
Este artigo desenvolve um desafio ao teísmo. O desafio é explicar por que a  hipótese de que existe um Deus onipotente, onisciente e onibenevolente deveria  ser considerada significativamente mais razoável do que a hipótese de que existe  um Deus onipotente, onisciente e onimalevolente. Os teístas geralmente descartam  de imediato a hipótese do Deus malévolo  devido ao problema do bem – não há  dúvidas de que existem muitas coisas boas no mundo para que este seja a criação  de tal ser. Mas então por que razão o problema do mal não provê razões  igualmente boas para se descartar a crença num Deus bondoso? 
 O desafio do Deus Malévolo
 Denominemos a afirmação central clássica do  monoteísmo – segundo a qual existe um criador onipotente, onisciente e  supremamente benévolo – a hipótese do Deus benévolo. Geralmente, os que  acreditam nesta hipótese , embora talvez insistam que esta seja uma ‘atitude de  fé’, ainda assim não a consideram desarrazoada. Acreditar na existência  de Deus, eles sustentam, não é como acreditar na existência do Papai Noel ou de  fadas. É uma crença muito mais razoável do que estas.
 Em resposta, os críticos muitas vezes assinalam  que, mesmo que os argumentos mais populares para a existência de Deus forneçam  evidências respaldando a hipótese de que que existe algum tipo de inteligência  sobrenatural por trás do universo, estas evidências pouco ou nada dizem sobre  seu caráter moral. Suponha, por exemplo, que o universo mostre evidências  inequívocas de ter sido projetado. Concluir, unicamente com base nisso, que o  projetista seja supremamente benevólo seria tão injustificado quanto seria  concluir que ele seja, digamos, supremamente malévolo, o que claramente não  seria justificado em qualquer sentido. Os críticos podem acrescentar que existe,  além disso, uma vasta gama de evidências contrárias à hipótese da  existência de tal ser supremamente benévolo. Mais especificamente, eles podem  invocar o problema probabilístico do mal.
 Versões do problema do  mal
 Existem pelo menos dois  argumentos englobados pelo rótulo ‘problema do mal’. O problema lógico começa com a idéia de que a proposição:
 (1) Existe um Deus onipotente, onisciente e  maximamente bom.
 é logicamente inconsistente com a proposição
 (2) O mal existe.
 Utilizo o termo ‘mal’ como significando tanto  sofrimento como ações moralmente condenáveis. O argumento então prossegue da  seguinte maneira. (2) é inegavelmente verdadeira. Portanto, (1) é falsa. Observe  que a qualidade e a quantidade de mal são irrelevantes para esta versão do  argumento – tudo o que ela exige é que exista uma quantidade mínima, não importa  o quão irrisória. Talvez o problema lógico do mal não confronte o teísmo com um  desafio realmente difícil. Para lidar com ele, bastaria mostrar que um Deus  onipotente, onisciente e maximamente bom pode permitir a ocorrência de algum   mal para alcançar um bem maior.
 Um segundo problema – o problema  probabilístico - apóia-se não na idéia de que (2) é logicamente  incompatível com (1), mas na idéia de que (2) nos municia com boas evidências  contrárias a (1). A quantidade de mal agora se torna relevante. Mesmo se  admitirmos que Deus pode possuir razões para permitir a ocorrência de algum mal,  certamente pode não existir nenhuma boa razão para a quantidade aterradora com  que nos deparamos. Podemos aperfeiçoar o problema observando que Deus  presumivelmente não permitiria a existência de qualquer sofrimento gratuito.  Deve haver uma boa razão para cada ínfima ocorrência dele.
 Muitos afirmam que não somente existem poucas  razões para supor que o Deus do monoteísmo clássico existe; a atordoante  quantidade de mal existente fornece-nos evidências esmagadoras de que ele não  existe. Os teístas que sustentam que a crença em Deus, embora não seja  conclusiva, é pelo menos não-desarrazoada, estão equivocados. Longe de  ser ser um problema que a razão não pode resolver, a afirmação de que o Deus do  monoteísmo clássico existe parece ser franca e empiricamente falseada.
 Teodicéias
 Confrontados com esta objeção, os teístas podem  oferecer várias respostas. Eles podem sugerir que possuímos boas bases para  acreditar não somente que existe um criador, mas que este ser de fato possui as  propriedades a ele atribuídas no monoteísmo tradicional. Retornarei a esta idéia  adiante. Eles também podem sugerir que o problema do mal pode, num grau  considerável, ser resolvido. Várias explanações teístas para o mal foram  oferecidas, incluindo as seguintes.
 A solução do livre-arbítrio simples Não  somos autômatos cegos, mas agentes livres. Como consequência do livre-arbítrio  que Deus nos concedeu, as vezes escolhemos agir errado. O sofrimento acontece.  Entretanto, o livre-arbítrio torna possível a existência de bens importantes,  como a possibilidade de ações moralmente virtuosas. Deus poderia ter criado um  universo habitado por marionetes que sempre fizessem a vontade de Deus. Mas ao  comportamento de tais marionetes  faltaria a dimensão de responsabilidade moral  que torna nossas ações moralmente virtuosas. Ao nos emancipar e nos tornar  livres, Deus inevitavelmente permitiu algum mal, mas este mal é mais do que  superado pelos importantes bens que o livre-arbítrio acarreta.
 A solução do  aprimoramento espiritual: Este universo é, tomando emprestado a expressão  de John Hick, um ‘vale onde as almas são forjadas’. Sabemos  que uma experiência ruim pode as vezes nos tornar mais fortes. Pessoas que  padeceram de alguma doença terrível as vezes afirmam terem se beneficiado  muito  dela. De maneira similar, ao nos infligir dor e sofrimento, Deus nos permite  crescer e nos desenvolvermos moral e espiritualmente.  É somente através de  nossa experiência do sofrimento que podemos nos tornar as nobres almas que Deus  deseja que sejamos.
 Bens de sgunda ordem exigem males de primeira  ordem Os teístas podem nos lembrar que Deus tem inevitavelmente que incluir  uma boa dose de sofrimento em Sua criação a fim de que certos bens importantes  possam existir. Considere, por exemplo, a caridade. A caridade é uma grande  virtude. Todavia só podemos ser caridosos se existirem pessoas necessitadas. A  caridade é um dos assim chamados bens de segunda ordem que exigem  males de primeira ordem como a carência e o sofrimento (ou ao menos sua  simulação) para existir. O bem de segunda ordem supera os males de primeira  ordem, o que justifica Deus ao permiti-los.
 Quando oferecidas em resposta ao problema  probabilístico do mal, tais explanações são as vezes chamadas  teodicéias. É sobre o problema probabilístico do mal e sobre as  teodicéias que me concentrarei aqui. Obviamente, como teodicéias, estas  explicações possuem limitações óbvias. Por exemplo, mesmo que a solução do  livre-arbítrio simples seja bem-sucedida em explicar o mal acarretado por nossa  livre agência, ela falha em explicar os assim chamados males naturais – tais  como o sofrimento acarretado pelos desastres naturais. Não há dúvidas de que as  três teodicéias resumidas acima fracassam em explicar porque existe tanto  sofrimento no mundo. É verdade que outras explicações mais sofisticadas foram  oferecidas, como veremos. Alguns acreditam que estas teodicéias, se não  individualmente, pelo menos em conjunto, enfraquecem sensivelmente o problema  probabilístico do mal. O problema, eles supõem, pode não ter sido inteiramente  solucionado, mas foi pelo menos reduzido a uma escala manejável.
 Ainda assim, permanece  o reconhecimento por parte de vários teístas de que certamente não é fácil  explicar definitivamente porque um ser onipotente, onisciente e onibenevolente  deflagaria tanto horror sobre os habitantes sencientes deste planeta ao longo de  centenas de milhões de anos. Isto leva alguns a suplementar estas explicações  com um apelo adicional – ao mistério. Deus trabalha de maneiras  misteriosas. Porque Deus é infinitamente inteligente e informado, é provável que  seu plano divino seja vastamente ‘além de nossa compreensão’. Caso em que o fato de que a razão para muito do mal que  existe se encontrar além de nossa capacidade de compreensão não é uma boa  evidência para sua inexistência.
 Como eu disse, as três teodicéias delineadas  acima foram desafiadas. Também pretendo desafia-las, e a várias outras, mas de  uma maneira incomum. Pretendo recuar um passo e questionar a natureza e a  plausibilidade destas explanações em conjunto, através de uma analogia.
 A hipótese do deus  malévolo
 Considere uma hipótese diferente . Suponha que o  universo possui um criador. Suponha também que este ser é onipotente e  onisciente. Mas imagine que ele não é maximamente bom. Em vez disso, imagine que  ele é maximamente maligno. Sua perversidade é ilimitada. Sua crueldade não  conhece fronteiras. Não existe nenhum outro deus ou deuses – apenas este ser  supremamente vil. Chamemos a este cenário a hipótese do deus malévolo.
 O quão razoável é a hipótese do deus malévolo? Eu  já mostrei que, ao menos em suas versões mais simples, a maioria dos argumentos  populares para a existência de Deus falha em oferecer qualquer pista sobre o  caráter moral de nosso criador. Caso em que, na medida em que eles favorecem a  hipótese do deus bondoso (ou seja, não muito, se tanto), eles também respaldam a  hipótese do deus malévolo.
 O problema do bem
 Por outro lado, não existem evidências  esmagadoras contra a hipótese do deus malévolo? Refiro-me, é claro, ao que pode  ser chamado de problema probabilístico do bem. O problema é explicar  porque um ser onipotente, onisciente e supremamente maligno permitiria tamanha  quantidade de coisas boas no universo que criou. Por que, por exemplo, um deus  malévolo:
 (i) Nos daria imensa saúde, prosperidade e  alegria?
 (ii) Colocaria a beleza natural no mundo, uma  indiscutível fonte de prazer e deleite para nós?
 (iii) Permite-nos ajudar uns aos outros, de modo  a reduzir o sofrimento e aumentar a quantidade de coisas que o deus malévolo  despreza, como o amor?
 (iv) Presentou-nos com filhos para amar e que nos  retribuem com amor incondicional?
 (v) Dotou-nos com corpos belos, jovens e  saudáveis?
 Certamente, se um ser supremamente malévolo vai  introduzir seres sencientes em sua criação, irá tortura-los e infligir-lhes o  mal. Certamente não permitirá o amor, o riso, os pores-do-sol, os arco-íris.  Tampouco nos permitirá realizar o tipo de ações corajosas e altruístas que nos  enobrecem e reduzem a dor e o sofrimento de nossos semelhantes. Portanto, sim, o  mundo contém muitas coisas ruins. Mas também possui uma grande quantidade de  coisas boas – na verdade, coisas de uma bondade tal que coloca em xeque a  plausibilidade da hipótese de que seja a criação de tal ser desmesuradamente  poderoso e maligno.
 Observe agora que o problema probabilístico do  mal espelha o problema probabilístico do bem. Se você acredita em um deus  onipotente, onisciente e maximamente benévolo, então você defronta-se com o  desafio de explicar porque existe tamanha quantidade de mal no mundo. De maneira  similar, se você acredita em um deus onipotente, onisciente e maximamente  malévolo, você defronta-se com o desafio de explicar porque o mundo contém  tantas coisas boas.
 Algumas teodicéias  reversas
 Obviamente, poucos, se tanto, de nós acredita na  hipótese do deus maligno. Prima facie, não somente existem poucas  razões para supor que tal ser existe, existem também evidências esmagadoras  contra sua existência. Quando apresentados à hipótese do deus malévolo, a  maioria de nós de imediato a descarta como absurda, geralmente porque  consideramos o problema do bem decisivo.
 Mas observe que, assim como existem estratégias  desenvolvidas pelos teístas para tentar lidar com o problema do mal, também  existem estratégias similares que podemos desenvolver para tentar lidar com o  problema do bem. Aqui estão alguns exemplos.
 A solução do livre-arbítrio simples: O  deus maligno nos concedeu o livre-arbítrio. Possuir o livre-arbítrio significa  que as vezes escolhemos o bem, o que desagrada ao deus malévolo. Entretanto, ele  também introduz a possibilidade de más ações pelas quais os agentes podem ser  responsabilizados moralmente. Um deus maligno poderia ter criado um universo  habitado por marionetes que ele asseguraria que sempre se comportassem  desagradavelmente. Mas ao comportamento de tais autômatos falta a dimensão de  responsabilidade moral que transforma tais atos em ações de um tipo mais  perverso e repugnante. Para maximizar o mal, o deus maligno deseja que  realizemos atos cruéis e egoístas por nossa própria vontade.
 Em resposta a esta primeira idéia, alguém pode  objetar: ‘Mas porque um mundo como este, no qual possuímos livre-arbítrio, seria  pior do que um mundo no qual não possuímos nenhuma liberdade e somos  simplesmente obrigados a atormentar indefinidamente nossos semelhantes?  Certamente este último cenário seria de longe muito mais ruim. Então por que o  deus malévolo não o criou?’ Mas isto é esquecer que um mundo no qual somos  obrigados a maximizar o sofrimento é um mundo no qual nenhuma ação moralmente  condenável é realizada. E o mal moral é uma forma particularmente profunda e  importante do mal (como os teístas geralmente reconhecem). Assim como, do ponto  de vista de um deus bondoso, um mundo sem ações moralmente boas é gravemente  deficiente, de maneira similar, do ponto de vista de um deus maligno, um mundo  sem ações moralmente ruins também possui deficiências graves.
 Em resposta, pode-se dizer: ‘Por outro lado, um  mundo no qual o livre-arbítrio exista é, de longe, preferível para nós do que um  mundo no qual somos obrigados a atormentarmo-nos uns aos outros indefinidamente.  Este segundo tipo de existência infernal seria muitíssimo pior. E portanto  preferível do ponto de vista de um deus malévolo. Então por que o deus maligno  não o criou?’
 Há alguma plausibilidade nesta resposta. Observe,  contudo, que quase o mesmo tipo de reserva pode ser, e na verdade foi, aplicado  às teodicéias do livre-arbítrio que utilizamos como modelo. O personagem de  Dostoyevsky Ivan Karamazov, por exemplo, questiona se nossa liberdade não é um  preço inaceitavelmente alto se seu resultado é a tortura de crianças inocentes.  Certamente, Ivan e outros sugerem, diante da escolha entre criar um mundo  paradisíaco no qual fomos feitos nobres e virtuosos e desfrutamos de uma  existência profundamente rejubilante, e um mundo no qual, como resultado de nos  ter sido dado o livre-arbítrio, a humanidade padece de guerras intermináveis,  assassinatos, estupros, torturas, o Holocausto, e por aí vai, um bom deus  deveria escolher o primeiro ( sem dúvidas vários de nós prefeririam  muito mais habitar o primeiro mundo celestial; de fato, vários teístas esperam e  oram para que eventualmente venham a habita-lo).
 Assim, conquanto possa existir aqui uma  dificuldade para a solução do livre-arbítrio ao problema do bem, esta não se  revela nem um pouco menos plausível do que a resposta-modelo do livre-arbítrio  ao problema do mal, dado que este tipo de preocupação é comum a ambas.
 Aqui estão mais duas soluções.
 A solução da destruição espiritual Hick  estava enganado: isto é um vale, não de edificação e aprimoramento espiritual,  mas de degradação, degeneração, decadência e destruição espiritual. O deus  malévolo quer que soframos, façamos o mal e nos desesperemos. Por que,  então, um deus malévolo criou belezas naturais? Para nos oferecer algum  contraste. Para fazer o que é feio parecer ainda pior. Se tudo fosse  uniformemente, maximamente feio, não teríamos nem a metade dos tormentos   proporcionados por uma feiúra salpicada com alguma beleza.
 A necessidade de contraste também explica porque  o deus maligno agraciou a poucos com uma vida luxuosa e bem-sucedida. Sua  felicidade foi projetada para intensificar ainda mais o sofrimento do resto de  nós. Quem pode sentir-se contente e satisfeito sabendo que uma minoria possui  muito mais, que eles não fizeram por merecer, e que não importa o quão  arduamente nos empenhemos, nunca alcançaremos seu patamar (e não se esqueça,  além disso, que mesmos aqueles poucos sortudos não são realmente  felizes).
 Por que o deus malévolo nos permite ter filhos  para amar e que nos amem incondicionalmente em troca? Porque nos preocuparemos  interminavelmente com eles. Somente um pai ou uma mãe conhecem a intensidade da  angústia e do sofrimento acarretados pela paternidade.
 Por que um deus malévolo nos daria corpos belos,  jovens e sadios? Porque sabemos que nossa saúde e vitalidade são efêmeras, que  ou morreremos jovens ou então definharemos lentamente. Ao nos presentear com  algo maravilhoso por um momento, e então gradualmente retira-lo de nós, um deus  malévolo pode nos fazer sofrer ainda mais do que sofreríamos se essa coisa  maravilhosa nunca nos tivesse pertencido.
 Males de segunda ordem exigem bens  de primeira ordem permitem  Alguns males são males de segunda ordem que  requerem bens de primeira ordem. Considere a inveja. Eu não posso sentir inveja  a menos que saiba que outros possuem algo que vale a pena invejar. O deus  malévolo permite a poucos de nós possuir bens (ou características que podem ser  percebidas como valiosas) de maneira que a inveja possa existir.
 Chamemos tais tentativas de explicar o problema  do bem de teodicéias reversas. Se estas teodicéias reversas não o  persuadiram, lembre-se que, da mesma maneira que um defensor da hipótese do deus  bondoso, também podemos tirar da manga a carta do ‘mistério’. Sendo  infinitamente inteligente e bem informado, é provável que o plano supremamente  engenhoso e diabólico do deus malévolo esteja muito além de nossa limitada  capacidade de compreensão. Neste caso, o fato de não sermos capazes de  compreender porque existem tantas coisas boas no mundo se ele existe não é uma  boa evidência para sua inexistência.
 A tese da simetria
 As três teodicéias reversas apresentadas acima  para lidar com o problema probabilístico do mal obviamente espelham as três  teodicéias que vimos antes. Na verdade, outras teodicéias também podem ser  parodiadas desta maneira (veja abaixo). Isto sugere uma maneira interessante de  desafiar o teísmo.
 Quão persuasivas são nossas três teodicéias  reversas? Intuitivamente, não convencem nem um pouco. Em vez de serem  consideradas seriamente, elas geralmente causam diversão tanto entre teístas  como entre não-teístas. Mas isto levanta a questão: se as teodicéias reversas  são fracas e ineficazes, por que deveríamos considerar as teodicéias  convencionais mais eficazes?
 Podemos também levantar uma questão mais geral.  Em termos de razoabilidade, não existe uma ampla simetria entre a  hipótese do deus benévolo e a hipótese do deus malévolo? Considere os argumentos  que respaldam as duas hipóteses. Eu assinalei antes que vários dos argumentos  populares que corroboram a hipótese do deus bondoso acabam por providenciar  quase o mesmo tipo de respaldo (isto é, não muito) para a hipótese do deus  malévolo. Além disso, quando se trata de lidar com as evidências contrárias às  respectivas hipóteses oferecidas pelas enormes quantidades tanto de bens quanto  de males encontradas no mundo, podemos construir tipos similares de explicação.  Em particular, as três teodicéias oferecidas para lidar com o problema  probabilístico do mal são equivalentes às teodicéias reversas esboçadas  acima.
 Denominarei a idéia de que, em termos de  razoabilidade, realmente existe tal simetria aproximada entre as hipóteses do  deus bondoso e do deus malévolo, a tese da simetria.
 A analogia das  balanças
 Suponha que a razoabilidade das hipóteses do deus  bondoso e do deus malévolo seja em cada caso indicada por um ponteiro num  conjunto de balanças. Dependendo de como cada uma de nossas duas balanças seja  carregada – considerações que aumentam a razoabilidade são colocadas à esquerda  de cada balança; considerações subtraindo razoabilidade são colocadas à direita  – o ponteiro em cada balança movimenta-se desde altamente razoável, passando por  uma série de posições (relativamente razoável, não  irracional, etc.) até altamente desarrazoado.
 Certamente, constatamos que vários dos argumentos  populares colocados por alguns teístas  do lado esquerdo da balança da hipótese  do bom deus bondoso podem com eficácia (ou ineficácia) similar serem colocados  do lado esquerdo da balança da hipótese do deus malévolo. Também constatamos que  as três teodicéias que vimos utilizadas por teístas para tentar remover ou  aliviar o peso do problema do mal na balança da hipótese do deus bondoso (talvez  possamos pensa-las como grandes balões de hélio afixáveis ao problema para  atenuar seu peso) são equivalentes às teodicéias reversas que podem ser  utilizadas para reduzir o peso do problema do bem.
 A tese da simetria  afirma que, quando carregamos as balanças corretamente com todas as evidências  disponíveis e outras considerações pertinentes à razoabilidade de uma crença, (a  propósito, não assumo qualquer compromisso com o evidencialismo aqui),  as duas balanças estabilizam aproximadamente nas mesmas  posições.
 Agora, a maioria de nós, incluindo os  teístas, consideram a hipótese do deus malévolo altamente desarrazoada.  Imaginamos que existe pouco material para colocar no lado esquerdo da balança, e  que, quando o monólito representado pelo problema do bem é adicionado, a balança  dá uma guinada violenta para a direita, apesar dos efeitos de qualquer dos  balões de hélio representados pelas teodicéias reversas que podemos lhe afixar.  Mas os adeptos da hipótese do deus bondoso usualmente imaginam a balança do deus  bondoso muito mais equilibrada. Acreditar num deus bondoso, eles pensam, não é  como acreditar em fadas, no Papai Noel, ou, naturalmente, num deus malévolo.  Quando esta balança é adequadamente carregada e a posição do ponteiro observada,  eles dizem, encontramo-lo indicando ‘não desarrazoado’ ou até mesmo ‘bastante  razoável‘.
 Resumindo, os que adotam a hipótese do deus  bondoso caracteristicamente rejeitam a tese da simetria. O desafio que estou  apresentando àqueles que acreditam no deus do monoteísmo clássico, então, é  explicar por que, se a crença num deus malévolo é altamente desarrazoada,  deveríamos considerar a crença num deus bondoso significativamente mais  razoável?
 Podemos chama-lo de o desafio do deus  malévolo.
 O problema do bem na  literatura
 Não sou o primeiro a observar como o problema do  bem pode ser utilizado para produzir um problema para os teístas.
 A mais antiga discussão  parece estar no livro de 1968 Evil and the Concept of God escrito por  Edward Madden e Peter Hare, em que os autores dedicam três  páginas ao problema do bem. Após esboçar rapidamente algumas teodicéias  reversas, Madden e Hare concluem:
  A esta altura já deveria estar claro que os  problemas do mal e do bem são totalmente isomórficos; o que pode ser dito sobre  um pode, num sentido inverso, ser dito sobre o outro. Para qualquer solução para  um dos problema existe uma solução equivalente para o outro, e para cada  contraargumento de um existe um contraargumento paralelo do outro.
 O artigo de 1976  ‘Cacodaemony’, Stephen Cahn (de forma independente) extrai  a mesma conclusão, afirmando que: ‘os argumentos clássicos em defesa da idéia de  que todo mal existente no mundo torna possível um mundo contendo bens ainda  maiores podem ser equiparados a argumentos em defesa da idéia de que todas as  coisas boas existentes no mundo tornam possível um mundo contendo males ainda  maiores’. Em ‘God, the demon, and the status of  theodicies’, publicado em 1990, Edward Stein concorda com  Hare, Madden e Cahn em que ‘[um] demonista pode idealizar uma demonologia que é  isomórfica a qualquer teodiceia’.
 Christopher New (também  ignorando a literatura anterior), em seu artigo de 1993, ‘Antitheism’, desenvolve alguns argumentos correspondentes para, e  teodicéias reversas em defesa da, crença num deus malévolo. Finalmente, em ‘God,  devil, good, evil’ publicado em 1997, Charles Daniels  aventura-se a lidar com os argumentos de Hare, Madden, Cahn e Stein sugerindo a  existência de uma assimetria crítica entre as hipóteses do deus bondoso e do  deus malévolo – Daniels argumenta que um deus malévolo é na verdade uma  impossibilidade lógica. Responderei à objeção de Daniels no fim deste  artigo.
 Existe uma série de diferenças importantes entre  meu desafio do deus malévolo e os desafios prévios lançados por Madden e Hare,  Cahn, Stein e New.
 Primeiro, como ficará claro, eu rejeito a  afirmação central de Hare, Madden, Cahn e Stein: que os problemas do bem e do  mal e suas respectivas soluções são ‘exatamente equivalentes’ (Madden e Hare).  As soluções não são exatamente equivalentes. Eu mostrarei algumas  assimetrias entre os dois problemas e conjuntos de teodicéias (e também  assimetrias nos argumentos que podem ser construídos para estes respectivos  deuses). Entretanto, eu explicarei porque estas assimetrias locais não  necessariamente, e muito provavelmente não, ameaçam a tese da simetria.
 Segundo, eu vejo falhas na tentativa de New de  lidar com certos argumentos para um deus bondoso aparentemente não-reversíveis,  e forneço uma resposta melhor àqueles argumentos.
 Terceiro, pretendo que minha hipótese do deus  malévolo proporcione um desafio mais robusto, espinhoso e nuançado ao teísmo do  que os lançados pelos que contribuíram anteriormente com esta discussão, não  apenas reconhecendo e respondendo ao problema das assimetrias locais, mas também  antecipando e enfrentando uma ampla gama de possíveis respostas teístas.
 Respostas ao desafio do deus  malévolo
 Algumas pessoas podem pensar que o desafio do  deus malévolo é facilmente refutável. Por exemplo, não omitimos vários  argumentos importantes para a existência de Deus que são argumentos específicos  para um deus bondoso, e que não são equiparados por nenhum argumento  correspondente para um deus malévolo? Não mostram estes argumentos que a crença  num deus bondoso é, afinal de contas, um pouco mais razoável do que a crença num  deus malévolo?
 Milagres e experiências  religiosas
 Considere por exemplo o argumento dos milagres.  Curas milagrosas e outros fenômenos supostamente sobrenaturais são observados  regularmente. Alguns são investigados oficialmente e confirmados por autoridade  religiosas como a Congregação Católica para as Causas dos Santos. Não  proporcionam tais eventos pelo menos algumas evidências para a existência não  somente de um deus, mas de um deus bondoso disposto a realizar grandes obras  benéficas em resposta às nossas orações?
 Ou considere o argumento da experiência  religiosa. Experiências religiosas são quase sempre interpretadas como  experiências de alguma coisa imensamente positiva. Mais uma vez, não nos  fornecem elas pelo menos alguma evidência de que não somente existe algum tipo  de inteligência por trás do universo, mas que esta inteligência é uma  força benévola, não malévola?
 Mesmo que tais argumentos estejam longe de serem  conclusivos quando considerados individualmente, podemos supor que eles  contribuem para fazer um caso cumulativo para a existência não de um deus  qualquer, mas da divindade supremamente benevolente do monoteísmo clássico. Mas  se isto é verdade, então o equilíbrio da balança do deus benévolo agora se  altera. Dispomos agora de algo um pouco mais convincente para colocar no lado  esquerdo da balança do deus benévolo, algo para o qual não há nada  correspondente que possa ser colocado no lado esquerdo da balança do deus  malévolo. Possuímos agora algum motivo para rejeitar a tese da simetria?
 New sobre os argumentos dos milagres  e das experiências religiosas
 Em ‘Antitheism’, New tenta lidar com esta aparente assimetria construindo  argumentos correspondentes para um deus malévolo. Ele pede que imaginemos um  mundo cujos habitantes tem experiências com um deus malévolo (New as chama de  ‘experiências antirreligiosas’) e que observam eventos  perigosos ou desagradáveis que não podem ser explicados cientificamente (New os  chama de ‘antimilagres’). Possuímos agora evidências hipóteticas para um deus  malévolo que correspondem exatamente às evidências para o deus benévolo. O  problema com a estratégia de New, porém, é que evidências imaginárias não são  realmente evidências. Eu não posso providenciar evidências contrárias a uma  teoria científica simplesmente imaginando alguma. Para  possuir algum valor, as evidências devem existir concretamente.
 Vários teístas insistem que dispomos de  evidências reais para um deus benévolo – a evidência proporcionada pelos  milagres e pelas experiências religiosas. O problema com a tese da simetria, o  teísta pode insistir, é que simplesmente não existe qualquer coisa similar a  este tipo de evidências para experiências antirreligiosas e antimilagres. A  tentativa de New de produzir argumentos correspondents aos argumentos dos  milagres e das experiências religiosas é um fracasso. Entretanto, como  explicarei em seguida, existe uma maneira melhor de responder aos argumentos dos  milagres e das experiências religiosas.
 Uma resposta melhor
 Os argumentos dos milagres e das experiências  religiosas fornecem evidências melhores para um deus benévolo do que para um  deus malévolo?
 Suponha que a hipótese do deus malévolo seja  verdadeira. Este ser maligno pode não querer que saibamos de sua existência.  Para maximizar o mal, na verdade pode lhe ser útil nos enganar sobre sua  verdadeira natureza. Um ser onipotente e maligno não teria dificuldades em  ludibriar os seres humanos e faze-los acreditar que ele é bom. Assumindo uma  aparência ‘boa’, ele pode aparecer num canto do mundo, revelar-se em  experiências religiosas e realizar milagres em resposta às orações, e talvez  também dar instruções sobre o que seus seguidores devem acreditar. Ele pode  então fazer o mesmo em outras regiões do globo, exceto pelas instruções sobre o  que se deve crer, que contradizem tudo o que ele disse em outros lugares.
 Nosso ser maligno então retira-se e observa  inevitáveis conflitos surgirem  e assumirem proporções globais entre as  comunidades para as quais ele se revelou fraudulentamente, cada uma delas  totalmente convencida por seu próprio estoque de milagres e experiências  religiosas de que o único deus verdadeiro está a seu lado. Temos aqui uma  receita para conflitos intermináveis, violência e sofrimentos.
 Quando observamos como  as experiências religiosas e os milagres estão realmente distribuídos, este é  aproximadamente o padrão que encontramos. Portanto, mesmo que eles sejam  genuinamente sobrenaturais, será que estes fenômenos miraculosos constituem  melhor evidência para um deus benévolo do que para um malévolo? Conquanto um  deus benévolo possa criar milagres e experiências religiosas, é difícil ver por  que ele os produziria desta maneira, considerando-se as previsíveis e terríveis  consequências. Talvez os milagres e as experiências religiosas de fato indiquem  a atividade de agentes sobrenaturais, mas é discutível que sua configuração real  corrobore melhor a hipótese do deus benévolo que a do deus malévolo. Não  deveríamos, a esta altura, descartar a possibilidade de que, se existe uma  assimetria entre as duas hipóteses, esta deva-se na verdade à maior  razoabilidade da hipótese do deus malévolo do que a do deus benévolo.
 Em resposta à esta defesa da hipótese do deus  malévolo, pode-se perguntar: ‘Mas por que uma deus malévolo se importaria em nos  enganar sobre seu verdadeiro caráter, considerando-se que o pleno conhecimento  deste carrasco cruel e todo-poderoso seria na verdade bem mais terrível?’
 A resposta, é claro, é que um deus malévolo  desejaria permitir a realização de atos moralmente condenáveis dentro de sua  criação. Como já observado, um mundo sem agentes morais capazes de realizar  ações de uma natureza profundamente perversa é um mundo seriamente deficiente  deste ponto de vista. Portanto não somente o deus malévolo criou um mundo no  qual nós somos agentes morais livres, como também arquitetou o tipo de  circunstâncias nas quais somos, então, prováveis de escolher livremente o mal.  Conflitos motivados pela religião claramente foram, e continuam a ser, uma das  principais fontes de mal moral no mundo. Através deste engano, um deus malévolo  é capaz de criar um ambiente no qual é provável que o mal moral floresça.
 Uma última objeção ainda pode ser levantada: ‘Mas  certamente nada poderia ser pior do que o inferno segundo sua concepção  tradicional. Por que um deus malévolo simplesmente não nos envia direto para o  inferno?’ Entretanto, como já observado, um enigma correspondente desafia os que  acreditam num deus benévolo. Considerando-se que um cenário paradisíaco seria  profundamente mais jubiloso do que este, por que um bom deus não nos envia  direto para o Céu? Por que permite-se que tantos de nós atravessem sofrimentos  tão terríveis aqui?
 Considerando-se que ambas as hipóteses enfrentam  este tipo de objeção, como está ela não representa nenhuma ameaça à tese da  simetria. Além disso, podemos, em ambos os casos, tentar lidar com a objeção  recorrendo a um pós-vida. Somos enviados a este mundo primeiro, onde nos é dada  a oportunidade de realizar ações morais profundamente boas e más (isto é  importante para ambos os deuses). Nós então passamos para um pós-vida: uma  eternidade no Céu ou (sob a hipótese do deus malévolo) no Inferno, onde a  felicidade ou (sob a hipótese do deus malévolo) a dor e o sofrimento são  maximizados e quaisquer sofrimentos ou (sob a hipótese do deus malévolo)  alegrias na primeira etapa de nossa existência são compensados. Eu examinarei  brevemente os exemplos de tais teodicéias do pós-vida.
 Evidências  históricas
 A propósito, as respostas acima podem ser  ampliadas para lidar com argumentos para um deus benévolo baseados em evidências  históricas, como as evidências fornecidas pelas escrituras (as quais nem todas  são baseadas em experiências religiosas e milagres). Alguns insinuarão que  existe um volume considerável de evidências históricas e textuais que podem ser  apresentadas e combinadas para respaldar a crença numa divindade benévola, mas  nenhuma evidência correspondente para respaldar a crença numa divindade malévola  – e isto constitui uma assimetria significativa entre nossas duas hipóteses.
 Em resposta, podemos perguntar mais uma vez –  estas evidências históricas realmente corroboram melhor a hipótese do deus  benévolo do que a do deus malévolo? Não se nossos deus malévolo deseja criar a  ilusão de que é bom, a fim de fomentar a fraude delineada acima. Pode muito bem  ser de seu interesse fabricar evidências enganosas sobre seu próprio  caráter.
 Quando consideramos a distribuição das evidências  proporcionadas pelos milagres, experiências religiosas e também as evidências  históricas associadas com as inúmeras fés diferentes, é no mínimo razoável que o  padrão encontrado corrobore melhor a hipótese do deus malévolo do que a do  benévolo. Pois, reiterando, por que diabos um deus benévolo produziria estes  fenômenos de maneira a assegurar a existência de conflitos religiosos  intermináveis? Sem dúvidas, é um pouco mais provável que a desastrosa  distribuição real seja obra de um ser maligno.
 Um argumento moral
 Outra estratégia disponível para o teísta a fim  de estabelecer uma assimetria significativa entre as duas hipóteses seria  sustentar que existem argumentos morais para a existência de um deus benévolo  que não podem ser equiparados por argumentos correspondentes para um deus  malévolo. Por exemplo, eles podem defender que nossos senso moral poderia  possuir unica e exclusivamente uma origem sobrenatural, e que somente um deus  benévolo estaria interessado em que o possuíssemos. De maneira que o  fato de possuirmos um senso do certo e do errado é uma poderosa evidência  favorecendo a hipótese do deus benévolo sobre a hipótese do deus malévolo.
 Contudo, este argumento particular fracassa.  Conquanto possa ser verdadeiro que apenas um ser sobrenatural seja capaz de nos  equipar com um senso moral, o fato é que um deus malévolo poderia muito bem ter  interesse em nos fornecer tal senso. Pois ao nos dotar tanto de livre-arbítrio  como de conhecimento do bem e do mal, um deus malévolo pode permitir o  extraordinário mal de nossas más ações livremente realizadas com plena  consciência de que elas são verdadeiramente más.
 Por que, então, seria o fato de que possuímos um  senso do certo e do errado uma evidência favorecendo a hipótese do deus benévolo  em detrimento da do malévolo?
 Um segundo argumento  moral
 Um tipo diferente de argumento moral  especificamente para a existência de um deus benévolo concentra-se não sobre  nossa consciência dos valores morais objetivos, mas em sua existência. Alguns  insistirão que os fatos morais são tanto objetivos como não-naturais, e que um  deus benévolo é por conseguinte exigido para sustenta-los (ou ao menos  fornecer-lhes a melhor explicação.)
 É no mínimo controverso  se um argumento cogente ao longo destas linhas pode ser construído.  Notoriamente, tais argumentos são desafiados pelo dilema de Eutífron. Imagine que afirmamos que Deus, como legislador divino, decreta  que certas coisas, como o roubo e o assassinato, são erradas. Deus as decreta  porque reconhece que roubar e matar são, independentemente, erradas, ou elas são  erradas somente porque ele assim decretou? A primeira resposta torna Deus  redundante na medida em que refere-se ao estabelecimento de um padrão de certo e  errado – o assassinato seria errado de qualquer maneira, Deus existindo ou não,  ou, na verdade, aconteça ou não de ser o próprio Deus bom ou mau. Mas então a  natureza proibitiva objetiva, não-natural, do assassinato, seria obtida de  qualquer forma, mesmo se existisse um deus malévolo. Sob a primeira resposta,  podem ambos existir: um padrão de certo e errado objetivo, não-natural,  e um deus malévolo.
 A  segunda resposta, notoriamente, parece tornar a condenabilidade moral do  assassinato arbitrária e relativa. Observe que isto é um problema não importa  qual de nossas duas hipóteses seja favorecida. Resumindo, sob a primeira  resposta não há nenhum problema para a hipótese do deus malévolo; sob a segunda,  existe, prima facie, um problema que afeta igualmente ambas as  hipóteses.  O dilema de Eutífron constitui assim o principal obstáculo para a  construção de um argumento moral para a existência de um deus especificamente  benévolo, em vez de malévolo.
 É claro, permanece possível que um argumento  moral cogente ao longo das linhas acima ainda possa vir a ser formulado. Eu  suspeito que, para os que rejeitam a tese da simetria, esta é a mais promissora  linha de ataque. Contudo, mesmo entre os teístas, até hoje permanece a  controvérsia sobre a existência de qualquer argumento do tipo.
 Outras teodicéias  reversas
 Retornemos agora às  teodicéias convencionais e suas versões adaptadas. Talvez tenhamos subestimado o  alcance e a eficácia das teodicéias convencionais disponíveis. Existe alguma que  não seja reversível? Com certeza existem muitas que ainda não discutimos.  Contudo, em vários casos, se não todos, as teodicéias reversas insinuam-se  prontamente. Para ilustrar, esboçarei mais três exemplos: (1) uma teodicéia  reversa das leis da natureza, (2) uma teodicéia reversa do pós-vida, e (3) uma  teodicéia reversa semântica.
 Teodicéia das leis da natureza Ações  intencionais efetivas exigem que o mundo se comporte de maneira regular (por  exemplo, sou capaz de acender deliberadamente este fogo riscando meus fósforos  somente porque existem leis que determinam que, sob tais circunstâncias, meu ato  resultará em fogo). A existência de leis da natureza é um pre-requisito para  nossa capacidade tanto de agir sobre nosso ambiente natural como para interagir  com os outros dentro dele. Estas habilidades permitem a existência de bens  grandiosos. Elas nos dão a oportunidade para agir de um modo moralmente  virtuoso, por exemplo.
 Entretanto, tal mundo regido por leis  inevitavelmente produz alguns males. Por exemplo, o tipo de leis e condições  iniciais que produzem massas de solo estáveis nas quais podemos sobreviver e  evoluir também produzem movimentos tectônicos que resultam em terremotos e  tsunamis. Não obstante, o mal causado pelos terremotos e tsunamis é mais do que  soprepujado pelos bens que aquelas leis permitem. Podemos pensar que  somos capazes de conceber mundos possíveis que, como resultado de serem regidos  por diferentes leis e/ou condições iniciais, contém uma porcentagem muito maior  de bem do que de mal (que contém massas de solo estáveis mas nenhum  terremoto,por exemplo), mas em virtude das consequências que fracassamos em  antecipar (talvez a ausência de terremotos só seja possível ao custo de algum  tipo muito pior de catástrofe global), tais mundos podem, na realidade, sempre  serem piores do que o mundo real.
 Uma teodicéia das leis  da natureza reversa pode ser construída da seguinte forma.
 Teodicéia reversa das leis da  natureza Ações intencionais efetivas exigem que o mundo se comporte de  maneira regular. A existência de leis da natureza é um pre-requisito para que  sejamos dotados com a capacidade tanto de agir sobre nosso ambiente natural como  de interagir com os outros dentro dele. Estas habilidades permitem grandes  males. Por exemplo, elas nos dão a oportunidade de agir de maneiras  moralmente perversas – assassinando e torturando outras pessoas, por exemplo. Ao  nos conceder estas capacidades, o deus malévolo também consentiu que  experimentássemos certas formas importantes de sofrimento psicológico como a  frustração – não poderíamos tentar, e nos frustrarmos após repetidos fracassos,  a menos que primeiro nos fosse dada a oportunidade de agir.
 É verdade, tal mundo regido por leis  inevitavelmente produz algumas coisas boas. Por exemplo, ao nos conceder a  habilidade de agir dentro de um ambiente físico, o deus malévolo nos deu a  habilidade para evitar o que nos faz sofrer e para buscar o que nos dá prazer.  Não obstante, tais coisas boas são mais do que sobrepujadas pelos males que  estas leis permitem. Podemos pensar que somos capazes de conceber  mundos possíveis que, como resultado de serem regidos por diferentes leis da  natureza ou condições iniciais, contém um porcentagemo muito maior de mal do que  de bem (que contém ainda mais dor física e bem menos prazer, por exemplo), mas,  em virtude das consequências que fracassamos em antecipar (talvez o sofrimento  maior resultaria em sermos significativamente mais compreensivos, caridosos e  bons de uma maneira geral para com os outros), tais mundos na verdade sempre  seriam melhores do que o mundo real.
 A isto, alguém pode objetar: ‘Muito bem, um deus  malévolo decreta leis da natureza que nos conferem o poder de fazer o mal – mas  certamente ele também irá ocasionalmente suspender tais leis a fim de nos  confundir e frustrar e para produzir males para os quais as leis da natureza  nada mais seriam do que um empecilho.”
 Observe, entretanto, que ambas as teodicéias  defrontam-se com este tipo de objeção. Uma reserva similar pode ser aplicada à  teodicéia convencional das leis da natureza. Sim, um deus benévolo produzirá um  universo regular de maneira que sejamos capazes de fazer o bem, mas certamente  ele estaria disposto a suspender aquelas leis e intervir a fim de, digamos,  impedir algum evento particularmente vil de um ponto de vista moral (por  exemplo, a ascensão de Hitler ao poder) ou para impedir algum desastre natural  particularmente terrível, ou para nos ajudar a alcançar algum bem grandioso  (talvez providenciando algum golpe de sorte num laboratório científico que leve  à cura do câncer). Um deus benévolo simplesmente não contemplaria impassível  centenas de crianças serem enterradas vivas num terremoto mesmo se o terremoto  fosse o resultado de leis naturais que são amplamente benéficas de outras  maneiras.
 As teodicéias do  pós-vida também são populares. Considere a seguinte versão apresentada por T. J.  Mawson em seu livro Belief in God.
 Teodicéia do  pós-vida compensatório A dor e o sofrimento que experimentamos neste mundo  são mais do que compensadas no pós-vida – onde experimentaremos uma felicidade  ilimitada. A razão pela qual um deus benévolo simplesmente não nos enviaria  direto para o Céu é que apenas dentro de um mundo regido por leis no qual  possuímos livre-arbítrio (algo que, de acordo com alguns teístas, como Mawson, nos falta no Céu) podemos desfrutar bens importantes,  incluindo a grandiosa alegria que é fazer o bem por nossa própria vontade. Como  consequência de habitarmos este mundo por um curto período, nós sofremos, mas  este sofrimento é mais do que compensado por uma eternidade em comunhão com Deus  no Céu.
 A teodicéia do pós-vida de Mawson também pode ser  emulada.
 Teodicéia reversa do pós-vida  compensatório A alegria e a felicidade que experimentamos neste mundo são  mais do que compensadas no pós-vida – onde experimentamos um  mal ilimitado. A  razão pela qual um deus malévolo simplesmente não nos envia direto para este  mundo interminavelmente cruel é que somente dentro de um mundo regido por leis  no qual possuímos livre-arbítrio podemos experimentar males importantes,  incluindo o grandioso pecado de fazermos o mal por nossa própria vontade. Como  consequência de habitarmos este mundo por um breve período, nós experimentamos  algumas coisas boas, mas estas são mais do que compensadas pelo que lhe segue:  uma eternidade de sofrimento na companhia de um ser supremamente maligno.
 Teodicéia semântica Também é possível  parodiar as respostas semânticas convencionais para o problema do mal. Considere  este exemplo. Quando descrevemos Deus como sendo ‘bom’, o termo possui um  significado diferente daquele aplicável a meros humanos. Esta diferença no  significado pelo menos explica parcialmente porque um deus benévolo faria coisas  que não chamaríamos de ‘boas’ se feitas por nós.
 Podemos reverter esta teodicéia assim.
 Teodicéia semântica reversa Quando  descrevemos deus como sendo ‘mal’, o termo possui um significado diferente  daquele aplicável a meros humanos. Esta diferença no significado explica ao  menos parcialmente porque um deus malévolo faria coisas que não chamaríamos de  ‘más’ se feitas por nós.
 Com um pouco de engenhosidade, teodicéias  reversas podem ser formuladas também para várias outras teodicéias  convencionais. Entretanto, como explicarei agora, provavelmente deveríamos  reconhecer que – ao contrário das afirmações feitas por Madden, Hare, Cahn e  Stein – em alguns casos, nenhuma teodicéia ‘exatamente correspondente’ pode  ser formulada.
 Assimetrias
 Considere, por exemplo  as teodicéias baseadas numa história cristã em particular sobre a Queda e a  Redenção. Quando examinamos a explicação de Santo Agostinho para os males  naturais e morais – que ambos deitam raízes no pecado original de Adão e Eva –  nenhuma narrativa correspondente surge espontaneamente. Uma tentativa de  construir uma história invertida sobre um Adão e Eva invertidos cuja  desobediência a seu criador malévolo acarretou uma Queda invertida depara-se com  obstáculos insuperáveis.
 Por exemplo, conquanto um deus benévolo possa ter  alguma razão para permitir que os males naturais acarretados pelo pecado  original continuem a existir (pois estas consequências ruins, recaindo sobre nós  próprios, são merecidas, e além disso ainda resta a oferta de redenção feita por  Deus), por que um deus malévolo permitiria a existência contínua dos bens  naturais acarretados pela desobediência do casal Adão e Eva invertido? Pode ser  que, com alguma criatividade, uma narrativa completamente diferente envolvendo  um deus malévolo possa ser elaborada para explicar os bens naturais, mas é  difícil ver como ela poderia corresponder à história cristã da Queda em detalhes  suficientes para qualifica-la como uma teodicéia reversa. Pace Madden,  Hare, Cahn e Stein, parece que nem toda teodicéia possui realmente uma versão  equivalente, muito menos uma versão exatamente equivalente.
 Mesmo nos casos em que uma teodicéia  correspondente pode ser elaborada, ainda podem existir assimetrias. Por exemplo,  se supormos que o livre-arbítrio em si é um bem intrínseco, então a  teodicéia do livre-arbítrio reversa envolve um deus malévolo dotando-nos com o  bem do livre-arbítrio. Conquanto um deus malévolo possa, não obstante, ser capaz  de maximizar o mal concedendo-nos o livre-arbítrio, ainda ssim ele paga um preço  (introduzir esse bem intrínseco) – um preço para o qual não há paralelo na  teodicéia do livre-arbítrio convencional. Sem dúvidas, isto torna a teodicéia do  livre-arbítrio convencional muito mais efetiva do que sua versão invertida. O  teísta pode insistir que porque o livre-arbítrio é não somente um bem  intrínseco, mas um bem grandioso, então quantidades colossais de males  adicionais são exigidas para sobrepuja-lo – tão grandes, na verdade, que tornam  a teodicéia reversa do livre-arbítrio significativamente menos plausível do que  a teodicéia convencional.
 De modo que parece que existem algumas  assimetrias entre os dois conjuntos de teodicéias. Entretanto, o efeito destas  assimetrias parece ser comparativamente menor, exercendo pouco efeito sobre o  equilíbrio total da razoabilidade. Por exemplo, considerando-se o status mítico  de Adão, Eva e a Queda, a teodicéia de Santo Agostinho fracassa.
 Mas então a ausência de uma teodicéia  correspondente nã afeta muito a comparação de razoabilidades ( e em todo caso,  podemos ser capazes de elaborar um tipo diferente de narrativa para acompanhar a  hipótese do deus malévolo que explique os bens naturais de outro modo).
 E sobre a assimetria entre as teodicéias do  livre-arbítrio convencional e reversa? Stein tenta defender a tese de que para  cada teodicéia existe um ‘correspondente exato’ argumentando que o  livre-arbítrio não é, verdadeiramente, um bem intrínseco. Contudo, suponha que  concedamos a título de argumentação que o livre-arbítrio seja um bem intrínseco.  Isso demanda que abandonemos a tese de Madden-Hare-Cahn-Stein de que para cada  teodicéia existe uma teodicéia reversa que é sua ‘correspondente exata’. Mas  isto realmente exige que abandonemos minha tese da simetria – a tese de que  quando carregamos corretamente as balanças do deus benévolo e do deus malévolo  com todas as evidências disponíveis e outras considerações pertinentes à  razoabilidade de uma crença, as duas balanças acusarão valores aproximadamente  semelhantes?
 Acredito que não por pelo menos três razões.
 Primeiro, esta assimetria entre as duas  teodicéias pode muito bem ser neutralizada por outra. A fim de dispormos de uma  gama completa de escolhas livres entre o bem e o mal, Deus, seja ele bom ou mal,  deve introduzir a dor, o sofrimento e a morte não somente como possibilidades  mas como realidades. Não somente deve Ele fazer-nos vulneráveis a dor, ao  sofrimento e à morte (para nos dar a opção de torturar ou assassinar os outros),  Ele deve realmente inflingir a dor e a morte de maneira que sejamos capazes de  escolher livremente ajudar a alivia-los ou preveni-los. Agora se é prima  facie plausível que o livre-arbítrio é um bem intrínseco, não é menos  plausível que a dor, o sofrimento e a morte são males intrínsecos. Caso em que  ambas as teodicéias do livre-arbítrio requerem a introdução de bens intrínsecos  e males intrínsecos. Enquanto os bens intrínsecos demandam explicações  adicionais da hipótese do deus malévolo, por sua vez os males intrínsecos também  demandam explicações adicionais da hipótese do deus benévolo. Caso em que  aparentemente as duas assimetrias se equivalem.
 Segundo, mesmo se fosse verdade que a teodicéia  do livre-arbítrio é significativamente mais efetiva do que a teodicéia  reversa, isso pode não afetar a balança da razoabilidade entre as hipóteses do  deus benévolo e do deus malévolo. Suponha, a título de argumentação, que a  teodicéia do livre-arbítrio convencional seja inteiramente efetiva em explicar  os males morais, e que a teodicéia reversa seja  totalmente ineficaz em explicar  os bens morais (isto sendo uma assimetria bem mais dramática do que a proposta).  Assim, deixamos todo o peso do bem moral na balança do deus malévolo, mas  removemos inteiramente o peso do mal moral da balança da balança do deus  benévolo. Esta mudança no equilíbrio das duas balanças realmente resulta nos  dois ponteiros indicando níveis de razoabilidade muito diferentes?
 Obviamente não. Pois, ceteris paribus,  ainda existe uma quantidade monstruosa de mal na balança do deus bnévolo (tal  como as extraordinárias quantidades de sofrimento infligido sobre criaturas  sencientes ao longo dos milhões de anos anteriores ao aparecimento dos agentes  morais sobre a Terra). Pode-se argumentar (penso que com alguma plausibilidade)  que quando os males explicados pela teodicéia do livre-arbítrio são removidos,  ainda permanece  um volume de mal mais do que suficiente para manter o ponteiro  firmemente fixado na posição ‘altamente desarrazoado’. O ponteiro não indica  agora ‘não desarrazoado’ ou ‘bastante razoável’ – ele continua resolutamente  acusando ‘altamente desarrazoado’ no fim da escala. A balança moveu-se um  pouquinho, talvez, mas não muito. Se assim for, (o que considero pelo  menos plausível), então a tese da simetria permanece verdadeira.
 Terceiro, lembremo-nos de que mesmo se a  teodicéia do livre-arbítrio convencional for um pouco mais efetiva do que a  teodicéia reversa, esta ssimetria pode em todo caso ser contrabalançada ou  sobrepujada por outras assimetrias que favoreçam a hipótese do deus malévolo  sobre a hipótese do deus benévolo. Na verdade, um exemplo já foi descoberto:  prima facie, a evidência relativa aos milagres e experiências  religiosas parece respaldar a hipótese do deus malévolo um pouco melhor do que a  hipótese do deus benévolo.
 Concluindo, então, parece que – pace  Madden, Hare, Cahn e Stein – os dois conjuntos de teodicéias não se  equivalem mutuamente. Existem assimetrias. Entretanto, encontramos poucas razões  para supor que estas assimetrias exerçam algum efeito significativo sobre o  nível geral de razoabilidade de nossas respectivas hipóteses. Ainda não  encontramos boas razões para pensar que nossas duas balanças não estabilizam em  posições aproximadamente semelhantes.
 Outras  estratégias
 Para encerrar, antecipo  agora cinco respostas que o desafio do deus malévolo pode provocar, e delineio  resumidamente algumas das dificuldades que elas enfrentam.
 Significativamente mais coisas boas do que  ruins Podemos tentar refutar o desafio mostrando que existe uma quantidade  significativamente maior de bem do que de mal no mundo. Isto, entretanto, será  algo difícil de estabelecer, no mínimo porque bem e mal são difíceis de  quantificar e mensurar. Alguns teístas consideram simplesmente óbvio que o mundo  contém mais coias boas do que ruins, mas então vários (incluindo alguns teístas)  são atordoados pela idéia exatamente oposta. Apelos a estimativas subjetivas  possuem pouco força probatória.
 Argumentos ontológicos Podem os  argumentos ontológicos providenciarem fundamentos a priori para supor  não somente que existe um deus, mas que ele é bom? A dificuldade mais óbvia aqui  é que é discutível, para dizer o mínimo, se é possível formular qualquer  argumento ontológico cogente. A cogência dos argumentos que foram apresentados  continua não reconhecida não somente por não-teístas, mas também por vários  teístas – talvez a maioria dos teístas filósofos. Eles sem dúvida não recorrerão  ao argumento ontológico a fim de demonstrar por que a tese da simetria  fracassa.
 New chama a atenção  para o fato de que alguns argumentos ontológicos são, em todo caso,  reversíveis. Considere este exemplo (meu próprio –  baseado em New e Anselmo):
  Posso conceber um deus malévolo – um ser pior que o qual nenhum outro pode  ser concebido. Mas este ser seria ainda pior se existisse na realidade do que  apenas na imaginação. Portanto, o ser que concebi deve existir na  realidade.
 Argumentos da impossibilidade Poderíamos  refutar o desafio do deus malévolo demonstrando que um deus malévolo é na  verdade uma impossibilidade, pois a própria noção de um deus malévolo contém uma  contradição? Eis dois exemplos de tal argumento.
 No artigo ‘God, demon,  good, evil’, Daniels sugere que as ferramentas para lidar  com o desafio do deus malévolo podem ser encontradas no diálogo platônico  Górgias. Daniels acredita que Platão demonstrou que um deus malévolo é  uma impossibilidade. Sua ‘refutação platônica’ da hipótese de um deus malévolo é  a seguinte. Primeiro, Daniels afirma que nós sempre fazemos o que julgamos ser  bom. Mesmo quando fumo, apesar de acreditar que fumar seja ruim, eu o faço  porque julgo que seria bom fumar este cigarro aqui e agora. Disso resulta,  Daniels diz, que ninguém faz coisas ruins intencionalmente. Mas então segue-se  que se um ser for onisciente, ele não fará nada ruim. Não é possível a  existência de um ser onisciente porém maligno. A noção de um ser onisciente mas  maligno envolve uma contradição.
 Acredito que o argumento de Daniels incorre numa  falácia de ambiguidade acerca do uso da palavra ‘bom’. É verdade, sempre que  faço alguma coisa deliberadamente, eu julgo, em certo sentido, que o que eu faço  é ‘bom’. Mas ‘bom’ aqui não precisa significar mais do que ‘aquilo que pretendo  alcançar’. Ainda não nos foi dada qualquer razão para pensar que não posso  julgar ser ‘bom’, neste sentido, o que eu também acredito ser perverso,  porque eu desejo o mal. Sim, um deus malévolo julgará ‘boa’ a realização do mal,  mas apenas no sentido trivial de que o mal é o que ele deseja. Pace  Daniels, não existe nenhuma contradição envolvida quando um ser onisciente julga  que o mal seja, neste sentido, ‘bom’.
 Um argumento bem diferente seria: ‘Mas ao  realizar o mal, seu deus malévolo intenta satisfazer seu próprio desejo pelo  mal; e a satisfação de um desejo é um bem intrínseco. De maneira que a idéia de  um deus maximamente malévolo visando produzir um bem intrínseco envolve uma  contradição.’
 Este argumento também fracassa. Mesmo se  admitíssemos a questionável hipótese de que a satisfação de qualquer desejo –  mesmo um desejo ruim – é um bem intrínseco, o máximo que descobriríamos aqui  seria outra assimetria local – que, visando maximizar o mal, o deus malévolo  teria também pretendido realizar pelo menos um bem intrínseco (isto é, a  satisfação deste desejo de maximizar o mal). O que estabelecemos, talvez, é que  existem certos limites lógicos sobre a perversidade de Deus (da mesma maneira  que também existem certos limites lógicos sobre Seu poder: Ele não pode fazer  uma pedra tão pesada que não seja capaz de ergue-la). O Deus malévolo ainda pode  ser maximamente perverso – tão perverso quanto lhe é logicamente possível ser.  Ainda não foi estabelecida uma contradição na noção de um ser maximamente  malévolo.
 Em todo caso, existe uma questão mais geral a ser  levantada sobre os argumentos tentanto mostrar que um deus malévolo é uma  impossibilidade e que portanto o desafio do deus malévolo está refutado. A  questão é esta: mesmo supondo que um deus malévolo seja, por alguma razão X, uma  impossibilidade, ainda podemos fazer a pergunta hipotética: colocando de lado o  fato de que isso-e-aquilo estabelecem que um deus malévolo é uma  impossibilidade, quão razoável seria, se ele não fosse impossível, supor que tal  ser malévolo exista? Se a resposta for ‘altamente desarrazoada’, isto é, por  causa do problema do bem, então o desafio do deus malévolo ainda pode ser  aplicado. Ainda podemos perguntar aos teístas por que, se a hipótese do deus  malévolo fosse possível, eles a rejeitariam como altamente desarrazoada, mas não  pensam o mesmo sobre a hipótese do deus benévolo?
 Argumentos da simplicidade  E sobre a  hipótese do deus benévolo ser significativamente mais simples  do que a hipótse do deus malévolo?
 Por exemplo, podemos sugerir que um deus benévolo  pode ser definido de um jeito simples, por exemplo, como dotado de todos os  atributos positivos. Como a bondade é um atributo positivo, segue-se que este  deus é benévolo. O conceito de um deus malévolo, ao contrário, é mais complexo,  pois ele possui tanto atributos positivos (onisciência e onipotência) como  negativos (malevolência). O princípio de parcimônia exige, portanto, que  favoreçamos a hipótese do deus benévolo sobre a do deus malévolo.
 Reconheço que podem realmente existir assimetrias  entre as hipóteses em termos de simplicidade e economia. Entretanto, observe que  o fato de uma teoria ser bem mais econômica do que outra confere-lhe pouca  credibilidade adicional se as evidências disponíveis favorecem esmagadoramente a  idéia de que ambas as teorias são falsas.
 Considere, por exemplo, estas duas hipóteses: (i)  Swindom é habitada por 1000 elfos, e (ii) Swindom é habitada por 1000 elfos cada  um dos quais possui uma fada sentada em sua cabeça. A primeira hipótese é mais  econômica, já que postula metade das entidades da segunda. Mas isto torna a  primeira hipótese significativamente mais razoável do que a segunda? Não. Pois  não somente existem poucas razões para supor que qualquer delas seja verdadeira,  como existe evidências esmagadoras de que ambas são falsas.
 De maneira similar, se a razoabilidade de ambas  as hipóteses, a do deus benévolo e a do deus malévolo, for muito baixa,  assinalar que uma hipótese é um pouco mais econômica do que a outra faz pouco  para aumentar a probabilidade de uma hipótese em relação a outra. A idéia de que  as duas hipóteses são mais ou menos igualmente desarrazoadas permanece  incólume.
 Conclusão
 O foco principal deste artigo foi o desafio do  deus malévolo: o desafio de explicar por que a hipótese do deus benévolo deveria  ser considerada significativamente mais razoável do que a hipótese do deus  malévolo. Examinamos diversos dos mais populares argumentos para a existência de  um deus benévolo e descobrimos que eles aparentemente conferem pouca ou nenhuma  força probatória adicional à hipótese do deus benévolo do que à hipótese do deus  malévolo. Também vimos que várias das teodicéias oferecidas pelos teístas para  lidar com o problema do bem são emuladas por teodicéias reversas que podem ser  aplicadas ao problema do bem. Prima facie, nossos dois conjuntos de  balanças parecem encontrar pontos de equilíbrio bastante similares.
 Agora, eu não afirmo que a tese da simetria seja  verdadeira, e que o desafio do deus malévolo não possa ser refutado. Mas me  parece que é um desafio que merece ser considerado com seriedade. O problema  defrontando os defensores do monoteísmo clássico é este: até que eles sejam  capazes de dar boas razões para supormos que a tese da simetria seja falsa, eles  carecem de boas razões para supor que a hipótese do deus benévolo seja mais  razoável do que a hipótese do deus malévolo – sendo a última hipótese algo que  mesmo eles certamente admitirão que é de fato bastante desarrazoada.
 Embora reconheça a possibilidade de refutação do  desafio do deus malévolo, eu próprio não sou capaz de divisar a maneira como  isso possa ser feito. Talvez existam razões para imaginar que o universo foi  criado por um ser inteligente. Mas, a esta altura, a sugestão de que este ser  seja onisciente, onipotente e maximamente bom parece-me pouco mais razoável do  que a idéia de que ele seja onipotente, onisciente e maximamente perverso.