terça-feira, 20 de setembro de 2011
Correntes Cristológicas dos Primeiros Séculos
Os primórdios da Mitologia Judáico-Cristã
Caim por ciúme, ao ver seu lugar de primogênito e preferido ameaçado, mata seu irmão Abel ( Gn 5, 32), "pois a oferenda deste, e não a sua, fora aceita por Javé". Javé estava elegendo Abel, o preferido.
Dentre os filhos de Noé, Cam e Jafé recebem pouca ou nenhuma atenção de Javé, enquanto que Sem, o mais velho, tido como o tronco dos povos semitas, é o preferido. Na nona geração dos descendentes de Sem, surge Abrão—Abrahão, como passou a se denominar após a chamada "aliança ou pacto com Javé" ( Gn 12, 6 e 7 ).
Que é assim concluído:
(Gn 15, 12- 21):
"À tua descendência darei este pais, desde a torrente do Egito até o grande rio, o rio Eufrates: os cineus, os ceneseus, os cedmoneus, os heteus, os fereseus, os refaim os amorreus, os cananeus, os gergeseus e os gebuseus."
Estes nomes indicam os diferentes povos que habitavam os limites mencionados. Isto "era prometido por Javé", aos descendentes de Abrahão em troca da submissão total a ele, que seria seu único deus. E o selo desta aliança consistia na "circuncisão de todo o macho de sua casa e de seus descendentes". ( Gn 17, 9 -15).
Javé ratifica essa "doação" em Ex 13, 5 .
Note-se que este território, "doado" por Javé a Abrão já tinha donos, sendo habitado pelos povos citados acima.
Os deuses cananeus Moloch e Baal exigiam o sacrifício humano. Este sacrifício era feito comumente com crianças. Elas eram sangradas e depois queimadas no altar do sacrifício. As "primícias" eram dedicadas ao deus cruel Moloch, divindade semita mencionada na Torá ( Lv 18, 21; 20, 2- 5; 1 Rs 11,7; 2 Rs 23, 10). Trata-se da divindade cananea Milk cultuada desde o século XXIV a.C. em Ur (de onde proveio Abrão), Mari, Assiria, Ugarit, Canaã e era o deus nacional dos Amonitas. Exigia dos fieis o sacrifício das "primícias" que tanto eram os primeiros frutos, as primeiras frutas colhidas, as primeiras crias do gado, em geral, incluindo o primeiro filho de seus adoradores. A lenda do "quase sacrifício" feito por Abrão exigido por Javé, nos permite entende-la como a transição da adoração de Moloch para a adoração de um outro deus único, menos violento. Já não exigia a vida, somente o prepúcio. Mas esse novo deus, era ainda violento e exterminador com relação aos estrangeiros, gentios e aos próprios judeus, quando o desobedeciam. Era a representação externa do chefe do clã. Onipotente como todo o chefe de clã.
Abrahão por se sentir um filho eleito pelo deus Javé passou a acreditar na promessa ( desejos seus projetados no deus que agora os devolvia em forma de promessa) e nos seus direitos, já que o aceitou como único e se submeteu às suas imposições, para então "ter direito àquelas terras". O pacto com Javé, foi uma transação em que em troca da fidelidade eterna e exclusiva ao deus-único, Abrão recebia a promessa de ser aceito, bem como seus herdeiros, como o "filho eleito e único". Como Abrão procedeu com os outros filhos , Javé fez com os outros povos, filhos de deus. Baniu-os.
A esta altura cabe um parênteses: o deus dos judeus, JAVÉ (YHWH, o tetragrama), tinha outras denominações: EL, EL-SHADAI ("O Todo PODEROSO", como o designava Abrão), O ETERNO, ELOHIM ( ou ELOÁ), JAHU, JO ou JAH e ADONAI. "Adonay" é usado quase que com exclusividade pelos Sefaradis, em sua Bíblia de Ferrara escrita no dialeto ladino. Os cristãos, em suas diversas seitas e ramificações, designam esse deus, SENHOR DEUS, O SENHOR, O DEUS DE ISRAEL, O CRIADOR, JEOVA, O ALTÍSSIMO, PAI CELESTIAL, ou simplesmente DEUS.
Os livros chamados sagrados que anteriormente eram transmitidos de geração em geração por tradição oral começaram a ser grafados pelos sacerdotes israelitas, na época dos Reis, aproximadamente entre 1200 e 500 a.C. Variadas fontes existem, segundo o escriba fosse das linhas Javista (J), Eloista (E), Sacerdotal (P: "Priesterschrift") ou Deuteronomista (D). As versões, cronologicamente , seguem a seguinte ordem: J-E-D-P. Daí algumas discrepâncias em seus textos. Um exemplo disto se vê quando é descrita a venda de José por seus irmãos: nos versículos 27 e 28 de Gênesis 37. Os irmãos vendem o invejado e odiado irmão, por vinte pratas, ora aos ismaelitas ora aos midianitas.
Dos filhos de Abrahão, Isaac, filho dele com sua irmã Sarai ( ou Sara) por parte do seu pai Taré, (Gn 20, 12) é o predileto e, portanto o herdeiro de todos os bens e bênçãos.
Sara que era estéril, teve Isaac por interferência de Javé . O filho mais velho era Ismael que Abrão tivera com Agar a egípcia, escrava de Sara. ( Gn 16,11-21 e 25, 5 ). Sara que temia Ismael como concorrente de seu filho à primogenitura (herança) , fez com que Abrão o expulsasse e a sua mãe Agar, de sua casa "para que se perdessem no deserto de Bersheva" (Gn 21,10 e 14) .
Quanto a Zimrán (Zapram), Ioksan (Jecsam), Medan (Madam), Midian (Madiam), Isbak (Jesboc) e Suah (Sué), filhos de Abrahão com sua outra mulher, Keturá (Ceturá), "enviou-os Abrahão para o Oriente, à terra de Kedem, longe de seu filho Isaac" (Gn 25,1-7). Estes filhos de Abrahão, começando por Ismael que deu origem aos atuais Ismaelitas, vieram a engrossar as hostes dos deserdados pelo pai Abrahão (e pelo pai-Javé) e escorraçados para o deserto. Passaram a ser gentios, "gois".
O clã de pastores nômades saindo de Ur, na Caldeia, se deslocou para o noroeste até Padam-Haram. Chefiados por Abrão, faziam parte da comitiva, Taré, seu pai, Lot, seu sobrinho, filho de Haran, um de seus irmãos. Viajavam acompanhados de suas mulheres, escravas, servos e rebanhos. Buscavam pastagens para seu gado. De lá se dirigiram ao sul rumo ao vale do Jordão onde habitavam todos aqueles povos citados no "pacto de Abrahão com Javé" (Gn 15,12-21).
Perambularam pela Palestina, Filisteia ou Filistina e Canaã terra dos filisteus, cananeus, cineus, ceneseus, cedmoneus, heteus, fereseus, refaim, amorreus, gergeseus e gebuseus. Estes últimos eram os habitantes de Jerusalem que significa: "Jebus el Salem", ou seja: Salem dos Jebuseus.
O "pacto com Javé" pode ser entendido como uma promessa feita por Abrahão a si próprio e aos seus liderados: "essa terra ainda será nossa". Pois se tratava de praticamente um oásis cercado pelos desertos inóspitos do médio oriente. Durante este périplo, que incluiu o Egito, Abrahão e os seus procuravam pastagens para seu gado. Foram levados pela fome.
Ocorrem na época situações marcantes nas andanças desse clã , como o fato de Abrahão ceder sua mulher Sara ao Faraó (Parô) com a intenção de tirar proveito. Esta atitude foi repetida em relação a Abimelech, rei cananeu de Gerar.
(Gn 12-Lech Lechá-10, 2O e 13,1- 2)
"1O) E houve fome na terra, e desceu Abrão ao Egito para morar ali; porque era grande a fome na terra. 11) E foi quando se aproximou para entrar no Egito, disse a Sarai sua mulher: Eis que agora sei que és uma mulher formosa à vista. 12) E será que, quando te virem, os egípcios dirão: sua mulher é esta , e matarão a mim, e a ti deixar-te-ão viver. 13) Dize então que es minha irmã, para que seja bom para mim, por ti , e viverá minha alma por tua causa. ( O 2° É CHAMADO) 14) E foi ao vir Abrão ao Egito, e viram os egípcios que a mulher que era muito formosa. 15) E viram-na os ministros do Faraó (Parô) e gabaram-na ao Faraó. 16) E a Abrão fizeram bem por causa dela; e teve ele rebanhos e vacas e asnos e servos e servas e jumentas e camelos. 17) E infligiu o Eterno ao Faraó e à sua casa, grandes pragas por causa de Sarai mulher de Abrão. 18) E chamou o Faraó a Abrão e disse: "Que é isto que fizeste a mim? 19) Por que disseste: minha irmã é ela? E tomei-a para mim por mulher! E agora, aqui está tua mulher, toma-a e vai-te". 2O) E recomendou-o o Faraó a seus homens, e o acompanharam, e a sua mulher e a tudo que era dele. Xlll-1) E subiu Abrão do Egito, ele com sua mulher, e o que possuía, e Lot com ele, para o sul. 2) E Abrão estava muito carregado em gado, em prata e em ouro "
E ainda em Gn 20 (Vaiera) 1-18.
Episódio semelhante se repetiu com Abrão, Sarai e agora o Rei de Gerar, Abimelech, saindo Abrão mais rico ainda. O Rei, mesmo após dar mil moedas de prata, ovelhas e vacas, servos e servas ao casal, como indenização, foi culpado e castigado por Javé com a esterilidade.
Abrão prepara uma cilada tanto ao Faraó como a Abimelech, que são enganados por ele e extorquidos. Isto ocorre com a conivência, cumplicidade de Javé que ainda castiga as vítimas do logro com pragas e esterilidade.
Isaac, por sua vez, teve dois filhos gêmeos com Rebeca, filha de Betuel, filho de Nacor, irmão de Abrahão.
O predileto de Isaac era Esaú, o "peludo", que nasceu primeiro, também chamado Edom por ter os cabelos ruivos. O segundo, que nasceu segurando o calcanhar do irmão, recebeu o nome de Jacó. Ocorre que Jacó era o predileto da mãe, e com o auxílio dela ludibria Esaú e o velho Isaac tornando-se assim o único herdeiro ( Gn 25,28) . Esaú teve ainda aumentada a má vontade da mãe, Rebeca, por ter se casado com duas heteas: Judith e Basmath. "E estas foram para Isaac e Rebeca, uma amargura de espírito" (Gn 26, 34 e 35). Como os filhos de Abrahão, Esaú, filho rechaçado pelos pais vai dar origem aos edomitas que passaram a ocupar uma região a sudeste do Mar Morto . Mais ao norte se situam as terras ocupadas pelos filhos do incesto de Lot (sobrinho de Abrahão) com suas duas filhas, após fugirem de Sodoma e Gomorra: Os Moabitas ( filhos de Moab) e os Amonitas ( filhos de Ben- Ammi). (Gn 19, 30-38).
Nesta grande família os casamentos endogâmicos eram comuns. E mal aceitos os realizados com gentios, (goyim) estrangeiros.
Jacó, a conselho dos pais vai buscar esposa na família de Labão, o arameu, neto de Nacor, irmão de Abrahão. Trabalha quatorze longos anos por sua preferida Raquel. Leva como esposas as irmãs Lia e Raquel e suas respectivas escravas Zelfa e Bala. É enganado pelo sogro, a certa altura, logra-o mais de uma vez, rouba-lhe o que pode e sai fugido, Gn 29, 31; Gn 30, 37ss- 31, 22ss.
Os ciúmes e a competição pela predileção de Jacó são uma constante em seu clã.
Treze foram os filhos de Jacó:
Sete com Lia: 1° Ruben, 2° Simeão , 3° Levi, 4° Judá, 9° Issacar, 10° Zabulon e 11° Diná.
Dois com Zelfa (escrava de Lia), 7° Gad e 8° Aser.
Dois com Raquel, 12° José e 13° Benjamim.
Dois com Bala (escrava de Raquel), 5° Dan, 6° Neftali.(Gn 29,32 - 35 e 30,1-24).
Jacó, no entanto tem em Raquel sua mais amada esposa e no primeiro de seus filhos com ela, José, seu mais querido por ser, dizia, "o filho de minha velhice". (Gn 37,3).
Afinal, não foi por Raquel que ele trabalhou para seu sogro Labão, quatorze longos anos ? Não foi ela que, ao fugirem de Labão com bens furtados, sentou-se sobre estes, dizendo-se "com o costume das mulheres" (Gn 31, 35) isto é, menstruada e portanto intocável ! Era tabu tocar em uma mulher menstruada. Assim fugiram dos perseguidores, homens de Labão, com o produto do roubo. (Gn 31,19-54).
Raquel também era considerada estéril, só engravidando após Jacó ter tido onze filhos com as outras três mulheres. Tornou-se fértil tomando chá de raiz de mandrágora. Os poderes mágicos conferidos a essa solanácea eram creditados ao formato de sua raiz tuberosa que lembra uma forma humana.
A lenda judaica de José e seus irmãos mostra muito bem aonde os ciúmes e a inveja carregada de ódio, podem levar:
(Gn 37,1-36 ) :
1) E habitou Jacó na terra das peregrinações de seu pai, na terra de Canaã. 2) Estas são as gerações de Jacó: José, da idade de dezessete anos, apascentava, com seus irmãos, as ovelhas—e ele era mocinho—com os filhos de Bala, e com os filhos de Zelfa, mulheres de seu pai. 3) E Israel ( nome adotado por Jacó após haver lutado com o anjo) amava José mais que a todos os seus filhos, porque filho da velhice era para ele; e fez-lhe túnica talar com mangas compridas. 4).. E viram seus irmãos que seu pai amava mais a ele que a todos seus irmãos, e odiaram-no, e não podiam falar-lhe em paz. 5) E teve José um sonho, e anunciou-o a seus irmãos; e passaram a odia-lo mais. 6) E disse a eles: escutai, rogo, o sonho que tive: 7) E eis que nós estávamos atando feixes no meio do campo, e eis que se levantava meu feixe e ficava em pé, e eis que o rodeavam vossos feixes, e prostravam-se diante de meu feixe. 8) E disseram-lhe seus irmãos: Será que reinarás sobre nós ? E passaram a odia-lo ainda mais, por seus sonhos e por suas palavras. 9) E sonhou ainda outro sonho, e o contou a seus irmãos, e disse: Eis que sonhei outro sonho, e eis que o sol e a lua e onze estrelas se prostravam diante de mim. 10) E contou a seu pai e seus irmãos. E repreendeu-lhe seu pai, e disse-lhe: Que sonho é este que tiveste ? Viremos, pois, eu e tua mãe, e teus irmãos, a prostrar-nos na terra, perante ti? 11) E invejaram-no seus irmãos, e seu pai esperou o fato. ( 2° É CHAMADO). 12) E foram seus irmãos apascentar as ovelhas de seu pai em Shechem. 13) E disse Israel a José: por certo teus irmãos estão apascentando em Shechem, anda e te enviarei a eles. E disse: Eis-me. 14). E disse-lhe: Vai, rogo, vê a paz de teus irmãos e a paz do rebanho, e responde-me alguma coisa. E o enviou do vale de Hebron, e chegou a Shechem. 15) E encontrou-o um homem e eis que estava perdido no campo, e perguntou-lhe o homem dizendo: Que buscas? 16) E disse: A meus irmãos eu busco; dize, rogo, a mim, onde eles apascentam? 17) E disse o homem: Partiram daqui; porque escutei-os dizerem: vamos a Dotán. E foi José atrás de seus irmãos, e encontrou-os em Dotán. 18) E viram-no de longe, e antes que se chegasse a eles, tramaram mata-lo. 19) E disse cada um a seu irmão: Eis que aquele dono dos sonhos vem. 20) E agora vinde, o mataremos e o jogaremos num dos poços, e diremos: Um animal mau o comeu. E veremos o que serão seus sonhos. 21) E escutou Rubem, e livrou-o das mãos deles e disse: Não o feriremos de morte. 22) E disse-lhes Rubem: Não derrameis sangue! Jogai-o neste poço que está no deserto, e não ponhais mão nele; ( Isto disse) para livra-lo de suas mãos e devolve-lo a seu pai. ( 3° É CHAMADO) .23) E foi quando veio José a seus irmãos, e tiraram a José a sua túnica, a túnica talar que tinha sobre si. 24) E tomaram-no e jogaram-no ao poço, e o poço estava vazio: não havia água nele. 25) E sentaram-se a comer pão. E levantaram os olhos e viram, e eis que uma caravana de ismaelitas vinha de Guilad, e seus camelos levavam cera, bálsamo e goma odorífera, que iam baixar ao Egito. 26. E disse Judá a seus irmãos: Que proveito teremos matando a nosso irmão e ocultando seu sangue ( morte ) ? 27). Vamos e o venderemos aos ismaelitas, e não poremos nossas mãos nele; pois ele é nosso irmão, nossa carne ele é. E escutaram seus irmãos. 28) E passaram homens midianitas, mercadores; e ( os irmãos ) puxaram e fizeram subir a José do poço; e venderam José aos ismaelitas por vinte pratas. E levaram José ao Egito. 29) E voltou Rubem ao poço e eis que José não estava no poço, e rasgou suas roupas. 30) E voltou a seus irmãos e disse: O menino não está; e eu, onde vou? 31) E tomaram a túnica de José e degolaram um cabrito e molharam a túnica no sangue; 32) E enviaram a túnica talar, e trouxeram-na a seu pai, e disseram: isto encontramos; reconhece, por favor, se a túnica é de teu filho ou não. 33) E a reconheceu e disse: A túnica é de meu filho; algum mau animal o comeu. Devorado foi José ! 34) E rasgou Jacób suas roupas, e pôs um saco na cintura, e enlutou-se por seu filho muitos dias. 35) E levantaram-se todos os seus filhos e todas as suas filhas (noras) para consola-lo; e recusou-se a ser consolado e disse: Descerei enlutado por meu filho, à sepultura ? E o chorou seu pai. 36) E os midianitas o venderam no Egito a Potifar, oficial da corte do Faraó, chefe dos verdugos.
A lenda de José e seus irmão, também é relatada no "Alcorão Sagrado", dos maometanos.
Na XII Surata, Surata de José, versículos 8 e 9, as intenções dos irmãos em suprimir José invejado e odiado aparece com mais clareza:
"8- Eis que os irmãos de José disseram entre si: José e seu irmão Benjamim são mais queridos por nosso pai do que nós, apesar de sermos mais numerosos e mais úteis. Certamente nosso pai está em verdadeiro erro !
9 – Matemos, pois, José ou então desterremo-lo; assim, o carinho de nosso pai se concentrará em nós e, depois de o eliminarmos, seremos virtuosos."
Túnicas talares que eram compridas, (atingindo o talão, tornozelo), com mangas longas eram privativas dos adultos. Os jovens usavam túnicas curtas, até os joelhos e com mangas curtas. E, certamente não eram somente as túnicas presenteadas pelo pai, que faziam os demais irmãos invejarem José. Ao sentir um tratamento especial de parte do pai, José humilhava seus familiares através de seus sonhos vaidosos de grandeza que eram interpretados, entendidos, pelo pai e pelos irmãos. (Ver Grinberg em seu ótimo trabalho: "La Rivalidad y los Sueños Legendarios de José.)
A esta altura cria-se uma situação insólita neste desenvolvimento em que um filho, via de regra o primogênito, era o escolhido, o único herdeiro, não só dos bens como da tradição simbolizada pela benção do pai e de Javé. Praticamente todos os filhos de Israel vêm a formar as doze tribos, dando origem ao povo judeu, o "povo eleito e querido de Javé" , em detrimento de todos os demais povos e nações.
Diná, por ser mulher, não entra na composição. José (Safanat-Paneac para os egípcios) é representado por seus dois filhos: Manasses e Efraim que teve com Asonat (Gn 41, 50-52; 41,2O) quando administrador do faraó, no Egito. Eles são perfilhados pelo velho Israel. Ao filho Levi fica a incumbência de formar a classe sacerdotal, que será hereditária. Não lhe caberá território quando da ocupação da terra "prometida". Era a repetição do que vinha ocorrendo na formação deste clã .
. A diferença é que agora não é mais um só o preferido, o eleito. Teremos um povo como o "escolhido" pelo deus-pai. "O povo eleito".
E toda a vez que o povo, agora já composto pelas doze tribos, atacava um outro povo alegava que o ataque eram ordens de Javé. Isto ocorreu na invasão de Jericó quando Jevé "parou o sol " para favorecer seus "eleitos" e nas lutas que se seguiram culminando com a tomada aos Jebuseus de Jerusalem. A ocupação final ocorreu já no reinado de David quando o monte Sion último baluarte, foi tomado dos Jebuseus.
Como se pode ver por estes episódios, e eles são inúmeros na Torá e mesmo na Tanak, como um todo, Javé o todo poderoso deus de Israel está sempre pronto a castigar, submetendo seus próprios e "eleitos" filhos aos mais violentos castigos, quando é desobedecido. Ao constatar a idolatria, quando ainda no Sinai, Moisés executa três mil de seus seguidores judeus. (Ex 32). Em Nm.16, 1-34, Coré, Datan e Abiram , da casa de Levi, tal como Moisés, se insurgiram contra este. Eram acompanhados por suas famílias e mais duzentos e cinqüenta homens. "...fendeu-se a terra debaixo deles: E abriu a terra a sua boca, tragou-os, e as suas casas e a todos os homens de Coré, e a todos os seus bens. E desceram eles, e tudo que era deles, vivos ao abismo, e cobriu-os a terra e desapareceram do meio da congregação." Em nome de Javé, ao que tudo indica, os insurgentes são enterrados vivos. Javé ( Moisés ao falar em seu nome) não perdoa os próprios filhos, que o desobedecem.
O desejo de ser o único querido, encontrado no indivíduo, nas famílias, é também notado nos grupos, religiosos ou não e nas nações, por extensão. Daí "o meu deus" é o melhor, a "minha religião é a única verdadeira". Do "meu time é o maior" até "a minha ‘raça’ é superior à tua" só há uma pequena distância a percorrer.
Javé é a representação externa do superego, exigente, inflexível, ciumento, violento e onipotente do chefe do clã , Abrão, e agora Moisés.
Os faraós se consideravam filhos do deus sol. Os quíchuas também, segundo sua mitologia, eram filhos do deus sol. E por coincidência provinham de uma união incestuosa. Manco Capac e Mama Oclo eram irmãos. Também peregrinaram. Das margens do lago Titicaca, de Tiauanaco, até Cuzco onde se fixaram passando a se imporem aos antigos donos das terras.
Os astecas da mesma forma se consideravam filhos do deus sol.
O imperador do Japão ainda hoje é tido como "o filho do sol".
Os livros tidos como sagrados e que expressariam a palavra de deus, como a Tanak para os judeus, a Bíblia (Tanak com pequenas modificações, acrescida do Novo Testamento ) para os cristãos, reproduz a situação vivida por José e seus irmãos. O predileto ( do deus-pai) pela situação criada, desperta os ciúmes, a inveja carregada de ódio contra o preferido ou que se diz o preferido. "O queridinho, ou supostamente preferido da mamãe ou do papai" é, via de regra, hostilizado pelos irmãos.
O progresso tecnológico, científico ou cultural que bem cedo as novas gerações incorporam, não encontram um paralelo no progresso emocional. Este, partindo do ponto zero, em cada um de nós, avança bem lentamente, isto quando avança, deixando ilhotas não resolvidas no decorrer da vida .
O meu deus é o único e verdadeiro, e o teu, ou os teus são falsos e devem ser destruídos, bem como os que crêem neles.
Na Torah , no Nebiim e no Ketubim (Tanak para os judeus, ou Velho Testamento para os cristãos) estas palavras de ordem são repetidamente proferidas nos mais diferentes livros e pelos profetas do "povo eleito".
TaNaK é apalavra composta pelas iniciais de: Torá (a lei), Nebiim (os profetas) e Ketubim (a sabedoria).
Em 2 Rs 10, 15-27,
Jehu mata os adoradores de Baal, destrói seus templos, fazendo de seus locais latrinas.
Para se ter idéia do que Javé ordena, nos "Sagrados Textos" com respeito às relações com os gentios ( "goyim") é interessante ler o que consta em alguns outros livros da Tanak. Como se poderá notar nestes versículos do Deuteronômio, se trata de uma síntese da Lei de Moises sobre a conduta com respeito à posse do território dos gentios, como proceder com eles, com sua religião, seus deuses, relações de convivência e casamentos mistos. A tônica é colocada no "direito conferido por Javé aos filhos eleitos": tudo lhes é permitido, em nome de serem os "filhos queridos".
Dt 7,1-6). 1) Quando te levar o Eterno, teu Deus, à terra, à qual tu vais para herdá-la, e lançar fora muitas nações de diante de ti: o Hiteu, o Guirgasheu, o Emoreu, o Cananeu, o Periseu, o Hiveu, e o Jebuseu, sete nações numerosas e mais fortes do que tu, 2) e as dará o Eterno, teu Deus, diante de ti, feri-las-ás; destrui-las-ás ; não farás aliança alguma com elas, e não lhes darás pousada na terra. 3) E não te aparentarás com elas: tua filha não darás a seu filho, e sua filha não tomarás para teu filho. 4) Porque desviará teu filho de me seguir, e servirão a outros deuses, e crescerá a ira do Eterno sobre vós, e te destruirá depressa. 5) Mas assim fareis com elas: seus altares derrubareis, e suas "Matzevot" ( altares feitos de uma só pedra) quebrareis, e suas árvores idolatradas cortareis, e seus ídolos queimareis no fogo. 6) Por que tu és um povo santo para o Eterno, teu Deus; a ti escolheu o Eterno, teu Deus, para lhe seres o povo querido acima de todos os povos que há sobre a face da terra. "
E no mesmo capítulo,
Versículo 14:
Bendito serás mais do que todos os povos; não haverá em ti homem ou mulher estéril, nem entre os teus animais. 16) E consumirás todos os povos que o Eterno, teu Deus te entregar; teus olhos não terão piedade deles.
Os gentios eram sempre considerados como idólatras: Am 7, 1- 17; 1 Sm 26, 19. A terra de Israel era considerada poluta quando nas mãos dos gentios: Jr 2, 7; 3, 2: Ez 30, 17; Os 6,10; Esd 9, 11.
O santuário era considerado poluto porque um gentio havia entrado nele, At 21, 28. Toda e qualquer espécie de comida era considerada impura quando procedia dos goyim : Ez 4, 13. Na vida cotidiana evitava-se cada vez mais tudo que provinha dos goyim: At 10, 28; 11, 3, Jo 18, 28. O matrimonio misto, desde sempre foi proibido. Ex. 34, 16; Dt: 7, 3. Sendo, posteriormente, impugnado com redobrada energia. Os profetas ao condenarem os goyim, acusavam-nos mais por sua impiedade que ameaçava influenciar Israel. Por isso seriam castigados. Restava-lhes a conversão ( aceitação das leis mosaicas e da circuncisão) para serem salvos. Aos patriarcas Javé prometera que todas as famílias da terra seriam abençoadas embora acentuassem a posição privilegiada dos israelitas: " é dos judeus que vem a salvação" : Jo 4, 22: Zc 14, 16; Sl. 87.
No Dicionário Judáico de Lendas e Tradições , encontramos no verbete "gentio" ( em hebráico: goi) : ...devido à crença cabalística de que os não- judeus não tinham alma divina. E mais, que o Casamento Misto, com o gentio, leva à assimilação e é considerado equivalente ao abandono da religião. A família , nesse caso, costumava guardar uma semana de luto, como se aquele (a) que casou com o gentio tivesse morrido. Quando se refere às "leis alimentares, para manter a separação entre judeus e gentios, de modo que mesmo certos alimentos kosher, se preparados por um gentio, são proibidos pela lei de bishul nochri; e a imitação dos costumes gentios é expressamente proibida. Como Chukat há-goi. Adiante esclarece que "as atitudes negativas para com os gentios se expressam nos termos a eles aplicados, por exemplo, "nochri"(estrangeiro), "orel" e "orelte" (homem ou mulher não circuncidados [sic]), ), "sheiguets" e "shikse" (homem ou mulher desprezivel) , "iok" e "iekelte" ( inversão onomatopéica de "goi". Ressalta, no entanto que existem "gentios justos" (chassidei umot haolam) e estes são trinta em cada geração.
Em que pesem as proibições, Abrahão teve Agar, egípcia e Keturá, como esposas. José casou com Asenath, filha de um sacerdote egípcio. Moisés casou-se com Zipporah (Séfora), filha do sacerdote midianita Jetro (Ex. III-1). Samsão, nazireu, herói judeu era casado com uma filistéia. A mãe do rei Davíd era moabita. Betsabéia, uma hitita, era mãe de Salomão filho de David.
Ao que parece a proibição era respeitada, (ou castigada) pelos mais humildes e levada pouco em conta pelos poderosos. Mas era cobrada pelos chefes religiosos. O profeta Natan acusa David pelo crime de enviar seu general Urias, o heteu, para que morresse em uma frente de combate, contra os amonitas, que lhe seria com certeza, fatal, para se apossar de sua esposa Betsabéia, tendo já muitas esposas e concubinas. ( 2 Sm 12, 1-25).
Um episódio ocorrido com a filha de Jacó e o filho do príncipe de Sichem, um heveu, relatado em Gn 34, 1-24, nos mostra uma atitude dos filhos de Jacó de intransigência e traição que o pai censurou com veemência:
O filho do príncipe e Diná se enamoraram e fornicam. O jovem acompanhado de seu pai Hemor procuraram Jacó e pedem que consentisse que casassem. Jacó acede com a condição de que todos os machos de Sichem fossem circuncidados para que se tornassem um só povo. O príncipe, seu filho e todo o povo aceitaram a imposição,sendo circuncidados. ( Gn 34, 25-31). "E aconteceu que, no terceiro dia, quando estavam com a mais violenta dor, os filhos de Jacó, Simeão e Levi, tomando cada um de sua espada entraram na cidade de Sichem e mataram todo o macho. Saquearam todo o gado levando todas as mulheres e crianças prisioneiras.
O proselitismo religioso ficava difícil. Mas houve no decorrer dos séculos várias conversões ao judaísmo. No século VII, quando Carlos Magno reinava como imperador do Oeste europeu e os maometanos dominavam o médio oriente, um povo de origem turca que vivia entre o Cáucaso e o Volga, os Khazars, adotou a religião mosaica. Tornaram-se judeus formando um estado tampão entre os cristãos ao oeste e os maometanos ao leste. Este estado, durou até o século X, aproximadamente. Os Falashas da Abissinia, os chineses judeus de Kai-Feng, os judeus Yemenitas, os judeus Berberes, são outros exemplos de conversão de gentios.
Os adeptos do rabino Yhosua ben Yosef, ( Jesus Cristo para os cismáticos judeus) na sua dissidência judaica, substituíram a afirmação de que "é dos judeus que vem a salvação" pela de que "somente através de Cristo" a salvação se daria.
Yhosua entrou em choque com dirigentes religiosos da época, ( fariseus e saduceus ) e passou a ser perseguido, sendo morto, bem como vários de seus seguidores.
Na época de Cristo, os partidos judeus, formados pelos saduceus e fariseus, eram os dois maiores, e disputavam o poder religioso e político. Os essênios que se refugiavam nos desertos estudavam os textos sacros, e oravam. Os zelotes eram minoria, mas ativos terroristas contra os ocupantes romanos.
Um dos perseguidores mais ferrenhos dos judeus partidários de Yhosua foi Saulo de Tarso. Diz-se ter sido um dos fanáticos apedrejadores de Estevão, judeu cristão que se tornou santo da religião católica por esse fato: foi lapidado por seu algozes.
Saulo era judeu, nascido em Tarso (na atual Turquia). Mais tarde, trocou de partido, latinizou o nome, passando a se denominar Paulo e veio a se tornar o codificador do cristianismo. Foi um grande catequista. São famosas suas, aproximadamente vinte, cartas aos judeus e aos gentios ( gôyim ou "gois").
Paulo substituiu o batismo judaico (circuncisão) pelo batismo com água. Chamava esse batismo a "circuncisão do coração". Assim fora batizado Yhosua por seu primo João Batista nas águas do Jordão.
Com esta abertura incruenta atraiu inúmeros gentios para a nova seita judaica. Isto já após a morte de Yhosua, a quem não chegou a conhecer. Yhosua dizia "que viera, não para combater a Lei de Moisés, mas para fazer com que ela fosse cumprida".
Os seguidores do rabino dissidente ben Yosef antes perseguidos pelos judeus e pelos romanos, passam a ser os donos do poder. Sentem-se, agora "os eleitos". Isto ocorreu após o Édito de Milão, no ano de 213, quando Constantino, imperador romano, tornou o cristianismo a religião do estado.
Não tarda que passem a perseguir e matar os que antes se autodenominavam "os eleitos" , isto é, os judeus. Alguns anos após, os maometanos, religião criada pelo profeta Maomé, um mercador árabe, também passaram a disputar a propriedade da "verdadeira fé" e do " único e verdadeiro deus". Aí antigos eleitos foram alvo da fúria vingativa e invejosa, como José nas mãos de seus irmãos.
E aqui podemos citar o pensamento, com respeito aos judeus, de Freud, judeu confesso e portanto insuspeito, encontrada em seu trabalho "Moises y la Religion Monoteista" : ( Vol. IX, pg. 3304/5 Obras Completas Biblioteca Nueva )
"Têm ( os judeus) uma opinião particularmente elevada de si próprios; consideram-se mais eminentes, de posição mais alta, superiores aos outros povos, o que os leva a se isolarem dos outros. São inspirados por uma confiança peculiar na vida, derivada de se saberem donos de uma posse secreta, de algum bem precioso, uma espécie de otimismo que as pessoas piedosas chamariam confiança em Deus. Conhecemos a razão desse comportamento e qual é seu tesouro secreto. Eles se consideram, realmente o povo escolhido de Deus, acreditam que estão especialmente próximos dele, e isto os torna orgulhosos e confiantes. Relatos dignos de fé, dizem-nos que se comportavam, nos tempos helenísticos, tal como se comportam hoje."
"Em função das relações particularmente íntimas com seu Deus, os judeus se fizeram partícipes de sua magnificência. "
E mais:
"quando se é o favorito declarado do pai temido, não se precisa ficar surpreso com o ciúme dos irmãos e as conseqüências que esses possam ter, nos mostra a lenda judia de José e seus irmãos."
E acrescenta:
" Foi Moisés quem imprimiu ao povo judeu seu caráter ao dar-lhe uma religião que aumentou sua auto-estima a tal ponto que chegou a considerar-se superior a todos os outros povos".
A parte dos judeus neste jogo sado-masoquista é a afirmação imutável na crença de que são "o povo eleito" feita reiteradamente, através de seus textos sagrados.
Por outro lado, é imprescindível, a meu ver indispensável mesmo, que o não judeu acredite no "texto sagrado" dos judeus, como a palavra de um deus que os prefere acima de quaisquer outros povos ou nações. E o desejo de ser ele "o eleito", o preferido do deus-pai.
Os cristãos e maometanos, ao acreditarem nos "livros sagrados, passam a acreditar na predileção do "deus-pai-Javé" pelos filhos eleitos judeus. E, à semelhança dos filhos de Jacó, a nutrir ódio invejoso aos "eleitos do pai".
Muitas vezes ainda encontramos no judeu a atitude de se colocar como José fazia, na posição especial, impar, frente aos outros povos, mesmo que seja na posição de vítima. Isto leva os gentios a procederem como os irmãos de José frente a ele. Com inveja carregada de ódio. Com hostilidade.
Vejamos o que nos diz Simon Wiesenthal, o judeu conhecido como "caçador de nazistas": "Israel e o sionismo limitam o holocausto apenas ao povo judeu, prejudicando assim a frente de combate contra o ressurgimento do nazismo." E acrescenta: "Temos dito e repetido até a exaustão que, nos campos de concentração, os judeus eram apenas uma minoria. Esta é uma realidade que eu mesmo vivi em Dachau e em Mauthausen. Entretanto, depois da guerra, temos chamado sobre nós toda a atenção do mundo, o que foi um erro".
Isto foi publicado no semanário israelense de idioma francês "Realidades de Israel e do Oriente Médio" e reproduzido, parcialmente, pela Zero Hora de Porto Alegre, RS. Brasil, em edição de 2 de janeiro de 1981, página 3.
Lembremos novamente Freud: que, em seu trabalho sobre a Neurose de Destino escrito em
(1920) em "Alem do Princípio do Prazer" , nos diz:
"A impressão que dão é de serem perseguidos por um destino maligno, por algum poder demoníaco: a psicanálise, porém, sempre foi de opinião de que seu destino é, na maior parte arranjado por elas e determinado por influências infantis primitivas."
Penso que o anti-semitismo só deixará de existir quando os judeus, seus derivados cristãos e maometanos, deixarem de encarar seus livros "santos" como "a palavra revelada do deus único e verdadeiro" que os tem como "os eleitos", os filhos preferidos. Quando virem esses livros como belas páginas com lendas, poesias, salmos, relatos históricos, e plenas de ensinamentos. Quando, como os gregos e os egípcios, por exemplo, passaram a encarar hoje, a história de seus deuses. Como mitologia. Bem sei que isto é uma utopia. E ao que tudo indica o problema continuara sem solução.
Para o narcisísmo de um povo que se julgava e se julga o "povo-filho-único-querido" de um "deus-pai-único" todo poderoso e onipotente e que traz a logomarca (circuncisão) do contrato que celebrou com ele, seria um golpe insuportável.
Para os cristãos e maometanos que queriam e querem ser eles "os filhos queridos-eleitos" desse deus todo poderoso , seria também uma renúncia demasiado dolorosa e traumática.
Abrir mão de uma ilusão (ser o predileto, o único querido) é por demais sofrido, mesmo que para isso se pague um preço exorbitante.
Mas muitos ainda acham que vale a pena.
O SAGRADO
O QUE É RELIGIÃO? QUAL A DIFERENÇA DE SEITA? MITOLOGIA É RELIGIÃO? O QUE É HERESIA? RELIGIÃO deriva do termo latino "Re-Ligare", que significa "religação" com o divino. Essa definição engloba necessariamente qualquer forma de aspecto místico e religioso, abrangendo seitas, mitologias e quaisquer outras doutrinas ou formas de pensamento que tenham como característica fundamental um conteúdo Metafísico, ou seja, de além do mundo físico. Sendo assim o hábito, geralmente por parte de grupos religiosos de taxarem tal ou qual grupo religioso rival de seita, não têm apoio na definição do termo. SEITA, derivado da palavra latina "Secta", nada mais é do que um segmento minoritário que se diferencia das crenças majoritárias, mas como tal também é religião. HERESIA é outro termo mal compreendido. Significa simplesmente um conteúdo que vai contra a estrutura teórica de uma religião dominante. Sendo assim o Cristianismo foi uma Heresia Judáica assim como o Protestantismo uma Heresia Católica, ou o Budismo uma Heresia Hinduísta. A MITOLOGIA é uma coleção de contos e lendas com uma concepção mística em comum, sendo parte integrante da maioria das religiões, mas suas formas variam grandemente dependendo da estrutura fundamental da crença religiosa. Não há religião sem mitos, mas podem existir mitos que não participem de uma religião. MÍSTICA pode ser entendida como qualquer coisa que diga respeito a um plano sobre material. Um "Mistério". PRESENÇA DA RELIGIÃO EM TODA A CULTURA HUMANA Não há registro em qualquer estudo por parte da História, Antropologia, Sociologia ou qualquer outra "ciência" social, de um grupamento humano em qualquer época que não tenha professado algum tipo de crença religiosa. As religiões são então um fenômeno inerente a cultura humana, assim como as artes e técnicas. Grande parte de todos os movimentos humanos significativos tiveram a religião como impulsor, diversas guerras, geralmente as mais terríveis, tiveram legitimação religiosa, estruturas sociais foram definidas com base em religiões e grande parte do conhecimento científico, "filosófico" e artístico tiveram como vetores os grupos religiosos, que durante a maior parte da história da humanidade estiveram vinculados ao poder político e social. Hoje em dia, apesar de todo o avanço científico, o fenômeno religioso sobrevive e cresce, desafiando previsões que anteveram seu fim. A grande maioria da humanidade professa alguma crença religiosa direta ou indiretamente e a Religião continua a promover diversos movimentos humanos, e mantendo estatutos políticos e sociais. Tal como a Ciência, a Arte e a Filosofia, a Religião é parte integrante e inseparável da cultura humana, é muito provavelmente sempre continuará sendo. TIPOS DE RELIGIÕES Há várias formas de religião, e são muitos os modos que vários estudiosos utilizam para classificá-las. Porém há características comuns às religiões que aparecem com maior ou menor destaque em praticamente todas as divisões. A primeira destas características e cronológica, pois as formas religiosas predominantes evoluem através dos tempos nos sucessivos estágios culturais de qualquer sociedade. Outro modo é classificá-las de acordo com sua solidez de princípios e sua profundidade filosófica, o que irá separá-las em religiões com e sem Livros Sagrados. Pessoalmente como um estudioso do assunto, prefiro uma classificação que leva em conta essas duas características, e divide as religiões nos seguintes 4 grandes grupos distintos. | |
PANTEÍSTAS POLITEÍSTAS | MONOTEÍSTAS ATEÍSTAS |
Nessa divisão há uma ordem cronológica. As Religiões PANTEÍSTAS são as mais antigas, dominando em sociedades menores e mais "primitivas". Tanto nos primórdios da civilização mesopotâmica, européia e asiática, quanto nas culturas das Américas, África e Oceania. As Religiões POLITEÍSTAS por vezes se confundem com as Panteístas, mas surgem num estágio posterior do desenvolvimento de uma cultura. Quanto mais a sociedade se torna complexa, mais o Panteísmo vai se tornando Politeísmo. Já as MONOTEÍSTAS são mais recentes, e atualmente as mais disseminadas, o Monoteísmo quantitativamente ainda domina mais de metade da humanidade. E embora possa parecer estranho, existem religiões ATEÍSTAS, que negam a existência de um ser supremo central, embora possam admitir a existência de entidades espirituais diversas. Essas religiões geralmente surgem como um reação a um sistema religioso Monoteísta ou pelo menos Politeísta, e em muitos aspectos se confunde com o Panteísmo embora possua características exclusivas. Essa divisão também traça uma hierarquia de rebuscamento filosófico nas religiões. As Panteístas por serem as mais antigas, não têm Livros Sagrados ou qualquer estabelecimento mais sólido do que a tradição oral, embora na atualidade o renascimento panteísta esteja mudando isso. Já as politeístas muitas vezes possuem registros de suas lendas e mitos em versão escrita, mas Nenhuma possui uma REVELAÇÃO propriamente dita. Isto é um privilégio do Monoteísmo. TODAS as grandes religiões monoteístas possuem sua Revelação Divina em forma de Livro Sagrado. As Ateístas também possuem seus livros guias, mas por não acreditarem num Deus pessoal, não tem o peso dogmático de uma revelação divina, sendo vistas em geral como tratados filosóficos. Vejamos alguns quadros comparativos. |
ÉPOCAS DE SURGIMENTO E PREDOMÍNIO. | |
PANTEÍSMO: | As mais antigas, remontando a pré-história onde tinham predominância absoluta, e também presentes em muitos dos povos silvícolas das Américas, África e Oceania. |
POLITEÍSMO: | Surgem num estágio posterior de desenvolvimento social, tendo sido predominantes na Idade Antiga em todo o velho mundo, e mesmo nas civilizações mais avançadas das Américas pré-colombianas. |
MONOTEÍSMO: | Mais recentes, surgindo a partir do último milênio aC e predominando da Idade Média até a atualidade. |
ATEÍSMO: | Surgem a partir do século V aC, tendo vingado somente no Oriente e no Ocidente ressurgindo somente após a renascença numa forma mais filosófica que religiosa. |
Neo PANTEÍSMO: | Embora possuam representantes em todos os períodos históricos, popularizam-se ou surgem a partir do século XVIII. |
BASE LITERÁRIA | |
PANTEÍSMO: | Próprias de culturas ágrafas, não possuem em geral qualquer forma de base escrita, sendo transmitidas por tradição oral. |
POLITEÍSMO: | Nas sociedades letradas possuem frequentemente registros literários sobre seus mitos, e mesmo nas ágrafas possuem tradições icônicas mais elaboradas. |
MONOTEÍSMO: | Possuem Livros Sagrados definidos e que padronizam as formas de crença, servindo como referência obrigatória e trazendo códigos de leis. São tidos como detentores de verdades absolutas. |
ATEÍSMO: | Possuem textos básicos de conteúdo predominantemente filosófico, não possuindo entretanto força dogmática arbitrária ainda que sendo também revelados por sábios ou seres iluminados. |
Neo PANTEÍSMO: | Seus textos são em geral filosóficos, embora possuam mais força doutrinária, não incorrendo porém em dogmas arbitrários. |
MITOLOGIA | |
PANTEÍSMO: | Deus é o próprio mundo, tudo está interligado num equilíbrio ecossistêmico e místico. Crê-se em espíritos e geralmente em reencarnação, é comum também o culto aos antepassados. Procura-se manter a harmonia com a natureza, e o mundo comummente é tido como eterno. |
POLITEÍSMO: | Diversos deuses criaram, regem e destroem o mundo. Se relacionam de forma tensa com os seres humanos, não raro hostil. As lendas dos deuses se assemelham a dramas humanos, havendo contos dos mais diversos tipos. |
MONOTEÍSMO: | Um Ser transcendente criou o mundo e o ser humano, há uma relação paternal entre criador e criaturas. Na maioria dos casos um semi-deus se rebela contra o criador trazendo males sobre todos os seres. Messias são enviados para conduzir os povos, profetiza-se um evento renovador violento no final dos tempos, onde a ordem será restaurada pela divindade. |
ATEÍSMO: | O Universo é uma emanação de um princípio primordial "vazio", um Não-Ser. Crê-se na possibilidade de evolução espiritual através de um trabalho íntimo, crê-se em diversos seres conscientes dos mais variados níveis, e geralmente em reencarnação. |
Neo PANTEÍSMO: | Acredita-se em geral no Monismo, um substância única que permeia todo o Universo num Ser único. São em geral reencarnacionistas e evolutivas. A desatribuição de qualidades do Ser supremo por vezes as confunde com o Ateísmo. |
SÍMBOLOS | |
PANTEÍSMO: | Utilizam no máximo totens e alguns outros fetiches, é comum o uso de vegetais, ossos, ou animais vivos ou mortos. |
POLITEÍSMO: | Surgem os ídolos zoo ou antropomórficos na forma de pinturas e esculturas em larga escala. A simbologia icônica se torna complexa em alguns casos resultando em formas de escrita ideográfica. |
MONOTEÍSMO: | O Deus supremo geralmente não possui representação visual, mas os secundários sim. Utilizam símbolos mais abstratos e de significados complexos. |
ATEÍSMO: | O Não-Ser supremo não pode ser representado, mas há muitas retratações dos seres iluminados. Há vários símbolos representativos da natureza e metafísica do Universo. |
Neo PANTEÍSMO: | Diversos símbolos e mitos de diversas outras religiões são resgatados e reinterpretados, também não há representação específica do Ser Supremo mas pode haver de outros seres elevados. |
RITUAIS | |
PANTEÍSMO: | Geralmente ligados a natureza e ocorrendo em contato com esta. É comum o uso de infusões de ervas, danças, oráculos e cerimônias ao ar livre. |
POLITEÍSMO: | Passam a surgir os templos, embora em geral não abandonem totalmente os rituais ao ar livre. Em muitos casos ocorrem os sacrifícios humanos, oráculos e as feitiçarias de controle ambiental. |
MONOTEÍSMO: | Geralmente restritas ao templos, as hierarquias ritualistas são mais rígidas, não há oráculos pessoais mas sim profecias generalizadas com base no livro sagrado. Não há rituais de controle ambiental. |
ATEÍSMO: | Embora ainda comuns nos templos são também frequentes fora destes. Desenvolvem-se técnicas de concentração, meditação e purificação mais específicas, baseadas antes de tudo no controle dos impulsos e emoções. |
Neo PANTEÍSMO: | Em geral baseados no uso de "energias" da natureza. Não mais têm influência nos processos civis, sendo restritos a curas, proteção contra ameaças físicas e extrafísicas. |
EXEMPLOS | |
PANTEÍSMO: | Religiões silvícolas, xamanismo, religiões célticas, druidismo, amazônicas, indígenas norte americanas, africanas e etc. |
POLITEÍSMO: | Religião Grega, Egípcia, Xintoísmo, Mitologia Nórdica, Religião Azteca, Maia etc. |
MONOTEÍSMO: | Bhramanismo, Zoroastrismo, Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, Sikhismo. |
ATEÍSMO: | Orientais: Taoísmo, Confucionismo, Budismo, Jainismo. Ocidentais: Filosofias NeoPlantônicas, Ateísmo Filosófico (Não Religioso) |
Neo PANTEÍSMO: | Espiritsmo Kardecista*, Racionalismo Cristão, Neo-Gnosticismo, Teosofia, Wicca, "Esotéricas", etc. |
*Apesar do Kardecismo não se considerar Panteísta e sim antes Monoteísta.
PANTEÍSMO
As religiões primitivas são PANTEÍSTAS, acredita-se num grande "Deus-Natureza". Todos os elementos naturais são divinizados, se atribuí "inteligências" espirituais ao vento, a água, fogo, populações animais e etc.
Há uma clara noção de equilíbrio ecossistêmico, onde é comum ritos de agradecimento pelas dádivas naturais e pedidos às divindades da natureza, em alguns casos requisitando autorização mesmo para o consumo da caça que embora tenha sido obtida pelo esforço humano, seria na verdade permitida, se não ofertada, pelos entes espirituais.
A relação de dependência do ser humano com o ecossistema é clara, assim como a de parentesco e de submissão. As entidades elementais da natureza estão presentes em toda a parte, conferindo a onisciência do espírito divino. Embora haja a tendência da predominância de um presença mística feminina, a "mãe-terra", o elemento masculino também é notável a partir do momento que os seres humanos passam a compreender o papel do macho na reprodução. Ocorre então a presença de dois elementos divinos básicos, o Feminino e Masculino universal.
É um domínio de pensamento transcendente, mais compatível com a subjetividade e a síntese, não sendo então casual que este seja o tipo religioso onde as mulheres mais tenham influência. A presença de sacerdotisas, bruxas e feiticeiras é em muitos casos, muito mais significativa que a de seus equivalentes masculinos.
Todas essas religiões são ágrafas, sem escrita, com exceção é claro dos NeoPanteísmos contemporâneos. Portanto são as mais envoltas em obscuridade e mistérios, não tendo deixado nenhum registro além da tradição oral e de vestígios arqueológicos.
POLITEÍSMO
Com o tempo e o desenvolvimento as necessidades humanas passam a se tornar mais complexas. A sobrevivência assume contornos mais específicos, o crescimento populacional hipertrofiado graças a tecnologia que garante maior sucesso na preservação da prole e da longevidade, gera um série de atividades competitivas e estruturalistas nas sociedades, que se tornam cada vez mais estratificadas.
Nesse meio tempo a influência racional em franca ascensão tenta decifrar as transcendentes essências espirituais da natureza. Surge então o POLITEÍSMO, onde os elementos divinos são então personificados com qualidades cada vez mais humanas. O que era antes apenas a Água, um ser de essência espiritual metafísica e sagrada, agora passa a ser representada por uma entidade antropomórfica ou zoomórfica relacionada a água.
No princípio as características dessas divindades não são muito afetadas, mas com o tempo, a imaginação humana ou a tentativa de se adequar as religiões às estruturas sociais, elas ficam cada vez mais parecidas com os seres humanos comuns, surgindo então entre os deuses relacionamentos similares aos humanos inclusive com conflitos, ciúmes, traições, romances e etc. E cada vez mais os deuses perdem características transcendentes até que a "degeneração" chegue a ponto destes se relacionarem sexualmente com seres humanos, o que significa a perda da natureza metafísica, da característica invisível, ou mais, de haver relações físicas e pessoais de violência entre humanos e divindades, sem qualquer caráter transcendente.
Em muitos casos é difícil distinguir com clareza se determinadas religiões são Pan ou Politeístas. Mesmo no estágio Panteísta por vezes pode-se identificar com muita evidência algumas personificações das entidades divinas, mas algumas características como as citadas no parágrafo anterior são exclusivas do politeísmo. É possível que os elementos que contribuam ou realizem essa transição sejam o Animismo, Fetichismo e Totemismo.
Ocorre também uma relativa equivalência entre deidades femininas e masculinas, embora as masculinas mostrem sinais de predominância a medida que o sistema de crenças se torne mais mundano, características de uma fase mais racional e técnica onde muitas vezes a religião politeísta caminha junto com filosofias da natureza.
É sempre nesse estágio também que as sociedades desenvolvem escrita, ou pelo menos passa a utilizar símbolos abstratos e códigos visuais mais elaborados, no caso do politeísmo asiático, egípcio e europeu por exemplo, evoluiu para um sistema de escrita complexo.
Muitas destas religiões têm então, narrativas de seus mitos em forma escrita, mas tais não possuem o valor e a significância de uma Revelação propriamente dita.
Num estágio final tende a ocorrer o fenômeno da Monolatria, onde a adoração se concentra numa única divindade, o que pode ser o ponto de partida para o Monoteísmo.
MONOTEÍSMO
Chega um momento onde o Politeísmo está tão confuso, que parece forçar o "inconsciente coletivo", ou a "intuição global" a buscar uma nova forma de crença. Alguém precisa pôr ordem na casa, surge então um poderoso Deus que acaba com a confusão e se proclama como o Único soberano. Acabam-se as adorações isoladas e hierarquiza-se rigidamente as deidades, de modo a se submeter toda a autoridade do universo a um ente máximo.
O MONOTEÍSMO não é a crença em uma única divindade, mas sim a soberania absoluta de uma. A própria teologia judáico-cristã-islâmica adota hierarquias angélicas que são inclusive encarregadas de reger elementos específicos da natureza.
Um elemento que caracteriza mais claramente o MONOTEÍSMO mais específico, Zoroastrista, Judáico, Cristão, Islâmico e Sikh, é antes de tudo a ausência ou escassez de representações icônicas do Deus supremo, e sua desatribuição parcial de qualidades humanas, nem sempre bem sucedida. Já as entidades secundárias são comumente retratadas artisticamente.
A própria mitologia grega através da Monolatria, já estaria a dar sinais de se dirigir a um monoteísmo similar ao que chegou a religião Hindu, ou a egípcia com a instituição do deus único Akhenaton, embora ainda impregnadas fortemente de Politeísmo a até de reminiscências Panteístas no caso do Bhramanismo. Zeus assomava-se cada vez mais como o regente absoluto do universo. Entretanto um certo obstáculo teológico impedia que tal mitologia atingisse um estágio sequer semi-Monoteísta. Zeus é filho de Chronos, neto de Urano, essa descendência evidencia sua natureza subordinada ao tempo, ele não é eterno ou sequer o princípio em si próprio, que é uma característica obrigatória de um Deus Uno e absoluto como Bhraman ou Jeová.
Um fator complicador é que todas essas religiões apesar de seu princípio Uno, são também Dualistas, pois contrapõem um deus do Bem contra um do Mal. Entretanto não se presta "Sob Hipótese Alguma!", qualquer culto ao deus maligno, como ocorre nas Politeístas. Saber se o deus maligno está ou não sujeito afinal ao deus supremo é uma discussão que vem rendendo há mais de 3.000 anos.
Diferente do estado Panteísta original não ocorre harmonia entre os opostos, e um deles passa a ser privilegiado em detrimento do outro. Sendo assim onde antes ocorria a divinização dos aspectos Masculinos e Femininos do Universo, e a sacralidade da união, aqui ocorre a associação de um com o maligno, fatalmente do elemento Feminino uma vez que todas as religiões monoteístas surgiram na fase patriarcal da humanidade.
O Bhramanismo sendo o mais antigo, ainda conserva qualidades tais como veneração a manifestações femininas da divindade, não condena a relação sexual e ainda detém a crença reencarnacionista que é uma quase constante no Panteísmo. Do Politeísmo guarda toda um miríade de deuses personificados, com estórias bastante humanas que envolvem conflitos e paixões. Mas a subordinação a um Uno supremo, no caso representado pela trindade Bhrama-Vinshu-Shiva, é clara. O panteão anterior Hindu foi completamente absorvido pelo monoteísmo Bhraman, e conservou até mesmo a deusa Aditi, que outrora fora a divindade suprema.
Já os monoteísmos posteriores, mais afastados do fenômeno panteísta, entram em choque mais evidente com o Politeísmo que geralmente está em estado caótico. Ocorre um abafamento da religião anterior pela nova e seu caráter patriarcal e associado a violência, especialmente a partir do Judaísmo, se impõe de forma opressiva. As divindades femininas são erradicadas ou demonizadas, sendo então obrigatoriamente associadas ao elemento maligno do universo. Esse fenômeno acompanha a queda da condição social feminina na sociedade.
Embora as teologias monoteístas, especialmente na atualidade, se esforcem para afirmar o contrário, o deus único Hebreu, Cristão e Islâmico, basicamente o mesmo, assim como o do anterior Zoroastrismo e posterior Sikhismo, são nitidamente masculinos, aparentemente renegando o aspecto feminino divino do universo, mas na verdade o absorvendo, uma vez que ao contrário de deuses "supremos" Politeístas como Zeus, Osíris e Odin, eles são carregados de atribuições de amor e compaixão, embora ainda conservem sua Ira divina e seus atributos violentos, o que resulta em entidades complexas, que possuem aspectos paternos e maternos simultâneamente.
Tal como a própria emocionalidade, esse é o período mais contraditório da evolução do pensamento Teológico. Apesar de estar sob o domínio de uma característica de predominância subjetiva, é o momento onde as sociedades se mostraram paradoxalmente mais androcráticas. Os elementos femininos são absorvidos pelo Deus Único dando a ele o poder de atrair e seduzir as massas pela sua bondade, mostrando sua face benevolente, mas por outro lado a espada da masculinidade está sempre pronta a desferir o golpe fatal em quem se opuser a sua soberania.
Tal união, confere aos deuses monoteístas um poder supremo inigualável, e tal contradição, tal desarmonia intrínseca, resultou não por acaso no período religiosamente mais violento da história. As religiões monoteístas, especialmente o trio Judaísmo-Cristianismo-Islamismo, são as mais intolerantes e sanguinárias da história.
ATEÍSMO
As religiões aqui caracterizadas como Ateístas negam simplesmente a existência de um Ser Supremo central, que tudo tenha criado e a tudo controle, e talvez seja nesse grupo que se sinta mais radicalmente a ruptura entre Ocidente e Oriente, mas basicamente o Ateísmo religioso tende a funcionar da seguinte forma.
Se o Monoteísmo tenta acabar com o "pandemonium" Politeísta e estabelecer uma nova ordem por algum tempo, acaba por também se mundanizar. As autoridades religiosas interferindo fortemente na política e na estruturação social, enfraquecem como símbolos transcendentes. A inflexibilidade fundamentalista do sistema se revela injustificável ante a problemática social e as conquistas e descobertas filosóficas e científicas e num dado momento o sentimento de descrença é tal que deixa-se de acreditar num deus. Surge o ATEÍSMO.
Esse é o ponto crucial, a razão pela qual de fato não acredito que existam Ateus no sentido mais profundo do termo, no máximo "agnósticos".
Geralmente o ateu não é aquele que desacredita do "invisível", de qualquer forma de Téos, mas sim o que descrê dos deuses personificados e corrompidos. Afinal até o mais materialista e cético dos cientistas trabalha com forças invisíveis! Fenômenos da natureza ainda inexplicáveis.
Gravitação Universal, Lei de Entropia, Mecânica Quântica e etc. não podem ser vistas! Apenas seus efeitos. Tal como sempre se alegou com relação aos deuses.
No que se refere a uma visão do Princípio, não creio fazer diferença acreditar que um corpo é atraído para o centro da Terra por uma força invisível da natureza ou pela vontade de um deus também invisível. Há apenas uma maior compreensão racional do fenômeno, com maiores resultado práticos, mas de um modo ou de outro, a explicação possui um certo caráter de fé, tão racionalmente satisfatório para o cientista quanto para o religioso, capaz de explicar com clareza o funcionamento do mundo e mesmo quando isso não ocorre, admiti-se como mistérios divinos, ou causas científicas ainda desconhecidas.
No caso do Oriente, o Ateísmo religioso surge principalmente na Índia, sob a forma do Budismo e do Jainísmo, e na China, sob o Taoísmo e o Confucionismo. Todas essas religiões possuem textos base com certo grau de respeitabilidade mística ou filosófica, mas o grau de liberdade com que se pode reinterpretar ou mesmo discordar destes textos é incomparável em relação aos livros sagrados Monoteístas.
E nesse nível que muitas posturas passam a ser desconsideradas como religiões, sendo tidas em geral como filosofias. No Ocidente, tal movimento ocorreu também na Grécia Antiga, através de Filósofos da Natureza que estabeleciam como princípio primário universal alguma "substância" completamente impessoal. Mais especificamente, Aristóteles colocava o MOTOR IMÓVEL como o princípio primário, e PLOTINO, estabelecia o UNO. Porém essa breve ascensão do Ateísmo filosófico e científico ocidental foi logo minada pelo sucesso do Monoteísmo cristão.
O Ateísmo no Ocidente só surgiu novamente após a renascença, no Iluminismo, onde outras formas filosóficas se desenvolveram, mas a mistura destas com os Neo Panteísmos e o avanço científico em geral resulta num quadro difícil de se diferenciar.
Mas o ponto mais complexo na verdade, e que Ateísmo e Panteísmo se confundem.
Religiões ATEÍSTAS e NEO-PANTEÍSTAS
As religiões Ateístas não crêem numa entidade suprema central, mas pregam a interdependência harmônica do Universo, da mesma forma que o Panteísmo.
Pregam a harmonia dos opostos como Yin e Yang, da mesma forma que a harmonia entre a Deusa e o Deus no Panteísmo, e constantemente adotam um posição de neutralidade em relação aos eventos.
Provavelmente não por acaso TAOÍSMO e BUDISMO são as mais avançadas das grandes religiões num sentido metafísico, racional e mesmo científico. São imunes a contestação racional pois seus conceitos trabalham num plano mais abstrato mas ao mesmo tempo capaz de explicar a realidade, e fartos de paradoxos escapistas, sendo extremamente mais flexíveis que as religiões monoteístas por exemplo. Não há casos significativos de atrocidades cometidas em nome destas religiões em larga escala como as monoteístas ou nas politeístas monolátricas.
Porém, barreiras intransponíveis impedem que essas religiões sejam nesse esquema de divisão, classificadas como Panteístas. TAOÍSMO e CONFUCIONISMO que são chinesas equanto o BUDISMO e o JAINISMO Indianos, são religiões letradas. Possuem seus escritos fundamentais como os Sutras Budistas, o Tao Te-King Taoísta e os Anacletos Confucianos e os textos dos Tirthankaras Jainistas. Todas possuem seus mentores, Buda, Lao-Tsé, Confúcio e Mahavira. E todas são muito desenvolvidas filosoficamente, por vezes sendo consideradas não religiões, mas filosofia. Todas essas características inexistem no Panteísmo primitivo.
Portanto isso me leva a classificá-las como RELIGIÕES ATEÍSTAS, por declararem a inexistência de um Ser Supremo. Pelo contrário, o TAO ou o NIRVANA, o centro de todo o Universo segundo o Taoísmo e Confucionismo, e o Budismo, são uma espécie de Vazio, um Não-Ser.
Já o Neo-Panteísmo possui sim seus textos. É o caso do Espiritismo Kardecista, do Bahaísmo, do Racionalismo Cristão e etc. Embora muitos insistam em negar-se como Panteístas se inclinando para o Monoteísmo, porém uma série de fatores a distanciam muito deste grupo. Tais como:
A ênfase atenuada dada ao livro base da doutrina, que embora seja uma revelação, não tem o mesmo peso dogmático e em geral se apresenta de forma predominantemente racional. A postura passiva e não proselitista, e muito menos violenta, do Monoteísmo tradicional. A caraterização de seu fundador que mesmo sendo dotado de dons supra-naturais, não reivindica deificação e nem mesmo reverência especial. E o mais importante, diferenciando-as principalmente do Monoteísmo "Ocidental", o tratamento totalmente diferenciado dado a questão da existência do "Mal". Esses são alguns exemplos que tendem a afastar essas novas religiões, que prefiro agrupar na categoria Neo-Panteísmo, do grupo das Monoteístas.
PANTEÍSMO | => | Deus é Tudo |
POLITEÍSMO | => | Deus é Plural |
MONOTEÍSMO | => | Deus é Um |
ATEÍSMO | => | Deus é Nada |
Evidentemente, afirmar que DEUS é TUDO é muito similar a afirmar que é NADA. O ZERO é tão imensurável e incalculável quanto o INFINITO. Eles não podem ser medidos ou divididos, assim como não se divide por eles.
Vale lembrar que não se pode também rotular tal ou qual religião como meramente Pan, Poli ou Monoteísta. Muitas passaram pelas várias fases nem sempre de maneira perceptível e consensual. O próprio Budismo tem várias escolas bastante diferentes entre si, e mesmo o Cristianismo tem suas variantes com direito a reencarnação e sexo tântrico, e cujas atribuições de Deus o afastam das características monoteístas. Mas o processo macro, inconsciente, me parece ser esse! O de fases "psicohistóricas" que vão na forma:
?-PANTEÍSMO-POLITEÍSMO-MONOTEÍSMO-ATEÍSMO-?PANTEÍSMO
Outro ponto importante é que jamais uma dessas formas religiosas deixou de existir totalmente, principalmente na atualidade onde a intolerância religiosa não é mais "tolerada" na maior parte do mundo. Esses tipos de religiões se misturam e se confundem, o que explica porque qualquer tentativa de se classificar as religiões é tão complexa.
Até mesmo essa divisão esquemática apresenta problemas, como a notável diferença entre o Monoteísmo "Ocidental", Judaísmo-Cristianismo-Islamismo, fortemente interligadas, o Monoteísmo Oriental, Hindu, Bhramanismo e Sikhismo, e o sempre complexo Zoroastrismo, de características fortemente Maniqueistas, o que viria por vezes a suscintar a questão de se o Maniqueísmo, que tem forte influência sobre o Gnosticismo e o Catolicismo, poderia ser considerado Monoteísta.
SÍMBOLOS | |||
| O mantra sagrado "OM" ou "AUM" Hindu. Representa o "Som" primordial. |
| A Roda do DHARMA budista, ou "Roda da Vida". |
| O Tei-Gi do Taoísmo. Simbolizando a interdependência dos princípios universais Yin e Yang. |
| A estrela de Davi. Um dos símbolos do Judaísmo e do estado de Israel. |
| A cruz do Cristianismo. Encruzilhada entre o material e o espiritual. |
| A Lua e Estrela Muçulmana, oriunda de um dos mais antigos estados a adotar o Islã. |
| Nenhuma religião em especial mas algumas igrejas protestantes costumam usar um livro como símbolo. |
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Robert Funk e o polêmico Seminário de Jesus
Como o pão, massa que toma a forma e a consistência de quem a manipula, Jesus Cristo moldou-se ao imaginário dos povos e se tornou a figura mais importante da história da humanidade.
Assim como na Ressurreição, Cristo extrapolou os limites exteriores da matéria e ganhou, na crença dos homens, várias configurações. São feitios distintos que competem entre si. O Cristo cultuado hoje já foi em outros tempos, por exemplo, a divindade tripartite da barroca mitologia maniqueísta, que postou um de seus três Jesus, cheio de esplendor, vivendo na Lua. É bom lembrar, para aqueles que acham maluca esta concepção, que Santo Agostinho, um dos maiores filósofos da Igreja Católica, acreditava piamente nesta versão antes de abandonar o maniqueísmo e se converter ao cristianismo. A filosofia maniqueísta, que propunha a eterna luta entre as forças da luz e da escuridão, foi inspirada por Manu – um cristão da Mesopotâmia do terceiro século. Seus adeptos se espalharam do Norte da África ao Sul da China. Na Ásia Central, por exemplo, Jesus foi imortalizado ao fundir-se com a deidade budista Maitreya, numa metamorfose que gerou o futuro Budhisatva – que, igual a Cristo, voltará no final dos tempos. Essa figura entusiasmou os chineses a ponto de provocar a rebelião que derrubou o poderoso Kublai Khan, no século XIV. A dinastia resultante – talvez a mais famosa da China – dedicou seu nome, Ming, a seus soldados da “Luz” – como eram conhecidos os devotos da seita Ming-chiao, seguidores desta espécie de Cristo budista. E a luminosa dinastia Ming, centenas de anos depois, serviria de inspiração aos filósofos europeus do Iluminismo, com suas idéias seculares que questionavam os ensinamentos de Cristo. Neste caso, Deus escreveu certo por linhas tortas: Jesus está no coração dos incréus iluministas.
No entanto, a gênese de toda esta influência é uma figura da qual se tem escassas provas sobre a autenticidade de sua existência real, para além da fé. “Não há confirmação irrefutável de que o homem Jesus tenha vivido”, diz Robert Funk, teólogo da Universidade de Montana e um dos bravos acadêmicos do Seminário de Jesus. “Existem argumentos propondo que Jesus é a somatória de várias personagens, ou que sua pessoa possa ter sido inflada até chegar à condição de mito”, diz. De fato, é preciso se entregar a uma formidável devoção ao fundamentalismo para se acreditar piamente no que a Bíblia contém sobre o assunto. As Escrituras são contraditórias e incompletas. Na verdade, mais simbólicas do que documentais.
Evangelhos – De todo modo, desde o século III, a história de Jesus se baseia principalmente nos quatro textos canônicos que constam do Novo Testamento. Os Evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João, escritos em grego, são relatos de quem supostamente teria conhecido Jesus pessoalmente. Em 1945, seriam descobertos no Egito os manuscritos Nag Hammadi, que contêm um segmento que é chamado Escrituras de Tomás. O texto é desprovido de narrativa biográfica de Jesus, mas forma uma coleção de máximas e pensamentos do profeta. Passou a ser, desde então, considerado como o quinto Evangelho. Além destes, existem outros textos cristãos que falam de Jesus, sendo o mais importante as Epístolas de São Paulo. E entre todos há passagens contraditórias. Para tornar ainda mais nebuloso o perfil do Cristo, estas páginas foram modificadas em traduções e interpretações. O resultado disso é a polêmica. A própria divisão da Bíblia em Velho e Novo Testamento é fruto de ferozes debates, ocorridos no início da era cristã, sobre a natureza de Jesus.
As disputas sobre a história de Cristo vão fincar raízes em eventos que antecedem seu nascimento. A própria concepção – um dos dogmas do cristianismo – é colocada em dúvida. Várias correntes de pensadores acreditam que Maria gerou um filho ilegítimo. “É claro que não há provas sobre isso”, diz o teólogo americano James Strange, do Seminário de Jesus. “Há muito tempo foram lançadas suspeitas de que a história da concepção de Maria, sem um marido, seria apenas um recurso para encobrir um romance espúrio. Surgiram depois textos apócrifos propondo uma relação de Maria com um legionário romano de nome Panthera. Em alguns textos judaicos, Jesus é até chamado de mamzer, que significa ‘filho da fornicação’, ou seja: um bastardo. Mas esses são textos polêmicos que emergiram somente depois do divórcio entre judaísmo e cristianismo. Parece que visam apenas desmistificar um dos maiores dogmas do cristianismo”, diz Strange.
Mas as virtudes da Virgem não são moldadas apenas por detratores. A própria Igreja Católica complicou a questão quando, séculos depois do nascimento de Cristo, resolveu perpetuar a virgindade de Maria. Assim, ela teria subido aos céus sem ter tido relações sexuais e, portanto, Jesus seria seu único filho. Mas em Marcos 6:3 são dados nomes de irmãos de Jesus e há menções até mesmo de irmãs. Um dos irmãos – e o mais importante – seria Tiago, que liderou a comunidade cristã de Jerusalém. É importante notar que o Evangelho de Marcos é considerado o primeiro, sendo que os de Mateus e Lucas seriam revisões deste texto (as três versões são chamadas “sinóticas”). “Os teólogos datam as escritas do Novo Testamento no último quarto do primeiro século. Algo em torno de 40 anos depois da morte de Jesus. Imagina-se que Marcos escreveu logo depois da queda de Jerusalém, no ano 70”, diz Strange. Já o Evangelho de João é considerado obra do final do século I ou início do século II.
Golgota/c.1900/Munch Munch Museum, Oslo | O sepultamento c. 1602-4 caravaggio óleo sobre tela (360x202cm) pinacoteca do vaticano, roma | Cristo cai com a cruz /Grüne Wald (195x152,5cm) Pinacoteca do estado, Karlsruhe, Alemanha |
A figura de Cristo sempre exerceu um poderoso fascínio sobre os artistas, fossem eles realistas, barrocos ou expressionistas |
Jesus a.C. – Um dos pontos onde parece que todos concordam é que Jesus nasceu no ano 4 antes de Cristo. A discrepância desta data se deve ao famoso erro na elaboração do calendário, feito por um monge no século VI. Nem todos, porém, aceitam a idéia de que o profeta é de Belém. “Há controvérsias: alguns estudiosos acham que Jesus nasceu em Nazaré. Alegam que o nome Nazareno não se deve ao fato de Jesus ter morado boa parte de sua vida na cidade de Nazaré, mas, sim, por ter nascido naquele local”, diz o padre Luke Timothy Johnson, um expert em Novo Testamento, professor da Emory University. “O mais aceito é que Maria, grávida, e José teriam ido a Belém para cumprir um edital de Roma e se inscrever no censo local. Não conseguiram pousada e a criança nasceu numa caverna que servia de estábulo nos arredores da cidade”, diz o professor Johnson. Somente Mateus (2:13-23) descreve uma fuga da sagrada família para o Egito para escapar do infanticídio ordenado por Herodes, o rei da Judéia. “Mateus usou um mosaico de lendas para compor este quadro. Os paralelos entre o recém-nascido Jesus e o infante Moisés são inegáveis, com Herodes cumprindo o papel do déspota amedrontado com o surgimento de outro rei, da mesma forma que o faraó Seti na história de Moisés”, diz o teólogo John Dominic Crossan, membro do Seminário de Jesus.
Os biógrafos da antiguidade geralmente começavam seus textos a partir da vida pública dos protagonistas que perfilavam. O que fosse anterior aos eventos públicos era deixado de lado. Assim, também no caso de Jesus, seus biógrafos dão ênfase às atividades públicas. Mateus e Lucas, por exemplo, falam da infância de Jesus apenas como prefácio da narrativa principal. Em Mateus a história começa mesmo com o Sermão da Montanha, com um Cristo já adulto. Esta é uma das razões do “desaparecimento” de Jesus da idade de 12 anos até os 29.
Desse modo, fica muito difícil retratar o garoto Jesus. Existem textos esparsos creditados a São Pedro e São Paulo – e considerados mera ficção –, que falam de um menino travesso, cheio de humor e predisposto a brincadeiras um tanto perigosas. O que se dá como certo é que o nome Jesus (Yeshu) é uma abreviatura que deriva da interpretação grega do nome hebreu “Yoshua”, que por sua vez é uma corruptela de “Yehoshuah” (que significa Jeová é Redenção). Já Cristo não era nome, mas um título. Vem do grego Christós, e é uma tradução do hebraico Mashiakh (O Escolhido), ou Messias. Cristo foi agregado ao nome de Jesus por seus seguidores que acreditavam ser ele o Messias da salvação de Israel. O título foi definitivamente incorporado ao nome de Jesus por decisão da Igreja.
Assim como esta decisão da Igreja, outros acréscimos foram sendo feitos na vida de Cristo. “A rigor, a história de Jesus deveria ser formada apenas pelos quatro Evangelhos, mais as escrituras de Tomás. Elas são como peças de um quebra-cabeça incompleto, que não mostra o quadro todo, mas delimita com alguma clareza a figura principal da composição”, diz o padre Johnson. “Acredite-se ou não nesta história, nos milagres, nos ensinamentos, nas passagens relatadas nas escrituras, o que me parece importante é não perder de vista que apenas aquilo que está nos Evangelhos pode ser tomado como fonte sobre a vida de Cristo. Tudo mais são improvisações sobre o tema e especulações que obedecem a interesses políticos”, diz.
Sob esta ótica, os debates sobre a existência ou não de Jesus acabam por se transformar em uma questão meramente acadêmica. “Nós o pensamos, logo ele existe”, como diz o padre Johnson. Nos atos mais cotidianos – como consultar um calendário para se saber que dia é hoje –, passando pela irresistível expansão da cultura ocidental pelo mundo até o fato de pelo menos 1,9 bilhão de pessoas acreditarem numa ética forjada por este homem extraordinário, está a prova de que Jesus Cristo existiu e existe. Como o pão, ele faz parte da história da humanidade.