segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A Trindade e as religiões

O dogma da trindade constitui um dos principais pilares da fé cristã. Para os cristãos, Deus é um só, mas é divido em três naturezas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Mesmo sendo um dos principais dogmas cristãos, nem todas as denominações o aceitam, sejam por questões dogmáticas ou históricas. Uma das razões pela quais algumas denominações negam a doutrina da trindade é o fato dela estar baseada em conceitos de religiões antigas, esta tese é defendida principalmente pelo judaísmo e islamismo, embora as próprias escrituras judaicas e islâmicas abram espaço para tal interpretação, o que confirmaria a realidade desta doutrina. Se abrirmos o leque de entendimento podemos confirmar esta doutrina com base nas próprias religiões pagãs antigas, visto que em todas elas está presente esta doutrina. Esta tabela mostra as trindades das principais religiões da história antiga.

As Trindades nas religiões antigas

Como podem ver a maioria dessas religiões não existem mais, muitas delas assim como suas seitas foram suprimidas pelo cristianismo em sua expansão, outras, foram destruídas ou aculturadas por outras civilizações e apenas duas, o Hinduísmo e o Zoroastrismo estão quase que exclusivamente presentes no território em que surgiram. Para entendermos porque a maioria dessas crenças foram extintas precisamos entender o contexto histórico que levou à absorção dessa doutrina pelo cristianismo.

A formação da Trindade no cristianismo

Como sabemos na época de formação do cristianismo existiam muitas religiões no Império Romano. Dentre elas a religião egípcia, a religião greco-romana e o Mitraísmo. Como vimos em todas estas religiões está presente a doutrina da trindade. O cristianismo aos poucos foi deixando de ser mais uma das seitas judaicas como os essênios e nazarenos para firmar-se como a religião oficial do Império Romano. No princípio o cristianismo tentava seguir ao máximo os preceitos do judaísmo, mas após a elaboração de uma doutrina excepcional por Paulo de Tarso, judeu e soldado romano, fica claro o porquê de uma absorção teológica por parte do cristianismo. Sendo soldado romano, Paulo vivia sob a cultura romana, ou seja, em constante contato com as demais religiões.

Com sua conversão para o cristianismo era inevitável uma desligação total dos preceitos das antigas religiões. Com isso, na elaboração da nova doutrina (afinal, Paulo fez uma releitura do judaísmo encaixando Jesus no contexto do Antigo Testamento segundo a sua perspectiva, afinal, a base de interpretação do cristianismo e do Novo Testamento tem as cartas de Paulo) a seita cristã adquiriu aspectos pagãos. Isto é confirmado pelo próprio Judaísmo uma vez que a crença judaica não possui uma trindade, visto que para os judeus Deus é um só, e a própria concepção de Espírito Santo possui uma outra conotação, o que impediria a formação de uma trindade. Entretanto os bispos reunidos no Concílio de Nicéia achariam uma brecha teológica Judaísmo para justificar a doutrina da trindade. A mesma brecha pode ser achada no Islã como veremos mais a frente.

Com o Edito de Milão o cristianismo deixou de ser perseguido e finalmente com a oficialização da Igreja como religião do Estado, as outras religiões foram proibidas. Como uma religião não se acaba de uma hora para outra, houve uma absorção dos preceitos das diversas religiões dentro do Cristianismo. No Concílio de Nicéia foram formuladas as diversas doutrinas do cristianismo inclusive a da trindade, visto que tendo Jesus vindo do Judaísmo não teria possibilidade dessa doutrina ter vindo originalmente da religião judaica. Assim fica clara a absorção da doutrina da trindade das outras religiões. Entretanto uma doutrina não pode ser colocada do nada numa religião sem uma justificativa, e essa justificativa para a doutrina da trindade está dentro da própria Bíblia como veremos a seguir.

A Trindade no Cristianismo

Para os cristãos, Deus é um só, dividido em três naturezas distintas. A primeira natureza é a de Deus Pai, aquele que cria e rege o Universo. Geralmente, a figura de Deus Pai é associada à imagem de Deus em sua plenitude. A segunda natureza é a de Deus Filho, aquele que vêm a Terra para salvar a humanidade. É o aspecto pessoal de Deus. A terceira natureza é a de Deus Espírito Santo, aquele que dá a vida e seus dons. É o aspecto de Deus como sendo presente no meio material. É representado por uma pomba.

No Judaísmo não há trindade, entretanto para os cristãos a primeira menção a trindade já está nas primeiras palavras do Gênese: “No princípio, Deus criou os céus e a terra.” – Gênesis 1:1. A palavra original em hebraico para Deus é Elohim. Entretanto a palavra Elohim é uma palavra que indica o plural. Se levarmos ao pé da letra a tradução teremos: “No princípio, os Deuses criaram os céus e a terra". Aí temos duas inconsistência. A primeira: Um politeísmo. Alguns historiadores afirmam que no princípio, a crença judaica era politeísta, mas com a unificação das tribos houve a unificação da crença existindo um deus único que mais tarde os hebreus deram o nome de YHWH, ou seja, nome nenhum, visto que o tetragrama não tem tradução para o hebraico. Isto significaria que para não haver uma disputa de deuses, o nome de Deus seria impronunciável sendo chamado apenas de Senhor (Adonai). Até hoje não há tradução para o tetragrama sagrado, sendo para os judeus, um mistério de fé. Por isso a tradução para o português como Javé ou Jeová é errada.

Entretanto, para os cristãos, essa inconviniência é justificada pela doutrina da trindade. Para os cristãos, o caráter pluralista de Deus confirma a doutrina da trindade. Segundo os cristãos, no versículo “Então Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem e semelhança.” – Gênesis 1:26, Deus está presente como sendo trino. Em diversos outros versículos Deus se apresenta como plural. E no Novo Testamento, durante o batismo de Jesus temos a figura da trindade: “Depois que Jesus foi batizado, saiu logo da água. Eis que os céus se abriram e viu descer sobre ele, em forma de pomba, o Espírito de Deus. E do céu baixou uma voz: Eis meu Filho muito amado em quem ponho minha afeição.” – Mateus 3:16,17. Nesta cena temos presente o Pai com a voz de Deus, o Filho com a figura de Jesus e o Espírito Santo com a pomba. Entretanto para os judeus isto é um equívoco, ainda mais, uma heresia.

A Trindade no Judaísmo

A Torah, ou “Lei” em hebraico é a Bíblia judaica, nela estão presentes os cinco primeiros livros da Bíblia cristã e entre eles está o Gênesis, ou Bereshit em hebraico que significa “No princípio”, visto que essas são as palavras de abertura do livro. Como vimos, logo no começo do Gênesis Deus se apresenta como sendo plural, sendo trino ou como vários deuses distintos. Isso confirmariam a doutrina da trindade dentro do próprio judaísmo, entretanto os judeus refutam a doutrina utilizando-se de outros trechos das escrituras. Vários trechos negam a trindade como “Eu sou o primeiro e eu sou o último. Fora de mim não há Deus.” - Isaías 44:6, Deus define-se no tempo e no espaço. Para os cristãos, Deus estava falando em sua totalidade, entretanto temos mais a frente a famosa lei dos 10 Mandamentos “Não terás outros deuses diante de Mim”. - Êxodo 20:3 em que Deus fala plenamente singular, onde a palavra Elohim não aparece.

Outro fato os judeus se utilizam para negar a trindade é o conceito de Espírito Santo. A palavra original em hebraico é Ruach HaKodesh que é traduzido literalmente como Espírito Santo. Entretanto o termo Ruach HaKodesh significa “inspiração”, que é uma das qualidades do Espírito Santo segundo o cristianismo. A inspiração é ligada à mente visto que todas as ações humanas provém dela. Curiosamente o termo hebraico para espírito é Ruwach que também significa “inspiração”, ou “fôlego”. Ora, sendo o espírito a inspiração vinda da mente, logo o espírito é a mente. A essência do ser humano. Então o Espírito Santo seria a mente de Deus. Deus como um ser pensante, assim como o homem, por isto ele nos fez “segundo a sua imagem e semelhança”. Esta é uma das explicações dadas por alguns segmentos religiosos cristãos como os Adventistas, que negam a doutrina da trindade, visto que Deus Pai e o Espírito Santo seriam uma coisa só.

Mas sendo Deus Pai e o Espírito Santo, como poderia o Filho provir deles? Para os cristãos Jesus é uma encarnação de Deus, mas levando em conta o contexto da palavra espírito, Jesus seria Deus encarnado em sua mente, ou seja, Jesus seria um ser humano inspirado pela mente de Deus ou vontade de Deus assim como um profeta. Esta é a visão muçulmana que diz que Jesus estava sob a Vontade de Deus, ou seja, ele era um muçulmano, aquele que se submete à Vontade de Deus, não como um escravo, mas como alguém consciente que assume uma missão. Entretanto, mesmo negando, o conceito de trindade assim como o Judaísmo, a mesma também se faz presente no Islamismo.

A Trindade no Islamismo

Embora neguem a trindade, a mesma se faz presente no Islã, mais precisamente em trechos do Corão. Sob os mesmos aspectos apresentados no Gênesis temos: “E o atendemos e o agraciamos com Yahia (João), e curamos sua mulher (de esterilidade); um procurava sobrepujar o outro nas boas ações, recorrendo a Nós com afeição e temor, e sendo humildes a Nós.” - Alcorão 19:12. E ainda mais a frente: “Ó humanos, em verdade, Nós vos criamos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos, para reconhecerdes uns aos outros. Sabei que o mais honrado, dentre vós, ante Deus, é o mais temente. Sabei que Deus é Sapientíssimo e está bem inteirado.” - Alcorão 49:13.

Para os muçulmanos esta passagem tem a mesma explicação do judaísmo, visto que a palavra Allah vem do hebraico El Ellah, ou Elohim. Allah significa Deus em árabe e assim como a palavra Elohim ela é flexionada no plural. Com isso, temos uma menção a um Deus plural, ou vários deuses. Mas visto que Deus é tido como único no Islã temos uma interpretação onde Deus é um só, mas manifesta-se através dos profetas, por isso, o caráter plural, onde Deus compartilha sua natureza com os homens. É tanto que a Essência de Deus é comungada com os homens segundo os Sufis, um segmento religioso do Islã que prega que através da mente podemos nos unir com Deus (misticismo Islâmico). Esta visão mística também é compartilhada pela Kabbalah judaica. Curiosamente essa mesma visão de comunhão entre Deus e os homens por meio da mente é a essência dos ensinamentos orientais, mais precisamente com o Budismo e o Hinduísmo como veremos nos próximos capítulos. Este é o ponto de encontro entre a espiritualidade ocidental e oriental.

A Trindade no Hinduísmo e Budismo

Para o hinduísmo, Deus é único, não existe outro além Dele. Ele está no Universo e em todas as coisas criada por Ele, pois assim Deus pode ser onipresente e manifestar-se em todo o Universo. Mas Ele não se limita ao Universo. O título que se dá a Deus em sua forma impessoal no hinduísmo é Brahman, que significa "O Princípio Absoluto". Deus também é designado como sendo o Om, o mantra "AUM". Essa sílaba faz relação às três naturezas de Deus como Criador, Conservador e Renovador (Pai, Filho e Espírito Santo), uma espécie de "Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" que os católicos dizem antes de qualquer oração, neste caso, os hindus que a utilizam antes de qualquer oração ou invocação.

Assim como o cristianismo, o hinduísmo possui uma trindade aonde Deus é um só, mas possui três naturezas. Brahma, ou o "Pai Criador" é a primeira natureza da Trindade hindu chamada "Trimurti". A segunda natureza é Vishnu, o "Filho Conservador" que vem a Terra salvar os homens. Ele encarna de tempos toda vez que os homens esquecem a mensagem de Deus. E a terceira natureza é Shiva, o "Espírito Santo Renovador", Ele é que dá sabedoria aos homens e os renova por meio da “destruição” da velha consciência e a ressurreição com uma nova. Essa trindade mostra que Deus também segue o ciclo da vida criando, mantendo, e renovando a vida. No hinduísmo Deus é "Absoluto" ou seja, "Perfeito". E como um ser perfeito ele precisa ser simétrico, por isso, cada natureza masculina possui seu oposto feminino com as mesmas funções das masculinas. A Trimurti feminina é composta por Saraswati, a "Consorte do Pai Criador", Lakshmi, a "Consorte do Filho Conservador" e Parvati, a "Consorte do Espírito Santo Renovador". Assim com essa Trimurti Feminina, as três naturezas de Deus ficam em equilíbrio.

Tanto no Cristianismo quanto no Hinduísmo, o significado palavra "Filho" quer dizer "Aquele que vem sob a forma de". Shiva e Parvati possuem um Filho, Ganesha, o Elefante. Como Shiva é o Espírito Santo, Ganesha é o Espírito Santo que vem sob a forma de um Elefante, enquanto que no Cristianismo, o Espírito Santo vem sob a forma de uma pomba. Por isso o Elefante é considerado um animal sagrado na Índia. Curiosamente, Maya, a mãe de Buda durante a revelação que seria mãe do Deus sonhou com um Elefante branco. Como já vimos sendo o elefante é o símbolo de Ganesha, filho de Shiva que é o Espírito Santo temos a simbologia onde Maya foi visitada pelo Espírito Santo na sua forma terrena sendo assim, fecundada pelo mesmo dando a luz a Buda, o Senhor do mundo. Mais a frente na biografia do Iluminado temos mais um simbolismo onde após atingir a Iluminação após a tentação, uma Naja gigante repousa sobre a cabeça do santo. Retomando a figura de Shiva, a Naja é um dos símbolos do Espírito Santo hindu, sendo um símbolo da sabedoria. Com isso temos a metáfora que a sabedoria do Espírito Santo de Deus repousou sobre Sidharta.

Logo é errado dizer que o budismo é uma religião atéia, visto que o próprio Buda fala de Deus como um ser real como veremos mais a frente. Por vir do Hinduísmo, o Budismo tem que por regra, absorver aspectos da sua religião precursora, onde o processo de aculturação é inevitável e claro. Com isso temos a figura divina do Buda, a descida de Deus a Terra e o caráter mítico e messiânico da religião. É impossível que uma religião não possua esses elementos, mesmo que estejam presentes implicitamente.

A Trindade Greco-Romana

Uma trindade curiosa é a trindade greco-romana. Ela é composta por Zeus (Júpiter), Athena (Minerva), e Hera (Juno). Antes de mais nada, devemos entender o porquê de Zeus ser não só o rei dos deuses como o próprio o Pai. Segundo a mitologia grega Zeus era filho de Cronos (o Tempo) e Réia. Antes Cronos devorava seus filhos, para que não tomassem seu lugar como Senhor do Universo. Pois bem, Réia teve mais seis filhos dos quais cinco foram devorados, menos um, Zeus que ela escondeu de Cronos. Muito tempo se passou, até que Zeus matou Cronos e expulsou Réia mandando-os para a Terra. Então Zeus assumiu o lugar de rei dos deuses e como venceu Cronos (Tempo) virou imortal junto com todos os outros deuses. Mas então Zeus foi criado? Não. Quando dizemos que Cronos e Réia foram seus pais e que Zeus os venceu, quer dizer que Zeus virou eterno, Senhor do Tempo e da Existência, ele sempre existiu, mesmo antes de Cronos. Assim, Zeus está além do tempo, sendo este, reservado aos mortais e assim como a todo o resto do Universo.

Os 6 filhos de Cronos eram: Zeus (Pai dos deuses e dos homens), Deméter (Deusa da Natureza), Hades (Deus do Mundo dos Mortos, não necessariamente o inferno), Hera (Deusa do Nascimento), Héstia (Deusa do Fogo) e Poseidon (Deus das Águas). Muitos pensam que esses 6 deuses são deuses distintos, mas não são. Podemos ver claramente uma completude como vemos no caso da Trimurti hindu. Sendo Zeus o deus da criação, da vida, sua contraparte é Poseidon, deus das águas, visto que toda a vida surgiu das águas. Sendo Deméter a deusa da natureza, ela está responsável pela manutenção da criação e acolhimento da vida, enquanto Hades, deus dos mortos está ligado ao acolhimento da morte. E sendo Hera a deusa do nascimento, sua contraparte é Héstia, visto que ela como sendo deusa do fogo, tem o poder de renovar a criação assim como o nascimento. A religião grego-romana em sua essência não é politeísta, visto que Deus representa o Universo em sua totalidade, podemos dizer que Deus na mitologia grega é o panteísmo. Uma famosa frase de Pitágoras exprime isso quando ele diz “Deus é um em muitos”. Vários filósofos e pensadores gregos falam em Deus como sendo um e não muitos, pois tudo o que existe tem uma essência comum, e se os deuses existem, é porque houve uma origem divina. Mas onde entra a trindade?

Como podem ver, a trindade greco-romana tem um paralelismo com a hindu, visto que as naturezas de Deus se equilibram em duas trindade complementares a fim de manter o caráter de perfeição. Mesmo tendo este caráter múltiplo, na verdade só existe uma trindade. Segundo a mitologia grega Zeus é casando-se com Hera (união do Pai com o Espírito Santo) tive uma filha: Athena (Minerva). Essa união dos três deuses também remete à trindade hindu uma vez que Zeus cumpre o papel de criador, Athena de conservadora da criação e Hera de geradora da vida, ou renovadora. Esta é de fato a representação oficial da trindade na religião greco-romana.

A Trindade no Zoroastrismo

A Trindade no Zoroastrismo é composta pelo Deus criador Ahura-Mazda, o Saoshyant, representado pela figura de Mithra e Vohu Mano, o Espírito de Ahura-Mazda. Ahura-Mazda significa o Grande Senhor em persa antigo. Segundo a mitologia zoroastra, foi ele que criou todo o universo. Para manter o Universo em harmonia, ele manda o Saoshyant, o Messias salvador que tem por missão conduzir a humanidade à salvação. A palavra Saoshyant significa “Aquele que trás a Boa Nova”. Para o zoroastrismo, o Saoshyant vem à terra de tempos em tempos. Uma dessas encarnações é a do deus Mithra. Novamente temos uma alusão à Trimurti. Junto com Ahura-Mazda e o Saoshyant há Vohu Mano, ou a “Santa Mente”. Ora, não preciso dizer mais nada. Retomando a conotação da palavra espírito no judaísmo e a concepção do que seria o Espírito Santo, temos que Vohu Mano é a mente de Ahura-Mazda, seu Espírito Santo.

Em uma das diversas narrativas do Zoroastrismo uma chama atenção. Durante um momento de meditação numa caverna Zaratustra tem uma revelação onde Vohu Mano lhe aparece dizendo: “Zaratustra, tu que questionas sobre as coisas criação, receberá de Ahura-Mazda as respostas, pois Deus o escolheu para partilhar com os homens a sua sabedoria. Você irá anunciar a Sua mensagem libertadora aos homens”. Assustado, Zaratustra respondeu: “Por que eu? Não sou poderoso e nem tenho recursos!". Entretanto Vohu Mano disse: “Você tem tudo o que precisa, o que todos igualmente têm: Bons pensamentos, boas palavras e boas ações. Tú és o escolhido de Deus. Agora vai!”. Se trocassemos os nomes Zaratustra por Moisés e Vohu Mano por Elohim teríamos a mesma cena. Está clara a relação entre a revelação de Deus a Moisés e a Zaratustra. Com Moisés, aconteceu a mesma coisa, visto que Deus se manifestou para ele em Espírito (mente) inspirando-o à seguir em uma missão. A mesma coisa com Zaratustra. Por isso temos Vohu Mano como sendo o Espírito de Ahura-Mazda, Deus.

Depois dessas reflexões chegamos a duas conclusões. A primeira é que se formos considerar apenas a essência das religiões monoteístas como o Judaísmo de onde veio o cristianismo, realmente não há uma trindade de um só Deus. Entretanto devemos ter em mente que antes de ser algo concreto, a religião lida com o metafísico tendo seu entendimento via filosofia, não ao pé da letra. Se formos ver pelo lado filosófico, há uma trindade sim, visto que Deus manifesta-se em Espírito (mente) dentro do enviado estando o Messias em comunhão com a Mente de Deus, para assim transmitir Sua mensagem aos homens. Deus como sendo impessoal não pode gerar um Filho material, entretanto ele pode gerar um filho espiritual que serve de elo entre Ele e os homens. O caminho. Quando Jesus falava ser uno com Deus e como consequência, Seu Espírito, falava estar em unidade com a Mente de Deus, para poder cumprir Sua Vontade, assim como os diversos enviados.





O curioso Hanina ben Dosa

Hanina ben Dosa foi um carismático Galileu do século I. d.c que viveu na cidade de Arab / Arava, ou Gabara, a cerca de 19 quilômetros ao norte de Nazaré. Era um contemporâneo mais jovem de Jesus de Narazé, e a literatura rabínica o apresenta como um pupilo de Iohanã bem Zacai, o líder espiritual de Arav por 18 anos de acordo com a tradição talmúdica.

Nada se sabe sobre o histórico familiar de Hanina. O nome grego seu pai, Dosa, redução de Dositeu, era usado normalmente por rabinos, de modo que isso não necessariamente indica uma cultura helênica. Hanina não está ligado a qualquer acontecimento histórico datável, mas temos provas circunstanciais suficientes para situá-lo no século I d.c., e provavelmente no príodo anterior a 70. Ele está ligado a três personagens importantes: Iohanã ben Zacai durante o período de sua carreira na Galiléia; Neuniá, um funcionário do templo, portanto, por definição, um personagem anterior a 70; e Gamaliel. Se esse Gamaliel for Gamaliel, o Velho, professor de São Paulo, mais uma vez estamos antes da queda de Jerusalém. Seja como for, não há nada registrado sobre Hanina que exija uma data posterior a destruição do Templo.

Embora a tradição talmúdica posterior retrate Hanina como um pleno realizador de milagres, a descrição inicial dos rabinos o representa como um homem de impressionante devoção, um hasside com um talento extraordinário para a cura. Sua fé era baseada em uma absoluta concentração na oração. Dizia-se que nem a chegada de um rei ou a presença de uma cobra podia perturbar sua devoção. De acordo com a história contada sobre Hanina, ele continuou a orar sem ser ferido mesmo depois de uma serpente tê-lo mordido.

Na verdade, foi à serpente que morreu. Essa história originou o provérbio “lamente pelo homem que foi mordido por uma serpente, mas lamente pela serpente que mordeu Hanina ben Dosa” (Mishnah Berakhot 5:1; Tosephta Berakhot 2:20; Talmude de Jerusalém Berakhot 9a; Talmude Babilônico Berakhot 33a).

Sua reputação como curandeiro espiritual era tão alta que mesmo os líderes do farisaísmo do século I d.c teriam solicitado sua ajuda. Ele curou o filho de seu antigo mestre, Iohanã ben Zacai, fazendo seu pedido a deus em uma posição de oração mística com a cabeça apertada entre os joelhos, imitação do milagreiro profeta Elias. Em outra história, Gamaliel, provavelmente o Velho, enviou dois de seus discípulos de Jerusalém para a distante Galiléia a fim de pedir a intercessão de Hanina em benefício de seu filho doente. Hanina conseguiu a cura in absertia mesmo antes de ser ouvido o pedido de Gamaliel transmitido por seus enviados:

Acontece que, quando o filho de Gamaliel caiu doente, ele mandou dois pupilos a Hanina ben Dosa para que orasse pelo filho. Quando os viu, Hanina foi para o quarto de cima e orou. Ao descer, disse-lhes: “Partam, pois a febre o deixou.” Perguntaram ele: “Você é um profeta?” Ele respondeu: “Eu não sou profeta, nem sou filho de profeta, mas é assim que sou atendido. Se minha oração é fluente em minha boca, eu sei que o doente é atendido; se não, eu sei que sua doença é fatal.” Os pupilos de Gamaliel se sentaram e anotaram a hora. Quando voltaram, Gamaliel lhes disse: Pelos céus, vocês nem diminuíram nem aumentaram, foi assim mesmo que aconteceu. Foi nessa hora que a febre o deixou e ele nos pediu água pra beber” (Talmude Babilônico de Berakhot 34b, Talmude de Jerusalém Berakhot 9d).

Hanina também era conhecido como um homem que controlava demônios, incluindo a rainha dos espíritos maléficos, Ágrate, filha de Málate, e, como Honi e seus netos, Hanã e Abba Hilquiá, tinha a reputação de fazer chover. Seus contemporâneos acreditavam que ele tinha devolvido a fertilidade à natureza, e o honravam como alguém que tinha resgatado a humanidade. De acordo com a lenda rabínica, Hanina foi festejado como um “filho de Deus” com uma voz celestial proclamando diariamente:

“Todo o universo é mantido graças a meu filho Hanina”. (Talmude Babilônico Taanit 24b) A especulação religiosa foi ainda mais longe, afirmando que o mundo, e mesmo o mundo futuro, tinha sido criado por causa de Hanina ben Dosa (Talmude Babilônico Berakhot 61b), e que por causa de seus méritos o favor de Deus tinha sido concedido a todos os seus contemporâneos (Talmude Babilônico Hagigah 14a).Homem que vivia na mais completa miséria, Hanina era mais um milagreiro que um professor, e quando morreu os “homens de [maravilhosas] obras” desapareceram, de acordo com a mixná (Mishnah Sotah 9:15). Apenas alguns poucos de seus ditos sobreviveram. Ele exaltava o medo do pecado e as realizações devotas mais que as palavras de sabedoria, e pregava a gentileza para com as pessoas, pois “qualquer homem com quem os homens estão satisfeitos, Deus está satisfeito com ele” (Mishnah Abot 3:9-12).

Muitas das características de Hanina ben Dosa lembram as de Jesus, embora em menor escala. Especialmente a cura do filho de gamaliel faz recordar a cura à distância do servo do centurião Cafarnaum. A superioridade de Hanina em relação aos demônios é comparável ao retrato de Jesus como exorcista. Sua história com a serpente faz recordar um dos ditos de Jesus! “Dei-lhes o poder de pisar serpentes (...) e nada poderá lhes causar dano” (Lc 10,19). Mais interessante ainda, a voz celestial chamando Jesus, Hanina e outros, como o rabino Meir, de “meu filho”, dá uma excelente visão da utilização metafórica original do conceito de “filho de Deus” no pensamento religioso judaico-palestino.

Pelo lado negativo, representantes do judaísmo convencional tentaram procurar defeitos no comportamento heterodoxo de um carismático. Hanina foi criticado por negligenciar suas obrigações rituais, por se comportar inconvenientemente para um homem de Deus, como andar só pela rua à noite. Seu anúncio de uma cura à distância provocou a pergunta sarcástica: “Você é profeta?” E o efeito milagroso de sua oração foi atribuído aos méritos de Abraão, Issac e Jacó.No todo, o relato de Hanina ben Dosa lança uma luz valiosa sobre o retrato de Jesus nos Evangelhos e sobre as linhas de desenvolvimento teológico inicial do judeu-cristianismo palestino.


O Jesus Oculto

Apesar de existir um imenso debate sobre a interpretação dos evangelhos apócrifos encontrados, na sua grande maioria, em 1945, em Nag Hammadi (no Egito), poucas pessoas tiveram tempo de entender o que acontece de fato no meio religioso.

Novas interpretações de uma descoberta de cinco décadas atrás estão questionando dogmas de fé do catolicismo, como a existência do pecado original, e até confirmando outros, como o da assunção de Maria aos céus, narrada com detalhes nos evangelhos apócrifos que tratam sobre a mãe de Deus. Ela aparece nos textos não como intercessora, mas como apóstola de seu filho e liderança no cristianismo. A leitura de gênero aplicada nos apócrifos evidencia a disputa de poder entre Pedro e Madalena. Esta última não é vista como prostituta, mas apóstola e amada de Jesus. Outra revelação é a de Jesus Cristo como líder político – uma nova imagem tão forte quanto a propagada pela igreja como homem místico com seus poderes de filho de Deus. Segundo o apócrifo de Tomé, Cristo era revolucionário político.

Estes evangelhos, em parte, estão no Vaticano e apenas estudiosos do assunto têm o direito da consulta completa. Na internet proliferam interpretações dos textos que tratam dos apócrifos. Se existe polêmica em religião, esta é a maior delas. Frei Jacir de Freitas Faria, que estudou no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, informa ao Diário da Manhã que estes textos datam do ano 50 d.C até século VI e VII. “Eles ficaram escondidos por muito tempo. A igreja mandou para a fogueira esses textos por considerá-los heréticos, não aptos para a fé cristã”, diz frei Jacir.

O estudo consiste num comentário aos evangelhos de Madalena e Tomé e na apresentação da história de Maria, a mãe de Jesus, de José e da infância de Jesus nos apócrifos. Jacir é um dos maiores pesquisadores sobre o tema no país. Para ele, o assunto fascina, pois inverte muitos aspectos tidos como certos ao longo do cristianismo.

Ele indica que a forma com que a tradição cristã tratou Madalena está toda equivocada. “A interpretação feita pela Igreja de Lc 7, 36-50, que identificou a pecadora citada como sendo Maria Madalena, fez dela uma prostituta. Fato que ninguém mais ousou duvidar”, diz. No evangelho de Madalena e em outros apócrifos, ela é apresentada como liderança forte e que ameaçava Pedro ao ponto dele tramar contra ela, pedindo a Jesus que a expulsasse do grupo dos apóstolos. “Com a divulgação destes evangelhos, é possível perceber também um outro perfil de Pedro, um homem misógino, machista”, diz o frei.

A pesquisa de frei Jacir retorna aos primórdios do cristianismo. Desvenda uma época pré-igreja Católica, pois mostra as origens dos seguidores de Cristo e o modo como entenderam Jesus e sua mensagem. O que temos na Bíblia é a versão que se tornou oficial, canônica. O teólogo Antônio Maria diz que conhece os evangelhos narrados pelo frei Jacir, mas prefere acreditar na Bíblia tradicional. “Nada impede de se discutir estes temas, mas o mais valioso, com certeza, se encontra na Bíblia”, diz o pesquisador goiano.

Jacir explica que não existiu um só cristianismo. Ou seja, não existiu apenas uma versão dos fatos daquele período. A importância de saber que existiam diversos seguidores de Cristo ajuda a entender como uma única visão integrada surgiu. Com estas pesquisas pode-se descobrir que a Igreja dos séculos que se seguiram aos fatos narrados com Jesus acabou escolhendo uma verdade em seu interior, a que adequava aos seus objetivos. “Podemos falar de vários cristianismos, aquele da comunidade de Marcos, de Mateus, de Lucas, de João, de Tiago, irmão de Jesus, de Maria Madalena, de Tomé, de Paulo, dos Atos dos apóstolos”, afirma.

Cada comunidade deu o seu tom ao seu escrito. Mateus enfocou o lado judeu de Jesus. Marcos, o Jesus missionário; Lucas, o Jesus salvador da humanidade; Atos dos Apóstolos, o Jesus da apostolicidade; Paulo, o Jesus ressuscitado. Maria Madalena procurou traçar o perfil de Jesus ressuscitado, humano e revelador de ensinamentos divinos. Tomé revelou o Jesus judeu revolucionário, anti-romano e místico. Tiago, o irmão de Jesus, anunciou o Cristo revolucionário, mas foi abafado.

O cristianismo subseqüente, mesmo sendo perseguido por Roma, foi se adequando ao império. O gnosticismo, outra corrente de pensamento nas origens do cristianismo, considerada herética, resistiu à institucionalização da religião. O cristianismo, que deu o tom aos ensinamentos vindouros sobre Cristo, foi o da apostolicidade, liderado por homens que impediram a liderança das mulheres. Isso não acontecia com grupos gnósticos, onde as mulheres eram mestras, profetisas e sacerdotisas. Houve disputas teologais entre os primeiros cristãos.

“Apontadas como heresia, as idéias de grupos, como os Gnósticos e Docetas, foram expulsas do cristianismo. Esses grupos criaram uma literatura alternativa, a apócrifa. Os gnósticos acreditavam que a salvação estava no conhecimento de Deus e em si mesmo e que não era necessário uma hierarquia eclesial para chegar a Deus. Cada um pode percorrer o seu caminho de Salvação. Isso criou problemas."

Assim, as narrativas que falam de Jesus e do nascimento dos cristianismos são relatos sobre como os cristãos, judeus e não-judeus entendiam Jesus. Os relatos bíblicos são narrativas primeiro repassadas de forma oral. Pelos estudos de frei Jacir e outros estudiosos da religião, é possível identificar como chega até nós uma Bíblia que muito bem poderia ter outro conteúdo. Jacir afirma que o estudo desses evangelhos suscita opiniões divergentes entre os estudiosos.

Existe uma corrente que defende a falsidade destes textos, os quais foram escritos por pessoas não confiáveis – e que por isso exageraram nas narrativas ou escreveram ‘verdades’ não-inspiradas. Outros, no qual ele se inclui, defendem que esses textos devem ser estudos de modo crítico e ecumênico. Respeitar a diversidade de pensamento na origem do cristianismo é um caminho salutar. Isso não significa, explica Jacir, proclamar a inspiração desses textos, mas dialogar com eles e descobrir, por exemplo, que a mulher tinha papel importante no início do cristianismo, que Deus era visto com Pai e Mãe, mas vingou a idéia de Deus-Pai.

Além disso, nascemos em estado de graça, sem pecado ‘original’. “Não há pecado! Somos nós que criamos o pecado, quando agimos conforme os hábitos de nossa natureza adultera”, diz, segundo o evangelho de Maria Madalena. “É bem certo que os exageros nos apócrifos devem ser compreendidos no contexto da piedade popular que queria enaltecer Jesus e seus seguidores”, afirma Frei Jacir.

Ideias adormecidas:
O que os apócrifos elucidam:

A partir do séc. III, Maria Madalena foi interpretada como prostituta, impura e pecadora. O que fez dela modelo para o cristianismo: a pecadora redimida, em contraposição a Maria, mãe de Jesus, virgem santa. Os apócrifos revelam que Maria Madalena era a mulher amada por Jesus e liderança apostólica. No texto apócrifo Pistis Sofia, ela conversa com Jesus e mostra ser sábia em seus apontamentos. No evangelho de Maria Madalena, após ter ouvido dela os ensinamentos de Jesus, Pedro questiona: ‘Será que nós devemos dar ouvidos ao que essa mulher diz? Devemos mudar nossos hábitos? Será que o Mestre a preferiu a nós?’ “Maria Madalena ameaçava a liderança dos homens. Fazer dela uma prostituta significou minimizar o seu papel de liderança no início do cristianismo, assim como tantas outras mulheres que caíram no ostracismo. Estudar os apócrifos é resgatar também o papel da mulher na primeira hora do cristianismo”, afirma Frei Jacir.

Jesus beijava Maria Madalena:
Segundo o apócrifo de Felipe, Jesus beijava Madalena na boca. Jacir afirma que os documentos pesquisados apontam para grande ciúme dos discípulos em relação a esse amor. E ainda explica que o beijo, na visão semita, tem sentido de comunicar o espírito, o saber. Por outro lado, concorda que Jesus poderia ter beijado Maria Madalena em outro sentido. “Onde está o problema?”, questiona Frei Jacir. Este seria, assim, um Jesus mais humano e, por isso, divino, afirma.

Pedro e as mulheres:
O líder maior nos textos canônicos é Pedro. Mas nos apócrifos, é visto como um homem que tem aversão às mulheres. “Não chega a ser uma questão de homossexualismo, mas de raiva, de ser intolerante com as mulheres”, afirma frei Jacir. No evangelho Pistis Sofia, Pedro fala com Cristo, pedindo a expulsão de Madalena. Para ele, Madalena conversava demais, impedindo que outros também falassem. Ela, por sua vez, diz a Cristo que também não mais suporta Pedro e que ele detesta o sexo oposto. O ódio de Pedro às mulheres é um dos pontos mais polêmicos dos novos estudos. No evangelho de Tomé, Jesus chega a dizer ironicamente a Pedro que faria Madalena transformar-se homem para que ela pudesse entrar no reino.

Não existe pecado:
O dogma de que os seres humanos já nascem com pecado original foi formado pela Igreja ao longo da história. O estudo desses textos indica que o homem nasce, de fato, puro. “Depois, com o tempo, conforme nossas práticas, é que chegamos a uma situação pecaminosa”, conta frei Jacir. Em uma conversa entre Madalena e Pedro, no Evangelho de Maria Madalena, que não está na Bíblia, ela diz que o Mestre revelou: “Não há pecado.” Além de não adotar o que diz Madalena, a Bíblia e a própria igreja insistiu muito no pecado moral, se esquecendo dos pecados sociais. “Somos nós que fazemos existir o pecado, quando agimos conforme a nossa natureza adúltera”, diz o evangelho de Maria Madalena. Entre os cristãos havia a discussão sobre o pecado. Mais tarde, a idéia do pecado original ganhou força de dogma de fé: quando uma pessoa nasce já estará concebida em pecado. “Os antigos até ensinavam que quando uma criança morria sem ser batizada, ela vomitaria o leite do pecado que a sua mãe lhe havia oferecido. Que absurdo! Uma criança não pode nascer em pecado. Ela é totalmente graça. Pecado original entendido desse jeito só pode ser original na cabeça de quem o inventou.

Tomé apresenta um Jesus revolucionário:
Nos evangelhos canônicos, Tomé é aquele que não acreditou, por não ter uma fé suficiente. Nos apócrifos, Tomé recebe ensinamentos secretos de Jesus e não os revela aos discípulos. Seu evangelho alternativo apócrifo traz duas novidades: a dimensão mística do cristão, influenciada pelo gnosticismo, e a visão revolucionária do projeto de Jesus. Por exemplo, a parábola do semeador também está em Tomé, mas não a sua interpretação, isto é, a alegoria.

Elohims unificados sob a figura de YHWH

A iconografia e representações não só de Jesus, mas também de Deus mostram claras referências à incorporação de elementos de outras religiões. Elas também fornecem pistas para traçarmos não só um perfil iconográfico, mas até mesmo psicológico podendo tirar conclusões nunca pensadas. Certas características descobertas em imagens e até imagens descorbertas revelam um Jesus muito diferente do Jesus judaico tradicional mostrado há séculos.

Desde que nascemos somos educados a termos uma visão poderosa de Deus, onde Ele é um velho que está no céu, sentado num trono governando o mundo. Curiosamente esta é a mesma imagem representativa de Zeus. Tendo em mente que não existia um conceito antropomórfico de Deus no judaísmo, até porque Deus não tinha forma, como consequência não tinha uma necessidade de representar Deus, até porque isso era proibido. Entretanto com a elaboração oficial do dogma da trindade no Concílio de Nicéia, houve a necessidade de traçar um perfil iconográfico do Deus cristão. Entretanto ninguém nunca o tinha visto na figura do Pai, sendo somente visto na figura de Jesus, o Filho, isso há 300 anos, assim como o Espírito Santo teria se manifestado na forma de uma pomba segundo os evangelhos.

Para unificar a crença, procuraram-se elementos comuns às religiões em relação à figura de Deus. O mais comum deles era o local aonde Deus se encontraria: Nos céus. Outro fator que era comum era o fato de Deus se encontrar sentado num trono, visto que o mesmo governava o Universo. Sendo visto como uma figura que governa, Ele deveria passar temor para as pessoas, por isso criou-se uma imagem de um Deus furioso. E como sendo eterno ele deveria ser representado como um velho. E assim fixou-se a imagem do Deus cristão: Um velho poderoso que mora acima dos céus e governa o Universo do seu trono. Curiosamente esta é a mesma imagem que temos de Zeus. E não é coincidência.

A figura mítica de Zeus foi justamente escolhida pelo fato dele ser o Deus mais comum nas religiões da sociedade romana visto que era sincretizado sob os mais diversos nomes: Júpiter, Osíris, Ahura-Mazda/ Ormuz, dentre outros. A figura irada de Zeus tomou a forma de Deus Pai cristão, que em vez de governar o mundo do Olimpo, governa dos céus. Em vez de raios sobre a terra, ele manda fogo e enxofre em Sodoma e Gomorra. Esta figura imponente de Deus sentado no seu trono também é encontrada na figura de Osíris e mais tarde na figura de Odin. Devido à semelhança iconográfica com o Pai dos deuses, Jesus também seria encaixado a essa imagem de Zeus todo-poderoso sentado no trono, sendo tido como o Rei Onipotente que governa todo o Universo.

Uma característica iconográfica muito peculiar no cristianismo é a presença de um “halo” luminoso na cabeça dos santos e também na de Jesus. Para os cristãos o “halo” simboliza a santidade e a sabedoria dos santos, visto que são “Iluminados” por Deus. Entretanto este mesmo “halo” é visto na representação de muitos deuses e a origem dessa característica iconográfica remete ao Egito Antigo. O círculo que ficava na cabeça dos deuses egípcios é chamado de “disco solar” e também simbolizava a sabedoria. O Sol era o símbolo de Rá, o Deus Sol, fonte da vida. Dele emanavam os outros deuses como Osíris, Hórus e Ísis. Assim, o disco solar representava o poder de Rá em cada natureza do deus, sendo ele Osíris, Hórus ou Ísis. Esta característica iconográfica também foi adotada pela religião mitráica e mais tarde transferida para o cristianismo.

É curioso que esta característica esteja presente desde a fundação da Igreja com o Império Bizantino, pois somente a partir dele temos as representações de Jesus e dos santos com o disco solar. Curiosamente os imperadores como Constantino também eram representados assim visto que o Imperador ainda era tido como um ser divino, herança do Império Romano. Esta identificação do Imperador como sendo divino veio do Egito Antigo, onde o Faraó não somente era tido como divino, mas como o próprio Hórus encarnado. Esta característica de Filho de Deus encarnado na figura do governante permaneceria até o início da Idade Moderna onde os reis absolutistas ainda eram vistos como enviados de Deus, quase rivais da figura de Jesus.

Algo curioso em relação aos santos é que os mártires só passaram a ser cultuados após a criação do Império Bizantino (justamente após cessar a perseguição a eles), como um pedido de desculpas aos mortos pelo Império Romano. Uma maneira de se fazer aceitar a romanização do cristianismo por parte dos cristãos que antes eram perseguidos. Outra característica curiosa é que no Império Romano, cada família possuía seu protetor ancestral, sendo cada ente da família após a sua morte,divinizado quase que como um deus. Eles eram objeto de culto onde seus parentes pediam proteção em rituais e procissões com a imagem do falecido onde a família lhe prestava homenagens. Com a adaptação das diversas religiões do Império para o cristianismo, os ancestrais viraram santos, tendo a sua divindade apenas abaixo da figura de Deus e Jesus. Devido à enorme quantidade de santos cultuados, mais tarde seriam definidas as condições de como uma pessoa se tornaria santa. Entretanto, as características de proteção e intercessão continuariam presentes na fé cristã.

No cristianismo serpente é tida como o símbolo do mal, de Satanás. Segundo a mitologia cristã, o mal tomou a forma da serpente e seduziu Eva para que fizesse Adão comer do fruto proibido. Pela a história a serpente tomou uma conotação negativa. Entretanto tudo isso tem um fundamento que se originou no começo da sociedade hebraica. Os hebreus viveram um tempo da sua história no cativeiro do Egito. Com a unificação das tribos e o Êxodo, formou-se por meio da unificação cultural uma identidade comum. Todos os Elohims foram unificados sob a figura de YHWH. E com o início da religião judaica várias imagens e simbolismos começaram a ser criados. Inclusive a imagem do mal, ou o opositor dos hebreus.

Ao escrever o Gênesis, os discípulos de Moisés (visto que os livros do Pentateuco só foram escritos após a morte de Moisés) encheram os livros de metáforas contextualizando a religião com a realidade em que viviam. Assim, vindos de um cativeiro, os hebreus personificaram o mal como sendo o Faraó, cujo símbolo era a serpente. Assim a serpente tomou uma conotação negativa por parte dos judeus. Entretanto mais a frente o próprio Deus destruiria essa imagem quando manda Moisés construir uma serpente de bronze para que todo aquele que olhasse para a imagem e rogasse a Deus, ficaria curado (Números 21:8-9). Mais tarde nos evangelhos Jesus se utiliza de uma metáfora que leva à outra reflexão sobre os ensinamentos de Jesus. Num evangelho apócrifo ele diz “Os fariseus e os escribas tiraram a chave do conhecimento e a ocultaram. Nem eles entraram nem permitiram entrar os que queriam entrar. Vós, porém, sede inteligentes como as serpentes e simples como as pombas” - Evangelho de Tomé N° 39.

Ora, como vimos a imagem da serpente como sendo símbolo da sabedoria vêm do oriente, tanto da Índia como do Egito Antigo. Isto nos mostra que Jesus não seguia um judaísmo puro como veremos isso mais a frente. Por falar nisso, temos outra característica iconográfica da figura de Jesus importada das outras religiões.

Uma característica quase despercebida nas imagens de Jesus é a posição em que as mãos do Messias cristão se encontram. Se notarem em todas as representações bizantinas, Jesus faz um gesto com as mãos como se estivesse abençoando. Esta imagem se chama Khristós Pantokrator que sigfinica “Cristo Todo-Poderoso” em grego. Nesta imagem Entretanto este gesto é mais que uma bênção, é uma invocação. Este símbolo pictórico se chama mudra sendo ele uma série de gestos originais do Hinduísmo e do Budismo. Os mudras possuem um significado profundamente espiritual. Para os hindus e budistas eles simbolizam um estado de busca ou realização de uma determinada consciência. Geralmente são usados para invocar o poder de Deus dentro da pessoa. Frequentemente Sidharta, o Buda, é representado fazendo um mudra em sua clássica posição de Lótus.
Esta representação está presente no cristianismo não por aculturação religiosa, mas por ser uma das características de Jesus. Um dos pontos mais polêmicos sobre a vida de Jesus, é o fato do mesmo possuir características doutrinárias e espirituais do oriente, mais precisamente da Índia. A razão de Jesus ser representado dessa maneira não é um simples empréstimo artístico, mas a realidade de um dos muitos aspectos ocultados da figura clássica do Cristo, devido à vontade da Igreja de definir uma imagem exclusiva de Jesus. Jesus se utilizava de mudras para invocar o poder de Deus assim como os indianos também se utilizavam desses gestos para os mesmos fins. Como vimos os elementos iconográficos cristãos não são originais sendo claramente absorvidos num processo de aculturação com a finalidade de criar uma nova doutrina unificando aspectos de diversas religiões sob um novo nome: Cristianismo.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Qual Cristo?


Procura-se Jesus Cristo! Não são apenas religiosos nessa busca. São filólogos, lingüistas, arqueólogos, paleógrafos e historiadores juntando peças milimétricas de um enorme quebra-cabeça.

Conta o evangelho de João que, quando Jesus ressuscitou e apareceu aos apóstolos, um deles, São Tomé, duvidou. Quis verificar de perto as chagas do mestre para, só então, dar crédito ao milagre. Atualmente, em matéria de fé, a cautela de São Tomé vem ganhando mais e mais adeptos. Não que os crentes duvidem, mas já não basta mais acreditar nos ensinamentos de Cristo: é preciso pisar o chão que ele pisou, respirar o ar que ele respirou. Em 2000, 12 808 brasileiros visitaram Jerusalém. Em 2004, o número dobrou: 26 357. Agora, 2010 deve bater um novo recorde. O turismo brasileiro para Israel é o que mais cresce naquele país, em termos proporcionais, segundo o Ministério do Turismo, em Tel Aviv. É viajar para crer.

Para quem não viaja, é ter para crer. Em três meses, a marca de televendas Homeshopping vendeu 15 000 “Cruzes da Natividade”, um crucifixo com uma minúscula redoma de vidro que, segundo os vendedores, contém um fragmento da gruta de Belém (onde, supõe-se, Jesus teria nascido). O comprador recebe um certificado do Museu de Israel garantindo a autenticidade da pedrinha. Na busca pelo Jesus histórico vale o aval da ciência. Bem ao estilo da prova empírica exigida por São Tomé.

O problema é que, em matéria de ciência, sabe-se muito pouco sobre o personagem, infelizmente. A névoa mística que encobre a biografia de Jesus é tão espessa que muitos desaconselham qualquer pesquisa. Além disso, as comprovações históricas não são imprescindíveis pois, com ou sem elas, os valores humanitários deixados pelo cristianismo são indiscutíveis e constituem a própria base da nossa civilização. Jesus Cristo não inaugura a nossa era por acaso.

Mesmo assim, um número impressionante (e crescente) de pesquisadores se dedica ao assunto. As pistas são precárias e controversas, mas apresentam novas respostas (às vezes, novas perguntas) sobre Jesus Cristo. Você vai ver tudo nesta reportagem. Para começar, uma certeza: na Judéia, em torno do ano zero, aconteceu algo crucial. Como rastrear a verdade sob o mito
Cristo nasceu antes de Cristo, no ano 7 a.C. Nosso calendário romano-cristão está errado, já devíamos estar no ano 2001. Tampouco há evidência de que o Natal seja em 25 de dezembro, porque não se sabe em que mês Jesus nasceu. A data de dezembro foi fixada pela Igreja no ano 525 para coincidir com festas pagãs do Oriente e de Roma. E, de acordo com as pesquisas, Jesus não nasceu em Belém, na Judéia, mas em Nazaré, na Galiléia, norte de Israel (veja os detalhes na página 54). Para a maioria dos pesquisadores os reis magos, o presépio e a estrela de Belém são invenções dos evangelistas para identificar o nascimento de Jesus com a vinda do Messias, que já era anunciado no Velho Testamento. A expressão é profana mas vale: há muito marketing político nos evangelhos.

Os estudiosos (muitos deles, homens de fé cristã) sabem que os evangelhos oficiais da Igreja, de Marcos, Mateus, Lucas e João, dão mais testemunhos de fé do que da verdade histórica. Mais ainda: apresentam discrepâncias e contradições inconciliáveis. Para resolvê-las e ajustar o foco da ciência sobre o chamado Jesus histórico, as próprias instituições religiosas financiam estudos e mais estudos. Parece um paradoxo, mas o fato é que na era do fundamentalismo religioso, a fé precisa se basear em evidências científicas. Há 4 800 scholars pesquisando as Escrituras, só nos Estados Unidos. Há 80 000 livros sobre Jesus e 1 000 cursos universitários sobre ciência e religião, no mundo.

Em busca de novas fontes

Nos últimos 50 anos, descobertas arqueológicas reviraram o rumo das pesquisas várias vezes. Mas valeu a pena. Como resultado, a lingüística e a filologia se aprimoraram, admiravelmente. Hoje, os cientistas podem comparar textos antigos, analisar estilo, forma, mensagem e estabelecer pressupostos sobre a cultura da época, seu ambiente e sua idade. O mistério, entretanto, continua. O problema, incontornável, é que faltam fontes. Do nascimento de Jesus até seu batismo, na fase adulta, não há nada, nem nos Evangelhos. Não há nenhuma descoberta arqueológica associada diretamente à vida de Jesus. As historiografias grega e judaica, tão copiosas sobre outros vultos da Antigüidade, simplesmente ignoram Jesus Cristo. As fontes romanas são posteriores à sua morte. E muitas foram adulteradas pela propaganda religiosa (veja na página 50). É notável o contraste entre a importância de Jesus para a posteridade e sua insignificância nos registros da época.

A cultura do cristianismo

As maiores esperanças estão nas escavações arqueológicas. Em 1945, nas cavernas de Nag Hammadi, no Egito, encontrou-se uma biblioteca cristã do século IV, em língua copta, com vários Evangelhos Apócrifos, aqueles não incluídos no Novo Testamento. Dois anos mais tarde, nas cavernas de Qumran, em Israel, foram achados os Manuscritos do Mar Morto, a biblioteca de um convento da seita judaica dos essênios, com textos de 152 a.C. a 68 d.C., cuja decifração até hoje não foi concluída.

Os Manuscritos do Mar Morto também ignoram Jesus, mas revelam a cultura sobre a qual o cristianismo se erigiu. Agora, em janeiro de 1996, mais quatro cavernas funerárias, dos séculos II e I a.C, foram descobertas, em Qumran, sem documentos. Mas quem sabe não surgirão outras?
Uma das maiores autoridades na história do cristianismo, o padre filólogo Emile Puech, da Escola Bíblica Arqueológica Francesa de Jerusalém, encarregada de decifrar os Manuscritos, admitiu à SUPER seu pessimismo: “Nosso conhecimento sobre Jesus provavelmente não vai mudar. Mas poderão surgir novas indicações filológicas, lingüísticas e históricas importantes sobre a Palestina e a jovem comunidade cristã do século I. Isso, sim, ajudará a conhecer melhor o Cristo real”.

Como proteger o mito da verdade

A tese é polêmica, mas a maioria dos pesquisadores está convencida de que os quatro evangelhos oficiais da Igreja do Novo Testamento – Marcos, Mateus, Lucas e João – não foram escritos por seus autores. São, muito provavelmente, compilações de mensagens anônimas ou atribuídas aos apóstolos, orais ou escritas, dos séculos I e II. Os nomes dos quatro evangelhistas apenas identificam conjuntos de ensinamentos (creditados a cada um deles) escritos e reescritos pelas comunidades, sucessivamente.

O evangelho de Marcos é o mais antigo dos quatro, escrito por volta do ano 70 d.C. O de Mateus é do ano 70 ou 80, o de Lucas do ano 80 ou 90 e o de João foi escrito depois dos 90. Os quatro contêm “material suficiente para levar fé ao coração das pessoas abertas, mas não para escrever uma biografia de Jesus”, segundo o teólogo Luke Johnson, autor de The Real Jesus.

A grande quantidade de textos era um problema para a Igreja que estava nascendo. Havia muitas comunidades, ritos e evangelhos diluindo a doutrina e favorecendo o aparecimento de dissidências e heresias. Por isso, aos poucos, tornou-se necessário escolher alguns e canonizá-los, tornando-os santos. Muitos ficaram de fora. Há mais de sessenta Evangelhos Apócrifos, como o de Tomé, de Pedro, Felipe, Tiago, dos Hebreus, dos Nazarenos, dos Doze, dos Setenta etc, que não entraram no Novo Testamento. Têm enorme valor para a ciência.

O primeiro concílio

A canonização dos textos se confunde com a consolidação da Igreja. No ano 311, o imperador romano Constantino se converteu ao cristianismo e a Igreja, antes perseguida, ganhou o apoio do Estado. O próprio Constantino organizou o primeiro concílio ecumênico, na cidade bizantina de Nicéia (hoje, território turco), no ano 325, pagando as despesas de viagem de 318 bispos. Em meio a discussões acaloradas, várias vezes apartadas pelo imperador e seus soldados, foram estabelecidos o primado da Igreja Romana sobre a cristandade, o dia da Páscoa e importantes dogmas doutrinários. A partir daquele concílio, as Escrituras cristãs começaram a ser oficializadas.

Foi o bispo de Alexandria, Atanásio, ainda no século IV, quem escolheu os 27 textos do Novo Testamento: os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João, os Atos dos Apóstolos, o Livro das Revelações e mais 21 Cartas.

Tudo isso foi escrito em grego, que era língua culta do Oriente Próximo desde a expansão helenizante de Alexandre Magno (356-323 a.C.). A propósito, Cristo é uma palavra grega (quer dizer “o ungido”) e a primeira capital mundial da cristandade não foi Roma, mas a grega Constantinopla. Até o século IV, a missa, em Roma, era celebrada em grego. Os textos do Novo Testamento popularizam-se com a tradução para o latim feita por São Jerônimo, na Palestina, no século V.

Durante séculos, os monges copistas reproduziram esses textos a mão, às vezes reelaborando-os segundo as conveniências da doutrina. Alteraram não só o Novo, como também o Velho Testamento. Partes do Gênesis teriam sido criadas por teólogos, entre eles Santo Agostinho (354-430). “O conceito de Pecado Original, derivado da desobediência de Adão e Eva como princípio da história pecaminosa da raça humana, não existe no Velho Testamento judaico”, observa o teólogo Paulo Augusto de Souza Nogueira, professor do Instituto Metodista de Ensino Superior. O assunto é controverso, é claro. O historiador e ex-padre, Augustin Wernt, do Departamento de História da USP, está entre os que não aceitam “a consistência científica dessa hipótese”.

A história falsificada

Outros textos clássicos também foram adulterados. No importante Antiguidades Judaicas, que fornece informações importantes sobre Jesus e o cristinianismo, o historiador Flávio Josefo (37-100), lá pelas tantas, afirma que Jesus “fazia milagres” e que “apareceu, três dias depois da sua morte, de novo vivo”, afirmação pouco crível para um ex-judeu feito cidadão romano. “Claro que esso trecho foi distorcido”, explica Maria Luiza Corassim, professora de História Antiga na Universidade de São Paulo. “Josefo não podia acreditar que Jesus fosse o Messias. Isso é coisa dos monges copistas. Do século II ao século XV as únicas cópias existentes dos livros estavam nos conventos. Eles agregavam o que queriam”.

Agora, boa parte do trabalho dos pesquisadores é separar o que é verdade de fato, sobre Jesus e sua época, e o que era propaganda.

A Judéia antes e depois de Cristo

Israel conquistou a independência no ano 129 a.C. vencendo os monarcas selêucidas, que reinavam na Palestina. Os judeus macabeus, que lideraram a revolta, fundaram a dinastia Asmoneu. Mas a rivalidade entre as seitas judaicas acabou provocando uma guerra civil (103-76 a.C.) que opôs saduceus – a classa alta, influenciada pelo helenismo, aliada aos asmoneus e aos sacerdotes do Templo de Jerusalém – aos fariseus anti-helenizantes, adeptos de uma interpretação das Escrituras que reconhecia a nova classe de escribas religiosos – os rabinos.
Mais tarde, no ano 63 a.C., Roma invadiu a Palestina conflagrada pelo sectarismo religioso. O general Pompeu ocupou o Templo e transformou a Judéia em província romana. Em 48 a.C., os romanos nomearam Antipater governador da Judéia e, em 31 a.C., depois de debelarem uma tentativa da dinastia Asmoneu de voltar ao poder, coroaram governador Herodes Antipas (filho de Antipater).

Herodes era um monarca detestado. Casou-se com uma princesa asmonéia mas a permanente paranóia de uma restauração real judaica induziu-o a assassiná-la. Além dela, Herodes matou também quatro filhos, a sogra e o cunhado. Também insultou a religiosidade dos judeus construindo templos pagãos e um hipódromo para lutas de gladidores em plena Jerusalém. Mas deixou obras importantes, como o porto de Cesaréia, a fortaleza de Massada e a restauração do Templo, cujo muro ocidental, o Muro das Lamentações, continua de pé até hoje.

Jesus nasceu sob o governo de Herodes (Veja na página 54), ano em que houve 2 000 crucificações na Judéia. Na época, os judeus estavam divididos em quatro seitas. Os saduceus, fortemente influenciados pela cultura helenista, cujos sacerdotes dominavam o Templo, eram a elite. Os fariseus eram populistas: propunham o judaísmo orientado pelos rabinos do povo. Os austeros essênios, renunciantes e eremitas, preferiam o isolamento. Por fim, os radicais zelotes, pregavam a violência e a revolta contra Roma. Com Cristo, surgiria mais uma seita, a dos nazarenos.

O fim do mundo

Havia um grande anseio apocalíptico, na Judéia, no século I. Esperava-se ardentemente a vinda do Messias, aquele destinado a libertar Israel dos romanos. Com o Messias, viria o fim do mundo, o reinado de Deus na Terra e uma nova era para o povo escolhido. Profetas maltrapilhos anunciando o fim dos tempos e pregando a salvação era o que não faltava. As seitas se confrontavam no Templo e, fora dele, os zelotes organizavam atentados contra os romanos, brigavam entre si e com as outras seitas, e planejavam a revolta liderada pelo Rei Messias.

O plano dos zelotes demoraria a se consumar. No ano 6, os romanos assumiram o governo direto da província através de prefeitos como Pôncio Pilatos (26 a 36) – que mandou crucificar Cristo no ano 30. Em 37, houve uma nova provocação: o imperador Calígula mandou levantar sua estátua no Templo (que não chegou a ser concluída). Só em 64, os zelotes deflagaram a rebelião. O general Vespasiano veio da Bretanha e acabou com o levante. Na véspera do ataque a Jerusalém, voltou para Roma para assumir o trono e passou a tarefa ao filho, Tito. Em 28 de agosto de 70, a cidade foi arrasada, o Templo, destruído e milhares de judeus, escravizados.

Mesmo assim, a agitação religiosa não parou. Em 73, 960 judeus suicidaram-se na fortaleza de Massada para não caírem prisioneiros dos romanos. Em 114, as comunidades judias de Chipre, Alexandria e Cirene revoltaram-se e foram destruídas. Em 132, um novo auto-proclamado messias, Shimon Bar Kosib, que mudou o nome para Bar Kochva, Filho da Estrela, liderou outra revolta, de três anos. Os romanos mandaram o general Júlio Severo, arrasaram 1 000 povoados e mataram centenas de milhares. Em 135, o imperador Adriano mandou passar o rastelo em Jerusalém.

O desastre da segunda revolta acabou com a influência dos zelotes e consagrou a autoridade dos rabinos fariseus. Em 138, com o abrandamento da dominação pelo imperador Antonio Pio, o judaísmo rabínico expandiu-se. Mas, a essa altura, a popularidade do cristianismo era muito maior.

A paixão sem paixão

Cristo só nasceu no dia 25 de dezembro por obra do papa João I, que decretou a data do Natal no ano de 525. Mudava ali o calendário cristão. O monge Dionisio Exiguus, incumbido de determinar o ano zero, errou nos cálculos. Segundo Lucas e Mateus, Jesus nasceu “perto do fim do reino de Herodes”. Problema: Herodes morreu em 4 a.C. Hoje, a tese mais aceita é a de que Jesus tenha nascido no ano 7 a.C., um pouco antes da morte de Herodes. Isso mesmo: Cristo nasceu antes de Cristo.

O outro senão é o local. Em Mateus e em Lucas, é a gruta de Belém. Para Mateus, a família de José foge, depois, para o Egito, escapando ao massacre das crianças promovido por Herodes, e vai para Nazaré. Para Lucas, a anunciação do nascimento, pelo anjo à Virgem, é feita em Nazaré e, de lá, a família vai para Belém, obrigada pelo “censo ordenado pelo imperador César Augusto quando Quirino era governador da Síria”.

Entretanto, os registros romanos mostram que Quirino governou a Síria no ano 6 d.C. Os censos tampouco exigiam deslocamento para o local de origem familiar (José era de Belém), já que seu propósito era cobrar impostos. “É um pouco triste ter de dizer isso, porque o nascimento na gruta é uma história cativante, mas a viagem de ida e volta a Nazaré para o censo é pura ficção, criação da imaginação de Lucas”, escreveu o padre John Dominic Crossan, professor de Estudos Bílblicos na Universidade de DePaul, de Chicago, em seu livro O Jesus Histórico. Belém aparece como a terra natal porque era a cidade do rei Davi. “Conforme as profecias das Escrituras Hebraicas, o messias deveria nascer em Belém”. Hoje é consenso: Jesus nasceu em Nazaré.

Um camponês rústico

Comprovadamente, ele falava aramaico, língua corrente na Palestina, e um pouco de hebreu, aprendido na sinagoga e na Torá, a bíblia judaica. Era um camponês rústico das montanhas, que usava metáforas ligadas à agricultura, como o a “beleza dos lírios do campo” e a separação “do joio do trigo”, e evitava pregar em cidades grandes. Em sua aldeia de 1 600 habitantes o analfabetismo era regra, não exceção.

Jesus era mesmo solteiro, o que é extraordinário, num cultura judaico-camponesa que valoriza o casamento e a família. “O celibato como estilo de vida para o judeu religoso comum, e em especial para um mestre ou rabino, seria algo impensável no tempo de Jesus”, esclarece o padre John Meier, professor de Novo Testamento na Universidade Católica da América, em Washington, em Um Judeu Marginal. “Ele deve tê-lo interpretado como o resultado de sua exaustiva missão profética para reunir o dividido e pecador povo de Deus.”

O curador dos aflitos

Durante dois anos, o celibatário pregou na Galiléia, na Judéia e em Jerusalém. Proclamava-se o messias. Aos olhos das seitas judaicas, blasfemava. Ao todo, no Novo Testamento, fez 31 milagres, dos quais 17 curas e 6 exorcismos. Na tradicão judaica, os homens ficavam doentes porque pecavam e a cura era um monopólio divino. O que é praticamente consenso entre os pesquisadores é que Cristo atuava em curas por conta própria, indiferente aos poderes religiosos constituídos no Templo de Jerusalém. Sempre desafiando.

Os desafios se agravaram na festa da Páscoa do ano 30 quando, invocando deliberadamente a profecia do Livro de Zacarias sobre a chegada do Rei Messias – “Aí vem o teu Rei, justo e salvador, montado num burrinho.” –, Jesus entrou em Jerusalém montado num jumento. “Estava realizando a profecia de Zacarias, sugerindo que o reinado messiânico estava prestes a ser revelado ao povo”, explica outro especialista, o escritor A. N. Wilson, autor de Jesus, uma Biografia. Saudado pelo povo que abanava ramos, invadiu o Templo e expulsou fariseus e saduceus.

A ofensa final

Caifás, o Sumo Sacerdote, ordenou a prisão. Na quinta-feita à noite, já sentindo o cerco, os apóstolos celebraram a Última Ceia. A captura aconteceu no jardim de Getsêmane. Levado para o Sinédrio, o Conselho dos Sacerdotes do Templo, o prisioneiro reafirmou sua missão divina.
Na manhã de sexta-feira, no pretório, a residência do procurador Pôncio Pilatos, na presença de Caifás, foi condenado. A Sexta-Feira da Paixão surgiu no dia 7 de abril de 30. Jesus foi crucificado no monte Gólgota. Tinha 36 anos. As origens lingüísticas da fé

Falta pouco para terminar a tradução dos Manuscritos do Mar Morto. A maior parte dos 800 documentos encontrados entre 1947 e 1956, em 11 cavernas perto das ruínas do convento essênio de Qumran, já foram publicados. Faltam alguns papiros da gruta 11 e a maioria da gruta 4, que constituem 15 000 fragmentos, alguns menores que uma unha. Tudo deve ser recomposto e montado. Por isso a tradução demora. O trabalho é de ourives.

Os manuscritos são as mais antigas cópias do Velho Testamento que existem. Temendo um ataque romano, os essênios esconderam os textos nas cavernas, envoltos em panos de linho e enterrados dentro de vasos. O mais antigo data de 152 a.C, o mais recente, do ano 68. São uma preciosidade.

Décadas de tradução lenta e sigilosa provocaram uma crise acadêmica. Temeu-se que o trabalho estivesse sendo protelada por motivos religiosos. Em 1991, a bibioteca americana Huntington, que fora autorizada pelo Estado de Israel a fotografar os manuscritos para prevenir a eventual destruição dos originais, decidiu, unilateralmente, abrir acesso às fotos para os pesquisadores credenciados . Toda interdição, mesmo sobre os fragmentos não traduzidos, foi então levantada.

A cultura religiosa da Judéia

Debelada a paranóia, formou-se uma equipe para concluir a tarefa: os cientistas Emmanuel Tov, da Universidade de Tel Aviv, Eugène Ulrich, da Universidade de Notre Dame (Estados Unidos), e pelo padre-filólogo Emile Puech, da Escola Bíblica Arqueológica Francesa, a instituição encarregada de coordenar a pesquisa. Hoje, eles sabem que os essênios pregavam idéias e práticas que os cristãos incorporaram, como o batismo na água, a idealização do Messias e a oposição à aristocracia sacerdotal do Templo. Mas é tudo. Não há nada sobre Jesus. Jesus nunca foi essênio. “Jesus é um pouco a imagem do mundo onde nasceu” – diz Puech. “Mas um pouco, apenas. Porque o mundo essênio é um mundo fechado e o de Jesus é aberto. Em Qumran, as leis são exclusivas, não se pode falar com um estrangeiro ou com judeu impuro. Mas Jesus dirige-se a todo mundo”. Para o cientista, a descoberta foi fundamental: “Com os Manuscritos reaprendemos a ler o Antigo e o Novo Testamento. Jesus, ele mesmo, e suas opiniões sobre temas como pureza, monogamia e divórcio, ficou mais compreensível. Os textos evangélicos encontram um fundo histórico, um país, um território”. Há 80 000 livros sobre Jesus e 1 000 cursos sobre religião e ciência no mundo. “O fundamentalismo religioso precisa da ciência. Seu apelo moral não será persuasivo se parecer incoerente. Para convencer, nos dias de hoje, a religião precisa ao menos ser compatível com a ciência”. Robert Russel, diretor do Centro de Teologia e Ciências Naturais, de Berkeley, California. Até hoje, não se descobriu nenhum vestígio arqueológico diretamente associado a Jesus. “Há várias reconstruções de Jesus: o Jesus revolucionário, o Jesus poeta, o Jesus filósofo etc. A mesma informação pode ser combinada e recombinada. O problema é que a figura que emerge de Jesus tende a ser o reflexo ideal do investigador”. Luke Johnson, The Real Jesus (Harper, NY, 1996) No ano em que Jesus nasceu, 2 000 foram crucificados na Palestina.

Os quatro evangelhos místicos

O teólogo Paulo Augusto de Souza Nogueira, professor de Literatura Bíblica do Instituto Metodista de Ensino Superior, de São Bernardo do Campo, explica as características dos evangelhos.

São Mateus

Escrito na Síria, em Antióquia, nos anos 70 e 80, em grego. Seu público é o das comunidades cristãs e judaicas. Testemunha o afastamento dos cristãos das sinagogas. A discussão da interpretação da nova lei de Jesus indica que cristãos e judeus estão se diferenciando.

São Marcos

Escrito na Galiléia, por volta do ano 70, em grego, revela tradições orais fixadas recentemente, em relação ao tempo em que foi escrito. Reinterpreta a saga de Jesus e sua pregação para comunidades cristãs em crise com a guerra judaica contra Roma. Esfria a expectativa do fim do mundo e reacende a esperança no reino de Deus.

São Lucas

Escrito em Éfeso, nos anos 80 e 90, em grego, o melhor grego dos quatro evangelhos. É a primeira parte de uma obra mais ampla que inclui os Atos dos Apóstolos. Mostra o cristianismo como um movimento da Galiléia para Jerusalém, Antióquia, Asia Menor, Grécia e Roma. Triunfa sobre a dispersão provocada pelo fim do mundo que não veio e afirma o futuro das comunidades cristãs.

São João

Escrito na Síria, depois da década de 90, em grego. Apresenta um Jesus esotérico, místico e enigmático, que realça sua presença na comunidade na forma de Espírito Santo. Os discursos são longos e as narrativas amplas. Os monólogos mostram uma religiosidade mística, gnóstica e esotérica, quase oriental. Os testemunhos não-cristãos

Historiadores gregos e judaicos, como Filão, o Judeu (20 a.C. - 50 d. C), ignoram Jesus e discorrem longamente sobre Pôncio Pilatos. Mas o personagem foi notado por escritores romanos.Flávio Josefo (37-100) (texto provavelmente adulterado) “Nessa época viveu Jesus, um homem sábio. Se é que se pode dizer que era humano. Ele fazia milagres. Era o Cristo. Quando nossos cidadãos o denunciaram e Pilatos condenou-o à crucificação, ele apareceu, três dias depois da sua morte, de novo vivo. Os profetas anunciaram suas maravilhas e milhares o adoraram” (Antiguidades Judaicas, cap. XVIII, p. 63)

Tácito (55-120) (escrevendo sobre o incêndio de Roma)

“Nero acusa aqueles detestáveis por suas abominações que a multidão chama de cristãos. Esse nome vem de Cristo, que sob o principado de Tibério, foi mandado para o suplício pelo procurador Pôncio Pilatos. Reprimida momentaneamente, essa superstição horrível rebrotou novamente, não apenas na Judéia mas agora dentro de Roma” (Anais, capítulo XV, p. 54)

Suetônio (70-128) (falando da vida do imperador Cláudio)

“O Imperador expulsou de Roma os judeus que viraram causa permanente de desordem pela pregação de Cristo” (Vida de Cláudio, cap 25, p. 4)

Plínio, o Jovem (61-114) (escrevendo para o imperador Trajano)

“Os cristãos têm o hábito de se reunir em um dia fixo para rezar ao Cristo, que consideram Deus, para cantar e jurar não cometer qualquer crime, abstendo-se de roubo, assassinato, adultério e infidelidade”. (Carta a Trajano, cap. X, p. 96)A terra dos rebeldes religiosos

No século I, a Palestina tinha 1 milhão de habitantes. Em 63 a.C., os romanos converteram a Judéia em província romana. Para os judeus, a religião era uma ideologia nacional. No ano em que Jesus nasceu, 2 000 condenados foram crucificados

1 - A Galiléia Nessas montanhas, em Nazaré, região da Galiléia, norte de Israel, Jesus nasceu e viveu até depois dos 30 anos. Os camponeses da Galiléia eram conservadores e nacionalistas.
2 - Os Ascetas Na beira do Mar Morto, a seita judaica dos essênios construiu o convento de Qumran, cujo cemitério tinha 1 200 túmulos. Em 1947, arqueólogos encontraram aí, escondidos em cavernas, os Manuscritos do Mar Morto.
3 - A Capital O Templo de Jerusalém era o centro político e religioso da Judéia. Reconstruído em 520 a.C. sobre as ruínas do Templo destruído pelos babilônios, abrigava o Sinédrio, o Conselho dos Sacerdotes do Templo.
4 - Os Suicidas As ruínas da fortaleza de Massada onde, no ano 73, 960 judeus preferiram o suicídio a caírem prisioneiros romanos.

Apoteose mística

O Pintor holandês Hans Memling (1430-1494) fixou no quadro “A Paixão de Jesus” todos os últimos episódios do mistério de Cristo. Veja o que ele imaginou:
1 - Jesus entra em triunfo em Jerusalém, no Domingo de Ramos.
2 - Expulsão dos fariseus do Templo.
3 - A última ceia.
4 - A meditação no Jardim de Getsâmane.
5 - O beijo de Judas
6 - A sentença de Pilatos.
7 - A flagelação.
8 - A coroa de espinhos.
9 - O início da Via Crucis
10 - Queda de Jesus.
11 - A crucificação, no monte Gólgota.
12 - Os apóstolos retiram o corpo da cruz.
13 - O enterro no Santo Sepulcro. 14 - A ressurreição.

O arquiteto da expansão do cristianismo

A expansão do cristianismo deve muito ao judeu grego Saulo de Tarso (5 a.C. - 64 d. C.), um cidadão romano culto e cosmopolita que depois de perseguir muitos cristãos teve uma revelação e virou missionário incansável: São Paulo. Esse é um personagem concreto, que deixou textos próprios, conhecidos pelos historiadores. Além disso, teve um papel decisivo.

À revelia de Tiago, o irmão de Jesus, chefe dos judeus cristãos de Jerusalém – para quem o cristianismo era uma reforma religiosa do “povo eleito” –, Paulo batizava judeus e gentios dispostos a adotar a nova religião, indistintamente. Durante 16 anos, percorreu 20 000 quilômetros a pé, em quatro grandes viagens, pregando e fundando igrejas na Síria, na Ásia, na Grécia e em Roma. Escreveu quatorze Epístolas, as cartas que enviava às suas igrejas, treze das quais foram anexadas aos Evangelhos.

Foi o primeiro autor cristão e o arquiteto da expansão mundial do cristianismo.
No ano 56, Paulo viajou a Jerusalém para enfrentar Tiago. Polemizou com os judeus cristãos e foi acusado de introduzir gentios no Templo. Preso pelos romanos, ficou dois anos na fortaleza de Cesaréia. Em 60, foi levado para Roma, onde pregava o apóstolo Pedro, a quem Jesus confiara a edificação da Igreja. Apesar de viver sob prisão domiciliar, sua casa em Roma transformou-se em centro missionário.

Em 64, um violento incêndio iniciado nos bairros pobres, dos cristãos, queimou Roma. Houve boatos de que teria sido encomendado por Nero, para reconstruir a cidade por completo. A exótica seita dos cristãos foi acusada e transformada em bode expiatório. Em meio a perseguições, torturas e suplícios, Pedro e Paulo foram presos. O primeiro foi crucificado. Paulo, como cidadão romano, teve o “privilégio” de ser decapitado.

Àquela altura, já havia mais cristãos fora da Palestina do que dentro. O culto do messias pacífico, cujo reino não era desse mundo e que oferecia salvação à humanidade toda, inclusive aos romanos, expandiu-se. Frente à ortodoxia judaica, o cristianismo “despolitizou-se”, diluindo sua identidade para ampliar o diálogo com as culturas. Em compensação, conquistou o mundo.

O Jesus católico, judeu e protestante

Judaísmo, catolicismo e rotestantismo provêm de um mesmo tronco e têm o Velho Testamento em comum. Apesar disso, suas divergências estimularam guerras e perseguições. Líderes dessas três comunidades religiosas do Brasil reavaliaram, para a SUPER, a figura de Jesus Cristo à luz da ciência e da religião.
1 - Quem foi Jesus Cristo?
2 - Por que houve cisma entre judeus e cristãos?
3 - Por que o cristianismo virou uma religião de massas?
4 - Por que Jesus foi crucificado?
5 - Como explicar as contradições entre os quatro evangelhos? Sinal de contradição

D. Paulo Evaristo Arns, 74 anos, é cardeal arcebispo de São Paulo
1 - Jesus foi um judeu de sua época, instruído na Torá e observante de tudo o que era fundamental para o povo de Israel. Como outros, ele também possuía uma consciência crítica do seu tempo e não deixou de mostrar o que lhe parecia contraditório na vivência religiosa e social da época. Ele foi um sinal de contradição. Já na primeira pregação pública, na Sinagoga de Nazaré, forma-se o grupo de opositores que tentam matá-lo, mas forma-se, também, o grupo de discípulos que levarão adiante sua obra.

2 - O ponto crucial foi a aceitação crescente, por parte dos cristãos, da divindade do messias Jesus de Nazaré. As outras divergências nunca foram um problema muito sério. Os judeus sempre conviveram com a adversidade e a diversidade. Mas a alta cristologia que foi se desenvolvendo entre os chamados nazarenos e que terminou por identificar Jesus de Nazaré como o próprio Deus-Pai-Iavé era inaceitável.

3 - Abrindo para o mundo o tesouro da revelação contida na tradição judaica o cristianismo só podia conquistar corações. Como não se voltar para “um Deus de compaixão e piedade, lento para cólera e cheio de amor e fidelidade, que guarda seu amor a milhares e tolera a falta, a transgressão e o pecado?” (Exodo, 34, 6-7). A lei foi dada por meio de Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus.

4 - João explicita a causa da condenação no diálogo de Pilatos com os judeus, quando esses afirmam: “Nós temos uma lei e que, conforme essa lei, ele deve morrer porque se fez filho de Deus” (João, 19,7). De fato, no momento na condenação, a concepção de Jesus Deus ainda não é clara para os seus discípulos. Para os judeus é apenas uma blasfêmia.
5 - Não há contradições no sentido de ensinamentos que se opõem e se negam mutuamente, como se um texto dissesse que Deus existe e outro dissesse que não. Há leituras diversificadas da realidade, pela própria natureza do escrito (gênero literário). Há pormenores redacionais que não coincidem mas que se explicam conhecendo-se a história das fontes utilizadas, a história da redação e o objetivo do autor diante de seus destinatários.

À espera do messias

O rabino Henry Sobel, 51 anos, é presidente do Rabinato da Congregação Israelita Paulista.
1 - Jesus foi um judeu, um grande mestre que pregou idéias universais da fé judaica. Nós não o aceitamos como messias porque o Reino de Deus que aguardamos com tanta ansiedade ainda não se manifestou. Não rejeitamos os conceitos de Jesus sobre Deus. A questão crítica é a doutrina cristã de que Deus tornou-se homem e permitiu que seu filho único sacrificasse a vida para expiar os pecados da humanidade.

2 - O judaísmo não reconhece um “filho de Deus”que se destaca e se eleva acima dos outros seres humanos. Todos somos “filhos de Deus”. Na teoria judaica, Deus não pode materializar-se em nenhuma forma. A crença num messias divino que é encarnação de Deus contraria a convicção judaica da absoluta soberania e unicidade de Deus.

3 - O judaísmo é uma religião que se caracteriza por um grande número de leis rituais e se baseia num sistema de prescrições e proibições. O cristianismo se apresentava como uma religião “antilegalista”. Com isso, não só afirmou sua independência em relação ao judaísmo como também conquistou adeptos em todo o império romano, tornando-se uma religião de massas.

4 - É importante ressaltar o caráter opressivo do governo romano na Judéia. Pôncio Pilatos foi especialmente cruel no exercício de suas funções. Antes de Jesus, centenas de outros judeus já haviam sido crucificados. Jesus foi crucificado pelos soldados romanos como criminoso político, “Rei dos Judeus”. A acusação de deicídio, que pesou sobre o povo judeu e foi uma das principais causa do anti-semitismo é totalmente infundada. Acusar os judeus da morte de Jesus foi a forma mais convincente de fazer a verdadeira acusação, a de que nem todos os judeus se tornaram cristãos. Há trinta anos, o Concílio Vaticano II repudiou a acusação de deicídio contra os judeus.

5 - Existem quatro evangelhos, não um. É preciso lembrar que não foram escritos como relatos históricos, no sentido moderno, isto é, como uma transcrição factual de eventos, e sim como narrativas de caráter religioso. Os eventos foram vistos sob quatro óticas teológicas diferentes.

Flores da diversidade

Milton Schwantes, 49 anos, é pastor luterano de Guarulhos e coordenador do Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião.

1 - Jesus foi um sábio em meio à vida da gente. Na Galiléia, era pouco percebido entre os grandes. Suas críticas aos romanos imperialistas e às elites locais por certo eram severas, duras. Mas não promoviam a luta armada. O amor radical como caminho da justiça decidida era sua vida. Jeus foi revolucionário, sem armas.

2 - Ao invés de fazer-se comunitária, a experiência pode fazer-se violenta, excludente, exclusiva. Eis a estufa do fundamentalismo. Somos hóspedes na casa de Israel. Não donos. Os que estão “em Cristo”, que são cristãos, assumem a fragilidade de não serem auto-suficientes. Sem Israel e suas sinagogas viramos galho sem tronco. Mas nem sempre suportamos esta fragilidade. Antes fizemo-nos donos. Quisemos adonar-nos de Israel. Expropriamos os de Tupã, escravizamos os de Olodum. Ao deixarmos de ser hóspedes de Israel fizemo-nos também exterminadores de muitos povos.

3 - Pelo que me consta, os cristãos não passavam de uns 10% da população, quando Constantino incorporou essa religião ao império romano. Nesse sentido, o cristianismo se tornou religião de massas através do poder de Estado. Aliás, o que aí teve início perpassou a história da Europa e das Américas. O poder foi o maior pregador. Ainda estamos nestes tempos. Ora, as igrejas se sentem muitos sós sem os palácios. Ora, o senhorio do palácio se torna devoto, porque sem religião não se ganha eleição.

4 - Os colonizadores romanos mandavam matar na cruz. E quem estava com eles, fazia o jogo do império. À cruz era levado quem ameaçasse a ordem dos senhores em Roma e em Jerusalém. Por isso Jesus foi sentenciado. Aliás, continua sendo sentenciado, hoje, dia a dia. Basta querer ver.
5 - Tradições bíblicas investem na diferença. Jardim bonito é o que floresce em muitas cores. A Bíblia leva mais o jeito de jardim do que de verdade em si, acabada, na linha. Até seria de estranhar se não houvesse “contradições”. Os quatro evangelhos não fogem à regra da diversidade, cada qual dando o melhor de si para embelezar sua flor. O mundo é maior e mais lindo que o que cabe na mente ocidental, que pensa em linha, em fila, alinhada.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Honi “o desenhista de círculos”, Hanina ben Dosa e Jesus de Nazaré

O falecido Robert Funk, fundador do radical Seminário Jesus, reclamava amargamente do abismo que existe entre os principais estudos e as crenças populares sobre Jesus. Funk pensava principalmente sobre a distância entre o pietismo popular e o conhecimento histórico sobre Jesus; mas em lugar algum o abismo é tão grande como entre a irreligiosidade popular e os estudos sobre o Jesus histórico.

O movimento do Pensamento Livre, que alimenta a objeção popular que as crenças cristãs sobre Jesus são derivadas da mitologia pagã, está empacado entre os estudos do final do século XIX. De certa forma isso é impressionante, já que existem muitos estudiosos contemporâneos céticos, como os do Seminário Jesus, cuja obra os livre pensadores poderiam utilizar a fim de justificar seu ceticismo sobre a compreensão tradicional de Jesus. Mas isso só serve para mostrar como esses popularizadores não têm contato com o trabalho de estudiosos sobre Jesus. Eles estão um século desatualizados.

Voltando à época da chamada escola de História de Religiões, estudiosos em religiões comparadas encontraram paralelos a crenças cristãs em outras religiões, e alguns pensaram em explicar que essas crenças (incluindo a na ressurreição de Jesus) foram influenciadas por esses mitos. Hoje, no entanto, raramente algum estudioso pensa em mitos como uma categoria importante para se interpretar os Evangelhos. Os estudiosos perceberam que a mitologia pagã é simplesmente o contexto interpretativo errado para se compreender Jesus de Nazaré.

Craig Evans chama essa mudança de o “Eclipse da Mitologia” na pesquisa sobre a vida de Jesus (veja seu artigo excelente “Life-of-Jesus Research and the Eclipse of Mythology”, Thelogical Studies 54 [1993]: 3-36). James D. G. Dunn começa assim seu artigo sobre “Mitos” no Dicionário de Jesus e dos Evangelhos (IVP, 1993) com a clara rejeição: “Mito é um termo de, pelo menos, relevância duvidosa para o estudo de Jesus e dos Evangelhos.”

Algumas vezes essa mudança é referida como a “rejudaização de Jesus”, pois Jesus e Seus discípulos eram judeus do primeiro século, e é contra esse pano de fundo que devem ser compreendidos. A rejudaização de Jesus tem ajudado a tornar injustificada qualquer compreensão do retrato dEle nos Evangelhos como influenciado significativamente pela mitologia.

Essa mudança é proferida em relação à historicidade dos milagres e exorcismos de Jesus. Estudiosos contemporâneos podem não estar mais preparados para acreditar no caráter sobrenatural dos milagres e exorcismos de Jesus do que os estudiosos de gerações anteriores. Mas eles não estão mais dispostos a atribuir essas histórias à influência dos mitos gregos do homem-divino (theios aner). Antes, os milagres e exorcismos de Jesus devem ser interpretados no contexto das crenças e práticas judaicas do primeiro século. O estudioso judeu Geza Vermes, por exemplo, tem chamado a atenção aos ministérios dos realizadores de milagres e/ou exorcistas carismáticos Honi “o desenhista de círculos” (primeiro séc. a.C.) e Hanina ben Dosa (primeiro séc. d.C.) e interpreta Jesus de Nazaré como um judeu hassídico ou um santo. Hoje o consenso dos estudos sustenta que a realização de milagres e exorcismos (apoiando a questão de seu caráter sobrenatural) pertence, sem sombra de dúvida, a qualquer reconstrução historicamente aceitável do ministério de Jesus.

O colapso da antiga escola da História de Religiões ocorreu por principalmente dois motivos. Primeiro, estudiosos perceberam que os paralelos alegados eram ilegítimos. O mundo antigo era um lugar cheio de mitos de deuses e heróis. Estudos comparativos na religião e literatura requerem sensibilidade às suas similaridades e diferenças, ou o resultado será inevitavelmente distorção e confusão. Infelizmente, aqueles que apresentaram paralelos às crenças cristãs falharam em exercer essa sensibilidade. Veja, por exemplo, a história do nascimento virginal, ou, mais precisamente, a concepção virginal de Jesus. Os paralelos pagãos alegados a essa história são sobre lendas de deuses que se materializaram e tiveram relações sexuais com mulheres humanas para gerar uma prole humano-divina (como Hércules). Assim como esta, essas histórias são exatamente o contrário dos relatos dos Evangelhos, nos quais Maria concebeu Jesus sem ter tido nenhuma relação sexual. As histórias dos Evangelhos sobre a concepção virginal de Jesus são, na verdade, únicas no Oriente Próximo antigo.

Ou considere o evento dos Evangelhos que eu acho mais interessante: a ressurreição de Jesus dentre os mortos. Muitas das alegadas similaridades a esse evento são na verdade histórias apoteóticas, a divinização e assunção do herói ao céu (Hércules, Rômulo). Outras são sobre desaparecimentos, afirmando que o herói foi-se para um plano superior (Apolônio de Tiana, Empédocles). Outras ainda são símbolos sazonais do ciclo das colheitas, conforme a vegetação morre na estação seca e volta à vida na estação chuvosa (Tamuz, Osíris, Adônis). Algumas são expressões políticas de adoração aos imperadores (Júlio César, César Augusto). Nenhuma delas é similar à ideia judaica de ressurreição dos mortos. David Aune, especialista em literatura comparada do antigo Oriente Próximo, conclui: “nenhum paralelo a elas [tradições da ressurreição] é encontrado nos escritos greco-romanos” (“The Genre of the Gospels”, em Gospel Perspectives II, ed. R. T. France and David Wenham [Sheffield: JSOT Press, 1981], p. 48).

Na verdade, a maioria dos estudiosos chegou a duvidar se, apropriadamente falando, houve realmente algum mito de deuses que morriam e ressurgiam! No mito de Osíris, um dos mitos sazonais mais conhecidos, ele nem chega a voltar à vida, mas simplesmente continua a existir exilado no sub-mundo. Numa revisão recente da evidência, T. N. D. Mettinger informa: “A partir da década de 30... um consenso se desenvolveu ao significado que os deuses, 'que morriam e ressurgiam', morreram, mas não voltaram a viver novamente... Aqueles que continuam a pensar diferente são vistos como sobreviventes de uma espécie quase extinta” (Tryggve N. D. Mettinger, The Riddle of Resurrection: “Dying and Rising Gods” in the Ancient Near East [Stockholm, Sweden: Almquist & Wiksell International, 2001], p. 4, 7).

O próprio Mettinger acredita que mitos de deuses que morriam e ressurgiam existiram nos casos de Dumuzi, Baal e Melqart; mas reconhece que tais símbolos são bem diferentes da antiga crença cristã na ressurreição de Jesus:
“Os deuses que morriam e ressurgiam estavam muito ligados ao ciclo sazonal. Sua morte e retorno eram vistos como refletidas nas mudanças nas plantas. A morte e ressurreição de Jesus é um evento único, não se repete, e não está ligado às mudanças sazonais... Não existe, pelo o que eu sei, nenhuma evidência clara que a morte e ressurreição de Jesus são uma construção mitológica, baseada nos mitos e ritos dos deuses sazonais das nações vizinhas. Enquanto for estudada com proveito contra o pano de fundo da crença da ressurreição judaica, a fé na morte e ressurreição de Jesus mantém seu caráter único na história das religiões. O mistério continua” (Ibidem, p. 221).

Repare no comentário de Mettinger, que a crença na ressurreição de Jesus pode ser proveitosamente estudada contra o pano de fundo das crenças judaicas da ressurreição (não mitologia pagã). Aqui vemos aquela mudança nos estudos no Novo Testamento que eu apontei acima como a rejudaização de Jesus. A ilegitimidade das similaridades alegadas é apenas uma indicação de que a mitologia pagã é o esquema interpretativo errado para compreender a crença dos discípulos na ressurreição de Jesus.

Segundo, a escola da História de Religiões sucumbiu como uma explicação para a origem das crenças cristãs sobre Jesus, porque não houve nenhuma conexão causal entre os mitos pagãos e a origem das crenças cristãs sobre Jesus. Veja, por exemplo, a ressurreição. Os judeus conheciam os deuses sazonais mencionados acima (Ez 37:1-14) e os acharam repugnantes. Por isso, não há traços de culto a deuses sazonais na Palestina do primeiro século. Para os judeus, a ressurreição à glória e imortalidade não aconteceria antes da ressurreição geral de todos os mortos no fim do mundo. É inacreditável pensar que os discípulos originais teriam súbita e sinceramente acreditado que Jesus de Nazaré ressuscitou dentre os mortos apenas porque ouviram sobre mitos pagãos de deuses que morriam e ressurgiam.

Mas, de certo modo, tudo isso é irrelevante à sua pergunta principal, Kevin. Pois, como você mostrou, as pessoas com que você conversa não têm acesso aos estudos. Quando você mostra a elas a ilegitimidade das similaridades alegadas, então é acusado de “ter trabalhado muito duro para salvar sua religião”. Essa é uma situação que você não pode vencer. Então, estou inclinado a dizer-lhe que você não deveria ocupar-se em “tentar refutar cada similaridade”. Antes, eu acho que uma atitude mais genérica e desinteressada de sua parte pode ser mais eficaz.

Quando eles disserem que as crenças cristãs sobre Jesus vieram da mitologia pagã, acho que você deveria rir. Então olhe para eles com os olhos arregalados e um grande sorriso e diga: “Vocês realmente acreditam nisso?” Aja como se tivesse acabado de conhecer alguém que acredite na terra plana ou na conspiração de Roswell. Você podia dizer algo do tipo: “Cara, essas velhas teorias estão mortas há mais de cem anos! De onde você está tirando isso?” Diga-lhes que isso é apenas lixo sensacionalista e não estudos sérios. Caso insistam, então peça a eles que lhe mostrem as próprias passagens que narram a suposta similaridade. São eles que estão nadando contra o consenso dos estudos, então faça-os trabalhar duro para salvar a religião deles. Eu acho que você descobrirá que eles nem sequer leram as fontes originais.

Se eles chegarem a citar um trecho de uma fonte, acho que você ficará surpreso com o que verá. Por exemplo, no meu debate sobre a ressurreição com Robert Prince, ele dizia que as curas que Jesus fez vieram dos relatos mitológicos de curas, como as de Esculápio. Eu insisti que ele lesse a todos uma passagem das fontes originais mostrando a suposta similaridade. Quando ele leu, o que alegava não tinha nada a ver com as histórias dos Evangelhos sobre as curas de Jesus! Essa foi a melhor prova de que a origem das histórias não estava relacionada.

Lembre-se: qualquer um que insiste nessa objeção tem de suportar o ônus da prova. Ele precisa mostrar que as narrativas são paralelas e, além disso, que são causalmente ligadas. Insista que eles suportem esse ônus, caso você leve as objeções deles a sério.