"Conheceremos Jesus melhor, não como o resultado da pesquisa acadêmica de um indivíduo, publicada em um livro, mas como um processo contínuo de transformação pessoal dentro de uma comunidade de discípulos."
Atlanta / Temas – Estes dias segui um grupo de trovadores acadêmicos ambulantes, especialistas que são convidados por congregações para dar palestras como parte de programas de educação para adultos. Com freqüência tenho acompanhado pessoas como Marcus Borg, John Dominic Crossan, N.T. Wright e Bart Ehrman, e com freqüência me convidam como alguém que pode “representar outro ponto de vista”. Em outras palavras, sou uma anotação à margem do menu preferido das oferendas históricas de Jesus.
Quando apresento uma visão alternativa sobre o Jesus dos Evangelhos, sempre há pessoas na congregação que se surpreendem que eu não esteja totalmente de acordo com o que eles consideram o pináculo do ensino bíblico. Em resumo, 25 anos depois que o Jesus Seminar começou uma nova ronda na controvérsia sobre o Jesus histórico e 14 anos depois que tentei mostrar (em The Real Jesus) o falso que é o conhecimento contemporâneo sobre o Jesus histórico, embora haja uma audiência desejosa de escutar os temas que estes trovadores cantam.
E não é difícil entender o porquê. Sem exceção, os trovadores são professores e oradores extraordinários, que têm uma bem ganhada reputação de ensinar de maneira alegre e inclusive divertida.
Borg e o bispo Wright, além disso, manifestam-se explicitamente cristãos e transmitem um sentido positivo do que o conhecimento pode oferecer.
Ehrman é um professor excepcional.
Crossan é uma pessoa especial, um homem com tanto talento, com tanto humor, que pessoalmente estou disposto a ouvi-lo falar de qualquer coisa. O carisma pessoal dos conferencistas é sem dúvida parte do atrativo.
Os conferencistas também foram eficientes, ao apresentar suas palestras como conhecimentos genuínos; afirmam que o que fazem é pôr à disposição de todos o enfoque crítico que, segundo eles, outros acadêmicos também seguem, embora os mantenha dentro do âmbito profissional. As congregações e as paróquias desejosas de estímulos intelectuais são consumidores entusiastas. Poucos são os que seguem de perto o que os estudiosos da Bíblia estão fazendo. Que base de comparação há nos livros que se encontram em Barnes & Noble (N. do T.: trata-se do maior comerciante varejista de livros nos EUA) ? As audiências não têm muita base para rebater a reivindicação dos trovadores de representar o melhor da academia.
De fato, se as congregações estivessem conscientes do caráter desesperadamente trivial do ensino acadêmico, estariam inclusive mais dispostos a aceitar as palavras daqueles que estão demonstrando compreender a figura de Jesus para a igreja, em vez de desenvolver outra metodologia esotérica, a fim de ter credibilidade, como vitais e necessárias.
Acima de tudo, penso que as congregações estão ávidas de aprender sobre o Jesus humano e com muita freqüência encontram que o que escutam nos sermões e nas Escolas Dominicais contém pouca substância intelectual ou alimento espiritual. O que querem é uma fé adulta, e os oradores itinerantes parecem oferecer um caminho mais rápido e interessante para essa maturidade que a que está disponível através das práticas tradicionais da fé. Para aqueles que aprenderam a valorizar muito mais a informação que a compreensão, a oferta de conhecimento histórico sobre Jesus parece cair-lhes como uma luva.
OS LIMITES DA HISTORIA
Não há absolutamente nenhum problema em estudar Jesus como uma figura histórica, e se ele for estudado sob essa perspectiva, é adequado separar os fundamentos da fé. O tipo de projeto efetuado pelo padre J.P. Meier em A Marginal Jew, que prova quais são os relatos do Evangelho que podem ser historicamente constatados, é perfeitamente legítimo e exibe resultados genuínos. Mas assim como o mesmo monsenhor Meier reconheceu, o Jesus empiricamente verificável não é de modo nenhum o Jesus “real”. Ademais, é mais que legítimo aprender o máximo possível de história do mundo no primeiro século de Jesus.
O objetivo deste conhecimento, no entanto, é o de tornar os próprios leitores dos Evangelhos em melhores e mais responsáveis. Não se trata de deconstruir as narrações evangélicas para depois reconstruir um “Jesus histórico” e declarar, desse modo, que se descobriu que eram Jesus realmente. Menos ainda para propor essa reconstrução como regra para os cristãos de hoje em dia.
A história é uma maneira limitada de conhecer a realidade. Dependentes de fragmentos do que se observou, registrou, conservou e transmitiu desde o passado, reconhecendo que todo depoimento humano é parcial e cuidadoso de não especular mais além da evidência disponível, os historiadores responsáveis sabem que só manejam probabilidades, não certezas. Seu trabalho é mais uma arte descritiva que uma ciência prescritiva. E no caso de Jesus e os Evangelhos, os problemas críticos que enfrenta toda reconstrução histórica são extremos, advertindo os pesquisadores de não levar as coisas ao limite.
Portanto, os historiadores podem declarar certos fatos sobre Jesus com maior ou menor probabilidade de acerto (sua morte por crucificação), ou algumas pautas de seu ministério (o falar por meio de parábolas) ou inclusive certos acontecimentos (seu batismo). Mas os historiadores não podem oferecer uma narração ou interpretação alternativa àquelas dos Evangelhos, baseando-se nestas prováveis conclusões.
Contudo, tanto hoje como ontem, é este alongamento dos limites da historiografia responsável, esta apresentação de alternativas aos Evangelhos, que deu um impulso a todo o projeto do Jesus histórico. Há três aspectos do projeto que são objetáveis, inclusive quando se considera legítimo usar a história para Jesus.
Primeiro, a história não pode entregar o prometido pelo projeto do Jesus histórico, principalmente uma versão sólida de Jesus diferente da apresentada pelos Evangelhos.
Segundo, o esforço para reconstruir esse Jesus alternativo leva a uma distorção dos métodos próprios da historiografia formal.
Terceiro, e o mais penoso, o Jesus oferecido como alternativa é com freqüência um reflexo dos ideais próprios do estudioso. Portanto, não resulta estranho que praticamente cada Jesus reconstruído pelos estudiosos nesta geração esteja firmemente baseado no Jesus do Evangelho de Lucas, já que este é o Jesus que mais admiramos —político, público, profético, aquele que inclui os marginais e desafia o status dos poderosos—.
Neste sentido, as múltiplas versões do “Jesus histórico” apresentada hoje em dia em conferências ou em livros, têm exatamente o mesmo status dos Evangelhos apócrifos da Igreja primitiva: podem resultar amenos e às vezes inclusive instrutivos, mas não são alicerces sobre os quais se deva construir a Igreja.
UMA ALTERNATIVA
Nesse caso, o que devo oferecer às congregações que me convidam a compartilhar minha “visão alternativa”? Tento reafirmar seu desejo de uma fé madura e intelectualmente ativa e promovo o estudo da história como um meio para uma leitura mais responsável dos Evangelhos. Tenho certeza de que quanto mais genuíno for o sentido do estudo histórico adquirido por estes cristãos, menor será a probabilidade de cair presa das distorções daqueles que comercializam com o título de historiador, sendo que a única coisa que oferecem é uma versão pessoal, apócrifa.
Mas enfatizo que o objetivo real do conhecimento histórico não é o desmantelamento dos Evangelhos, senão que um compromisso mais completo com a narração evangélica. Indico que talvez um dos resultados surpreendentes do melhor estudo histórico da Palestina do primeiro século, é que a informação incidental que dão os Evangelhos em relação ao contexto político-cultural e o meio religioso de Jesus tende mais a confirmar que desmentir a informação sobre estes temas nos Evangelhos.
E mais importante ainda, tento mostrar como o descobrimento de Jesus como um personagem literário em cada um dos Evangelhos canônicos possibilita um conhecimento mais profundo, satisfatório e mais “histórico” do Jesus humano que o apresentado por reconstruções acadêmicas. Uma vez que os leitores reconhecem e começam a apreciar os diferentes retratos de Jesus nos Evangelhos, não como pobres apresentações de fontes históricas, senão como o grande depoimento de fé, começam a sentir que o Jesus humano é uma realidade muito mais rica e evasiva que aquele de sua crença superficial ou de um ensino histórico superficial pudesse sugerir. Tal apreciação literária dos Evangelhos também leva à compreensão de que apesar de seus temas e perspectivas divergentes, convergem precisamente, de forma assombrosa, em seu caráter, tema histórico de vital importância em relação ao Jesus humano.
Que tipo de pessoa era Jesus? Cada um dos Evangelhos é depoimento da verdade se Jesus como ser humano se definia primeiro por sua absoluta obediência a Deus e em segundo termo por sua absoluta entrega aos demais. Este Jesus dos Evangelhos é o mesmo Jesus que encontramos nas cartas de Paulo e Pedro e na Carta aos Hebreus. O Cristo histórico é o que deu forma à identidade do discipulado cristão, através dos anos e gerou reformas proféticas em todas as etapas da Igreja.
‘ELE VIVE AGORA’
Incentivo minha audiência a lembrar-se de que toda busca do Jesus histórico é um desvio massivo do enfoque correto da consciência cristã: aprender do Jesus vivente —do senhor exaltado e ressuscitado presente para aqueles que crêem, através do poder do Espírito Santo— na vida diária e nas práticas correntes da Igreja. Concentrar-se no “Jesus histórico” como se o ministério de Jesus reconstruido pelos acadêmicos fosse o último em importância para a vida do discipulado, é esquecer a verdade mais importante sobre Jesus, isto é: que agora ele vive como o Senhor na presença total e o poder de Deus que é apresentado para nós a cada instante, não como uma recordação do passado, senão que como uma presença que define nosso presente.
Se Jesus fosse simplesmente um homem do passado que morreu, então conhecê-lo através da reconstrução histórica é necessário e inevitável. Mas se ele vive no presente como nosso poderoso e dominante Senhor, então devemos conhecê-lo, através da obediência da fé.
Conheceremos Jesus melhor, não como o resultado da pesquisa acadêmica de um indivíduo, publicada em um livro, mas como um processo contínuo de transformação pessoal dentro de uma comunidade de discípulos. É verdade que Jesus será conhecido, através da leitura fiel das Escrituras, mas nós o conheceremos também, através dos sacramentos (especialmente da Eucaristia), das vidas dos santos (mortos e vivos) e dos estranhos com os quais o exaltado Senhor se associa com particular preferência. Ao lado desta maneira tão difícil e complexa de conhecer Jesus realmente como ele é —o Espírito doador de vida que dá vida principalmente para toda a assembléia chamada o corpo de Cristo—, as pesquisas dos historiadores, inclusive no melhor dos casos, aparecem como uma distração empobrecida e sem graça.
Este é o tema que vou cantando atrás dos trovadores que dançam nas paróquias e congregações deste país. É uma velha canção, cujo nome foi dado por Santo Agostinho: “canção de aleluia”. Mas também é nova —sempre— está se renovando.
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Luke Timothy Johnson. Robert W. Woodruff Professor de Novo Testamento e Origens cristãos na Candler School of Theology, Emory University, Atlanta, Ga. Publicado na revista America, http://www.americamagazine.org/ / Uma conversa com Luke Timothy Johnson: americamagazine.org/podcast
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