quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Existe um Deus? Bertrand Russell


A questão da existência de Deus é de tal natureza que pode ser decidida a partir de bases muito diferentes por diferentes comunidades e diferentes indivíduos. A imensa maioria da humanidade aceita a opinião prevalecente em sua própria comunidade. Nos tempos mais remotos dos quais temos evidências históricas definidas, todos acreditavam em muitos deuses. Os judeus foram os primeiros a acreditar em apenas um. O primeiro mandamento, quando ainda novo, era muito difícil de obedecer porque os judeus acreditavam que Baal, Ashtaroth, Dagon, Moloch e o resto eram deuses reais, mas deuses maus porque ajudaram os inimigos dos judeus. Passar da crença de que tais deuses eram maus para a crença de que não existiam absolutamente foi um passo difícil. Houve um tempo, a saber, o de Antíoco IV, em que foi feito um vigoroso esforço para helenizar os judeus. Antíoco decretou que deveriam comer carne de porco, abandonar a circuncisão e tomar banhos. A maior parte dos judeus em Jerusalém submeteu-se, mas em locais campestres a resistência era mais ferrenha e, sob a liderança dos macabeus, os judeus finalmente estabeleceram o direito às suas peculiares doutrinas e costumes. O monoteísmo — que no começo da perseguição de Antíoco havia sido a crença de apenas uma parte de uma nação muito pequena — foi adotado pelo cristianismo e, posteriormente, pelo islã, de modo que se tornou dominante em todo o mundo localizado a oeste da Índia. Da Índia para o leste, não teve sucesso: o hinduísmo tinha muitos deuses; o budismo, em sua forma primitiva, não tinha nenhum; o confucionismo não tinha nenhum do século XI em diante. Todavia, se a veracidade de uma religião há de ser julgada pelo seu sucesso no mundo, então o argumento em favor do monoteísmo é muito poderoso, visto que este possuiu os maiores exércitos, as maiores marinhas e a mais grandiosa acumulação de riquezas. Em nossos dias, tal argumento está perdendo sua força. É verdade que a ameaça não-cristã do Japão foi derrotada. Mas o cristão agora está em face à ameaça de hordas de moscovitas ateus, e não está muito claro — como alguns poderiam desejar — se bombas atômicas serão um argumento decisivo em favor do teísmo.
Entretanto, abandonemos este modo político e geográfico de analisar as religiões, que tem sido progressivamente rejeitado pelos indivíduos pensantes desde o tempo dos gregos antigos. Naquele tempo já havia homens que não estavam satisfeitos em aceitar passivamente as opiniões religiosas de seus próximos, mas se esforçavam em considerações sobre o que a razão e a filosofia poderiam ter a dizer sobre o assunto. Nas cidades comerciais da Jônia, onde a filosofia foi inventada, havia livres-pensadores no século VI a.C. Eles tinham uma tarefa fácil em comparação aos modernos livres-pensadores, pois os deuses do Olimpo, apesar de inspiradores à imaginação poética, dificilmente eram o tipo de coisa que poderia ser defendida através do uso metafísico da razão pura. Eles eram conhecidos popularmente pelo orfismo (ao qual o cristianismo deve muito) e, filosoficamente, por Platão, do qual os gregos derivaram um monoteísmo filosófico muito diferente do monoteísmo político e nacionalista dos judeus. Quando o mundo grego foi convertido do cristianismo, ele combinou a nova crença com a metafísica platônica, e assim nasceu a teologia. Teólogos católicos, do tempo de Santo Agostinho até os dias de hoje, têm acreditado que a existência de um Deus único pode ser provada pela razão pura. Seus argumentos foram postos em sua forma final por Tomás de Aquino no século XIII. Quando a filosofia moderna começou no século XVII, Descartes e Leibniz retomaram os velhos argumentos de uma forma polida e, grandemente devido aos seus esforços, a devoção permaneceu intelectualmente respeitável. Mas Locke, apesar de ser, ele próprio, um cristão completamente convicto, minou as bases teóricas dos velhos argumentos, e assim muitos de seus adeptos, especialmente na França, tornaram-se ateus. Não tentarei adentrar toda a sutileza de tais argumentos filosóficos em favor da existência de Deus. Há, penso, apenas um deles que ainda possui peso aos filósofos, que é o argumento da Causa Primeira. Este argumento sustenta que, dado o fato de que tudo que acontece tem uma causa, então deve existir uma Causa Primeira a partir da qual toda a série iniciou-se. Este argumento sofre, todavia, do mesmo defeito do argumento do elefante e da tartaruga. Diz-se — não sei com quanta veracidade — que um certo pensador hindu acreditava que a Terra era sustentada por um elefante. Quando lhe perguntaram em que o elefante se sustentava, respondeu que era sobre uma tartaruga. Quando lhe perguntaram em que a tartaruga se sustentava, disse: “Estou cansado disso; mudemos de assunto”. Isso ilustra o caráter insatisfatório do argumento da Causa Primeira. Não obstante, poderemos encontrá-lo em alguns tratados ultramodernos de Física que defendem que os processos físicos, traçados regressivamente no tempo, demonstram que as coisas tiveram um início súbito, e inferem que isso se deve à criação divina. Eles abstêm-se cuidadosamente das tentativas de demonstrar que essa hipótese torna o assunto mais inteligível.
Os argumentos escolásticos para a existência de um ente supremo são agora rejeitados pela maioria dos teólogos protestantes em favor de novos argumentos que, a meu ver, não representam qualquer melhora. Os argumentos escolásticos foram genuínos esforços do pensamento e, se seus raciocínios tivessem sido sólidos, teriam demonstrado a veracidade de sua conclusão. Os novos argumentos, que os modernistas preferem, são vagos, e estes rejeitam com desprezo qualquer esforço para torná-los precisos. Há um apelo ao coração, como oposto ao intelecto. Não afirmam que aqueles que rejeitam os novos argumentos são ilógicos, mas que são destituídos de sensibilidade profunda ou senso moral. Contudo, examinemos os argumentos modernos e vejamos se estes realmente provam alguma coisa.
Um dos argumentos favoritos é o da evolução. Outrora o mundo era estéril e, quando a vida começou, era de um tipo pobre, consistindo de “gosmas verdes” e outras coisas pouco interessantes. Gradualmente, ao longo do curso da evolução, desenvolveram-se os animais e as plantas e, finalmente, o homem. O homem, asseguram-nos os teólogos, é um ser tão esplêndido que pode ser considerado a culminação desta evolução — da qual as longas eras de nebulosidade e gosmas verdes foram um prelúdio. Penso que os teólogos devem ter sido afortunados em seus contatos humanos. Não parecem, a meu ver, dar o devido peso a outros fatores, como Hitler. Se a Onipotência, com todo o tempo à sua disposição, julgou válido o esforço de guiar os homens através de milhões de anos de evolução, apenas posso dizer que os gostos moral e estético envolvidos são peculiares. Todavia, os teólogos, sem dúvida, esperam que o curso futuro da evolução produzirá mais homens como si próprios e menos homens como Hitler. Tomara que assim seja. Mas, ao acalentar esta esperança, estamos abandonando o solo da experiência e nos refugiando em um otimismo que a História, até aqui, não respalda.
Há outras objeções ao otimismo evolucionário. Temos todas as razões para pensar que a vida em nosso planeta não continuará eternamente, de modo que qualquer otimismo baseado no curso da história terrestre deve ser temporário, limitado a esse período de tempo. Evidentemente, é possível que exista vida em outros locais, mas, se existe, não sabemos nada a seu respeito e não temos motivos para supor que possui mais semelhança aos virtuosos teólogos do que a Hitler. A Terra é um pequeníssimo ponto no Universo. É um pequeno fragmento do sistema solar. O sistema solar é um pequeno fragmento da Via Láctea. E a Via Láctea é um pequeno fragmento dos muitos milhões de galáxias reveladas pelos telescópios modernos. Neste insignificante ponto do cosmos há um breve interlúdio entre dois longos períodos estéreis em vida. Neste breve interlúdio, há outro ainda mais curto que contém o homem. Se o homem é realmente o objetivo do Universo, o prefácio parece um pouco longo demais. Alguém pode se lembrar de um velhinho falante que conta uma interminável anedota enfadonha, até chegar à sua pequena conclusão. Não acho que os teólogos estariam demonstrando uma devoção razoável ao tornar tal comparação possível.
Superestimar a importância de nosso planeta sempre foi um dos defeitos dos teólogos de todos os tempos. Sem dúvida, isso era compreensivelmente natural nos dias antes de Copérnico, quando se pensava que os céus giravam em torno da Terra. Mas, desde Copérnico e, principalmente, desde a exploração moderna das regiões longínquas, esta preocupação com a Terra tornou-se um pouco paroquial. Se o Universo tivesse um criador, não seria muito razoável supor que estaria especialmente preocupado com o pequeno grão em que vivemos. E, se não estivesse, seus valores deveriam ser diferentes dos nossos, visto que na imensa maioria das regiões a vida é impossível.
Há um argumento moral para a crença em Deus, que foi popularizado por William James. De acordo com este argumento, devemos crer em Deus porque, caso contrário, não nos comportaríamos bem. A primeira e maior objeção a esse argumento é que, no melhor dos casos, não pode provar que há um Deus, mas apenas que políticos e educadores devem tentar fazer as pessoas pensarem que há um. É uma questão política, e não teológica, se isso deve ser feito ou não. Este argumento é do mesmo gênero daqueles que sustentam que as crianças devem ser ensinadas a respeitar a bandeira nacional. Um homem com um mínimo de religiosidade genuína não ficará satisfeito com a ideia de que a crença em Deus é útil; ele desejará saber se, de fato, existe um Deus. É absurdo pensar que as duas questões são a mesma coisa. Nas escolas infantis, a crença no papai Noel é útil, mas homens adultos não pensam que isso prova a real existência do papai Noel.
Visto que não estamos discutindo política, podemos considerar suficiente esta refutação do argumento moral, mas talvez valha a pena ir um pouco mais a fundo. Primeiramente, é muito duvidoso se a crença em Deus implica todos os efeitos morais benéficos que lhe são atribuídos. Muitos dos melhores homens da história foram descrentes; John Stuart Mill talvez sirva como exemplo. E muitos dos piores homens da história foram crentes; disso temos inúmeros exemplos — talvez Henrique VIII sirva como um.
Ademais, é sempre desastroso quando governos tentam sustentar opiniões por sua utilidade em vez de sua veracidade. Tão logo quanto isso é feito, torna-se necessária a censura para suprimir os argumentos opositores, e julga-se sábio desencorajar o pensar entre os jovens pelo temor de que surjam “ideias perigosas”. Quando tais malversações são empregadas contra a religião, como o são na URSS, os teólogos podem ver que são ruins, mas continuariam sendo ruins mesmo se empregadas em defesa daquilo que os teólogos julgam bom. A liberdade de pensamento e o hábito de dar peso à evidência são questões de importância moral muito maior do que a crença neste ou naquele dogma teológico. Nesta ótica, não há fundamentação para a ideia de que as crenças teológicas devem ser sustentadas por sua utilidade, sem consideração à veracidade.
Há uma versão mais simples e ingênua do mesmo argumento, que apela a muitos indivíduos. As pessoas dirão que, sem os consolos da religião, elas seriam intoleravelmente infelizes. Tanto quanto este argumento é verdadeiro, também é covarde. Ninguém senão um covarde escolheria conscientemente viver no paraíso dos tolos. Quando um homem suspeita da infidelidade de sua esposa, não lhe dizem que é melhor fechar os olhos à evidência. Não consigo ver a razão pela qual ignorar as evidências deveria ser desprezível em um caso e admirável noutro. À parte isso, o argumento da importância da religião em sua contribuição à felicidade individual é muito exagerado. Ser feliz ou infeliz depende de um número e fatores. A maioria das pessoas precisa de boa saúde e de alimento suficiente. Precisa da boa opinião de seu meio social e da afeição dos entes próximos. Não precisa apenas de saúde física, mas também de saúde mental. Dadas essas coisas, a maioria das pessoas será feliz, seja qual for sua teologia. Sem tais coisas, a maioria das pessoas será infeliz, seja qual for sua teologia. Pensando sobre as pessoas que conheci, não julgo que, em média, aquelas que possuíam crenças religiosas eram mais felizes do que aquelas que não as possuíam.
No que diz respeito às minhas próprias crenças, sou incapaz de discernir qualquer propósito no Universo, e ainda mais incapaz de desejar encontrar algum. Aqueles que imaginam que o curso da evolução cósmica está dirigindo-se lentamente a alguma consumação agradável ao Criador estão logicamente comprometidos — apesar de comumente não se aperceberem disso — à ideia de que o Criador não é onipotente ou, que se fosse onipotente, poderia decretar o final sem preocupar-se com os meios. Pessoalmente, não percebo qualquer consumação em direção à qual o Universo esteja se dirigindo. De acordo com os físicos, a energia se distribuirá gradualmente de modo mais homogêneo e, quanto mais homogeneamente distribuída estiver, mais inútil se tornará. Gradualmente, tudo que julgamos interessante ou agradável — como a vida e a luz — desaparecerá; pelo menos é o que nos dizem. O cosmos é como um teatro no qual apenas uma peça é apresentada; depois de as cortinas se fecharem, restará apenas um teatro gélido e vazio que, por fim, irá ruir. Não estou afirmando categoricamente que este é o caso. Isso seria equivalente a afirmar que temos mais conhecimento do que na realidade possuímos. Apenas digo que isso é o mais provável tendo em vista as evidências presentes. Não afirmo dogmaticamente que não há qualquer propósito cósmico, mas digo que não há sequer uma migalha de evidência em favor desta hipótese.
Direi ainda que, se há um propósito, e este propósito é o de um Criador Onipotente, então o Criador, longe de ser bondoso e compassivo, como nos dizem, é possuidor de um grau de maldade dificilmente concebível. Um homem que assassina uma pessoa é considerado um homem mau. Uma divindade onipotente, se existe, assassina todas as pessoas. Uma pessoa que, intencionalmente, afligisse outra com câncer, seria considerada diabólica. Mas o Criador, se existe, aflige muitos milhares a cada ano com esta terrível doença. Um homem que, possuindo o conhecimento e o poder necessários para tornar seus filhos bons, escolhesse, pelo contrário, torná-los maus, seria visto com execração. Mas Deus, se existe, faz esta escolha no caso de muitos de seus filhos. Toda a concepção de uma divindade onipotente à qual é errado criticar só poderia ter surgido nos despotismos orientais, onde os soberanos, apesar de suas caprichosas crueldades, continuavam apreciando a adulação de seus escravos. É a psicologia apropriada a este sistema político antiquado que ainda sobrevive na teologia ortodoxa.
Existe, é verdade, uma versão modernista do teísmo, de acordo com a qual Deus não é onipotente, mas está fazendo o melhor que pode, apesar das grandes dificuldades. Esta perspectiva, apesar de nova entre os cristãos, não é recente na história do pensamento. Pode, de fato, ser encontrada em Platão. Não penso que esta visão possa ser refutada. Tudo que pode ser dito a seu respeito, penso, é que não há qualquer razão positiva em seu favor.
Muitos indivíduos ortodoxos dão a entender que é papel dos céticos refutar os dogmas apresentados — em vez de os dogmáticos terem de prová-los. Essa ideia, obviamente, é um erro. De minha parte, poderia sugerir que entre a Terra e Marte há um pote de chá chinês girando em torno do Sol em uma órbita elíptica, e ninguém seria capaz de refutar minha asserção, tendo em vista que teria o cuidado de acrescentar que o pote de chá é pequeno demais para ser observado mesmo pelos nossos telescópios mais poderosos. Mas se afirmasse que, devido à minha asserção não poder ser refutada, seria uma presunção intolerável da razão humana duvidar dela, com razão pensariam que estou falando uma tolice. Entretanto, se a existência de tal pote de chá fosse afirmada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada todo domingo e instilada nas mentes das crianças na escola, a hesitação de crer em sua existência seria sinal de excentricidade e levaria o cético às atenções de um psiquiatra, numa época esclarecida, ou às atenções de um inquisidor, numa época passada. É costumeiro supor que, se uma crença é bastante difundida, então deve haver algo de razoável nela. Não penso que tal visão possa ser defendida por qualquer indivíduo que tenha estudado História. Praticamente todas as crenças de selvagens são absurdas. Nas civilizações antigas, talvez exista algo em torno de um por certo a respeito do qual haja algo a ser dito. Em nossos próprios dias… neste ponto preciso ser cauteloso. Todos sabemos que há crenças absurdas na URSS. Se formos protestantes, saberemos que há crenças absurdas entre os católicos. Se formos católicos, saberemos que há crenças absurdas entre os protestantes. Se formos conservadores, ficaremos pasmos com as superstições do partido trabalhista. Se formos socialistas, ficaremos espantados com a credulidade dos conservadores. Não sei, caro leitor, quais são suas crenças; mas, sejam quais forem, temos de admitir que nove décimos das crenças de nove décimos da humanidade são completamente irracionais. As crenças em questão são, obviamente, aquelas que você não possui. Não posso, deste modo, pensar que é presunçoso duvidar de algo que foi longamente tido como verdadeiro, especialmente quando esta opinião apenas prevaleceu em certas regiões geográficas, como é o caso de todas as opiniões teológicas.
Minha conclusão é que não há qualquer motivo para julgar que os dogmas da teologia tradicional são verdadeiros — e também nenhum motivo para desejar que fossem. O homem, desde que não esteja subjugado por forças naturais, é livre para construir seu próprio destino. A responsabilidade é sua, assim como a oportunidade.

    Evidencia a Favor del Jesús Histórico ¿Es el Jesús de la Historia el Cristo de la Fe? Por el Profesor Gary R. Habermas

    terça-feira, 22 de novembro de 2016