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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O martírio dos Macabeus e as restrições do Sabath

O SURGIMENTO DA CONCEPÇÃO DE ESCRITURAS SAGRADAS.
Uma análise de como os escritos judaicos passaram de registros históricos e religiosos para Revelação Divina.

Em 538 aC. os persas conquistaram a Babilônia, o Rei Ciro mandou libertar todos os povos prisioneiros da cidade, assim, os judeus tiveram permissão de voltar para sua terra. Voltar era um desafio e muitos bem sucedidos preferiram ficar e voltaram os aventureiros e os religiosos com a idéia de reconstruir o templo.

Mas pior para os judeus foi voltar e ver sua terra transformada em uma região estéril e sofrer com a desconfiança dos que ficaram. Jerusalém estava uma metade em ruínas e a outra abandonada e o povo que voltou foi morar nas ruínas de pedra abandonadas em uma situação deprimente. Após um tempo eles perderam as esperanças e se resignaram a uma vida sem perspectivas. Até a reconstrução do templo perdeu força e surgiram conflitos entre os que ficaram e os que chegaram.

Na Judéia a lei e a ordem praticamente não existiam, os forasteiros convenceram os persas que os judeus pretendiam se rebelar após o fim de reconstrução do templo, assim, os persas proibiram sua reconstrução. A ordem foi revogada alguns anos depois, mas, o ritmo foi irremediavelmente quebrado.

Oitenta anos depois, os exilados se arrependiam de ter voltado, foi quando um homem notável chegou a Jerusalém: Esdras, ele foi enviado para restaurar a ordem e era escriba e sacerdote, sendo que ninguém nascia escriba, era preciso ter talento, inteligência e preparo e era também um homem de posição e poder político. Vinha da Babilônia onde os escribas tinham escrito a primeira versão da Bíblia hebraica, A Torá, mas, os exilados não eram letrados e não conheciam o livro nem suas histórias e leis. Esdras disse: "É isso o que somos e é assim que devemos viver" Seria este um dos maiores eventos da história dos judeus. Esdras reuniu todo o povo em uma praça e leu todo o livro. Isso tornou Esdras quase como Moisés. Ele comunicou a Lei e disse ao povo que antes não sabia como agir, mas que agora tinha que refazer a aliança usando o Rolo Sagrado."Vós sois os filhos de Javeh, porais os dízimos para que o estrangeiro, os órfãos e viúvas comam, é uma ordem: Abra sua mão ao irmão necessitado que vive em sua terra, lembrem-se do Egito e da servidão que vocês foram resgatados".

Antes, eles conheciam a Tora através de citações e agora a tinham completa: O ideal, a história, as leis, os princípios, tudo ressurgiu naquele momento para os judeus. O Deus dos israelitas, não se importava apenas com os sacerdotes, mas com todo o povo: fazendeiros, artesãos, etc. Foi uma revolução religiosa e democrática. O que Esdras declarou naquele dia foi que não existiam conceitos secretos em Israel. Em outras culturas, havia ritos que só os sacerdotes conheciam, mas, a Torá descrevia os ritos do templo, seus utensílios, etc. Assim, todos os israelitas sabiam o que acontecia.

"A revelação de Deus é para quem quiser compreendê-la, não há uma para sacerdotes e profetas e outra para o povo, todos podem buscar Deus e entender seus ensinamentos".

A convocação de todos os judeus para participar da aliança revitalizou Jerusalém, a reconstrução do templo foi terminada e ele ocupava papel central na vida judaica.

Durante o segundo templo, havia um só lugar onde o tempo e o espaço sagrado se uniam: durante os sacrifícios, o povo se aproximava de Deus.

Se uma pessoa vivesse longe de Israel e fosse a hora de celebrar a páscoa, ele venderia o animal, faria a peregrinação para Jerusalém, compraria outro animal e o levaria para o sacrifício, era um presente para Deus.

Deus proibiu os judeus de se casarem com estrangeiros para que não adorassem outros deuses, nos anos tumultuados do cativeiro, muitos assim procederam. Depois que Esdras ordenou que todos se divorciassem "Vós pecastes tomando mulheres estrangeiras... separai-vos delas".

"Para Esdras, os judeus eram um povo sagrado, eram importantes porque viviam entre outros povos, assim, era importante criar um estado religioso à parte". (J. Krugel, Haward University)

A questão do divórcio das esposas estrangeiras gerou muitas controvérsias e essas controvérsias às vezes se agravavam em uma sociedade altamente religiosa.

Todos tinham um ideal para a sociedade quando voltassem do exílio. Essas expectativas se baseavam na história do passado e esse passado também gerava divergências e assim começaram a surgir discordâncias quanto às escrituras. Uma das maiores foi provocada por um livro que ousou questionar a mensagem dos profetas e dos escribas que editaram a Bíblia. A explicação dos escribas para a história judaica baseava-se na concepção de que Deus era justo e que recompensava o bem e punia o mal, mas, um livro escrito após o retorno alegava que poderia não ser assim: um herói chamado Jó, sofreu várias tragédias pessoais: sua colheita foi destruída, seu rebanho dizimado, seus filhos mortos e o próprio Jó contraiu lepra.

Enquanto se lamentava, Jó fez um dos maiores questionamentos da vida: Por que pessoas más prosperam enquanto os bons sofrem. "Como os maus crescem?", "o pavor me invade", "minha esperança é varrida com o vento", "minha esperança se desfaz como uma nuvem", "esperava a felicidade e veio desgraça", "caminho no escuro sem sol".

Jó parece reagir à idéia de que exista um Deus justo o poderoso e que recompensará o justo e punirá o mal, e essa é a idéia central da maioria dos livros bíblicos e dos profetas que vieram antes do exílio (Seth Schwartz,Seminário Teológico Judeu).

Jó sentia que isso não era verdade, para ele, a realidade não mostrava isso. Jó não esperava receber a recompensa por sua vida de desgraças após morrer. No Século IV aC., os judeus viam os escritos como a história de seu passado e pouco sobre seu futuro e a questão da vida após a morte, poucos criam nisto "para uma árvore há esperança, se ela for cortada, poderá rebrotar, mas, o homem quando morre, onde está ele?", "as águas correm, o rio se esgota, assim o homem se deita para não mais levantar".

A filosofia de Jô se tornaria crucial para o judaísmo. Se não havia recompensa ou punição, então por que seguir as leis de Deus? Era uma pergunta incômoda. Ao mesmo tempo, surgiu uma oportunidade de adotarem um modo de vida muito mais empolgante. No Século IV aC. um povo notável invadiu o Oriente Médio: os gregos liderados por Alexandre, conquistaram da Grécia à Índia, mas, eles possuíam mais que poderio militar, criaram a civilização mais sofisticada que já existira, sua arte era magnífica e se inspirava no corpo humano e os jogos olímpicos eram a maior expressão. Também reverenciavam a mente e seus grandes pensadores criaram a filosofia, a ciência e a matemática. Graças a isso, a economia, a arte, a arquitetura e a política deles estavam anos à frente dos outros povos do mundo. Para os judeus, a ameaça de sua cultura sucumbir era enorme, maior que o perigo representado por um exército poderoso.

"Quando o mundo grego se expandiu mais para o leste, os judeus se viram no meio do Império Grego, cercados por esta espetacular cultura". (Burton Vigotzky, Jewish Teological Seminary) e começaram a se helenizar (mistura da cultura grega com a oriental). Isso foi bom para muitos judeus, assim, ficaram em um dilema: manter sua identidade como povo ou não?

Esdras trouxera com a Torá, uma abordagem nova para o judaísmo mas, Bem Sirach e outros, ansiosos por uma alternativa começaram a estudar a vida dos heróis da Bíblia em busca da sabedoria divina que a história deles contava. Com a disseminação desta prática, uma idéia nova surgiu: os autores foram inspirados por Deus e tudo que "As escrituras" dizem é verdade.

A idéia de inspiração divina das escrituras emergiu devagar e gradativamente. "Os profetas falavam claramente em nome de Deus"; "Deus mandou dizer isto..."; "foi isso que Ele disse...".

Mas a concepção dogmática de inspiração divina das escrituras surgiu para outras partes da Bíblia. Os gregos podiam ser o povo mais rico e poderoso do mundo, mas, os judeus tinham uma arma poderosa: um livro escrito pelo próprio Deus e que dizia como eles deviam viver. Por causa das dificuldades de se entender o que Deus queria dizer em cada passagem, o significado de muitas histórias da Bíblia passou a estar aberto outras interpretações.

Os Judeus eram chamados de "o povo do livro" pelos gregos, mas na verdade, eles eram o povo da interpretação do livro onde muitas passagens têm mais de um significado ou interpretação especialmente em textos muito antigos que usavam palavras que não eram mais conhecidas, portanto, era preciso entender seu significado.

A incerteza quanto o que a Bíblia dizia, deu grande liberdade aos interpretes. Surgiram novas crenças que moldaram o judaísmo e o cristianismo. A mais importante delas respondia a uma questão fundamental: Por que os seres humanos tinham que ser bons? No Século IV aC. começaram a acreditar que os mortos ressuscitariam e que seriam julgados e os bons iriam para o paraíso e os maus para o inferno. Os que adotaram este conceito, diziam que encontraram estes conceitos na Bíblia e neste ponto, as pessoas começaram a ver a vida após a morte como a hora do acordo final, onde acertariam as contas com Deus.

A idéia de que a Bíblia era inspirada por Deus também provocou um grande interesse em profecias. A mais conhecida dizia que uma época conturbada se aproximava e que Deus ficaria ao lado daqueles que como os patriarcas e os profetas, perseveraram na aliança. Este novo jeito de compreender a Bíblia não só transformou o judaísmo mas, preparou-o para uma guerra de sobrevivência.
Os sucessores de Alexandre formaram uma nova dinastia: os Selêucidas, que assumiram o controle do Oriente Médio, o primeiro reino selêucida permitiu que os judeus se tornassem cidadãos gregos, mas, em 185 a C. um homem incomum subiu ao trono grego: Antíoco IV, o louco. Um de seus primeiros decretos registrado no livro de Macabeus exigia que todos os súditos substituíssem suas tradições ancestrais por gregas. O rei publicou um édito "todos os povos formem um único reino e que todos abandonem suas tradições particulares".

Muitos povos já haviam adotado o modo de vida grego, mas, não os judeus devotos que teriam que fazer uma escolha: abrir mão de sua crença ou lutar para defendê-la. Antíoco aliara-se a uma facção de judeus que adotaram o modo de vida grego para aumentar sua influência e ele deu o cargo mais importante a um judeu que pertencia a este grupo: o de Sumo Sacerdote do templo e este cargo foi comprado por Jasão com 360 talentos de ouro. Assim que assumiu, começou a converter seus compatriotas para o estilo de vida grego.

Para um Sumo Sacerdote na Jerusalém do Século II aC. a questão era simples: assumir o modo de vida grego ou não? Apoio ou não ao processo que já dominava todo o Oriente Médio (Isaías Gafui, Universidade Hebraica) e havia muitos dispostos a isso e a unir-se aos seguidores de Antíoco IV Epífanes.

Isso provocou uma reação violenta dos judeus ortodoxos. A circuncisão era o maior símbolo dos judeus, mas, durante este período, alguns judeus começaram a tentar mascarar a circuncisão para poderem participar dos jogos gregos, o processo chegou a tal ponto que os judeus perderam o interesse nas cerimônias e abandonaram tudo. "Para os judeus ortodoxos, certos costumes gregos como a nudez, o homossexualismo e os múltiplos deuses eram inaceitáveis" (Lawrence Schffman, New York University).

Segundo o livro de Macabeus o pior para os judeus foi a ordem de Antíoco de transformar o templo, o coração da religiosidade judaica em um templo grego. A revolta começou quando os cobradores de impostos receberam a ordem de levar uma imagem de Zeus. Matatias e seus filhos ao serem cobrados responderam: "Perseveraremos na aliança..." eles demoliram o altar a Zeus e mataram os cobradores.

Matatias e seus filhos seriam conhecidos como "Os Macabeus", sua revolta provava que o comprometimento dos judeus com o Livro Sagrado era tão forte que eles morreriam por ele e pelo templo que eles queriam purificado.

"Na história do mundo, essa foi a primeira vês que se fez uma guerra pela liberdade religiosa e de consciência". (Shave J. O. Cohen, Haward University) Pela primeira vez o estado mexeu com a religião, essa foi a Revolta dos Macabeus. Os revoltosos se refugiaram nas montanhas para fugir do exercito de Antíoco. O grupo era pequeno e ainda tinha que lutar seguindo a lei judaica: Era ilegal lutar no sábado e em uma ocasião, o exercito de Antíoco cercou um grupo de revoltosos, esperaram o anoitecer de sexta e atacaram. Mil judeus morreram nesta ocasião.

O evento introduziu o conceito de martírio, não lutaram no sábado e se tornaram mártires. "A Revolta dos Macabeus é o exemplo clássico de judeus lutando por sua religião e morrendo por isso" mas, depois do massacre os judeus decidiram reconsiderar a questão da obediência ao sabath, essa incerteza lhes deu liberdade. Tinham consciência de que se continuassem agindo assim, seriam exterminados e sua luta não teria sentido. Decidiram então combater no sábado para se defenderem, deixando parcialmente de lado as restrições do sabath.

Após a morte de Matatias, seu filho Judas o sucedeu na liderança dos revoltosos, era um líder carismático que usava líderes hebreus como exemplo para incentivar seus liderados "Logo cedo, Judas se preparava para a batalha... não temais... lembrem-se de como os nossos pais foram salvos no mar Vermelho..." depois de uma série de vitórias, Judas começou a ser chamado de "o macabeu", ou o martelo. Ele é um dos maiores heróis judeus...

Em 164 a C. os macabeus conquistaram Jerusalém , seu primeiro ato oficial foi retirar toda a influência grega do templo e reconsagraram-no. "Judas macabeu e seus companheiros purificaram o templo, fizeram sacrifícios rituais segundo a lei e acenderam os candeeiros".

O templo tinha que ser purificado pois ritos pagãos foram realizados nele. Isso levou ao chamado Festival do Hanuká, ou reconsagração do templo judeu. Embora o Hanuká seja um momento de triunfo, ele não foi o fim do conflito. As tropas de Antíoco contra atacaram e mataram Judas, "Israel chorou longamente...". O Hanuká tornou-se um símbolo de luta constante, após essas lutas, começaram as negociações políticas lideradas pelo irmão de Judas: Jonathas que em 152 a.C. tinha dez mil soldados sob seu comando, fez um acordo com um dos generais que disputavam o Reino Selêucida, aliou-se astutamente ao mais fraco e em comum acordo, nomearam o Sumo Sacerdote e o governante da Judéia. Esta se tornou independente pela primeira vez desde Davi. O reinado dos macabeus iniciou um período de renovação espiritual do judaísmo. A vitória da ortodoxia era a prova de que a Bíblia estava certa e que Deus ajudava os que perseveravam na fé. Prevaleceu o pensamento de que quando a luta é justa, poucos derrotam muitos.

Isto se tornou tradição tanto no judaísmo quanto no cristianismo. A idéia de morrer pela fé, o martírio e, a certeza de uma vida após a morte deu um dos alicerces espirituais que permitiram ao cristianismo sobreviver nas muitas perseguições que sofreu.

Do lado dos judeus, a convicção de que o destino deles dependia da confiança nas leis de Deus cresceria no período inter-testamentário, preparando os judeus para outra luta com um novo povo: os romanos.

segunda-feira, 1 de março de 2010

A Impaciência de Jó

"Porque não morri ao nascer? Por que não expirei ao sair do ventre? [...] ou por que não fui oculto no chão como um aborto, como uma criança que nunca viu a luz?" (3:11, 16)

Pobre Jó! O homem cuja paciência é tão citada e admirada, na verdade, por muitas vezes a perdeu completamente. É tola a tentativa moderna de querer transformar Jó num sofredor resignado. Ele nunca o foi. É verdade que em um momento declarou: "O Senhor deu e o Senhor o to­mou; bendito seja o nome do Senhor" (1:21), mas também é verdade que em outros momentos ele reclamou de Deus: "Clamo a Ti, ó Deus, mas não me respondes; ponho de pé, mas para mim não atentas. Tomas-te Cruel para comigo; com a força da tua mão me atacas" (30:20, 21).

Jó não compreendia o que estava acontecendo, afinal tudo aquilo não tinha lógica. "Porque estou sofrendo?". Era o seu conflito. O homem de Uz que no passado considerava-se protegido e guiado por Deus, que era farto e próspero e cuja vida fora respeitada por jovens, anciãos, príncipes, pobres, viúvas, órfãos, necessitados, estrangeiros, além de ser temido pelos inimigos (29: 1­-25).Ora, este homem que outrora tão importante e destacado fora, no presente amarga o desprezo de muitos que o conhecia (30:1-31).Jó, que estava sendo provado por Deus, não suportando seu sofrimento amaldiçoa o próprio nascimento: "Pereça o dia em que nasci, e a noite em que se disse: Foi concebido um homem!" (3:3).

Jó sentia-se afligido por Deus, sentia-se entrincheirado sem ter por onde escapar. Vejamos a sua agonia:

"Sabei que Deus é quem me oprimiu, e com sua rede me cercou. Embora eu clame: Violência! Não sou ouvido; embora grite por socorro, não há justiça. O meu caminho Ele entrincheirou, e não posso passar; nas minhas veredas pôs trevas. Da minha honra me despojou, e tirou da minha cabeça a coroa; quebra-me de todas os lados e eu me vou; arranca a minha esperança, como a uma árvore. Faz inflamar contra mim a sua ira, e me considera como um de seus inimigos.

Juntas vêm as suas tropas; preparam contra mim os seus caminhos, e se acampam ao redor da minha tenda. Pôs longe de mim a meus irmãos; os que me conhecem torna­ram-se estranhos para mim. Os meus parentes me aban­donaram; os conhecidos se esqueceram de mim. Os meus domésticos e as minhas servas me têm por estranho; vim a ser estrangeiro aos seus olhos. Chamo a meu criado, e ele não me responde; tenho de suplicar com a minha boca. O meu hálito é intolerável à minha mulher; sou repugnante a meus próprios irmãos. Até os pequeninos me desprezam; levantando -me eu falam contra mim. Todos os que eu amava se tornaram contra mim" (19:6-19). Estas não são palavras de um homem equilibrado, paciente e resignado, e sim de alguém totalmente furioso e esgotado, à beira do precipício emocional. Ele sentia-se injustiçado por Deus, abandonado pelos amigos e parentes, incompreendido por Elifaz, Bildade e Zofar que não fizeram outra coisa senão acusá-lo. O rancor tomou conta de seu coração: " Por que não morri?"Sua pergunta reflete a sua ira, sua inconformidade e seu deses­pero.

Gosto desse Jó! Pois seu drama é semelhante aos nossos no que diz respeito à incapacidade de reagir com serenidade aos conflitos da vida, principalmente quando sua causa é sem sentido e misteriosa.

Gosto de Jó porque ele não finge um estado de contentamento; gosto de Jó porque ele não tem medo de expor sua raiva e discordância quanto aos eventos trágicos que lhe sobrevieram; gosto de Jó porque ele não é um holograma, uma miragem, uma abstração; gosto de Jó porque ele é humano; gosto de Jó porque ele sabe chorar e sentir dor; gosto de Jó porque ele se revolta; gosto de Jó porque ele não passa um verniz espiritual em seu rosto; gosto de Jó porque ele é sincero com Deus e Deus o entende; gosto de Jó porque ele se parece comigo; gosto de Jó não por causa de sua paciência e sim pela sua impaciência, sua luta com Deus, seu desabafo e seus desaforos. Jó esperava "grandes coisas" da parte de Deus e, quando, ao invés dessas grandes coisas, o que veio foi derrota, morte, luta, prostração e dor, ele se fere, assim como acontece também conosco. Gosto de Jó porque me identifico com ele, pois sua reação é parecida com a de milhares de crentes que também choram e sangram machucados com as provações que encaram no caminho da fé.

Jó é um belo e clássico exemplo de que as Escrituras Sagradas não omitem a fragilidade dos eleitos de Deus. A Palavra de Deus expõe tanto a virtude como a fraqueza dos homens de fé. Se as Escrituras apresentassem apenas um Jó concentrado, calmo, paciente e esperançoso, ele seria inatingível do ponto de vista humano. Ele seria inaccessível à maioria dos mortais e, com certeza, seu testemunho nos envergonharia, pois ficaríamos decepcionados conosco por não conseguirmos reproduzir sua reação heróica.

Precisamos aprender a lidar com a nossa humanidade, pois é a nossa natureza; com os nossos erros, pois os come­temos; com as nossas dúvidas, pois as temos, afinal como disse Philip Yancey, "onde não houver espaço para dúvida, também não haverá espaço para fé". Precisamos entender que Deus não retira o seu favor quando não alcanço o ideal cristão de comportamento (se é que existe algum).A nossa forma de olhar para os nossos irmãos, infelizmente, ainda é católico-romana e não ju­daico-protestante. O catoli­cismo romano insiste na idéia de santos que viveram uma vida sem pecado enquanto estiveram na terra. A tradição judaico-protestante, no entanto, à luz das Escrituras, reconhece os modelos de fé sem, contudo, lhes tirar a humanidade, a fraqueza e a dúvida. O autor de Hebreus, por exemplo, no capítulo 11, não titubeia em apresentar um bêbado, um mentiroso, um trapaceiro, um covarde, um lascivo, um adúltero e assas­sino, uma prostituta (entre outros), como homens e mulheres de fé grandiosa, mas que em algum momento de suas vidas, por circunstâncias diversas, fracassaram na conduta moral, e, ainda assim, Deus os amava.

As Escrituras poderiam apresentar muito bem um Jó distante do sofrimento e imune a própria revolta, porém sendo "O Livro de Deus", o apre­senta como realmente é: santo e pecador; paciente e impa­ciente; resignado e descontro­lado; cheio de fé e esvaziado dela.

A vida de Jó mais do que um exemplo é um consolo, pois revela um Deus amigo e miseri­cordioso que compreende o destempero humano. É digno de nota que Deus, quando enfim entra no debate com Jó, não o acusa (38:2-41:34). Deus o repreende, mas não o con­dena. Apesar da explosão de ira e das acusações feitas por Jó, Deus não o maltrata, pois conhecia o seu servo querido, sabia que as duras palavras proferidas partiam de um coração cansado por tanta dor e desprezo. Deus conhece a nossa estrutura (Salmos 103:14).

Jó tentou, mas não conseguiu reagir com fé e temperança todo o período da crise. Ele falhou, mas Deus não se importou com suas falhas. A opinião de Deus a nosso respeito não muda quando fracassamos. É claro que a proposta de Deus para nós é uma vida de retidão; Deus não se agrada do pecado. Entretanto, quando erramos Ele está no mesmo lugar onde sempre esteve oferecendo perdão e a chance para recomeçar. Ele nos ama e o que nos basta é a sua graça (2 Co. 12:9). Fiquemos com o sábio conselho do jovem Eliú quando insistiu com Jó a confiar na maravilhosa graça e no perdão de Deus:

"Pequei e perverti o direito, mas não fui punido como merecia. Deus livrou minha alma de ir para a cova, e viverei para ver a sua luz. Tudo isto é obra de Deus, duas a três vezes para o homem, para desviar a sua alma da perdição para que a luz da vida brilhe sobre ele" (33:27-30).

Jó saiu de sua provação com uma nova impressão de Deus; o Senhor agora lhe era real: "com os ouvidos ouvira falar de Ti, mas agora te vêem os meus olhos. Por isso me abomino, e me arrependo no pó e na cinza" (42:5-6). Jó compreendeu pela experiência que Deus é a fortaleza dos fracos, o refúgio dos cansados; aprendeu que até os retos e íntegros também sofrem; aprendeu que mesmo que sejamos infiéis Ele permanece fiel; aprendeu que na nossa impaciência, Ele mantém sua paciência conosco; aprendeu que mesmo na dor podemos encontrar a Deus; aprendeu que é na escuridão que a luz de Deus mais faz sentido para nós e aprendeu que Deus propõe um caminho para o homem e que Ele não recua enquanto os seus não chegam do outro lado (42:2).

Tudo isto Deus faz com homens que nada mais são do que vasos de barro; podem ser de honra, como Jó, mais ainda assim, são de barro; que são de valor, como Jó, mas podem se quebrar, se rachar, se ferir, como Jó. Sim, vasos de barro. Sempre vasos de barro, "para que a excelência do poder seja de Deus e não nossa" (2Co. 4:7).

Amém!!!