domingo, 5 de dezembro de 2010

Millard Erickson, H.Thiessen, F. F. Bruce e a Escatologia Bíblica

Estamos no limiar do terceiro milênio. Nestes dias que antecedem os últimos momentos deste sistema dos reinos do mundo, muitas doutrinas e filosofias têm surgido e o esoterismo, misturado com os ensinamentos profusos da chamada Nova Era, tendem a confundir os mais desavisados e os desconhecedores da Bíblia.

É de suma importância que tenhamos um conhecimento mais aprofundado do que a Bíblia ensina a respeito dos acontecimentos mundiais mais importantes, e daquilo que está à nossa espera em breves dias futuros.

Inúmeras pessoas se filiam, a cada dia, às diversas igrejas espalhadas em todo mundo. Entretanto, sabemos, também, que um número razoável dessas pessoas se afastam em razão de interpretações errôneas e falsas das Escrituras Sagradas. Nessas oportunidades, surgem as seitas e religiões fanáticas (Exs. Jim Jones, na Guiana Inglesa e o líder espiritual David Koresh, de uma seita em Waco - Texas, EUA), marcando datas da volta de Jesus, do fim do mundo e outras heresias.

Para essa finalidade, o estudo sério e bíblico da Escatologia, é essencial para dirimir dúvidas e esclarecer muitas questões relacionadas com os eventos presentes e futuros e trazer uma compreensão de importantes temas bíblicos.

Importância do assunto

A Escatologia é um dos temas mais tratados na Bíblia. Sua importância despertava agudo interesse na igreja primitiva. Em toda a Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento, o assunto é retratado de forma relevante e intensa.

O foco central, o âmago, o coração da Escatologia é A Segunda Vinda de Cristo. Como o próprio termo denota, a Escatologia não trata de toda a história do homem, mas focaliza e direciona o estudo para os acontecimentos finais da história humana e o estado eterno.

Segundo Henry C. Thiessen, a importância do retorno de Jesus é demonstrado por cinco motivos:
1. sua proeminência nas Escrituras - profusão de textos referindo-se ao assunto. Só no Novo Testamento encontramos mais de 300 referências à vinda de Jesus - Dn 7.13,14; Zc 14.4; Mt 24 e 25; Mc 13; Lc 21; 1 Co 15; 1 Ts; 2 Ts; Ap;
2. é uma chave para as Escrituras. Muitos temas, ordenanças, promessas e simbolismo na Bíblia ficam plenamente claros quando compreendemos bem a doutrina do retorno de Jesus à terra - Sl 2; 22; 24; 45; At 3.19-24; Tg 5.8; Hb 10.37; Ap 1.7; 22.12,20;
3. é a esperança da igreja - Tt 2.13 "... a bendita esperança...";
4. é incentivo para o cristianismo bíblico - induz a auto-purificacao; inspira vigilância e perseverança; 1 Jo 3.3; 2 Pe 3.11; Mt 24.44; Rm 13.11; 2 Ts 1.7-10;
5. tem efeito marcante sobre nosso serviço - Há maior incentivo ao testemunho cristão de vida e verbal do evangelho. Rm 13.11-12.

Por envolver um período futuro e uma série considerável de acontecimentos, vários pontos da Escatologia são controversos. Alguns estudiosos até têm se esquivado de discutir esses temas que geram muitos debates pela dificuldade das questões. Millard J. Erickson, no entanto, diz que "quer concordemos que estas questões são importante, quer não, devemos examiná-las, pois aqueles que as discutem as consideram importantes". "Opções Contemporâneas na Escatologia" - pg. 10.

Etimologia da Palavra
O termo Escatologia tem origem em duas palavras gregas (éschatos = "último", e logos ="estudo"). Portanto, a tradução da palavra seria algo como: "A Doutrina (ou estudo) das Últimas Coisas".

Premissas
1) Houve um início e haverá um fim do atual sistema mundial
2) desfecho da evangelização mundial
3) a justiça divina deve ser implantada
4) o Milênio de paz será estabelecido
5) é necessário iniciar-se o tempo eterno
6) a morte e o mal serão destruídos
7) o bem triunfará
8) o envelhecimento (murchação-deterioração das células) do ser humano cessará
9) o Reino eterno de Jesus será estabelecido
10) o pecado e suas conseqüências terão fim

Esboço Simplificado
A Escatologia pode ser dividida em cinco grandes blocos:
1. fim do mundo;
2. a segunda vinda de Cristo;
3. a ressurreição dos mortos;
4. juízo final;
5. a criação dos novos céus e da nova terra.

Esses cinco blocos envolvem, principalmente, os seguintes tópicos, com relação aos indivíduos e ao mundo, contemplando aspectos redentivos, de julgamentos e uma intervenção pessoal de Deus no mundo humano e físico:
a) acontecimentos importantes na história mundial;
b) o testemunho da igreja a todas as nações - Mt 24;
c) Israel: história, rejeição e salvação do remanescente
d) as duas ressurreições
e) os julgamentos intermediário e final
f) a Parousia de Jesus Cristo
g) o milênio de paz
h) o arrebatamento da igreja
i) a transformação dos salvos
j) morte física e eterna

Aspectos Históricos
Vários aspectos da doutrina cristã têm sido tratados no decorrer dos séculos passados. Desde o estabelecimento da igreja, no século I da Era Cristã, os grandes temas têm recebido atenção e desenvolvidos em períodos diferentes da história da igreja, conforme abaixo:
· século II - a igreja lidava especialmente com a Apologética e os fundamentos do Cristianismo;
· séculos III e IV - com a Doutrina de Deus;
· século V (início) - o homem e o pecado;
· séculos V até o VII - com a pessoa de Cristo;
· séculos XI até XVI - com a Expiação;
· século XVI - aplicação da redenção (fé, justificação, etc);
· século XIX - na metade deste século a Escatologia foi estudada precariamente. Vários erros foram introduzidos na igreja. Houve frustrações das expectativas, até então cridas, quando livros da Bíblia foram desconsiderados, inclusive o Apocalipse. Alguns teólogos chegaram ao absurdo de questionarem a autoridade de Jesus com relação aos eventos futuros, julgando-o, até mesmo, que havia se equivocado, e decidiram que, as predições bíblicas sobre o futuro do mundo eram meras invenções da igreja primitiva;
· século XX - bem no início deste século, entretanto, Albert Schweitzer fez uma revolução com o seu livro A Questão do Jesus Histórico, no qual demonstrou que a erudição crítica estava errada, e que a Escatologia devia ocupar posição central, e não periférica, nos ensinos de Jesus. Nos últimos tempos o assunto tem sido discutido até no governo da maior potência mundial, os EUA, inclusive, em debates presidenciais e televisionado para todos os países do mundo (ex. Reagan). Russell N. Champlin acha que o mundo tem de conhecer o tema e debatê-lo antes que os eventos finais sejam desencadeados em todo mundo (conforme veremos nas últimas lições). Por isso é que surgem místicos, dizendo as maiores heresias, das quais precisamos nos precaver para não sermos ludibriados por nenhuma delas.

A Escatologia no Antigo Testamento
Praticamente, quase todas as passagens do Antigo Testamento sobre a Escatologia está relacionada com a pessoa do Messias (Jesus Cristo) como Profeta, Sacerdote e Rei, em conexão com os diversos eventos.

As profecias referentes a Jesus e a tudo que ele realizaria, em boa parte, foram preditos na sua totalidade, sem fazer clara distinção entre os fatos referentes ao primeiro e segundo advento, por estarem intimamente ligados, parecendo, às vezes, tratar-se de apenas um, o que só se tornou mais compreensível mais tarde, com a concretização de alguns acontecimentos - Sl 2; Is 7.14;9.1-6; 53; Jl 3.9-17; Jó 19.25,26.

Esta foi uma das por que os judeus rejeitaram Jesus. Eles esperavam um Messias político, um rei que livrasse Israel do domínio do império romano pela força e estabelecesse um reino de paz. Quando se depararam com Jesus e seus ensinamentos de amor, ficaram decepcionados e o rejeitaram como o Messias.

As expressões: "tempo do fim" (Dn 11.1-4), "naquele dia" (Is 24.21; 25.9; 27.1), "últimos dias" (Is 2.2; Os 3.5), "dia do Senhor" (Jl 2.28-32; Am 5.18-20; Ml 4.5), "dia da sua vinda" (Ml 3.1,2), são expressões escatológicas para indicar o tempo da segunda vinda de Cristo, com todos os eventos a ela relacionados.

No capítulo 9.24 do livro de Daniel, temos o resumo de alguns acontecimentos escatológicos relacionados com a nação de Israel e à cidade de Jerusalém, dentro da profecia das Setenta Semanas, reveladas a Daniel. São eles:
a) cessar a transgressão;
b) dar fim aos pecados;
c) expiar a iniquidade;
d) trazer a justiça eterna;
e) selar a visão e a profecia;
f) ungir o santo dos santos.

Charles Caldwell Ryrie faz, segundo seu entendimento, um esboço interessante do significado de cada um desses acontecimentos profetizados pelo anjo Gabriel ao profeta Daniel. Mesmo que não haja concordância com toda a interpretação de Ryrie, pelo menos merecem ser cuidadosamente estudados pela importância daqueles eventos.
a. cessar a transgressão - pôr fim à apostasia dos judeus;
b. dar fim aos pecados - expiar os pecados ou selar os pecados, no sentido de julgá-los de modo definitivo;
c. expiar a iniquidade - uma referência à morte de Cristo na cruz, que é uma base para o futuro perdão de Israel;
d. trazer a justiça eterna - no reino milenar do Messias;
e. selar a visão e a profecia - colocar o selo divino de confirmação em todas as profecias concernentes ao povo judeu e Jerusalém;
f. ungir o santo dos santos - consagração do Santo dos Santos no templo, no Milênio.

Desde que tornou-se nação até o tempo dos Macabeus no relato histórico do período intertestamental, Israel inúmeras vezes se viu dominado por outros reinos que o subjugavam. Por isso, então, a idéia e esperança sempre viva na mente dos judeus era a do estabelecimento de um reino definitivo e a libertação do domínio romano.

A Escatologia no Novo Testamento
Mencionamos um pouco atrás, na segunda lição, a posição de alguns intérpretes, que chegaram até a dizer que Jesus teria se enganado a respeito de alguns fatos e acontecimentos aos quais teria se referido.

Escatologia Consistente, ou Radical
Pois bem, no meio de toda uma discussão da Escatologia e a vinda do Reino de Deus, se esse Reino seria literal ou não, onde prevalecia a posição de que o Reino de Deus não era literal na sua natureza mas ético, foi que surgiu Schweitzer com um posicionamento, iniciado por Johannes Weiss, de que o Reino do qual Jesus falou não era ético mas escatológico, isto é, que viria no fim, seria apocalíptico.

Com isso, ele então afunilou o ensino de todo o Novo Testamento para uma visão totalmente futurística. Na sua concepção, a chegada do Reino de Deus seria um clímax dramático, com distúrbios cósmicos, refutando, assim, os conceitos anteriores e não-escatológicos dos teólogos liberais, tendo esta sua posição sido chamada de Escatologia Consistente, ou Radical.

Para melhor compreensão, cabe dizer neste ponto que a Escatologia no sentido mais amplo e com tudo que a envolve, trata da implantação dos Reino de Deus aqui na terra, a começar dos corações humanos, e envolve uma série enorme de ações e acontecimentos previstos para ocorrerem na terra, o sobrenatural, vindo dos céus, entrando no natural e se estabelecendo no planeta.

Na verdade, o Reino de Deus deveria vir a ser estabelecido na terra com todas as características (já que é de Deus e de caráter justo) próprias de sua implantação: é claro, para os inimigos do Reino, o desfazimento do mal e seus agentes, com a aplicação da justiça e do juízo; mas, para os que o buscam e anseiam por ele, o estabelecimento da paz tão almejada e todas os benefícios que ela traz. Por que isso? É a destruição do reino atual, perverso, mal e corrupto, que é o de Satanás, e a implantação do justo e perfeito Reino de Deus.

Por isso, é que F. F. Bruce afirma que a pregação de Jesus, resumida em Mc 1.15 ("O tempo está cumprido e o Reino de Deus está próximo; arrependei e crede no evangelho"), declara o cumprimento da visão de Daniel: "E veio o tempo em que os santos possuíram o Reino" (Dn 7.22).

Diz Bruce que, em certo sentido, o Reino já estava presente no ministério de Jesus: "se, porém, eu expulso os demônios pelo dedo de Deus, certamente é chegado o Reino de Deus sobre vós" (Lc 11.20; cf Mt 12.28). Mas, em outro sentido, o Reino ainda estava no futuro. Jesus ensinou seus discípulos a orar: "Venha o teu Reino" (Lc 11.2).

Escatologia Realizada
Logo após Schweitzer, veio C. H. Dodd com o que ele chamou de Escatologia Realizada, afirmando que o Reino de Deus não seria escatológico futurístico mas que já havia chegado com a primeira vinda de Jesus, ao contrário da posição de Schweitzer. Ou seja, na época do ministério de Jesus na terra foram cumpridas todas as promessas sobre o fim.

Hoje, sabemos que essas posições não expressam toda a verdade, mas parte dela. Os judeus, na época de Jesus, tinham uma compreensão mais ou menos nessa linha de raciocínio (Lc 19.11). Erickson diz que, segundo Dodd, o conceito do dia do Senhor foi transferido a um evento histórico específico já ocorrido ou a uma série de eventos - o ministério, a morte e a ressurreição de Jesus. Ou seja, a escatologia foi cumprida, ou "realizada". Esse entendimento de Dodd é falho, visto ser incompleto e desconsiderar todo o quadro futuro.

O Reino de Deus, na verdade, já começou a ser implantado entre os homens, como disse Jesus (Mt. 11.12; 12.28; 13.24,31,33; Mc 10.15; Lc 17.20,21), mas esse enfoque é apenas sob um ponto de vista porque, como parte da Escatologia, era tão somente o início da implantação do Reino de Deus entre os homens, o qual deveria começar dentro de cada pessoa, de maneira individual, para mais tarde ser implantado de forma literal e visível no meio de todos os homens, na terra (Mt. 6.10; 7.21; 8.11; 13.43; 16.28; 25.31-34; Mc 14.25; Lc 13.23, 27-29; 22.16,18,30,42).

Escatologia Inaugurada
George E. Ladd chama a percepção distinta de textos, como os acima, de Escatologia Inaugurada, que guardam coerência com as palavras e ensinos de Jesus e com todo o Novo Testamento. O período da encarnação de Cristo, sua vida, paixão, exaltação, o derramamento do Espírito Santo e o chamado dos gentios para se integrarem ao Novo Israel (o povo de Deus) e o cumprimento das predições proféticas a respeito do fim é, de fato, a Escatologia Bíblica.

O resumo de tudo é que, o "tempo do fim", "os últimos dias" começou com a encarnação de Jesus e vai até o início do estado eterno futuro, e disso falaram todos os profetas. De acordo com Shedd, o Reino de Deus veio na pessoa de Jesus Cristo e seu ministério, de forma legítima, mas não na sua totalidade.

Concluímos finalmente que a questão do estabelecimento do Reino de Deus na terra, no qual existe uma tensão até que tudo se cumpra, é o que alguns chamam de "já", mas "ainda não" da esperança cristã, isto é, já iniciou-se a sua implantação mas ainda não de forma completa.

Tudo que estudaremos a seguir é a exegese, a interpretação pormenorizada desse tema maior que é a Escatologia.

Correntes Teológicas de Interpretação:

1. CONCEITOS MILENISTAS - Estudos acerca do Milênio bíblico:
a. Pós-milenismo - essa linha de raciocínio não especifica uma data para o início do Milênio. Tem a concepção de algo parecido com um milênio já inaugurado e a chegada do Reino de Deus de forma gradual, lentamente;
a. Amilenismo - essa outra corrente nega um milênio terrestre propriamente dito, em que Cristo reinará;
b. Pré-milenismo - aquele que crê em um reino literal de Cristo na face da terra por um período de mil anos, que se iniciará com a sua vinda, inaugurando-o. Ele se entende também como o ponto de vista que situa o arrebatamento e a vinda de Cristo antecedendo o Milênio.

2. CONCEITOS TRIBULACIONAIS - Estudos sobre a natureza, duração e época da grande tribulação:
a. Pré-tribulacionismo - o que defende o arrebatamento da igreja para antes da Grande tribulação, colocando-a fora de cena no período tribulacional;
b. Pós-tribulacionismo - o que mostra a igreja passando necessariamente pela Grande Tribulação e Jesus livrando-a quando de sua vinda para inaugurar o Milênio e o seu Reino eterno;
c. Intermediários - vários pontos de vista, como abaixo:
Mid-tribulacionismo - o que diz que Cristo virá no meio da Grande Tribulação;
Arrebatamento parcial - o que afirma que Cristo arrebatará partes da igreja isoladamente, isto é, em grupos;
d. Pós-tribulacionismo iminente - o que diz que Cristo virá após a Grande Tribulação, porém, nossa espera é iminente.

A PAROUSIA ou SEGUNDA VINDA DE JESUS (O Retorno de Cristo)
Na língua grega, temos três termos técnicos para indicar a vinda de Jesus: Apocalipse, Epifania e Parousia sendo que, destes três, o mais freqüentemente utilizado é Parousia.

Apocalipse: o significado literal dessa palavra é "revelação", como em "a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Co 1.7). "Revelação de Jesus Cristo" (Ap 1.1). De acordo com 2 Ts 1.6-7 e 1 Pe 4.13, essa revelação parece ser um tempo de alívio das grandes provações que produzirá alegria e regozijo nos salvos.

Epifania: este termo significa "manifestação". Expressa a vinda de Cristo no fim da tribulação e envolve o julgamento do mundo e do Anticristo. A esperança dos crentes é colocada nessa manifestação, quando esperam a recompensa e sem recebidos por Cristo (1 Tm 6.14; 2 Tm 4.8).

Parousia: é um termo grego que significa "Presença", "Aparecimento", "Advento", "Chegada". É a "vinda" de alguém, a fim de "estar presente". Mt 24.3,27,37,39; 1 Co 15.23, 16.17; 2 Co 7.6-7; 10.10; Fp 1.26; 2.12; 1 Ts 2.19; 3.13; 4.15; 5.23; 2 Ts 2.1,8-9; Tg 5.7-8; 2 Pe 1.16; 3.4,12; 1 Jo 2.28.

A Natureza da Parousia
H. C. Thiessen diz que no Novo Testamento temos o testemunho de Jesus, dos "varões vestidos de branco" e dos apóstolos. Jesus declarou que voltaria pessoalmente (Jo 14.3; 21.20-23), inesperadamente (Mt 24.32-51; 25.1-13; Mc 13.33-36), repentinamente (Mt 24.25-28), na glória de seu Pai e seus anjos (Mt 16.27 19.28; 25.31-46), e triunfantemente (Lc 19.11-27). Os "varões de branco" testificaram quando da ascensão de Cristo de que ele viria em pessoa, corporal e visivelmente, e repentinamente (At 1.11).
O testemunho dos apóstolos é bastante intenso. Citaremos apenas parte dele. Pedro testifica que ele virá em pessoa (At 3.19-21; 2 Pe 3.3,4), e inesperadamente (2 Pe 3.8-10). Paulo testifica que ele virá em pessoa (1 Ts 4.16,17; Fp 3.10,21) e repentinamente (1 Co 15.51,52), em glória e acompanhado pelos anjos (Tt 2.13; 2 Ts 1.7-10). A epístola aos Hebreus testifica que ele virá pessoalmente (9.28) e com presteza (10.37). Tiago testifica que ele virá em pessoa (5.7,8). João testifica que ele virá em pessoa (1 Jo 2.28; 3.2,3), repentinamente (Ap 22.12), e publicamente (Ap 1.7). E Judas cita Enoque para demonstrar que ele virá publicamente (v. 14,15).

Alguns entendem a vinda do Senhor como sendo: a vinda do Espírito Santo no Pentecostes, a conversão da alma, a destruição de Jerusalém, a morte física, a conversão do mundo, a ressurreição de Jesus, etc. Tais posições são errôneas. A vinda de Jesus é literal e inconfundível. Ap 1.7 diz que "todo olho O verá".

O Propósito da Parousia
A vida do crente não teria nenhum significado do ponto de vista de sua esperança, se não fosse a promessa e a espera certa e confiante na vinda de Cristo. Por que este assunto é tão enfatizado? Haveria motivos para a tão grande ênfase que o próprio Senhor dá a este assunto e como os apóstolos o trataram? Atentemos para alguns motivos que destacamos como sendo reveladores desse intenso tratamento.
· Trazer a justiça eterna. Dn 9.24; diferença entre justos e injustos. Ml 3.18;
· Vingar dos que não se importaram de conhecer a Deus. 2 Ts 1.8; Rm 1.21;
· Estabelecer, no sentido mais pleno, o Reino de Deus. 1 Co 15.24-28; Fp 2.10-11.
· Destruir a morte que está sobre todos os homens. Hb 2.14; 1 Co 15.26;
· Dar posse no Reino de Deus a todos os salvos. Mt 25.34.

A GRANDE TRIBULAÇÃO
"Porque nesse tempo haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não tem havido, e nem haverá jamais" (Mt 24.12).

Com essas palavras, Jesus esclarece os discípulos e enfatiza o tempo em que será intensificada a tribulação já sofrida pela igreja durante toda sua história, mencionando vários acontecimentos que estão ocorrendo nos últimos séculos tais como, guerras, rumores de guerra, fomes, perseguições e terremotos, revelados como sinais indicativos do período que ele chamou de "o princípio das dores". Com isso em mente, não podemos nos esquecer que estamos vivendo no "tempo do fim", um período claramente pré-tribulação.

Duração e Natureza da Grande Tribulação
W. H. Baker diz, com muita propriedade, que a Grande tribulação é um período de aflição sem precedentes, de alcance mundial, que introduzirá a Parousia, a volta de Cristo à terra em grande glória. (Paralelos: Mc 13.19; Lc 21.23; Ap 3.10). Acrescento, ainda, que afetará até mesmo os poderes dos céus com eventos catastróficos. No Antigo Testamento é o "tempo de angústia para Jacó" (Jr 30.5-7; ver Dn 12.1).

Há quem atribua uma duração de quarenta (40) anos para esse período, com base em que este número sempre simbolizou provação: o dilúvio; os dois jejuns de Moisés; desafio de Golias a Israel; anúncio de Jonas a Nínive e a tentação de Jesus. Outros, como os pré-tribulacionistas, pensam que a tribulação durará sete (7) anos. De fato, tomando como referência a profecia das setenta semanas de Daniel 9.24-27, resta, ainda, uma semana profética (7 anos) para completar os acontecimentos descritos pelo profeta Daniel.

O Anticristo
"O anticristo, com olhar vazio, tão sem misericórdia quanto o sol, já nasceu, o necessário precursor da Segunda Vinda". (Champlin)

A personagem principal desse tempo será, de fato, o Anticristo, comumente conhecido como A Besta do Apocalipse. Esse personagem, que será a própria personificação do mal, foi descrito pelo apóstolo Paulo como o Homem da Iniquidade, o Filho da Perdição, o Iníquo, o opositor de Deus, o qual o Senhor Jesus matará pelo assopro de sua boca e o aniquilará pelo esplendor de sua vinda (2 Ts 2.3-10).

Eu penso que essa última semana profética começará quando o Homem da Iniquidade (o Anticristo) iniciará ser reinado trazendo soluções fantásticas para os problemas políticos, econômicos e religiosos e, pouco a pouco, ganhando a simpatia do mundo e dos poderosos, adquirindo autoridade e poder, implantará o seu domínio, a ponto de exclamarem: "...quem é semelhante à besta?" (Ap 13.1-8). Já faz algum tempo que as nações poderosas do mundo buscam um líder mundial, que traga soluções para os seus graves problemas. Daniel 9.25-27, fala que o Anticristo ("...um príncipe que há de vir...ele...") fará firme aliança com muitos (provavelmente líderes da nação de Israel) por uma semana, mas na metade da semana fará cessar o sacrifício.

Com a quebra desse pacto na metade da semana, tirará sua máscara e estabelecerá o domínio de terror e perseguição, tanto de Israel quanto da igreja, no restante da semana, e que o sofrimento da igreja, causado pela perseguição satânica, durará um tempo definido de três (3) anos e meio ou quarenta e dois meses, ou um tempo, tempos e metade de um tempo ou 1.260 dias, com essas expressões significando o mesmo lapso de tempo que será, no meu entender, a Grande Tribulação propriamente dita ou o período mais intenso dela.

O período da Grande Tribulação terá como personagem principal o Anticristo e será um dos tempos mais terríveis da história do homem. Cenas indescritíveis na linguagem humana se desenrolarão em todo o planeta. Aquele será o tempo em que Satanás, na pessoa do Anticristo, agirá com maior liberdade e grande ferocidade contra o povo de Deus e tomará as rédeas políticas, religiosas e econômicas, com as quais deverá comandar uma espécie de Império Romano que, provavelmente, ressurgirá naqueles dias, composto de dez nações confederadas (Dn 7.7, 23-26; Ap 17.8-18. Besta de Ap 13 e 19; o Homem da iniquidade de 2 Ts 2).

Naquele tempo, a crueldade de Satanás somente não exterminará a igreja pela intervenção divina e pelo testemunho que ela terá de dar. Foi dado a ele, entronizado na besta, fazer guerra contra os santos e vencê-los (Dn 7.21e Ap 13.7). As duas testemunhas serão martirizadas (Ap 11.3-14). Será um tempo de martírio dos fiéis, até onde for permitido pelo Senhor, justificando plenamente o julgamento de Deus e a ira divina sobre o reino das trevas. Jesus disse que, se o tempo não fosse abreviado nenhuma carne se salvaria, tão grande e apertado será aquele tempo.

Nessa época, quando o Anticristo detiver todo o poder mundial nas suas mãos, deverá controlar todo o sistema mundial do comércio e comunicações. Ninguém poderá comprar ou vender sem a sua marca, nome ou número do seu nome - através do computador?

Após essa tribulação sofrida pela igreja, Jesus, vindo em defesa dos seus escolhidos, descerá dos céus com grande poder e glória (a Parousia, de que falamos), colocando fim na Grande Tribulação, executará o seu juízo na terra, com todos fatos dele decorrentes, tais como os descritos em Zacarias (4.1-7, 12-15, 2 Pe 3.7, 10-13; Ap 19.11-21). Esse dia apanhará muitos de surpresa, porquanto, os ímpios inimigos de Deus se acharão seguros e donos da situação, supondo terem dominado a igreja, quando lhes sobrevirá repentina destruição à qual não haverão de escapar (1 Ts 5.3), de forma semelhante aos dias de Noé, anteriores ao dilúvio (Mt 24.37-39).

Armagedom e Gogue e Magogue
Os acontecimentos, mencionados nessas passagens, que terão lugar naquele tempo, são inenarráveis. Porquanto, serão derramados sobre a terra os ais e as pragas e todos os acontecimentos previstos no livro de Apocalipse, descritos nas narrativas dos seis primeiros selos, das sete trombetas, das sete taças da ira de Deus. Jesus se referiu a essa ocasião como um tempo de catástrofes mundiais, tumultos de toda ordem, sinais nos céus, no sol, nos oceanos, na lua e nas estrelas, grandes terremotos e o abalo as potências dos céus.

A nação de Israel será invadida por Gogue, que alguns estudiosos acham que pode ser a Rússia, nessa época se dará a grande Batalha do Armagedom (Ar Megido) (Ap 16.16; 19.17-21), com a destruição dos exércitos dos inimigos de Israel e do povo de Deus, que o profeta Ezequiel (38.2-39.20) e o apóstolo João (Ap 20.8) chamaram de Gogue e Magogue, nos montes da Palestina.

A Conversão de Israel
Depois do rompimento da aliança com o Anticristo, Israel reconhecerá o Jesus, a quem rejeitaram, como o seu esperado Messias (Zc 12.10,11). Então se cumprirá a palavra de Jesus a respeito de sua aceitação por parte dos filhos de Israel (Mt 23.37-39). De Sião virá o libertador (Rm 11.26) Jesus, e .

Com a conversão de Israel (Ez 39.21-29), entendo que os israelitas, juntamente com a igreja, desencadearão um testemunho poderoso e eficaz, empreendendo uma ação missionária, provavelmente nunca havida até aquele tempo.

As Ações na Grande Tribulação
Os principais fatos, que ocorrerão na Grande Tribulação, podem ser assim resumidos:
a. domínio e revelação de Satanás, através da Besta e do falso profeta;
b. a grande apostasia (rebelião) contra Deus e Jesus;
c. ira da Besta e perseguição contra Israel e os cristãos que testemunharão enfrentando a própria morte (Ap 12.11);
d. juízos de Deus contra a Besta, o falso profeta e os ímpios (nações). Influência na atmosfera: escurecimento do sol e lua, queda das estrelas, estrepitoso estrondo, grande cataclisma no globo terrestre (2 Pe 3.7-13).

AS RESSURREIÇÕES E O ARREBATAMENTO
Esses dois acontecimentos terão lugar quando Jesus descer dos céus para colocar fim à Grande Tribulação e estabelecer seu Reino na terra. Além das referências no Antigo Testamento, acham-se registrados, no Novo, em quatro textos principais, destacados, a seguir: Mt 24.31;1 Co 15.1-55; 1 Ts 4.13-18; Ap 20.4-6.

As Ressurreições
Exemplos de ressurreições na Bíblia:

Antigo Testamento
O filho da viúva de Sarepta (1 Re 17.17-24);
O filho da Sunamita (2 Re 4.18-37);
um morto tocado pelo corpo de Eliseu (2 Re 13.20-21).

Novo Testamento
O filho da viúva de Naim (Lc 7.12-15);
a filha de Jairo (Mt 9.23-25);
Lázaro (Jo 11.1-44);
mortos no dia da morte/ressurreição de Jesus (Mt 27.51-53);
Dorcas (At 9.36-41);
Êutico (At 20.9,10)
e a de Jesus (Mt 28.1-10; Mc 16; Lc 24; Jo 20), diferente e mais poderosa que as demais (Ef 1.18-20).

Primeira ressurreição:
A primeira ressurreição compreende duas fases e uma ordem: a de Jesus, como as primícias (1 Co 15.20-24); a de todos os salvos, mortos em Cristo, tanto os do Antigo Testamento, como os de toda a história da igreja e os que forem mortos durante da Grande Tribulação. Ela é chamada de ressurreição dos justos (Lc 14.14).

Com exceção da de Jesus, que já aconteceu, a primeira ressurreição ocorrerá no momento exato da Parousia (vinda) de Cristo, antes do Milênio de paz (por isso, pré-milenista) Mt 24.29-31; Jo 5,28; Ap 20.4-6.

O caráter da ressurreição: não será simbólica nem espiritual, como alguns afirmam mas, literal e física, ou corpórea. Is 60.8; Dn 12.2; 1 Co 15.; 1 Ts 4.13-18. Ela será uma ressurreição "dentre (ek) os mortos".

Segunda ressurreição:
Essa é denominada de ressurreição do juízo e envolve os ímpios perdidos de todos os séculos. A sua ocasião será após o período de mil anos de paz na terra, o milênio. Dn 12.2; Ap 20.5,11-13.

O Arrebatamento
Alguns exemplos na Bíblia: Enoque (Gn 5.24); Elias (2 Re 2.11); Filipe (At 8.39-40), além de outros.

A palavra "Arrebatamento" não se encontra na Bíblia. A idéia e a certeza desse evento futuro, sim!
O texto principal encontra-se em 1 Ts 4.13-18. Na verdade, esse acontecimento se confunde muito com o evento da ressurreição, porque os fatos são intimamente ligados entre si.

Com efeito, o termo "ressurreição" significa "surgir novamente"; ressurreição é o fato de alguém, ou algo, voltar à vida que já havia sido perdida; o arrebatamento é a ação de algo ou alguém ser transportado de um lugar para outro. Esses dois acontecimento se misturam porque ocorrerão simultaneamente. Até mesmo porque, transformados em corpos incorruptíveis e arrebatados até às nuvens, ao encontro do Senhor nos ares, serão todos os salvos (1 Co 15.51; 1 Ts 4.17) mas, ressuscitados serão apenas "os que já dormem".

Muitos cristãos, com base nos ensinamentos pré-tribulacionistas, estão aguardando o arrebatamento como o primeiro acontecimento a ter lugar na história a qualquer momento. No entanto, segundo ensina a Bíblia (Mt 24.29-31 e 2 Ts 2.1-3), o que precisamos esperar com vigilância, perseverantes e firmes na fé, como os próximos eventos a ocorrerem em todo o mundo, são: o aparecimento do anticristo e a Grande Tribulação. O arrebatamento será um evento literal, visível, de dimensões mundiais, catastrófico e, juntamente com o retorno de Jesus e todos os fatos que o acompanharão, marcará o fim desta era tenebrosa (2 Pe 3.10-13).

O MILÊNIO DE PAZ E O ESTADO ETERNO
Definição do Milênio
Alguns estudiosos não vêem na Bíblia um milênio (mil anos) literal na terra depois da volta de Jesus. De fato, as Escrituras são escassas com respeito ao tempo de duração desse período. Apesar disso, no curto trecho de Apocalipse 20.1-7 vemos os mil anos sendo mencionados nada menos que 6 (seis) vezes. Entendo que essa quantidade de referências é suficiente como base para a doutrina. A própria didática mostra que a repetição é uma das técnicas utilizadas no ensino. Além disso, um número enorme de textos se identificam com esse período. Eis alguns deles: Is 2.4; 4.2-6; 11.1-10; 65.20; Jl 2.21-27: 3.8-20; Mq 4.1-4; 5.7-8; Zc 14.9; 16-21.

O Caráter do Milênio
Esse período terá um governo teocrático (de Deus) na terra; será caracterizado pela prosperidade, paz, eqüidade, justiça e glória (Is 11.2-5) e sua sede é a Nova Jerusalém que descerá dos céus (Ap 21.1-22.15) e, segundo entendo, se estabelecerá no local da atual Jerusalém, em Israel, na Palestina (Zc 12.6, 8-10).

O Contexto do Milênio
A sucessão de acontecimentos, tão cronológico quanto possível, por ocasião da implantação literal do Reino de Deus aqui na terra, podem ser considerados em três fases: antes, durante e depois do Milênio.

Antes; acontecimentos finais da Grande Tribulação com todos os seus desdobramentos; invasão de Israel por Gogue; ressurreição e arrebatamento dos mortos em Cristo; transformação e arrebatamento dos salvos vivos; a grande batalha do Armagedom; Juízo intermediário e morte dos ímpios; escurecimento do sol, lua e estrelas caindo; destruição do reino da Besta (o Anticristo); Aprisionamento de Satanás e dos todos os demônios; lançamento da Besta e do falso profeta no lago de fogo; purificação e transformação do globo terrestre - vales aterrados e montes nivelados; a Nova Jerusalém desce dos céus; alguns preservados do juízo entram no Milênio;

Durante; Governo de paz na terra, os fiéis reinam com Cristo na Nova Jerusalém; Satanás e os demônios presos; afastamento do mal da terra, resultando na redução de pecados, afastamento de enfermidades e males; prolongamento da vida; mansidão dos animais; banimento das trevas; Bodas do Cordeiro; dádivas trazidas à Nova Jerusalém;

Depois; no fim do Milênio, soltura de Satanás por breve período de tempo, que sairá a enganar as nações; revolta das nações contra o Reino de Jesus e a Nova Jerusalém; manifestação da ira de Deus sobre os homens na terra; lançamento de Satanás no lago de fogo eternamente; destruição do pecado e da morte; segunda ressurreição dos restantes dos mortos para o juízo final; entrada no estado eterno; novos céus e nova terra.

O Estado Eterno
Este estado de eterna glória, em que Deus já terá enxugado as lágrimas de todos os salvos, jamais findará. Jesus Cristo entregará o Reino ao Pai. Haverá um novo céu e uma nova terra onde habitará a justiça. Não haverá mais tristeza, nem ódio nem dor, nem lembranças amargas do passado. Não haverá mais noite e o tempo cronológico provavelmente deixará de existir. Todos os salvos de todas as épocas se reconhecerão e estarão juntos eternamente. O puro e perfeito amor será desfrutado na sua inteireza. Acredito que não haverá mais a possibilidade de pecar. Os salvos serão unidos ao Senhor de maneira perfeita, física (corpo ressurreto e incorruptível) e espiritualmente, nas suas frontes estará gravado o Seu nome.

IMPLICAÇÕES DA ESCATOLOGIA NA OBRA MISSIONÁRIA
No eterno propósito de Deus, os relatos da Bíblia com respeito aos acontecimentos nestes últimos tempos do fim, como não poderia deixar de ser, estão intimamente relacionados com a salvação do ser humano.

O Problema da Interpretação
Segundo aquilo que cremos ou entendemos da Escatologia (segunda vinda de Jesus, existência ou não do milênio, tempo da grande tribulação, perdição dos ímpios, ressurreição dos mortos, vida eterna e castigo eterno, julgamento, arrebatamento, restauração de Israel, etc), é que agiremos com relação a tarefa missionária da evangelização do mundo, ordenada por Jesus, de maneira enfática antes de sua ascensão Mt 28.18-20.

O entendimento da possibilidade de não existir um milênio literal na terra, embute a idéia errônea da conversão gradual de todas as nações, e leva os cristãos à estagnação, desobediência, desmotivação e descompromisso com a tarefa de evangelizar o mundo pois, essa forma, não vê a necessidade das missões, visto que é esperada a conversão em escala mundial, invalidando, assim, a Palavra de Deus. Essa visão torna a igreja apenas expectadora dos acontecimentos, em que tudo ocorreria automaticamente, à parte da atuação da igreja.

A crença em um arrebatamento iminente (a qualquer momento) e secreto antes da Grande Tribulação, a fim de retirar a igreja da terra antes que ela ocorra, dá margem ao que Champlin chamou de "a igreja da fé fácil", ou seja, aquela que não pode sofrer os efeitos da perseguição. Isso resulta numa igreja desinteressada, fraca e sem poder para testemunhar, em meio aos sofrimentos impostos pela oposição ao evangelho de Jesus.

A Esperança
Com relação a Escatologia, temos duas importantíssimas instruções de Jesus a serem por nós observadas, de grande relevância na nossa esperança cristã e padrão de vida.

A primeira é a esperança. É a necessidade de conhecermos o assunto de forma mais aprofundada, de termos consciência da certeza irrefutável da vinda de Jesus e da implantação do Reino de Deus aqui na terra, com todos os seus desdobramentos, e esperarmos o cumprimento dessas promessas, mostradas através dos textos de Mt 24.3-13, 21-22, 29-35, 42-44 e Lc 21.20-28, 34-36. O resumo da promessa é que Ele virá (Ap 22.7,20) e que venceremos com Ele (Ap 12.11; 17.14).

O Compromisso
A segunda, é acerca do nosso compromisso e preocupação com o anúncio do evangelho e não com especulações. O que precisamos Jesus já nos informou na sua Palavra Mt 24.14, 36-39; 25.14-30; Lc 21.6-8, 12-18, 24.46-49; At 1.6-8. O Dr. Russell Shedd diz que a Escatologia não tem a missão principal de responder às perguntas suscitadas pela nossa curiosidade, mas sim de incentivar nossa responsabilidade (Ap 22.7). Quando os discípulos quiseram saber pormenores acerca da Vinda (sobre dia e hora), Jesus concentrou sua atenção sobre a evangelização mundial (At 1.6-8).

De fato, assim como agora nos cabe a tarefa da evangelização, viveremos eternamente para o servir (Ap 22.3), enquanto com Ele reinamos. Por isso, aguardemos os acontecimentos de forma correta, anunciando o evangelho do Reino, conforme ensinou em uma de suas parábolas: "Negociai até que eu volte" (Lc 19.13).

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Russel Shedd, Norman Champlin, e o debate escatológico sobre o Arrebatamento da Igreja

O debate escatológico sobre se o arrebatamento da Igreja dar-se-á antes, no meio ou depois da Grande Tribulação tem rendido muita reflexão teológica por parte dos estudiosos. Muitas linhas têm sido escritas e muitos discursos têm sido proferidos, principalmente quando há uma polarização das teorias pré e pós-tribulacionistas.

Os proponentes das três teorias indicam possuir fundamentos escriturísticos para posicionarem-se como posicionam-se. Contudo, parece-me que nessa dialética o argumento pós-tribulacionista é o que melhor calça-se escrituristicamente falando. Evidentemente não buscarei demonstrar isso aqui de maneira exaustiva. Porém, analisando mais detidamente 2 Tessalonicenses 2:1-3, desejo expor um indicativo cristalino da maior consistência que envolve a tese pós-tribulacionista.

Antes de procedermos a exegese do texto, faz-se necessário informar que a segunda epístola paulina endereçada aos crentes de Tessalônica teve como propósito aclarar questões concernentes à segunda vinda de Cristo. Como haviam alguns crentes que estavam distorcendo os ensinos sobre o assunto, transmitidos na primeira epístola, o apóstolo viu-se forçado a ajustar as coisas doutrinando-os pela instrumentalidade de uma nova epístola.

Russel Champlin supõe que alguns dos crentes daquela comunidade poderiam está afirmando que Cristo já teria retornado, ao passo que outros teimavam por enfatizar em demasia a sua iminência. Independente de quais erros escatológicos estivessem em circulação naquela comunidade, o fato é que aqueles crentes estavam sendo perturbados por uma confusão doutrinal que precisava ser corrigida.

No capítulo 2:1-3 Paulo inicia sua ação pedagógica com vistas a deixar claro que Cristo ainda não tinha vindo e que a Sua vinda deveria ser precedida por alguns eventos. Ele diz:
“Irmãos, no que diz respeito a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele, nós vos exortamos…” (v 1).
Nesse verso encontramos o uso da palavra grega parousia que é traduzida por vinda, chegada. Rienecker e Rogers dizem que ela “era usada como um termo semi-técnico [...] para a aparição de um deus.”[1]

Originalmente, parousia era uma palavra de uso secular que fora incorporada pela Igreja para, tecnicamente, indicar a Segunda Vinda de Cristo.

Indicando como um evento cocomitante à parousia, o teólogo de Tarso faz menção ao arrebatamento da Igreja ao usar a expressão “e à nossa reunião com ele”. No texto grego, encontramos o uso da palavra episunagoge que traduzida significa encontro, reunião, assembléia. [2]

Observando o paralelismo de passagens é possível notarmos que não há, nem por inferência, uma sugestão paulina de diferenciação entre o rapto da Igreja apresentado em 1 Tessalonicenses 4 e a parousia abordada no texto que ora analisamos. Ou seja, a idéia pré-tribulacionista de duas fases da Segunda Vinda de Cristo – a primeira para o arrebatamento e a segunda para o acerto de contas com as nações ímpias – parece não estar presente no pensamento paulino.

Paulo diz mais:
“[...] a que não vos demovais da vossa mente, com facilidade, nem vos perturbeis, que por espírito, quer por palavra, quer por epístola, como se procedesse de nós, supondo tenha chegado o dia do Senhor” (v 2).

Como já foi dito anteriormente, havia uma celeuma doutrinária no interior da comunidade quanto ao assunto em foco. Objetivando ordenar as coisas, o apóstolo é enfático no redirecionamento da maneira daqueles crentes pensar. Ele diz: “não vos demovais da vossa mente”. A palavra grega usada aqui é saleuo que significa abalar, mover-se para lá e para cá, titubear[3] e, mover, chacoalhar, perturbar.[4]

O uso dessa palavra no texto indica-nos o estado presente da comunidade local e não a possibilidade dela vir a ficar assim. As coisas não iam bem ali. O estrago não era definitivo, mas era grande, e, assaz ameaçador.

Chamando-os ao equilíbrio mental, com vistas à estabilidade subjetiva e congregacional, Paulo continua pondo a casa em ordem afirmando que dele nada procedera indicando que “tenha chegado o dia do Senhor”. Para alguns, o Senhor já tinha vindo e eles tinham ficado de fora do arrebatamento. A palavra chegado, no grego, é enesthken, o indicativo perfeito de enistemi que traz o sentido de estar presente, ter vindo. [5] Leon L. Morris também diz que “a palavra pode ser traduzida por está agora presente.”[6]

Isso é o que se imaginava. Esse era o ambiente local.

No processo de ir sedimentando a paz e a correção doutrinal, o apóstolo fala de dois eventos que necessariamente hão de anteceder a parousia e que, obviamente, na compreensão escatológica dele, ainda não tinham ocorrido. Ele diz:
“Ninguém de nenhum modo vos engane, porque isto não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição” (v 3).

Não há dúvidas que para Paulo o Segundo Advento de Cristo não se dará sem ser precedido pela apostasia e pela revelação do homem da iniqüidade (o Anticristo). Em Mateus 24:12, 15, encontramos também esse ensino declarado.

A palavra apostasia, segundo Ernest Best, I. Howard Marshall, e A. L. Moore[7] significa, no grego, queda, caída,rebelião, revolta.

A apostasia descrita aqui e em Mateus 24:12 indicada pela expressão “o amor se esfriará de quase todos”, refere-se a um acontecimento do tempo do fim e, portanto, jamais visto (1Tm 4:1-2; 2Tm 3:1-5). Suas características serão a universalidade (dentro e fora da Igreja), a intensificação da iniqüidade e uma profunda e radical malignidade.

Alguns intérpretes pré-tribulacionistas têm sugerido que a palavra apostasia aponta para uma saída da Igreja do mundo via arrebatamento. É evidente que essa compreensão é estranha ao uso comum de tal vocábulo no Novo Testamento.

Posterior à apostasia daqueles dias, há ainda, precedendo o retorno do Messias, um outro evento por acontecer: trata-se da manifestação do Anticristo.

Paulo usa dois hebraísmos para descrever o caráter desse homem: homem da iniqüidade e filho da perdição. A palavra usada no grego para iniqüidade é anomia que “descreve a condição de quem vive de modo contrário à lei.”[8] Já o vocábulo grego usado para perdição é apoleia que indica “aquele que está destinado a ser destruído.” [9] Ele é denominado filho da perdição por causa desse seu destino de ruína, mas, também, não foge a uma boa interpretação, compreendermos, mesmo que secundariamente, que ele levará muitos consigo ao fim que o aguarda. Ambas designações demonstram que o espírito no qual o Anticristo atuará é “segundo a eficácia de satanás” (v 9).

O contexto escatológico no qual o “abominável da desolação” (Mt 24:15) iniciará a implementação do seu reinado terrenal é o da Grande Tribulação (ambos estão entranhavelmente conectados). É nesse período que ele levantará uma perseguição contra os santos (a Igreja) do Senhor jamais experimentada (Ap 7:9, 11:7, 13:7, 10, 14:12, 15:3, 16:6, 17:6, 18:24).

Paulo, nos versículos 6 e 7, fala de um ”restringidor” que impede a revelação do Anticristo. Quem ou o que seria esse restringidor é razão de uma disputa grande entre os intérpretes. Para os teóricos do pré-tribulacionismo é a presença do Espírito Santo na vida da Igreja que não permite que o homem da iniqüidade se manifeste. Com o arrebatamento da Igreja o Espírito Santo seria removido e isso daria ao Anticristo a oportunidade de se mostrar ao mundo e iniciar o seu reinado de ilegalidades. Henry Clarence Thiessen, um pré-tribulacionista, referindo-se a Scofield, Grant, Lincoln, Gray e Ottman[10], diz que estes também “afirmam que o que detém é o Espírito Santo, e que ele será afastado quando Cristo voltar para os Seus.”

Para Russel Shedd,
“Não existe apoio no Novo Testamento para esta sugestão. Parece até insustentável à luz duma comparação entre duas afirmações nas Epístolas aos Tessalonicenses. A primeira indica que haverá crentes até a chegada do Senhor na parousia. Paulo inclui a si mesmo entre os salvos que esperam a vinda de Cristo: “nós os vivos, os que ficarmos até a vinda (parousia) do Senhor” (1Ts 4;15), com 2Ts 2:8 que diz que o iníquo “será destruído pela manifestação da sua (Cristo) vinda (parousia)”. Nós, os vivos, (membros da Igreja na terra), ficaremos até o Anticristo ser afastado do poder [...]“[11]

Champlin esboça a seguinte compreensão sobre a possibilidade desse restringidor ser o Espírito Santo:
“Devemos também meditar na possibilidade que ainda que o Espírito Santo seja aludido, poderia ele remover o poder restringidor do Anticristo, sem que isso significasse que ele teria de deixar sozinha a Igreja de Cristo; e esta poderia ser protegida das perseguições até àquele ponto escolhido pela soberana vontade divina”[12]

Diante do raciocínio de Shedd, que descansa em um paralelismo bíblico livre de suspeições interpretativas, fica difícil, senão impossível, sustentar a opinião pré-tribulacionista. No caso de Champlin, mesmo admitindo a possibilidade desse restringidor ser o Espírito Santo, ele não trabalha com o raciocínio pré-tribulacionista que intenta remover a Igreja do tempo da Grande Tribulação.

Um outro problema da maneira da doutrina pré-tribulacionista conceber a parousia de Cristo é que ela implica na invenção de dois estágios da segunda vinda de Cristo: o primeiro, nos ares, para arrebatar a Igreja e o segundo à terra para trazer juízo. Sobre esse assunto, o já falecido teólogo calvinista Louis Berkhof diz:
“Felizmente, alguns premilenistas não concordam com esta doutrina de uma dupla Segunda Vinda de Cristo, e se referem a ela dizendo que é uma novidade sem fundamento.”[13]

Seguindo à mesma linha de raciocínio,outro teólogo calvinista, Wayne Grudem, diz:
“O Novo Testamento não parece justificar a idéia de duas voltas distintas de Cristo [...] Mais uma vez, tal posição não é ensinada de maneira explícita em nenhuma passagem, sendo uma simples inferência baseada em diferenças entre várias passagens que descrevem a volta de Cristo a partir de perspectivas distintas.”[14]

Bom, voltando à questão do restringidor, o que se pode dizer com segurança é que ele poder ser o Espírito Santo, mas não como “aquele” (v 7 – o gênero é masculino no grego) que sairá da terra com a Igreja em um evento que fraciona a parousia de maneira indevida com implicações antibíblicas.

Concluindo, penso que foi possível deixar claro que o texto de 2 Tessalonicense 2:1-3 nos informa que a nossa reunião com Cristo (arrebatamento) não se dará sem que a apostasia e o surgimento do homem da iniqüidade aconteçam. Também vimos que o período em que o Anticristo será conhecido chama-se de Grande Tribulação. Na junção desses tópicos escatológicos compreendemos que 2 Tessalonicenses 2:1-3 é uma referência objetiva que favorece a teoria pós-tribulacionista. Optar pelo pré-tribulacionismo é optar por ser contrário a essa Escritura e as que se seguem: Mt 24:22; Lc 21:36; 1Tm 4:1-3; 2Tm 3:1-5; Ap 7:14. Todavia, penso ser necessário, a despeito do posicionamento defendido aqui, a continuidade do debate e dos estudos sobre a temática.
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[1] RIENECKER, Fritz, ROGER, Cleon: Chave Lingüística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 442.[2] idem, p. 450.[3] CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo Por Versículo. São Paulo: Millenium, vol. 5, 1985 p. 239.[4] Walter Bauer, W.F. Arndt, Dnker e Zabatiero Gingrich em Rienecker e Rogers, p. 450.[5] Champlin, p. 240.[6] em Rienecker e Rogers, p. 450.[7] idem.[8] George Milligan, idem.[9] A. L. Moore e Ernest Best, idem.[10] THIESSEN, Henry Clarence. Palestras em Teologia Sistemática. São Paulo: Regular, 2000, p. 330.[11] SHEDD, Russel P. A Escatologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1991.[12] Champlin, p. 246.[13] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 642.[14] GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 969

John Dominic Crossan e Adolf Von Harnack: O Cristianismo e as Religiões de Mistério

Este texto objetiva reverberar a discussão histórica e atual sobre a relação entre o cristianismo e as religiões de mistério pagãs. Estudiosos afirmam que o cristianismo tomou emprestado, das religiões de mistérios, elementos relacionados às suas crenças, cultos e histórias. Eles dizem que se os cristãos acreditam na historicidade das narrativas dos evangelhos sobre Jesus, seus milagres, sua morte, ressurreição e ascensão ao céu, devem também acreditar nas histórias pagãs sobre Herácles e Dionísio, por exemplo, que são deuses-salvadores do mundo greco-romano no primeiro século.

A teoria dos empréstimos[1] encontra forte e competente resistência no mundo acadêmico. No entanto, não são poucos os estudiosos que vêem muito mais uma dependência das religiões de mistérios pagãs em relação ao cristianismo do que o contrário. Eles também insistem que, é muito mais correto, do ponto de vista histórico, enxergar uma dependência do cristianismo em relação ao judaísmo. Um exemplo disso seria a Ceia Cristã que tem como pano de fundo histórico a Páscoa Judaica e não as refeições das religiões de mistério.

O mundo no qual o cristianismo avançou triunfalmente, muitas vezes em meio a sofrimentos, era marcado por uma sede religiosa. Havia uma necessidade social por certezas em relação à redenção do mal, purificação espiritual, vitória sobre a morte e o destino e a união com o divino. Dizem os estudiosos que as antigas religiões clássicas não davam conta de corresponder a esses anseios e que as divindades gregas e romanas tinham sucumbido quanto à transmissão da inspiração do passado. Neste contexto as seitas orientais começaram a ganhar a preferência no mundo greco-romano a partir do 1º século antes de Cristo e o sincretismo se tornou um elemento de presença marcante. Com isso as religiões misteriosas tornam-se populares.

J. N. D.Kelly disse que religiões misteriosas “é o nome que se dá àqueles grupos ou comunidades religiosas bem consolidadas nas quais os novos adeptos tinham de ser iniciados em cerimônias secretas (“mistérios”) não comunicáveis aos de fora” (1994, p. 9). A palavra “mistério”, do grego mustérion que significa também “rito secreto” e “doutrina secreta”, caracteriza as religiões que incorporam doutrinas esotéricas, ritos e cerimônias de iniciação.

A popularidade dessas religiões no mundo greco-romano se deu exatamente porque elas respondiam aos anseios das classes sociais quanto à redenção, a libertação dos problemas do mal e das condições terrenais com suas limitações. No entanto, as pessoas daquele tempo poderiam também optar por outros cultos que eram bem menos místicos. Um exemplo é a religião olímpica grega.

As religiões de mistérios de Ísis-Osíris, de Cíbeli-Átis; de Afrodite-Adônis, dos eleusianos e de Mitras eram bastante populares, porém, Ísis e Cíbele ganhavam das demais em popularidade, atraindo multidões, e Mitras era o preferido entre os soldados romanos. A razão dessa popularidade descansava no fato do mitraísmo admitir em sua membresia apenas pessoas do sexo masculino. De acordo com Champlin (2008), o mitraísmo, nos segundo e terceiro séculos, tornara-se o principal rival do cristianismo nas fronteiras do império devido a grande presença numérica dos soldados romanos.

O Dr. Ronald Nash, ex-chefe de Filosofia e Religião da Universidade de Western Kentucky, autor do livro Chistianity and the Hellenistic World, nos diz que na metade do século XX, vários teólogos liberais e diversos estudiosos concluíram que o Novo Testamento não passa de um mero produto das religiões misteriosas. Como eu disse no início desse texto, essa teoria ainda é defendida nesse século XXI.

Assim, passo a apresentar algumas considerações sobre esse debate. Dividirei a exposição em três partes: 1ª) Os cultos misteriosos; 2ª) A ressurreição dos deuses salvadores pagãos e a ressurreição de Jesus Cristo e, 3ª) Rituais pagãos e ordenanças cristãs.

Os Cultos Misteriosos

1. Culto de Ísis-Osíris[2]
Os ritos deste culto tinham, a princípio, o alvo da obtenção de boas colheitas, depois se desenvolveu em um culto onde seus adeptos buscavam a salvação pessoal por meio de purificações. Kelly (p. 10) diz que “os ritos de Ísis convenciam a pessoa de que ela havia atravessado os portais da própria morte e voltara reivivificada, protegida pela deusa a quem tinha visto face a face.”

O erudito francês Andre Boulanger (1886-1958) diz que “a noção de que o deus morre e é ressuscitado, a fim de levar os seus fiéis para a vida eterna, é preservada na religião helenista misteriosa” (apud NASH 1984, p. 172-173). O egiptólogo E. A. Wallis Budge (1857-1934) afirmou que os egípcios encontraram em Osíris o protótipo de Jesus Cristo exatamente porque aquele ressuscitou dos mortos, conquistou a morte e com isso ensinou que os justos também poderiam conquistá-la. Assim ele estabeleceu conexões entre essa religião misteriosa e o cristianismo.

Os defensores da teoria dos empréstimos diriam que do mito de Osíris pode-se destacar três analogias em relação a Jesus Cristo:
Um deus salvador morre;
Ressuscita dentre os mortos;
Acompanhado por um batismo na água.

Já os estudiosos que são contrários a tal teoria apresentam os seguintes argumentos:
Jesus era um personagem real da história;
Ele apareceu em carne várias vezes;
A narrativa foi feita por testemunhas oculares;
Nem toda versão do mito de Osíris narra seu retorno a vida;
Em algumas versões ele simplesmente se torna o rei morto do mundo invisível;
No caso do batismo, dizem ser um exagero querer ver no mito egípcio uma analogia com o batismo cristão. Argumentam que o destino do caixão de Osíris no Nilo é tão relevante para o batismo como é a submersão de Atlântida.
Não há evidências antes do segundo século a.C. para a suposta ressurreição de Osíris.

2. Culto mitraico
Este culto ao que tudo indica era de origem persa. Ele girava em torno do sacrifício de um touro ao deus Mitra. Para se tornar membro desse culto era necessário observar um processo de iniciação bastante elaborado. O candidato deveria passar por sete graus. Em cada um desses graus ele praticava abluções, participava de refeições sagradas e de muitos ritos sacramentais. Esse tipo de culto era marcadamente rígido do ponto de vista disciplinar e, por isso, conforme dito anteriormente, era o preferido dos soldados romanos. Na luta contra as forças demoníacas, os homens podiam contar com a ajuda de Mitra que era considerado o mediador mais poderoso.

O autor muçulmano contemporâneo Yousuf Saleem Chishti diz:
Quem estudar os ensinamentos do mitraísmo juntamente com os do cristianismo, certamente se surpreenderá com a afinidade que é visível entre eles, tanto que muitos críticos são obrigados a concluir que o cristianismo é o fac-símile ou a segunda edição do mitraísmo. (apud GEISLER, 2001, p.87)

Ao falar de afinidade, Chisthi está se referindo às seguintes questões:
Estando na terra, Mitra dedicou-se a servir à humanidade;
Celebrou uma última ceia;
Esforçou-se para remir o homem;
Subiu para o céu;
No céu continua a ministrar aos homens;
Tem agentes terrenos;
Ajuda-os a vencerem os poderes demoníacos.

Chisthi diz ainda que “Mitra foi considerado o filho de Deus, foi um salvador e nasceu de uma virgem, teve doze discípulos, foi crucificado, ressuscitou dos mortos no terceiro dia, expiou os pecados da humanidade e voltou para o seu pai no céu” (idem,87-88).
Porém, estudiosos como o historiador Edwin Yamauchi e o especialista em mitraísmo M.J. Vermaseren afirmam que a religião de Mitra não penetrou no ocidente até o fim do século 1º d.C. Respectivamente, eles disseram:
Além da visita do armênio, que era adorador de Mitra, a Nero, não há evidência da penetração de Mitra para o ocidente até o final do século 1º a.D. (1983, p.112 apud MCDOWELL; WILSON, 1998, p. 213)

Nenhum monumento mitraico pode ser datado de antes do fim do século 1º a.D., e nem mesmo investigações extensas na cidade de Pompéia, sepultada sob as cinzas do Vesúvio em 79 a.D., produziram até agora uma imagem sequer do deus. (1963, p. 29, idem)

O que estes estudiosos estão afirmando é que o culto a Mitra não se firmou no império romano até depois do ano 100 E.C. A questão cronológica, segundo eles, é anacrônica. Ronald Nash diz a mesma coisa e ainda afirma que os escritos neotestamentários não podem ser datados acima do período de 90-100 d.C. Disso conclui-se que se alguém foi influenciado por alguém, foi o mitraísmo quem experimentou isso e não o cristianismo e, esse fato, desloca a afirmação de Chisthi. Este autor ainda tem contra o seu argumento o testemunho de Justino Mártir (100-165) que diz sobre o mitraísmo e a Ceia do Senhor, em sua Primeira Apologia, o seguinte:
"Foi isso que os Apóstolos nas Memórias por eles escritas, que se chamam Evangelhos, nos transmitiram que assim foi mandado a eles, quando Jesus, tomando o pão e dando graças, disse: “Fazei isto em memória de mim, este é o meu corpo”. E igualmente, tomando o cálice e dando graças, disse: “Este é o meu sangue”, e só participou isso a eles. É certo que isso também, por arremedo (o grifo meu), foi ensinado pelos demônios perversos para ser feito nos mistérios de Mitra."

McDowell e Wilson afirmam que “em vista da data recente para o culto de Mitra no império romano, podemos eliminá-lo com segurança como uma possível influência sobre as origens cristãs.” (1998, p. 213).

3. Culto Cibele-Átis
O culto a Cibele é encontrado entre os frígios. Essa deusa era considerada como a Magna Mater e era a deusa da fertilidade. Átis, deus da vegetação e amante de Cibele, emasculou-se para que a sua virilidade fosse dada a sua amante. Nos cultos dessa deusa a adoração era marcada por orgias cerimoniais e os muitos homens que participavam desse culto castravam-se com o propósito de serem seus sacerdotes. Sobre o culto à Grande Mãe Nash diz:
Ia além das orgias sexuais, que faziam parte do culto primitivo a Dionísio, à medida que os adoradores do sexo masculino frenéticos eram levados a castrar-se. Depois desse ato de automutilação, os seguidores de Cibele se tornavam “Galli”, ou sacerdotes-eunucos do culto. (1984, p. 139)

Um emocionalismo marcante é que dava o tom ao culto cibeleno.

Neste culto, havia um ritual muito importante que era o taurobolium. De acordo com Kelly:
"Nos ritos de Cibele e Átis, por exemplo, ele (o iniciado) se submetia a um tipo de batismo no sangue de um touro (taurobolium) ou de um carneiro (criobolium), que era abatido sobre; como conseqüência, a pessoa sentia-se “renascida para sempre." (1994, p. 10)

A dinâmica do ritual era a seguinte: os iniciados ficavam deitados ou em pé em uma cova e, acima dela, o touro, enfeitado de flores, era abatido e o seu sangue gotejava da plataforma sobre eles que tomavam um banho quente enquanto o animal agonizava. Alguns estudiosos dizem que Apocalipse 7:14 que diz “são estes os que… lavaram suas vestiduras,e as alvejaram no sangue do Cordeiro”, teve como fonte inspiradora o ritual do taurobolium.

O erudito alemão Gunter Wagner põe a idéia de renascimento por meio do tauróbolo no culto a Átis em fins do século 4º d.C. Portanto, vão dizer os opositores que se houve alguma inspiração não foi desse ritual pagão sobre o cristianismo, mas o contrário. O fato é que o pano de fundo do ensino do Novo Testamento é o Antigo Testamento com a Páscoa Judaica e os sacrifícios templários.

A ressurreição dos deuses salvadores pagãos e a ressurreição de Jesus Cristo
1. A Ressurreição de Osíris
Champlin fala que “segundo a crença, Osíris teria sido morto e desmembrado por Sete, o deus maligno. Ísis pôs-se a procurar até encontrar os membros do marido, e, depois de ajuntá-los, fez seu marido voltar à vida” (2008, vol. 5, p. 654).

Estudiosos como Gerald Massey, Joseph Campbell, Tom Harpur e John G. Jackson põem em dúvida a veracidade histórica do Jesus da fé. Eles defendem que a morte e ressurreição de Jesus Cristo derivam do mito de Osíris. S. Brandon conclui que “em termos de fenomenologia das religiões, Osíris é uma prefiguração de Cristo como deus morto e ressuscitado, e como salvador, embora sua morte não fosse interpretada em sentido soteriológico” (1975, p. 1118).

Uma narrativa a respeito da ressurreição de Osíris dá conta de que seu corpo foi restaurado por uma ação conjunto Ísis, Hórus e Anúbis que atuaram sob a liderança do deus Tot. Com a sua ressurreição, Osíris tornou-se conhecido como a causa primeira da ressurreição humana dotado de totais condições para conferir vida após a morte.

Devido a essas breves, mais incisivas informações, é que as narrativas dos Evangelhos sobre Jesus Cristo precisam ser entendidas como um resgate posterior do mito egípcio, afirmam os estudiosos que defendem a teoria dos empréstimos.

Uma observação mais minuciosa não poderá negar que semelhanças existem. Os elementos, estágio de vida humana, morte violenta e ressurreição que caracterizam história da vida de Jesus Cristo são essas semelhanças.

Porém, alguns contra-pontos importantes são levantados por aqueles que não admitem a dependência do cristianismo em relação ao mito de Osíris.
Osíris não morreu por outra pessoa, mas a morte de Jesus é soteriológica;
A morte de Osíris não foi um evento real, a de Jesus sim;
Osíris não morreu violentamente, Jesus sim;
A morte de Osíris foi uma derrota, ao passo que a de Jesus não.

Nash comenta: É neste ponto (quando Ísis recolhe as partes do corpo de Osíris) que a linguagem usada para descrever o que se segue é crucial. Algumas vezes, os contadores da história ficam satisfeitos em dizer que Osíris voltou à vida… Mas alguns escritores ultrapassam os limites da “ressurreição” de Osíris. (1984, p. 137)

2. A Ressurreição de Átis

Átis, segundo o mito, teria sido infiel a Cibele e acabou sendo amaldiçoado por ela com a demência. Ele cai em um profundo luto, introduz a morte no mundo natural, depois traz Átis à vida e restabelece a vida no mundo natural. Uma outra narrativa dá conta de que Átis é instituído por Cibele como aquele que iria cuidar do seu culto. Para tanto, ele deveria manter a castidade. Porém, ele acaba quebrando o voto com a ninfa Sangarida. Por conta disso, Cibele acaba punindo-o matando a ninfa. Átis magoa-se profundamente, emascula-se e tenta se enforcar, mas Cibele o impede e o transforma em um pinheiro.

Nos chamados festivais de primavera, que são celebrações romanas posteriores ao 1º século d.C., encontra-se celebrações que indicam uma ressurreição. Os adeptos do culto pagão cortavam um pinheiro, enterravam-no e, depois, entravam em êxtase cultual onde se mutilavam. Depois, eles desenterravam a árvore e celebravam a ressurreição de Átis.

Alguns estudiosos vêem o retorno à vida desse deus como uma “ressurreição”.

Para alguns intérpretes a história de Cibele e Átis é algumas vezes citada como um paralelo e como uma fonte inspiradora da narrativa sobre a morte e a ressurreição de Jesus. Contudo, três pontos são levantados para se contrapor a esse raciocínio: 1) No mito de Cibele-Átis não existe nenhum destaque que assemelhe a ressurreição; 2) Nem tampouco, existe qualquer menção que o corpo de Átis tenha sido preservado por Cibele como ele era na esfera humana; 3) Apenas em literatura do 4º século é que se encontra essa ressurreição de Átis.

3. A Ressurreição de Adônis

“O cristianismo não destruiu o paganismo; ele o adotou… A ressurreição veio da estória síria de Adônis…” (DURANT, 1944, p. 595).

O mito de Afrodite-Adônis é oriundo da Síria. Afrodite era considerada a deusa que personificava a vida-mãe do mundo natural, ao passo que Adônis representava a morte e o renascimento da vegetação. No culto a Adônis, sua morte era configurada por um intenso drama místico. Quando era celebrada a sua morte havia bastante lamentação acompanhada de um júbilo frenético e da sua imaginária ressurreição. Toda essa comoção cúltica simbolizava as expectativas dos iniciados quanto à vitória sobre a morte e a restauração à vida eterna.

A resposta básica para a afirmação de que a “ressurreição de Adônis” [e dos demais deuses misteriosos citados] influenciou o ensino sobre a morte e ressurreição de Jesus Cristo, é a que envolve a questão da datação. Para muitos estudiosos não existe nenhuma prova da influência das religiões misteriosas na Palestina nas primeiras décadas do século 1º. Norman Anderson diz: “não há evidência alguma, que eu saiba, de as religiões misteriosas terem tido qualquer influência na Palestina nas primeiras décadas do século 1°” (1984, p. 53-54 apud MCDOWELL; WILSON, 1998, p. 206).

Norman Geisler e Frank Turek fazem a seguinte afirmação:
O primeiro paralelo real de um deus morrendo e ressurgindo não aparece até 150 d.C., mais de cem anos após a origem do cristianismo. Portanto, se houve alguma influência de uns sobre os outros, foi a influência dos eventos históricos do Novo Testamento [ressurreição] na mitologia, não o inverso. O único relato conhecido da sobrevivência de um deus à morte que antecede o cristianismo é o culto do deus egípcio Osíris. Neste mito, Osíris é cortado em quatorze pedaços, espalhados por todo o Egito, em seguida, reagrupado e trazido de volta à vida pela deusa Isis. Contudo, Osíris não volta realmente à vida física, mas torna-se membro de um submundo sombrio. Isso é muito diferente do relato da ressurreição de Jesus, que foi gloriosamente ressuscitado como Príncipe da vida, que foi visto por outras pessoas na terra antes de sua ascensão ao céu [...] mesmo que hajam mitos sobre a morte e ressurreição de deuses anteriores ao cristianismo, isso não significa que os escritores do Novo Testamento copiaram esses mitos. (2004, p. 312)

Em síntese, na opinião dos eruditos que são contra a teoria dos empréstimos, os estudiosos só podem falar sobre uma “ressurreição” de Osíris, Átis ou Adônis no sentido mais amplo e subjetivo.

Rituais pagãos, o batismo e a ceia cristãos
1. Batismo

No mundo gentílico, nos dias de Jesus, o batismo não era uma novidade. Purificações religiosas eram praticadas pelos hindus, persas e egípcios. Porém, elas tinham mais destaque nas religiões romanas e gregas. “Às vezes elas [as purificações religiosas] tomavam a forma de banhos no mar, e às vezes eram efetuadas por aspersão” (BERKHOF, 2007, p. 575).

Diante disso, alguns estudiosos afirmam que o rito batismal cristão fora instituído a partir da influência das religiões de mistérios pagãs. Para o falecido teólogo existencialista Paul Tillich, essa associação é real. O taurobolium é o rito mais notavelmente análogo. Ele deixava as pessoas com o sentimento de ter renascido para sempre.

O batismo cristão, fundamentalmente na teologia paulina, está associado à identificação do crente com Jesus Cristo em sua morte, sepultamento e ressurreição. Alguns acadêmicos negam que exista algum elemento indicativo de que esse simbolismo esteja presente tanto no taurobolium bem como nos banhos ritualísticos das religiões de mistérios.

2. Ceia

No culto mitraico é que se encontra o único ritual que se pode comparar com a Ceia do Senhor (Jesus Cristo) no Novo Testamento. O sacerdote desse culto colocava diante do adepto um pedaço de pão e um copo com água e dizia algumas palavras cerimoniais. Esse momento relembrava o ato de Mitra que celebrou uma ceia antes de ascender ao céu. Já informamos que o erudito muçulmano Yousuf Saleem Chishti diz que o cristianismo é o fac-simile do mitraísmo. Essa refeição cúltica é mais um sinal disso. No entanto, Ronald Nash defende que a Ceia do Senhor deve ficar perto da base judaica do que tomar uma direção rumo às práticas cúlticas das religiões de mistérios. É durante a festa da Páscoa Judaica que Jesus Cristo institui a Ceia. Assim, ele defende que o paralelismo com o mitraísmo é débil e fruto de um reducionismo acadêmico exagerado.

Considerações Finais

Talvez, o “calcanhar de Áquiles” dos defensores da teoria dos empréstimos seja o problema da datação. É impossível que as religiões de mistérios tenham influenciados o cristianismo do primeiro século [período de escrita dos textos neotestamentários] visto terem elas surgido na Palestina em um tempo bem posterior. Agora, se se deseja falar de “falta de originalidade”, o fato é que não se pode desprezar a clara e inequívoca dependência do cristianismo em relação ao judaísmo. Questões como sacrifícios, derramamento de sangue, refeições religiosas, etc., estão presentes no contexto religioso judaico. Jesus era judeu e foi um observador do judaísmo de seu tempo assim como seus primeiros apóstolos, segundo nos informa o Novo Testamento. Se há alguma matriz religiosa da qual dependeu o cristianismo, essa matriz é judaica e não pagã.

A seguir, apresento dois fragmentos de estudiosos – John Dominic Crossan e Adolf Von Harnack, respectivamente – que não são conservadores, com vistas a instigar mais ainda a reflexão e a pesquisa sobre essa tentativa de alguns em valorizarem a teoria dos empréstimos que, segundo me parece, é frágil e improcedente.

· Sua mãe (mãe de César Augusto) estava no templo de Apolo, deitou lá e dormiu. Durante a noite ela foi inseminada por Apolo na forma de uma serpente e, portanto, o menino que nasceu era divino, Augusto, e é claro que milhões de pessoas devem ter dito no primeiro século: vejam o que ele fez. Ele trouxe paz ao império que estava em guerra. Ele acabou com as guerras civis. Ele é o nosso homem. Isso tudo (histórias de nascimentos virginais que circulavam no mundo greco-romano do I século E.C) diz respeito à mitologia grega e à romana, e o que eu posso fazer? Devo acreditar em todas essas histórias, ou devo dizer que todas elas são mentiras, exceto a nossa história cristã?[3]
· Devemos rejeitar a mitologia comparativa que encontra uma ligação causal entre tudo e tudo o mais, a qual derruba barreiras sólidas, constrói pontes sobre os abismos como se fosse uma brincadeira de criança, e tece combinações de semelhanças superficiais [...] Mediante tais métodos, podemos transformar Cristo num deus-sol num piscar de olhos, ou podemos inventar lendas para o nascimento de qualquer deus concebível, ou podemos apanhar toda a sorte de pombas mitológicas para fazer companhia à pomba batismal; e descobrir qualquer número de asnos celebrados para seguir o asno montado por Jesus até Jerusalém; e assim, com a varinha mágica da “religião comparativa”, eliminar triunfalmente todo traço espontâneo de qualquer religião. (apud MCDOWELL; WILSON, 1998, p. 218)

Frente ao que foi dito acima, afirmo que a importância do debate não deve ser exagerada, no entanto, ele é necessário, empolgante e precisa continuar.
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AGRADECIMENTO: Texto acima faz parte do Trabalho de TCC de Zwinglio no curso de Ciências da Religião.
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Referências 
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.
BRANDON, S. Diccionario de Religiones Comparadas. Madri: Ediciones Cristandad, 1975.
CHAMPLIN, Russel Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Hagnos, 9º ed., vol. 5 2008.
DURAND, Gilbert. A Fé do Sapateiro. Brasília: Editora Universidade de Brasília, DF, 1995.
EVANS, Craig. O Jesus Fabricado. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
GEISLER, Norman. Enciclopédia de Apologética. São Paulo: Vida, 2001.
________ Eu Não Tenho Fé Suficiente Para Ser Ateu. São Paulo: Vida, 2004.
HANEGRAAF, Hank. Jesus, Ele Nasceu para Morrer Por Nós, ICP – Instituto Cristão de Pesquisa. Acesso em: 04 set. 2010.
JUSTINO, de Roma. I Apologia de Justino de Roma. Monergismo. Acesso em: 04 set. 2010.
MCDOWELL, Josh; WILSON, Bill. Ele Andou entre Nós: evidências do Jesus Histórico. São Paulo: Candeia, 1998.
NASH, Ronald. Christianity And The Hellenistic World. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1984.
KELLY, J. N. D. Patrística. São Paulo: Vida Nova, 1994.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Josh McDowell e "suas" “Evidências que Exigem um Veredito".

A apologética cristã se caracteriza pela posição ultra-fundamentalista na qual tenta defender e fundamentar suas idéias, interpretações e postulados religiosos. Orientadas pelo viés do atavismo patriarcalista do etnocentrismo hebreu e do exclusivismo religioso vem, desde a Antiguidade Tardia, tentando demonstrar, a todo o custo, a confiabilidade e superioridade de sua fé em relação às demais fés e de sua história em relação às demais histórias. Como qualquer grupo social, ao fazer proselitismo de sua crença tenta sabotar seus rivais.

Uma das formas que o cristianismo apologético inventou para mostrar sua superioridade é o uso do argumento de que a providência divina tem estado do lado dos cristãos – por causa dos diversos fatos que (supostamente) demonstram isso. A preservação de seus “documentos sagrados” e sua variedade em relação aos demais textos de todas as épocas constitui o principal argumento para provar que Deus está do lado dos cristãos (e de mais nenhuma outra religião) e que sua religião é “superior” (e que nenhuma outra religião é).

Tal prática de imposição ideológica foi sendo desenvolvida até que surgiu a necessidade de se persuadir às classes eruditas e embasadas na Ilustração e no pensamento racional douto. Nessa fase da apologia cristã, com o fim de contrapor o Iluminismo grego que renascia a partir do Renascimento europeu, a política de rechaçamento e perseguição foi substituída pela tentativa de provar a fé por meio da razão, como artifício retórico capaz de demonstrar e convencer as mentes intelectuais da credibilidade e ascendência da fé cristã. Para isso, porém, muitas vezes recorreram à apresentação argumentos falsos, falaciosos ou no mínimo errôneos, contribuindo assim para a disseminação da ignorância e de informações equivocadas para o público alvo.

O público alvo, por sua vez, mesmo depois de décadas, dificilmente são capazes de se desvencilharem e de tomarem conhecimento desses erros e, ao se converterem por causa dessas informações equivocadas, contribuem para a manutenção e continuidade da tradição do equivoco que chegou a se infiltrar, inclusive, no mundo acadêmico.

Chegando ao século XX, um exemplo do poder disseminador desse tipo de equivoco se encontra nas obras de Josh McDowell, um pregador cristão fundamentalista dos Estados Unidos, que nos anos 70 escreveu uma obra ultra-apologética chamada “Evidências que Exigem um Veredito” (1972, 1993). Nessa obra apresenta uma grande seleção de frases e informações, oriundas da pena de diversos estudiosos – especialmente arqueólogos e historiadores – que (supostamente) endossam a idéia de que as histórias transmitidas pelas narrativas neotestamentárias são incontestavelmente verdadeiras.

Diversas informações apresentadas nesse livro, entretanto, foram demonstradas serem falsas e errôneas, sendo que muitos dos autores utilizados foram simplesmente retirados de seu contexto e/ou distorcidos. Se ao autor apologista Josh McDowell não falta disposição e determinação ao selecionar materiais corroborativos à sua fé, por outro lado, carece dos atributos básicos inerentes a qualquer estudioso sério, como, por exemplo, o senso crítico.

Grande parte das vezes McDowell simplesmente arrola uma série de citações de estudiosos, sem parar para analisar nem a defasagem das informações apresentadas nem a veracidade de tais afirmações.

Um caso típico em que McDowell tenta demonstrar a veracidade de seu exclusivismo religioso é quando tenta provar a credibilidade da Bíblia ao colocar em colunas paralelas o número de manuscritos remanescentes dos livros do Novo Testamento e os manuscritos restantes dos escritos do período clássico e greco-romano. Enquanto existem quase 25 mil manuscritos do Novo Testamento, diversos escritos da Antiguidade nem chegam a ter mais que um punhado de manuscritos remanescentes – o que demonstra, de forma pedante, a dos manuscritos bíblicos (o que pressupõe – o que para os cristãos apologistas já é o bastante – uma ilusória superioridade qualitativa).

As obras de Tácito, um antigo historiador romano, foram vítimas desse “argumento”. A obra Anais, que descreve a decadência, na visão do autor, e as perversidades da tiraria romana na época da Pax Romana, é utilizada pelos cristãos apologistas para demonstrar que existe um número significativamente bastante baixo de testemunho textual que a evidencie.

Esse argumento de caráter predominantemente etnocentrista e pedante, parte do livro “O Novo Testamento merece confiança”, F. F. Bruce (1990, p. 23-24), citado por McDowell (1993, p. 52-53) sem qualquer análise aprofundada, em que se realiza diversas comparações entre o numero de manuscritos sobreviventes do Novo Testamento e o numero de antigos textos de história clássica e romana, querendo com isso jactar-se da superioridade de manuscritos da Bíblia cristã. Para isso, compara o Novo Testamento com a obra antiga Anais de Tácito – da qual nos restam apenas 2 manuscritos não-completos. Bruce faz a seguinte declaração:
“Talvez nos possamos avaliar melhor quão rico é o Novo Testamento em matéria de evidência manuscrita se compararmos o material textual subsistente com outras obras históricas da antiguidade. [...] dos dezesseis livros de seus “Anais” [de Tácito), restam 10 completo e 2 incompletos. O texto das porções existentes das duas grandes obras históricas de Tácito depende totalmente de dois manuscritos, um do século nono e outro do século onze”.

Para Mcdowell, essa é “uma evidência que exige um veredito” (um veredito, é claro, a favor da fé cristã e contra Tácito), pois “nenhum outro documento da história antiga chega perto dos números e da confirmação dos manuscritos do Novo Testamento” (p. 50). Ao ir folheando sua obra, fica clara o motivo de Mcdowell se apropriar dessa comparação: através dela poderá fazer analogia, pois, se a historiografia contemporânea dá crédito a obras como Anais de Tácito – que possuem um número tão irrisório de testemunhos manuscritos que datam de quase mil anos – por que não dá crédito à obra aos evangelhos, que em manuscrito e dada se mostra ser infinitamente superior? Esse parece ser um argumento convincente. Apenas parece. Nenhum desses argumentos é verdadeiro.

Existem pelo menos dois fatores que contribuem para a derrocada argumentativa dessa posição. O primeiro fator corresponde ao porque da obra de Tácito ter sido transmitida à posteridade através de um numero bastante insignificativo de manuscritos. O segundo fator diz respeito a questão da datação que, se realmente for comparada, não demonstrará grande diferença entra a obra taciteana e a obra bíblica.

Como se tem conhecimento, a igreja medieval realizou deu continuidade a um processo de triagem selecionando os documentos antigos úteis e salutares a fé cristã, e destruindo todos os demais documentos que, de alguma forma, fossem prejudiciais a sua fé. De fato, pode-se atribuir grande parte da insuficiência de manuscritos não-cristãos remanescentes à ação destrutiva dos cristãos antigos.

O filosofo francês renascentista Michel de Montaigne ( p. 51, Vol. II), já no século XVI d.C., comentava sobre o papel destruidor da igreja em relação as obras de Tácito, afirmando que o número de manuscritos dessa obra, caso tivessem sobrevivido, constituiria um número considerável:
“É certo que nos primeiros tempos, quando nossa religião principiou a ser admitida pelas leis, o zelo dos prosélitos incitou à destruição de livros pagãos e a excessos que acarretaram mais prejuízo do que os incêndios perpetrados pelos bárbaros. Tem-se em Cornélio Tácito um exemplo típico do que afirmo, pois embora o imperador, seu parente, houvesse, mediante decretos especiais, espalhado sua obra pelas bibliotecas do mundo inteiro, nem um só exemplar completo escapou à sanha dos que, por causa de cinco ou seis trechos contrários a nossas crenças, o destruíssem”.

O trecho que seria considerado o responsável pela perseguição eclesiástica anti-taciteana é Anais XV, 44, que, além de pressupor que os cristãos apostólicos (a quem os cristãos posteriores que destruíram os manuscritos taciteanos tinham o mais profundo apreço) “realizavam atrocidades”, rotula explicitamente o cristianismo de “perniciosa superstição” e “flagelo”. Além disso, Tácito compara o cristianismo a uma “coisa horrível e vergonhosa”, ao afirmar que a Roma afluem esse tipo de coisa e sustenta que os primeiros cristãos eram criminosos que deveriam ser condenados à morte por odiar o gênero humano: “os cristãos [eram] culpados e merecedores de maiores castigos [...]”. (TÁCITO, s/d, p. 248). É bem provável que Tácito tenha dirigido ainda mais insultos ao cristianismo nessa obra, pois boa parte da mesma não chegou a nós.

De acordo com o historiador Momigliano (2004, p. 174), diversos cristãos piedosos do final da Idade Medieval lembravam que Tácito havia sido atacado pelo grande cristão patrístico Tertuliano por causa dos insultos que havia cometido contra os cristãos apostólicos. Tertuliano lembrava-se com ódio a afirmação taciteana de que o cristianismo não passava de uma ”monstruosa superstição” (TERTULLIAN, 2006 [online]).

Já no período da Renascença a posição de Tertuliano e dos cristãos medievais, segundo Momigliano (2004, p. 178), ainda era comum entre diversos cristãos, em que muitos o chamavam de “um historiador pagão e inimigo do cristianismo” e diziam que “uma sílaba do Evangelho era preferível a toda obra de Tácito”. Desse modo, muitos foram os cristãos que “jogaram a água suja fora com o bebê”, pois deixaram que a imagem negativa que Tácito pintou dos cristãos em Anais XV, 44 contaminasse toda sua obra historiográfica.

Desse modo, podemos concluir que, se por um lado restam poucos testemunhos textuais da obra Anais de Tácito, por outro lado, esse fato só pode ser explicado porque a Igreja cuidou de destruir todos esses testemunhos.

Do mesmo modo, não há muito do que jactar-se sobre a superioridade quantitativa dos manuscritos do Novo Testamento, pois é certo que a Idade Medieval caracterizou-se como um período predominantemente controlado pela ideologia, cultura, política e religiosidade cristãs, de modo que isso contribuiu para a implementação do aumento no número de cópias do Novo Testamento em detrimento dos escritos pagãos. De acordo com Barth Ehrman (2000, p. 443), era inevitável, dado o contexto medieval, que obras como Tácito fosse pouco preservadas, e que cópias dos livros do Novo Testamento fossem abundantes:
“Naturalmente, deveríamos esperar que o Novo Testamento fosse copiado na Idade Média com mais freqüência do que Homero, Eurípides ou Tácito; os copistas treinados em todo o mundo ocidental na época foram escribas cristãos, freqüentemente monges, que, na sua maioria, estavam preparando cópias desses textos para fins religiosos. Ainda assim, o fato de que temos milhares de manuscritos do Novo Testamento que foram feitos durante a Idade Média, muitos deles de milhares de anos após Paulo e seus companheiros terem passado sobre a face da terra, não significa que podemos estar certos de que sabemos o que o texto original dizia. Pois, se temos muito poucas cópias antigas (na verdade, praticamente nenhuma), como podemos saber que o texto não foi alterado de forma significativa antes que começasse a ser reproduzido em quantidades tão grandes?”.

Desse modo, na mesma medida em que os cristãos destruíam a literatura pagã, produziam mais e mais cópias dos documentos cristãos considerados sagrados. Por isso, não é de se estranhar que 97,2% dos testemunhos textuais do Novo Testamento grego pertençam a Idade Medieval – época em que a cultura, sociedade e política eram dominadas pela Igreja, que reproduziu centenas de cópias do Novo Testamento para sua propaganda religiosa.

Ainda assim, apenas 2,8% de todos os manuscritos do Novo Testamento grego pertencem à Idade Antiga Tardia. 93,6% desses manuscritos foram escritos depois do século 9° d.C. - ou seja, mais de 800 anos após os relatos que narram. Ou seja, a parte absolutamente majoritária dos textos do Novo Testamento data de quase a mesma época que Bruce alegou datar os manuscritos remanescentes de Anais de Tácito. Apenas 0,03% de todos os manuscritos existentes do Novo Testamento pertencem ao século II d.C., e se constituem meros 2 papiros fragmentados – o que não é grande coisa.

Já os manuscritos do Novo Testamento latino, etiópico, eslovânico, armênio, siríaco e copta, que constituem quase 20 mil de todos os manuscritos existentes, são tardios e escritos após o século IV. D.C. São chamados de “testemunhas indiretas” (sendo que as testemunhas diretas seriam os manuscritos escritos em grego) e datam do ano 350 d.C. até o século IX. Algumas versões podem remontar ao ano 180 d.C., mas nesse caso são poucos os manuscritos. De acordo com Mainville (1999, p. 34) “as únicas versões [das testemunhas indiretas] de alguma utilidade para a crítica textual são as que foram traduzidas diretamente do texto grego, ou foram revistas com base no texto grego”. Somente as mais de 10 mil versões do Novo Testamento da Vulgata Latina pertencem ao século IV d.C. Já os manuscritos siríacos, que somam mais de 350 manuscritos, datam entre os séculos IV e V d.C. O mesmo pode ser dito em relação às versões copta, armênio, geórgico, entre outras, que tem a mesma idade. Já a versão etiópica, que conta com mais de 2 mil manuscritos, são datados desde o século XIII d.C., sendo que a maior parte de todas essas versões são oriundas do texto bizantino, considerado a pior família textual, em termos de pureza e confiabilidade, dos manuscritos do Novo Testamento.
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BIBLIOGRAFIA

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