino de Judá.

Os achados de Khirbet Qeiyafa indicam que, qualquer que seja a época em que os textos bíblicos foram escritos, eles preservam muitas memórias, essencialmente históricas, de personagens, acontecimentos e contextos sociais. Como disse o próprio Dr. Garfinkel: "É fascinante ver a correlação entre o texto bíblico e o texto arqueológico."

Acesse o Link

sábado, 27 de junho de 2015

As Religiões do Mundo e o produto final do judaísmo



Ao longo da História, o povo de Israel foi influenciado pela religião e cultura de diversos povos, o propósito deste trabalho é investigar quais as influências recebidas e exercidas pelos hebreus neste contexto e o que o cristianismo herdou do produto final: o judaísmo.

DEFININDO INFLUÊNCIA

O vocábulo influência designa uma “força” capaz de produzir alterações em ambientes que estão além da sua origem. É um princípio universal de trocas, um poder da transmissão que, normalmente, atua como uma “via de mão dupla”. Às vezes, uma influência é mais forte e neutraliza outra de sentido contrário. Onde houver algum tipo de contato, haverá influência. Seja no campo físico, químico, social, político, religioso, etc. Se colocarmos, em um mesmo copo, café e leite, esses líquidos se influenciarão mutuamente. Haverá troca de temperatura, cor, sabor e consistência. Se unirmos determinadas substâncias, a interação não será assim tão pacífica. Contudo, a influência acontecerá, ainda que explosiva.

Nas relações humanas, este mesmo princípio se mantém válido. Estamos expostos a inúmeros tipos de influência. Poderíamos compará-las, por exemplo, às ondas eletromagnéticas, que estão no ar, não podem ser vistas, mas ninguém escapa ao seu alcance. O cenário brasileiro apresenta exemplos que nos mostram que influência é sinônimo de poder. A maior parte da nossa população é manipulada pelas influências disseminadas através dos meios de comunicação. Na política, a prática chega a pontos tão extremos que já inventaram até o “tráfico de influência”. Analisando o que somos, como pessoas, notamos que a nossa personalidade é o resultado da ação de influências diversas. Nosso livre-arbítrio não deixa de existir, mas até as decisões mais conscientes estão carregadas de fatores-externos.

A influência é, às vezes, positiva e necessária, mas em outros casos, pode ser perniciosa e prejudicial. É por isso que a Bíblia nos adverte contra o conselho dos ímpios, o caminho dos pecadores, a roda dos escarnecedores e as más conversações. (Sl.1:1; IICor.6:14; ICor.15:33). Somos o sal da terra (Mat.5:13), devemos dar sabor, influenciar. O sal insípido é inútil. Somos a luz e não podemos fazer aliança com as trevas (IICor.6:14), ou produziremos a penumbra e sombra, o que, para Deus, são trevas da mesma maneira. Assim diz o Senhor nas Sagradas Escrituras: “Não toquem em coisas impuras e eu os 
receberei” (IICor.6:17). “Aquele que anda com os sábios, será cada vez mais sábio, mas o companheiro dos tolos acabará mal” (Pv.13:20).

Geralmente, as influências são sutis, a começar etimologicamente: o termo “influência” tem a mesma raiz que o verbo “fluir” que, por sua vez, se refere, primariamente, à característica sutil de escape e pe netração dos líquidos e gazes. Algumas influências se instalam e chegam a criar raízes sem que percebamos. E também há outros casos, onde a é exercida ou recebida conscientemente.

No âmbito religioso, tais princípios e situações são realidades históricas, o que possibilita detectar as influências que o judaísmo recebeu de outras religiões, bem como as que transmitiu no decorrer de sua história até o primeiro século d.C. Tal empreendimento será útil para podermos avaliar, até certo ponto, a origem divina ou humana das práticas religiosas, elucidando a distinção entre o santo e o profano. Estudando fatos relacionados ao judaísmo, entenderemos também nossas raízes, já que daí veio o cristianismo e conosco estão muitas influências judaicas.

A HERANÇA DAS RELIGIÕES PRIMITIVAS

Quando terminou de preparar a terra, Deus criou o homem à Sua Imagem e Semelhança e com ele teve comunhão durante algum tempo. A experiência dessa comunhão marcou definitivamente o ser humano e, depois de haver pecado, este passou a ter uma espécie de saudade de seu estado original e do seu Criador. Seu vazio interior o levou a buscar a Deus, e essa busca deu origem a diversas religiões que, apesar de divergentes em muitos aspectos, possuíam várias características em comum. Por quê? Porque a espécie humana é uma só; teve a mesma origem; tem os mesmos anseios e a 
mesma atração por Deus. Além disso, muitas práticas e conceitos foram transmitidos corretamente através da tradição oral, só sofrendo acréscimos e degeneração posteriormente.

A primeira religião foi monoteísta. Os primeiros homens, conhecedores de sua verdadeira origem, buscaram o verdadeiro Deus. Com o passar do tempo, o pecado foi afastando a humanidade para cada vez mais longe do Criador. Vale lembrar o exemplo de Caim, mesmo depois de matar seu irmão, ele ainda conversava com Deu e foi decisão dele fugir da presença do Senhor. 
(Gn.4:8-14). Este episódio parece servir para retratar bem o rumo da humanidade. Depois da confusão das línguas, em Babel, os homens se espalharam por toda a face da terra. Muitos povos se formaram, de organização inicialmente tribal. Nesse contexto, diversas novas religiões surgiram e todas essas religiões primitivas preservaram muitos conceitos verdadeiros sobre Deus e práticas de importância espiritual-autêntica. A expressão “religiões primitivas” refere-se às que surgiram na pré-história, ou seja, antes da invenção da escrita. Às que apareceram depois, denominamos “religiões antigas”. O que afirmamos sobre as religiões primitivas procede, principalmente, de informações fornecidas pela arqueologia. Em casos duvidosos, os dados foram confrontados com práticas religiosas de vários povos que, ainda nos dias de hoje, vivem em sociedades primitivas em diversas partes do mundo.
Exemplificando o exposto acima temos:

-Na África: os pigmeus, pigmóides, bátuas, babongos e bantos. 
-Na América do Sul: os fueguinos (Terra do Fogo). 
-Na América do Norte: os esquimós e os caribus. 
-Na Ásia: os andamaneses, semangues e os aetos. 
-Na Austrália: os aborígenes.

Esses povos vivem em sociedades primitivas, onde predomina o patriarcado; vivendo da caça, da pesca, do plantio ou do pastoreio; sem contato com o resto do mundo e aonde não chegou a influência das descobertas científicas e tecnológicas. Apresentando características primitivas quanto às condições econômicas, sociais e religiosas. Outra fonte de informações são inscrições rupestres e desenhos em diversos materiais contendo narrativas sobre períodos anteriores à invenção da escrita. As religiões primitivas se desenvolveram e se tornaram cada vez mais diferentes umas das outras. 
Alguns povos conservaram uma ideia sobre Deus bem próxima da original. Criam em um Ser Supremo, que havia criado o homem e morava no céu. Mas algumas dessas religiões foram se corrompendo: passaram a adorar o sol, a lua e outros astros. A crença na imortalidade da alma era comum a todos esses povos, da degeneração desta convicção, alguns caíram no extremo de invocar e adorar os mortos e outros passaram a valorizar os objetos, as palavras e os gestos sagrados, como se tudo isso tivesse uma alma ou um poder residente, inventando a magia. Nas sociedades que viviam da caça, surgiu a adoração aos animais. Nos casos de sociedades agrícolas, preocupadas com o funcionamento da natureza e seus ciclos, passou-se a crer em vários “seres supremos”, cada um responsável por um fenômeno específico, “(...) e trocaram a glória do Deus Imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis.” (Rm.1:23). É interessante observarmos que, entre as religiões que mantiveram a crença no Ser Supremo, algumas o chamavam de Pai, ou Nosso Pai e outras o chamavam de Criador. A maioria não O associava a qualquer figura, e ainda havia algumas que ensinavam que Ele era semelhante a um homem idoso com longa barba branca.
Algumas características eram comuns a quase todas as religiões primitivas:

- Crença em poderes sobrenaturais (o Ser Supremo, ou seres, ou poderes)
- Uso de colunas, pilares, altares e templos sagrados. 
- Realização de sacrifícios de animais para obtenção de perdão e favores divinos.
- Existência do homem sagrado (sacerdote, xamã, vidente, ou feiticeiro). 
- Realização de festas sagradas. 
- Uso de palavras sagradas (orações, profecias, mitos). 
- Uniões sagradas (matrimônio, clã, tribo, ordem religiosa).
Merecem destaque também, embora mais raras:

- Cânticos, às vezes, acompanhavam os sacrifícios. 
- Inclinava-se a cabeça ou erguiam-se as mãos durante as orações. 
- Tiravam-se os calçados em sinal de respeito.
- Ofereciam-se ao Ser Supremo os primeiros frutos de uma colheita.
- Sacrificavam-se ao Ser Supremo os animais primogênitos. 
- Pactos com uso de sangue. 
- Eram observadas regras alimentares. 
- Consideravam-se impuros os períodos de menstruação e gravidez. 
- Apenas as mulheres eram proibidas de comer carne de porco. 
- Tocar em um defunto era motivo de quarentena. 
- O Sangue humano ou de animal eram considerados sagrados. 
- Proibia-se olhar ou tocar em certos objetos sagrados. 
- Evitava-se mencionar o nome do Ser Supremo desnecessariamente. 
- Proibia-se trabalhar nos dias das festas religiosas. 
- Praticava-se o jejum nas cerimônias de iniciação. 
- Comia-se carne dos sacrifícios acreditando que esse ato criaria um vínculo de parentesco entre o praticante e o Ser Supremo (ou deuses). 
- Faziam-se promessas aos deuses (votos). 
- Alguns povos primitivos praticavam a circuncisão. 
- Havia rituais de comunhão, nos quais o novato tinha seu nome trocado.
- O sangue dos animais sacrificados era derramado sobre locais sagrados. 
- Cria-se no renascimento do animal a partir dos seus ossos. Por isso, não os quebravam.
- Algumas montanhas eram consideradas sagradas. 
- Em alguns rituais de iniciação, havia um banho sagrado, que era considerado início de uma nova vida.

Essas manifestações não aconteceram todas no meio de um só povo e na mesma época, mas foram praticadas por diversos grupos primitivos dentro de um período de tempo que não podemos delimitar com precisão, mas que se situa, aproximadamente, entre 4000 e 3000 a.C, sendo recorrentes em pontos geograficamente distintos e distantes.

CULTURAS

As culturas apresentam diferentes estágios de desenvolvimento e isso influencia suas convicções religiosas. Israel teve contato com povos em vários desses estágios, por isso, para localizarmos as origens judaicas, é bom mencionarmos que o tempo dos povos primitivos é dividido nos seguintes períodos:

Cultura primordial - A sobrevivência se baseava na coleta de plantas e na caça. Já havia o clã, que era formado por famílias monogâmicas sem organização política. Cultura primária - Surge o cultivo de plantas, a horticultura. A caça já é mais especializada. Inicia-se o pastoreio de animais. É a cultura dos pastores que nasce. Nela, se destaca o valor da numerosa família patriarcal e o nomadismo.
Cultura secundária - A horticultura se desenvolve para o cultivo de cereais. Para isso, as comunidades rurais vão se fixando em determinados lugares. A caça e o pastoreio vão se desenvolvendo por outro lado. Os pastores passam a praticar grandes-migrações.
Cultura terciária - É a combinação de todas as atividades citadas anteriormente.

INFLUÊNCIA DE OUTROS POVOS

INFLUÊNCIA SUMÉRIA

Pela fixação de moradias surgiram as cidades e posteriormente o comércio. Alguns povos cresceram muito, dando origem às primeiras grandes civilizações. A mais antiga civilização que se destacou pelo seu desenvolvimento foi a dos sumérios. Em 3000 a.C., a Suméria já possuía grandes cidades situadas na Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates. Seu desenvolvimento em diversos setores foi surpreendente em relação à sua época. Entre seus feitos notáveis destaca-se a invenção da escrita cuneiforme.

A vida religiosa dos sumérios era intensa: em suas cidades havia grandes templos, chamados zigurates, nos quais encontravam-se sacerdotes, sacerdotisas e muitas outras pessoas ligadas ao serviço sagrado, que consistia, além da manutenção básica, de arte religiosa, a música e os escritos (métodos de encantamento, descrição de rituais, lendas, lamentações e hinos). Os sumérios eram politeístas, possuíam aproximadamente 3000 deuses, aos quais faziam-se sacrifícios de animais. A religião suméria ensinava que os homens haviam sido moldados pelos deuses a partir da argila, unicamente para serem seus escravos. Os templos possuíam terras e celeiros não somente para o sustento dos sacerdotes, mas também dos órfãos e viúvas. Dentre as cidades da Suméria estava Ur, de onde saiu Abrão. Foi imensa a herança religiosa que Abrão recebeu, ou seja, inúmeras influências que seriam herdadas mais tarde pelo judaísmo. Muito do que abordamos até aqui pode parecer ter sido extraído da Bíblia. A ação de Abraão ao sacrificar um animal a Deus (Gn.22:13), ou a atitude de Jacó ao erigir uma coluna em Betel (Gn.28:18), não eram práticas inventadas por eles, mas influências herdadas. Se Deus aceitou, e mais tarde até prescreveu certos rituais e ações, isto significa que estavam corretos e, provavelmente, surgiram nas relações de Deus com os povos primitivos. Enquanto alguns degeneraram a religião verdadeira, outros ainda a praticavam, como pode servir de exemplo, em Gênesis 14, Melquisedeque, sacerdote do Deus Altíssimo que ofereceu a Abraão pão e vinho e recebeu seus dízimos. Ele era rei e sacerdote de um povo que servia, ou havia servido, ao verdadeiro-Deus.

Quase todas as crenças e rituais primitivos apareceram mais tarde na vida dos patriarcas ou no judaísmo, devidamente ajustados e regulamentados pela lei mosaica. A lei tornou obrigatórias muitas daquelas práticas. Outras se firmaram pela tradição e houve muitas que Deus proibiu que se fizessem. As proibições divinas interromperam o livre curso das influências, excluindo o que era maligno ou corrompido. Por exemplo, foram proibidos a fabricação e uso das imagens de esculturas. Se Deus não proibisse, o judaísmo teria incorporado essa influência maligna.

À primeira vista, pode parecer um absurdo o fato dos israelitas praticarem um rito religioso existente entre outros povos. Pode parecer estranho e até duvidoso que Deus tenha ordenado que assim se fizesse. Essa impressão decorre da visão que temos dos povos do passado. Vemos I srael como o povo de Deus e o resto do mundo como povos do Diabo. É verdade que Israel foi um povo escolhido para um propósito especial. Entretanto, a própria Bíblia nos apresenta evidências das relações de Deus com outros povos. Daí surgiram rituais que só mais tarde o judaísmo viria a praticar. Outros exemplos, além de Melquisedeque (Gn 14) podem ser usados para comprovar esse relacionamento de Deus com povos fora de Israel: Balaão era moabita e conhecia o Deus verdadeiro (Num. 24); o Senhor lirou os sírios através de Naamã (II Rs 5); como Israel foi liberto do Egito, Deus tirou também os filisteus de Caftor e os sírios de Quir (Am.9:7); os habitantes de Nínive jejuaram, cobriram-se de saco e cinza, e Deus perdoou os seus pecados (Jn.3) e Ciro, rei da Pérsia, foi chamado de servo e ungido de Deus (Is.45:1).Tudo isso é bem coerente com o propósito divino da salvação. Seu objetivo sempre foi resgatar homens “de toda tribo, língua, povo e nação”. (Ap.5:9). Israel foi escolhido para ser o agente de Deus através do qual Ele intensificaria Sua ação e Se revelaria plenamente entre as nações. O povo de Israel foi eleito, não para ser influenciado, mas para influenciar, para realizar o serviço de levar a benção da promessa (Gn.12:3) a todas as famílias da terra.

INFLUÊNCIA EGÍPCIA

O início da religião de Israel se deu, “oficialmente”, no monte Sinai, quando Moisés recebeu de Deus os dez mandamentos. O povo acabara de sair do Egito, onde esteve por 430 anos, tempo suficiente para que os israelitas absorvessem muitas características da religião egípcia. Os egípcios haviam tido uma experiência breve de Monoteísmo, no reinado de Aquenaton, mas depois se tornaram politeístas novamente e muitos de seus deuses eram representados por imagens de animais. Por exemplo, a de usa Hator era reapresentada pela imagem de uma vaca. Logo ao pé do monte Sinai, vemos a manifestação da influência egípcia: Aarão constrói um bezerro de ouro e diz:

“Eis aí os deuses, ó Israel, que tiraram vocês da terra do Egito”. (Êx.32:1 -5). Na sequência, realizaram uma grande festa, o que era muito comum nos ritos sagrados das religiões primitivas e antigas. No Egito, havia templos e sacerdotes, os quais tinham o hábito de se purificarem nas águas de uma lagoa sagrada. O acesso ao interior dos templos e ra exclusivo aos sacerdotes e havia também entre um sumo-sacerdote com acesso a lugares ainda mais restritos dentro dos templos, que proferia orações diante da imagem do seu deus; prostrava-se e também queimava incenso. Na saída do Egito, Deus deu ao povo os dez mandamentos. Daí em diante, viria a travessia do deserto. Durante esses quarenta anos, Deus tratou com o povo a fim de desarraigar muitas influências egípcias que não poderiam caracterizar o povo de Deus e começou a preveni-los acerca da influência dos povos que habitavam a terra prometida. Deus deu dois tipos de ordem, pois sabia que Israel não cumpriria cabalmente a primeira. Mandou que os cananeus fossem totalmente destruídos. (Nm.33:50-56; Dt.7:1-6; 25-26) e, sabendo que isto não aconteceria, o Senhor prescreveu uma série de proibições a fim de que o judaísmo não ficasse manchado com as influências pagãs. (Dt.17:2 -5 Dt.18: 9-14). No caminho para Canaã, Israel ainda passou pelos termos dos moabitas e a influência maligna foi fatal. Os israelitas participaram dos sacrifícios idólatras e se prostituíram. Provavelmente, tal prostituição era parte do culto. (Nm.25:1-3). A reação de Deus foi matar vinte e quatro mil israelitas. Parece assustador, mas se Deus não fizesse assim, Israel poderia querer incluir a prostituição em seus próprios rituais.

INFLUÊNCIA DOS CANANEUS E NAÇÕES VIZINHAS

Apesar das proibições divinas, Israel se contaminou com as práticas religiosas de Canaã e das nações vizinhas. Ao estudarmos esse episódio, entendemos porque Deus achou por bem enviar o povo para o Egito por 430 anos. Os cananeus já eram perversos quando Israel chegou ao Egito e há menção na Bíblia de que a medida da maldade desse povo estava quase se enchendo. Indo para o Egito, habitaram na terra de Gózer, permanecendo imaculados das práticas dos cananeus. A seguir, relacionamos algumas das ocorrências de influência cananeia, que se deram desde os tempos dos juízes até o fim da monarquia:
-Foram edificados altares em vários lugares, quando só deveria haver um altar para a nação. (II Rs.17:9 II Rs. 21:1-4 Dt.12:11-14);
-Andaram nos estatutos das nações de Canaã. (II Rs. 17:8);
-Fizeram estátuas, imagens de escultura. (II Rs.17:10,16 II Rs. 21:7);
-Queimaram incenso em vários lugares, principalmente debaixo das árvores. (II Rs.17: 10- 11 Os.4:13). 
-Praticaram a adoração a diversos deuses, principalmente a Baal. (II Rs.17:7,12,16 Os.4:17). Baal era a principal divindade dos cananeus e fenícios.

Sua figura estava relacionada ao sol. Seu culto incluía sacrifícios de crianças.
-Adoraram os astros. (IIRs.17:16; IIRs.21:5; IIRs.23:5);
-Praticaram a feitiçaria. (II Rs.21:6 I Sm.28:7).
-Invocaram os mortos. (I Sm.28:7-11).
-Praticaram magia. (Os.4:12). 
-Os casamentos políticos dos reis favoreceram o aumento da idolatria. (I Rs.16:31). O pior exemplo foi o de Salomão, que tomou mulheres moabitas, amonitas, iduméias, sidônias, hetéias, etc.. (IRs.11:1-9). Todas essas práticas provocaram a ira de Deus. Em conseqüência, disso ele entregou Israel nas mãos da Assíria e Judá foi levado para a Babilônia. (IIRs.17:20-23).

O PROFETISMO NO ANTIGO ORIENTE MÉDIO

No estudo do Antigo Testamento, deparamos com o profetismo em Israel e Judá. Este fenômeno inicia-se no tempo de Samuel e estende-se até o período pós-exílio. O profetismo não foi um movimento exclusivamente israelita. As descobertas arqueológicas testificam que havia profetas entre outros povos e religiões. Até entre os sumérios eles já estavam presentes. Havia, inicialmente, dois tipos de profetas: o vidente e o nabi. O vidente era parte das comunidades nômades, tinha visões espirituais e transmitia suas mensagens por meio de versos poéticos. Balaão é um exemplo de vidente gentio. O nabi era o profeta fixo, que estava ligado a um santuário, um templo, ou uma corte real. Os reis possuíam, geralmente, um ajuntamento desses profetas a seu serviço. Todos esses traços do movimento profético se manifestaram em Israel (I Sm.9:9). O maior representante do profetismo javista foi Elias. Nesse tempo, havia muitos profetas, que poderiam ser encontrados profetizando isoladamente ou em bandos.

INFLUÊNCIAS NA LITERATURA

Como vimos, os videntes de diversas religiões transmitiam suas mensagens em forma de versos, essa prática também se tornou comum em Israel. Isto pode ser facilmente constatado nos livros proféticos do Velho Testamento. A literatura religiosa judaica assimilou influências diversas. Poderíamos citar, por exemplo, o uso de parábolas e lamentações. A própria literatura sapiencial era corrente entre outras nações. Os reis das nações antigas mantinham muitos sábios em suas cortes. Eram os conselheiros reais. A sabedoria foi muito valorizada no Egito, na Arábia, na Fenícia, na Babilônia e em outras nações. Entretanto, a literatura desses povos estava cheia de magia, superstição, idolatria e licenciosidade. Muitos escritos sapienciais da antiguidade foram recuperados pela arqueologia. Eles tratavam de questões comuns da humanidade, tais como o sofrimento, a moral e a religião. Suas conclusões, porém, eram desalentadoras. Os sábios gentios já se dedicavam a questionar o comportamento humano e compor provérbios. Cabe destacar, entretanto, que tais escritos perdem na essência, quando comparados aos livros bíblicos poéticos, principalmente, aos Provérbios de Salomão. Israel apresentou a melhor essência sapiencial, mas recebeu a influência quanto ao estilo literário.

INFLUÊNCIA DA ASSÍRIA

A Assíria se localizava nas planícies férteis às margens do rio Tigre. Seu povo era de descendência semita. Eram guerreiros extremamente ferozes e cruéis. Foi um dos impérios mais agressivos da antiguidade, conquistava outras nações sob a justificativa de uma missão divina. A principal divindade era Assur e entre seus rituais estavam os sacrifícios de animais. Eram imolados leões, cabritos, gazelas, avestruzes e até macacos. Os assírios acreditavam na existência de muitos deuses e também demônios, alguns dos quais, supostamente, possuíam asas. A crença dos israelitas nos demônios parece ter se desenvolvido durante o cativeiro, por influência da Assíria e/ou da Babilônia (Judá). O certo é que, antes, atribuíam todos os acontecimentos à ação de Deus. Após levar cativo os habitantes do Reino do Norte, a Assíria assentou outra população em seu lugar criando um ambiente propício para influenciar o remanescente israelita que havia permanecido em sua terra. O resultado foi um povo híbrido, os samaritanos, que, pela carga de influência estrangeira, passaram a ser discriminados pelos judeus. (Jo.4:9).

INFLUÊNCIA DA BABILÔNIA

Semelhantemente às tribos do norte, também Judá se corrompeu com todas as influências dos cananeus e povos vizinhos. Por esta causa, Deus os entregou nas mãos da Babilônia. (IIRs.17:19-20). Os babilônios eram politeístas e se dedicavam também à magia, astrologia, adivinhações e encantamentos. Em sua religião, havia sacerdotes que possuíam grande poder político. Esse fator parece ter influenciado os judeus. Nos dias de Cristo, os sacerdotes judaicos se encontravam em proeminência política no meio do seu povo. Na Babilônia, os judeus aprenderam a dura lição de que não deviam assimilar toda e qualquer influência religiosa. No livro de Daniel já podemos observar alguns judeus com personalidade religiosa mais forte e inflexível. Notamos o caso de Daniel, que manteve seus hábitos de oração ao verdadeiro Deus, mesmo sob risco de vida. Seus três amigos, Sadraque, Mesaque e Abdenego, recusaram-se terminantemente a adorar a estátua de Nabucodonozor. Tais atitudes possibilitaram momentos surpreendentes em que os judeus cativos influenciaram os reis estrangeiros, os quais ordenaram que todos reconhecessem e adorassem o Deus verdadeiro. (Dn.2:47; 4:1-3, 34-37; 6:25-28). Estas foram experiências particulares, mas que exemplificam uma tendência do povo cativo.

Após o retorno, os judeus se mostraram definitivamente imunizados contra a influência politeísta. Durante o cativeiro, eles repensaram suas relações com Deus e seus valores religiosos. Tais reflexões produziram o Talmude da Babilônia. No cativeiro surgiram as sinagogas que, até hoje, são em todo o mundo centros da cultura e da religião judaica.

INFLUÊNCIA DA PÉRSIA

Em 538 a.C. o império da Babilônia foi conquistado pela Pérsia. Essa nação praticava uma religião monoteísta, o zoroastrismo, com características que nos parecem surpreendentes. Os soberanos persas - pelo menos Dario, e talvez Ciro e Câmbises - adotaram uma religião de Estado, todas as conquistas eram realizadas em nome de um Ser Supremo, Ahuramazda, criador do céu e da terra. No obscuro passado persa, Ahuramazda fora uma dentre várias divindades da natureza. Os rituais incluíam sacrifícios de animais, uma cerimônia do fogo e a ingestão de uma bebida sagrada e alucinógena chamada haoma. Mas, em algum momento anterior a 600 a.C., surgiu das estepes do nordeste da Pérsia o profeta Zaratustra, ou Zoroastro, como os gregos o chamavam, alegando que Ahuramazda havia manifestado-se a ele numa visão, revelando-se como a divindade suprema, onisciente e onipotente, representante da luz e da verdade, o criador de todas as cois as, a fonte de toda a virtude. Voltados contra Ahuramazda estavam as potências das trevas, os anjos do mal e os guardiões da mentira e da falsidade. O universo passou a ser visto como o campo de batalha em que essas forças opostas se enfrentavam, tanto na esfera das conquistas políticas quanto nas profundezas da alma humana, com a esperança de que com o tempo a luz voltasse a brilhar, dispersando a escuridão e fazendo prevalecer a verdade. No dia do ajuste de contas, os abençoados alcançariam a salvação celestial, e todos os outros assariam nas chamas do purgatório.

O conceito de um deus único e todo-poderoso não era inteiramente novo. Os egípcios haviam considerado essa ideia durante o reinado de Aquenaton, e os judeus caminhavam nessa direção havia séculos. Mas Zoroastro deu ao monoteísmo seu padrão ético - a luz contra as trevas, a verdade contra a falsidade. O que constituía uma inovação espiritual de enorme importância. Num sentido imediato, essa visão pode ter sido um reflexo da animosidade entre um reformador visionário e um povo tradicionalista. Zoroastro condenou o sacrifício de animais, por exemplo, e elevou o culto do fogo à eminência de símbolo de purificação e verdade. Mas foi no plano ético que ele obteve seu verdadeiro triunfo, promovendo um modelo de comportamento virtuoso.

O zoroastrismo sofreu inúmeras modificações no decorrer dos séculos, e seu monoteísmo essencial acabou minado por uma hierarquia cada vez maior de santos e demônios. Alguns de seus rituais pareceram excêntricos demais aos contemporâneos: a aparente adoração do fogo, em elevadas torres ao ar livre; a ausência de templos e ídolos; uma veneração pela natureza tão difundida que os zoroastristas ortodoxos abandonavam seus mortos nos topos das montanhas em vez de macularem a terra com um sepultamento. Mas a essência abstrata do zoroastrismo afetou profundamente o pensamento religioso do Oriente Médio. Ela influenciou os escribas judeus que, na Babilônia, estavam editando os antigos textos da lei mosaica, proporcionando-lhes novos conceitos de céu e inferno e inspirando-os com um novo sentido de responsabilidade individual perante um Deus único e verdadeiro. A crença numa vida celestial após a morte para os bons e nos tormentos infernais para os maus pode ter sido, em parte, responsáv el pela maneira esclarecida com que os soberanos persas tratavam as nações conquistadas. É impressionante a semelhança entre o zoroastrismo e o judaísmo em diversos pontos. Além da influência que os judeus receberam no cativeiro, parece que outras tantas influências foram trocadas entre essas religiões. É difícil tirar uma conclusão. Algumas perguntas não encontram respostas. Por exemplo: Teriam tido os persas uma experiência com o Deus verdadeiro ? Essa hipótese é fascinante e não pode ser descartada. Principalmente, quando lembramos que o Deus de Israel se referiu ao rei Ciro como servo e ungido. (Is.45:1). De qualquer modo, algumas características do zoroastrismo são biblicamente reprovadas. Durante o domínio persa, os cativos judeus foram autorizados a retornar para sua terra.

INFLUÊNCIA DA GRÉCIA

Em 333 a.C., Alexandre, o Grande, conquistou a Pérsia. Nesse período, estava em franca ascensão o domínio grego sobre o mundo conhecido da época. Em 175 a.C., o rei Antíoco IV construiu um ginásio em Jeru salém e ensinou os jovens judeus a praticar o atletismo. Além disso, tirou os vasos do templo em Jerusalém e colocou nele a imagem de Zeus, seguindo uma prática que fora bem sucedida em todos os outros domínios gregos. Antíoco resolveu extirpar a religião judaica, acabando com a circuncisão e com a observância das leis relativas aos alimentos. A tudo isso o povo de Jerusalém se submeteu. 
Sacrificaram aos ídolos gregos e profanaram o sábado. Entretanto, fora da cidade, os judeus resistiam obstinados. Esses fatos são narrados no primeiro livro dos Macabeus. Muitos servos de Deus fiéis, que resistiram a Antíoco Epifanes, foram por ele executados. Até então, os judeus esperavam a recompensa divina em vida. Essas mortes de pessoas virtuosas fizeram com que fosse desenvolvida a fé na imortalidade e na ressurreição. Apenas os saduceus resistiram a essas conclusões. Além desses episódios, a influência grega sobre o judaísmo se deu mais através da cultura. A língua grega foi difundida em todo o mundo. Até em Israel se falava grego. Havia colônias judaicas em muitos lugares. Em Alexandria, no Egito, estava uma das principais e lá foi feita, em 270 a.C., a tradução do Antigo Testamento para o grego. Essa versão recebeu o nome de Septuaginta, sendo utilizada mais tarde por Jesus e seus discípulos.

INFLUÊNCIA DE ROMA

Israel conseguiu se libertar do jugo da Grécia, mas logo foi conquistado pelos romanos. Estes, em seus primórdios, praticaram uma espécie de culto da natureza. Depois, foram “adotando” deuses e práticas religiosas de outras nações, principalmente da Grécia. Como influência romana no judaísmo, podemos citar o templo que Herodes construiu em Jerusalém. A construção era em estilo helenístico, com pilares coríntios e com a imagem de uma águia sobre a entrada principal. No ano 70 d.C. os judeus se rebelaram contra Roma, que revidou, invadindo Jerusalém e derrubando o templo.

INFLUÊNCIA DO JUDAÍSMO SOBRE O CRISTIANISMO

O cristianismo é fruto do judaísmo. Cristo é um judeu. Tal influência é tão abrangente, que poderíamos dizer que herdamos tudo o que o judaísmo tinha e passamos a selecionar o que seria utilizado ou não. Do judaísmo recebemos o Antigo Testamento e, com ele, toda a nossa base religiosa. Cremos no mesmo Deus; cremos no céu, no inferno, na existência das hostes celestiais, na recompensa para os justos e no castigo para os ímpios. Uma lista completa seria bastante extensa. Em alguns segmentos considerados, estatisticamente, cristãos, tais como os adventistas do sétimo dia, o vínculo com o judaísmo se torna ainda mais evidente, pois tais igrejas procuram seguir, ainda hoje, alguns preceitos da lei mosaica, que nós, batistas, não observamos. Os padres católicos, por sua vez, usam vestes que nos lembram os sacerdotes bíblicos. Muitas igrejas, inclusive Assembleias de Deus, mantêm a tradição de apresentar crianças recém-nascidas. Tal prática não é um preceito cristão, mas está relacionada ao rito judaico da circuncisão. (Lc.2:21-58). Enquanto algumas denominações guardam o sábado, outras guardam o domingo como dia do Senhor. Em ambos os casos, está a influência do sábado judaico. O Novo Testamento ensina que Deus não habita em templos feitos por mãos humanas e que o templo de Deus somos nós. Entretanto, existe, ainda hoje, uma forte valorização dos templos de concretos como se fossem sagrados.
Muitos se referem a eles como “Casa de Deus”. Os púlpitos ou altares são, às vezes, considerados lugares santos. Tais pensamentos são herança judaica. Alguns as receberam “via catolicismo”.
A comemoração da páscoa é outra herança. Nós, como cristãos, não temos o dever de comemorá-la. A ceia do Senhor absorveu os significados dessa festa e não tem data determinada para sua realização. Há alguns grupos evangélicos que chegam a comemorar pentecostes e tabernáculos sem, contudo, seguir todos os ritos da lei em relação a essas festas. Muitas influências judaicas são necessárias e foram endossadas pelo Senhor Jesus (Mt.5). Outras, porém, são pesos desnecessários e totalmente incompatíveis com a revelação da Nova Aliança. (At.15:28-29 Gl.5:3-4).

CONCLUSÃO

Podemos dizer que o judaísmo se ergueu sobre os fundamentos das religiões primitivas e, no seu desenvolvimento, foram adotadas características próprias de outros povos. A verdade é que estas características não pertenciam às culturas em que foram encontradas, mas a uma supra cultura anterior.

terça-feira, 23 de junho de 2015

A revista Jesus Histórico


 





Bem vindo ao site!




A revista Jesus Histórico dedica-se a publicar artigos, resenhas e entrevistas com especialistas renomados e jovens pesquisadores. O interesse editorial está associado a todo o enfoque ligado às recentes pesquisas sobre o campo das experiências religiosas. Assim, por exemplo, a revista se interessa em receber trabalhos relacionados às múltiplas e variadas manifestações culturais e artísticas ligadas ao cristianismo, judaísmo, islamismo, hinduísmo, candomblé, espiritismo e outras tantas religiões. Trata-se, portanto, de um projeto editorial transdisciplinar, acadêmico e laico, interessado em congregar profissionais das mais diferentes áreas acadêmicas que pesquisem sobre esta temática.