terça-feira, 22 de março de 2016

O Helenismo e os Judeus


INTRODUÇÃO

A uns dois ou três séculos antes de Cristo, muitos judeus já experimentavam uma grande influência da cultura helenística. Especialmente a população judaica da diáspora, como, por exemplo, os judeus que residiram em Alexandria, que por sinal foi a cidade modelo desse banho cultural [Paul, André, pág. 47]. Assim, Já desde o tempo de Alexandre, a influência grega começava a minar o judaísmo, embora encontrasse continua resistência por parte dos fariseus e seus simpatizantes. Tal influência helenística sobre os judeus, envolvia, principalmente o aspecto cultural, que por sua vez, era alimentado pelas filosofias existente da época. E os efeitos da filosofia eclética de Filo, por exemplo, incontestavelmente encontram-se no fundo cultural de grande parte da vida e literatura do Novo Testamento [Dana, H. E. pág. 113].
Portanto, procuraremos destacar aqui alguns exemplos do Novo Testamento nos quais podemos observar alguns efeitos do helenismo sobre os judeus. Vale lembrar que alguns destes exemplos não se encontram de maneira explicita em alguns dos textos, no entanto poderão demonstrar tais influências de modo implícito.

Influência Filosófica:

Uma das maiores influências do helenismo sobre os judeus que podemos destacar no Novo Testamento é a filosofia grega, a qual gerou muitas mudanças no pensamento judaico, causando, dessa forma, muitos efeitos no modo de se compreender a vida.

Dentre essas influências, podemos observar, de modo positivo, os efeitos da filosofia que tratava da necessidade de se livrar dos padrões tradicionais de comportamento herdados dos antepassados, o que levou a sociedade a adotar certa ênfase no individualismo. Esta influência pode ser observada no fato de que tal ênfase individualista contribuiu, ou facilitou, na época do Novo Testamento, a adoção do conceito de religião pessoal. Assim, quando Jesus desafiava seus ouvintes a deixarem pai e mãe a fim de segui-lo (Lc. 14.26;Mat. 10.37), não encontrava, por parte do conceito tradicional, nenhuma barreira que dificultasse sua mensagem. Assim, podemos observar, apartir desta passagem, que os judeus nos tempos do Novo Testamento, já haviam aderido muitos elementos da filosofia grega. E neste sentido podemos apontar, no Novo Testamento, outro exemplo dessa influência helênica sobre os judeus. Trata-se da declaração do apóstolo Pedro, a qual este fez diante do sinédrio judaico em certa ocasião (Atos 5.29). Após serem, os apóstolos, advertidos a não pregarem o evangelho de Cristo, encontramos Pedro e os demais respondendo ao sinédrio; Antes importa obedecer a Deus do que aos homens [ARA]. Esta era uma frase já conhecida desde os tempos de Sócrates. Este acreditava em princípios universais de verdade e de direito, os quais encontravam em Deus, o qual ele considerava supremo em conduta e caráter, sua forma ultima de expressão pessoal. Aos seus perseguidores atenienses ele dissera; “importa mais obedecer a Deus do que a vós” [Dana, H. E. pág.159]. Ao expressar-se desta maneira, não somente o apóstolo Pedro mas também o sinédrio judaico que não retrucara a tal declaração, parece demonstrar certa familiaridade com alguns conceitos filosóficos. E não apenas isto, mas também demonstram concordarem com tais conceitos que refletem alguns princípios universais de verdade e de direito. 

No entanto, quando se trata da influência que os gregos causaram no mundo de então, precisamos reconhecer que isso não se deu de maneira limitada. Tal influência abarcara todos os aspectos da sociedade. E o próximo aspecto que destacamos é a questão do idioma. 

Influência Lingüística:

Como já observamos, desde o tempo de Alexandre, a influência grega espalhara-se por todas as partes. E o principal instrumento que contribuira grandemente para esse evento foi o idioma grego. Através de uma língua comum, utilizada pela maioria em geral na comunicação popular. Sendo assim, todo o mundo greco-romano do primeiro século usava o idioma grego (koinê) como principal meio de comunicação [Dana, H. E. pág.146]. No entanto, embora houvesse, por parte de alguns judeus, certa resistência quanto à cultura helênica, o que incluía o uso do idioma grego, muitos judeus, principalmente alguns estudiosos, o aderiram sem problemas At. 21.37-39. Além disso, deve-se levar em consideração que os escritores do Novo Testamento utilizaram o grego koinê para escrever.
O fato de que muitos judeus usavam o grego para se comunicarem pode ser visto também em outras passagens como At. 11.20; 17.4; 19.10. Destas referências podemos observar também que, evidentemente, foram os cristãos judaicos de língua grega que pregaram o evangelho aos gregos pela primeira vez [Coenen, L. pág. 924].

Contudo, além da influência filosófica e Lingüística que os judeus experimentaram, existe um outro fator digno de nota. Ao estudar o Novo Testamento, nos deparamos também com a questão do costume que os envolveu. 

Costumes:

Outra situação, em que podemos ver que o helenismo era predominante na sociedade, no tempo do Novo Testamento, é o fato de que se utilizavam dos costumes gregos de maneira natural. O apóstolo Paulo, por exemplo, comumente utilizava-se de termos e exemplos provenientes da cultura grega para falar à igreja. Podemos observar que ao escrever suas cartas, o apóstolo costumava usar termos provenientes da cultura helênica. Em Filemom 4, encontramo-lo fazendo a seguinte declaração; Dou graças ao meu Deus, lembrando-me sempre de ti nas minhas orações [ARA]. Devemos observar que, era um aspecto comum nas cartas helenísticas que o remetente louvasse os deuses pela saúde e bem-estar de seus destinatários, e os assegurasse de suas orações por eles. Paulo (como Judeu) dá um conteúdo distintamente cristão à fórmula ao dar a razão de seu agradecimento [Fritz, 488].

Os judeus já estavam tão acostumados com a (ou influenciados pela) cultura grega que em Atos 6.1 encontramos uma referência a um grupo de crentes judeus helenistas. Ora, naquele tempo, multiplicando-se o numero dos discípulos, houve murmuração dos helenistas contra os hebreus, porque as viúvas deles estavam sendo esquecidas na distribuição diária [ARA]. Desta passagem podemos concluir que a influência helênica sobre os judeus era tão grande que podia até distinguir-se entre um grupo e outro (judeus de fala hebraica e os de fala grega), e, percebe-se, pela passagem, que havia uma certa discriminação até entre os judeus cristãos, o que logo refletiria em um problema, ou uma ameaça à unidade da igreja. No entanto, sob a direção do Espírito Santo, os apóstolos logo solucionam o problema, designando pessoas para tratarem da questão da distribuição (At.6.3-7). Vale observar aqui, ainda falando de costumes, que todos os irmãos (os sete) escolhidos tinham nomes gregos e não judaico, embora fossem judeus. Isso mais uma vez mostra o fato de que para os judeus era coisa normal aderir elementos da cultura grega em seu meio. 

E tal influência estende-se um pouco mais na vida da sociedade judaica. Observando com mais cuidado o livro de Atos, percebemos outra vez a evidência dos efeitos do helenismo sobre a vida dos judeus. Como já foi observado acima, as influências do helenismo na sociedade judaica era muito forte. E, de fato, os judeus e os gregos viviam, em todos os lugares, lado a lado, e por conta disto surgiam muitos casamentos mistos. Exemplo disto, observamos que um destes casamentos teve como filho Timóteo, filho de uma judia crente, mas de pai grego, como podemos ver em Atos 16.1.

Um outro caso que queremos destacar aqui é a questão da circuncisão judaica. Como sabemos, a circuncisão era de extrema importância na vida religiosa dos judeus. No entanto, já desde ha muito os judeus vinham experimentando forte influência do helenismo, tanto na maneira de pensar como na maneira de viver em sociedade. Menelau, por exemplo, que comprara de Antíoco IV o oficio de sumo sacerdote, ignorou as leis judaicas, construindo uma praça de esportes em Jerusalém onde atletas nus se reuniam para disputas esportivas gregas. Menelau e seus amigos restabeleceram seus prepúcios, de modo que viessem parecer gregos quando entrassem em banhos públicos [Packer, J. I. pág. 86].

Esta prática parece repetir-se posteriormente, e isso em uma ocasião bem interessante. Em I Corintios 7.18 encontramos a orientação de Paulo; Foi alguém chamado estando circunciso? Não desfaça a circuncisão [ARA]. Paulo foi o apóstolo que mais falou à igreja com respeito a justificação do pecador. E quando tocava neste assunto, geralmente argumentava que a circuncisão, ou incircuncisão física não significava nada com respeito à salvação. Portanto, em decorrência disto, alguns judeus helenistas que abraçara a fé cristã não viam mais sentido no fato de serem circuncidados. Como sabemos, na igreja de Corinto havia alguns membros judeus (I Co.1.14 cf. At. 18.8), e é de nos chamar a atenção aqui o fato de que um grupo de crentes em Corinto parece que desejavam, por algum motivo, desfazer sua circuncisão. O que nos parece provável é que a exemplo de outros como Menelau e seus amigos, alguns ali, judeus helenistas, estivessem desfazendo sua circuncisão.

Com certeza estes são apenas uns poucos exemplos de muitos outros que podemos encontrar no Novo Testamento com respeito aos efeitos do helenismo sobre a vida dos judeus. Também reconhecemos que tal influência helênica fora muito mais abrangente do que os pontos apresentados aqui, ou seja; a filosofia, o idioma, os costumes são apenas alguns aspectos do helenismo. Certamente a cultura helênica teve expressão em muitas outras áreas como; na política, economia, e provavelmente na religião.

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