Em Levítico 16, encontramos uma descrição detalhada da liturgia do Dia da Expiação no Tabernáculo e no Templo: uma oferta pelo pecado envolvendo dois bodes. Eles eram escolhidos os mais semelhantes entre si; eles eram então trazidos diante do Sumo Sacerdote e eram sorteados, um com as palavras “Para o Senhor”, o outro, “Para Azazel”. Aquele sobre o qual caia a sorte “Para o Senhor” era oferecido como sacrifício. Sobre o outro, o Sumo Sacerdote confessava todos os pecados de Israel e ele era então levado para as colinas do deserto fora de Jerusalém, onde era lançado para a morte.
É costume escrever sobre este “sacrifício de dois bodes” ao se escrever sobre o Yom Kippur e fiz isso há um ano nessas páginas—. As ofertas pelo pecado e culpa eram comuns no antigo Israel, mas essa cerimônia era absolutamente única. Como Charles Feinberg escreveu, “não há verdades mais significativas que poderiam envolver a mente do crente do que as descritas neste capítulo de Levítico”. Se vocês estão interessados em ler mais sobre esse sacrifício misterioso e seu significado profético, vocês podem ler minha postagem do ano passado, “Os Dois Bodes Do Yom Kippur“.
UMA MUDANÇA DE CORAÇÃO
Hoje, no entanto, gostaria de falar sobre algo diferente. Antes do Yom Kippur, recitamos orações especiais chamadas selichot. A palavra selichot significa “confissões”. Uma das mais belas e profundas orações desta ocasião diz: Como podemos reclamar? O que podemos dizer? O que podemos falar? E como podemos nos justificar? Vamos examinar nossos caminhos e investiga-los e nós retornaremos para Ti porque Tua mão está estendida para aceitar os refugiados, viemos diante de ti não com abundância, não com obras, como pobres e mendicantes nós batemos à sua porta.
O que podemos dizer? O que podemos falar? E como podemos nos justificar? Surpreendentemente, encontramos exatamente as mesmas palavras em Gênesis 44, quando Judá fala com José após o alegado “crime” de Benjamim com o copo roubado. Vamos recordar a história.
Em Gênesis 43, juntamente com Benjamim, os irmãos vêm ao Egito pela segunda vez. No começo, eles estão cheios de expectativas sombrias. No entanto, contrariamente a essas expectativas, tudo parecia se revelar extremamente bem: eles não foram acusados de roubar a prata que encontraram em seu saco anteriormente; eles encontraram Simeão são e salvo e ele foi devolvido prontamente para eles; quanto ao Vice rei Egípcio, ele não só falou com eles em um tom mais suave e mais amigável do que antes, mas ele também os convidou para compartilhar uma refeição! (Vocês se lembram que, durante esta refeição, os irmãos estavam sentados em ordem —o primogênito de acordo com seu direito de nascença e o mais novo de acordo com sua juventude— e, mais uma vez, como várias vezes antes desta história, eles tiveram a impressão de que alguém presente os conhecia e estava ciente de seu tenebroso segredo —e os homens olharam uns para os outros, muito admirados—).
Sabemos que, ao amanhecer, foram embora e começaram a volta pela estrada, mas também sabemos que, pouco antes de partir, José havia ordenado a seu mordomo (eu imagino que para sua grande perplexidade, bem como para a perplexidade daqueles que leem estes capítulos pela primeira vez) para colocar o copo de prata de José no saco de Benjamim. Em seguida, lemos: quando saíram da cidade e ainda não estavam longe, José disse ao seu mordomo: “Levante-se, siga os homens; e quando você os alcançar, diga-lhes: Por que vocês pagaram o bem com o mal? Não é este o copo em que bebe meu senhor? e por meio do qual faz as suas adivinhações? Procedestes mal no que fizestes.” Então ele os alcançou, e lhes falou estas mesmas palavras.
Vocês já perceberam que Benjamim poderia ser visto como culpado apenas aos olhos de seus irmãos? O mordomo sabia, assim como você e eu, quem tinha colocado o copo em seu saco. Benjamim, por sua vez, não conseguiu entender o que significava este tipo de armadilha que alguém havia decidido praticar com ele —quem era e por que tinha colocado o copo lá— no entanto, ele sabia muito bem que ele mesmo não tinha feito isso. Com certeza eram apenas os dez irmãos que não sabiam nada. Em seus olhos, o irmão, cuja inocência todos esses anos havia sido um tormento e uma censura contínuos, emergiu agora como o único culpado entre eles. É por isso que, por mais difícil e doloroso que fosse para Benjamim, essa história não é sobre ele. Esta história é sobre os irmãos e a conversa de Deus com eles.
Por enquanto cada um deles tinha chegado ao entendimento de que o que estava acontecendo era entre eles e Deus. O Espírito de Deus, que é, na verdade, o autor de toda essa cena, tocou seus corações e Ele mesmo conduziu o diálogo com eles —e seus corações estão agora sendo arrancados de dentro sob Seu toque—. Eles não tinham razão e não podiam justificar-se e é por isso que, quando finalmente estão diante de José, Judá começa seu discurso com estas palavras: “O que podemos dizer ao meu senhor? O que podemos falar? E como podemos nos justificar? Deus descobriu a iniquidade de seus servos”. Como se realmente, em todas as suas vidas, haviam escondido seu crime de Deus e, finalmente, depois de todos esses jogos de quente e frio, Deus descobriu [sua] iniquidade; Ele descobriu o pecado deles e colocou a culpa sobre eles. Eles aceitaram a acusação injustificada, a dureza do castigo e até mesmo o capricho e a petulância do senhor Egípcio, com humildade como condenação e castigo daquele diante de quem eles há muito tempo tinham pecado tão terrivelmente. Embora no início eles tentassem defender sua inocência, agora, na conclusão da conversa de Deus que esteve agitando seus corações durante todo esse tempo, eles foram capazes de abrir suas almas escurecidas aos raios da luz de Deus. Só então seu completo arrependimento e limpeza completa tornaram-se possíveis. Enquanto eles estão diante de José —enquanto estão diante de Deus— sua inocência atual, que até recentemente eles estavam prontos para defender com tanta indignação, cai diante de uma onda de arrependimento que varre suas almas.
As palavras de Judá abrem uma das mais belas histórias de confissão na Torá. A oração que citei no início reflete a mesma atitude —e essa deve ser a nossa atitude quando chegamos ao Senhor com nossas orações de selichot: mesmo que no início nos vejamos inocentes em relação a certos pecados, enquanto estamos diante de Deus e abrimos nossos corações aos raios de Sua luz, Ele traz as coisas à superfície e, como na história dos irmãos, nossa “inocência” cai diante de uma onda de arrependimento. Só então, nossa confissão se torna profunda e real.
Nenhum comentário:
Postar um comentário