quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O Misoginismo: Dos apóstolos ao Catolicismo

Delinear o espaço de poder ocupado pelas mulheres e precisar a influência exercida por elas, se apresenta como algo mais complexo do que se imagina num primeiro instante. Mesmo porque o espaço arduamente conquistado pelas mulheres ao longo dos anos, nas religiões e na sociedade em geral, não possui o alcance de altos postos na hierarquia religiosa, especificamente na Igreja Católica. Ao que parece, a Igreja Católica estabelece uma hierarquia entre sexualidade, poder sacral e gênero.

É na tentativa de vislumbrar essa relação de dominação, existente no seio da religião que possui maior número de adeptos no Brasil e em boa parte do mundo, que esse artigo se apresenta. Através da análise da teoria existente será possível observar que as conquistas femininas em vários setores da sociedade não encontram reflexo na hierarquia católica. Poder-se-á observar que a reconfiguração da figura de Maria Madalena se deu, concomitantemente, a construção da ideologia do Marianismo, como forma de inibir a liderança feminina e masculinizar definitivamente o exercício do poder eclesial. A dominação masculina, tal qual concebida por Pierre Bourdieu, será aqui evocada, bem como o conceito de poder simbólico.

Na prática contemporânea, devemos nos questionar do por que dessas mulheres, embora dirigentes de grupos, movimentos e pastorais católicos, legitimamente aceitas por outros fiéis – que, majoritariamente também são mulheres – não conseguiram ainda romper com os valores mais conservadores e tradicionais dessa modalidade religiosa. Essa confirmação só poderá ser feita através da observação da conduta feminina no catolicismo. Sendo o indivíduo uma construção de valores e crenças, adquiridos a partir dos processos de socialização, a religião assume um papel relevante na construção de papéis de gênero, bem como de todo comportamento social dos indivíduos, e na desconstrução da ideologia de gênero na sociedade, que mantém as mulheres num patamar de inferioridade.

1. Uma breve digressão

A história da humanidade possui uma característica em comum, que liga os fatos e épocas mais distintas: ela sempre foi contada sob a égide do poder. Seja com a formação e o declínio dos poderosos impérios, como o Macedônio e o Romano, seja com a expansão ultramarina e a colonização das Américas, o relato historiográfico é produzido sob a perspectiva dos dominadores. Diante desse fato, percebe-se um significativo crescimento no debate travado sobre a invisibilidade da mulher na historiografia oficial, ao lado de tantas outras minorias dominadas e excluídas do exercício do poder. O relato sócio-historiográfico tem, no entanto, buscado diagnosticar os motivos dessa invisibilidade, reescrevendo a história e criando uma sociologia também a partir da ótica de quem fora sujeito à dominação.

É durante a Revolução Científica que a dicotomia homem versus mulher se acentua e se explicita: a tímida ciência constituída até então passa a ser vista como eminentemente feminina, pois fraca e passiva, enquanto que a nova ciência moderna era tida como masculina, por ter uma potência latente e viril, não conhecida até aquela revolução. Segundo Bidegain, ao domínio da ciência e, portanto, do homem, rende-se à natureza, a mulher e o mundo não-ocidental (Bidegain, 1996: 17). Desse modo, justifica-se a invisibilidade feminina, já que a ideologia da ciência legitima a necessidade da mulher estar sob a tutela do sexo forte e se coaduna à discriminação sexual.

Não obstante, é durante a Revolução Científica que ocorre a aniquilação da ciência feminina, com a “caça as bruxas”, ocorrida nos séculos XIV a XVIII. Ela se constitui um processo de repressão sistemática do feminino. Estima-se que, durante esse extermínio, o número de mulheres executadas chega aos milhões, perfazendo 85% de todos os executados durante a Inquisição (Delumeau, 1990). Em grande maioria esse número se explica pela correlação, durante esses quatro séculos de perseguição, entre transgressão sexual e transgressão de fé, sendo as mulheres culpadas desde o berço.

Com a Revolução Industrial, a domesticidade feminina se consolida: aos homens, cabe a produção de bens e serviços, ao passo que a mulher cabe a reprodução e o cuidado da preciosa mão-de-obra, que serviria ao novo sistema. Concomitantemente a isso, elas começam a participar da vida econômica da sociedade, por ser agora assalariada em seu emprego (ainda que ganhem menos que os homens, desempenhando as mesmas tarefas). No entanto, o trabalho doméstico, desenvolvido pela mulher, é considerado não-trabalho: é sua obrigação. A dupla jornada de trabalho feminino – fora e dentro de casa – não é reconhecida, já que do lar e da família ela cuida por amor e abnegação.

“A análise do gênero como forma primária das relações significantes de poder, nos forneceria elementos para a compreensão da formação do imaginário do patriarcado” (Bidegain, 1996: 25). É na família que se encontrava (e, em grande medida, ainda se encontra) o núcleo central das relações de poder. A categoria gênero e sua contraposição binária, segundo Joan Scott, é o campo primário onde fecunda e é formulado o poder (Scott, 1991). A ordem masculina dispensa justificações, por ser o masculino à medida de todas as coisas. Tal ordem permeia a construção do cotidiano, com imposições explícitas e implícitas nas relações sociais, decorrentes da divisão do trabalho sexual e/ou sexual do trabalho.

Para perpetuação desse ordenamento contribuem rituais privados e/ou públicos, que sacralizam a separação. Um exemplo dado por Bourdieu são os ritos de instituição, que destinam a mulher à exclusão definitiva da dignidade social de receber uma marca distintiva e indelével (como no caso do sacerdócio católico). A ordem masculina, portanto, “legitima uma relação de dominação inscrevendo-a em uma natureza biológica que é, por sua vez, ela própria uma construção social naturalizada” (Bourdieu, 1999: 33).

No decorrer da história há uma constância na representação feminina na sociedade, seja através de mitos, seja através de fatos. Simone de Beauvoir (1980) nos ajuda a realizar uma desconstrução do que foi dito e feito sobre a mulher, numa sociedade tão masculina como a nossa. O mais universal dos mitos femininos é o da mulher como feiticeira e como origem de todos os males da Terra. Na mitologia grega, é Pandora quem dissemina todos os males possíveis, ao abrir a caixa. E na tradição judaico-cristã é Eva (ou Lilith, no Talmud) quem arrasta Adão ao pecado original e aprisiona a ambos e a toda sua descendência ao sofrimento e ao mal. Observa-se, portanto, que, seja a Pandora grega, seja a Eva judaico-cristã, é a mulher a responsável pela introdução do sofrimento no mundo e, conseqüentemente, do fim do paraíso terrestre. A feitiçaria é constantemente atribuída à mulher, por emanar de uma passividade e ser operada a margem da sociedade; ao passo que o sacerdócio, atribuído aos homens, domina as forças etéreas para o bem da comunidade e sob a égide do todo.

2. A representação feminina no catolicismo

O cristianismo, através de seus padres, ao perseverar em afirmar a culpabilidade de Eva pelo pecado original, torna a atribuir à mulher certo prestígio (embora assustador): é ela a culpada pela separação do ser individual em alma e corpo, fazendo deste último inimigo do primeiro e, dessa forma reavivando a noção de pecado, sustentáculo da religião cristã. Partindo desse princípio, os grandes tabus e represálias sexuais que norteiam e aprisionam a sociedade e que acometem, de sobremaneira, a mulher – embora tenham diminuído consideravelmente – deve-se ao pensamento e a lógica judaico-cristã. A forte distinção entre a moral feminina e a masculina serve a esse fim ao tornar obrigatório, mediante forte coação, uma claustrofóbica disciplina à mulher, que se estende a todas as partes do corpo, enclausurando-as num confinamento simbólico. O uso do corpo feminino ainda continua subordinado à visão masculina.

Posteriormente, o dogma da virgindade de Maria, mãe de Jesus, pode ser visto como uma maneira de não manchar o Deus-homem, pois “a repugnância do cristianismo pelo corpo feminino é tal que ele consente em destinar seu Deus a uma morte ignominiosa, mas poupa-lhe a mácula do sofrimento”. (Beauvoir, 1980 a: 211). Santo Agostinho declara que o ser humano se divide entre uma alma assexuada e um corpo sexuado. No homem, o corpo reflete a alma, sendo a imagem plena de Deus. Na mulher, por sua vez, ao corpo não reflete a alma, e aquele se constitui um empecilho à realização de sua razão. E é por causa dessa deficiência que a mulher é inferior ao homem devendo, por conseguinte, ser-lhe submissa.

Mesmo acentuando as diferenças de gênero, é o cristianismo que, paradoxalmente, ao espiritualizar a mulher, afirma enfaticamente a igualdade dos sexos, tornando ambos assexuados servidores do Deus uno. O próprio Cristo possuía uma atitude inovadora com relação à mulher ao permitir que elas também o seguissem e ao vê-las como seres inteiros. Contrariando os ensinamentos do seu Deus, a Igreja Católica desde seu início, apoiada especialmente em São Paulo, vivencia a dificuldade de convergir à teoria dos evangelhos com sua prática cotidiana.

Longe de parecer essa figura assexuada, criada pelo cristianismo alguns séculos após seu nascimento, Maria Madalena talvez seja a personagem feminina mais injustiçada pela Igreja. É a mulher mais citada no Segundo Testamento (Sebastiani, 1995: 37), e isso nos revela sua enorme importância para a história do cristianismo. Longe de ser a prostituta do evangelho de João (Jo 8, 3-12), na realidade Maria Madalena ocupou um lugar de destaque entre os primeiros cristãos, sendo uma mulher independente, que buscou o seguimento ao Cristo e lutou pela liderança da Igreja nascente.

Madalena não é a mulher que unge os pés de Jesus (Lc 7, 36-38), nem a que derrama óleo perfumado em sua cabeça (Mt 26, 6-7), ou ainda a adúltera prestes a ser apedrejada (Jo 8, 3-12), passagem que se tornou emblemática a essa mulher. É, na realidade, a mulher que aparece no evangelho de Marcos, da qual Jesus expulsa os sete demônios (Mc 16, 9). Além dessa passagem, Maria Madalena – ou melhor, Miriam de Mágdala – aparece nos textos canônicos nos instantes mais marcantes da vida de Cristo, como a crucificação e a ressurreição (Sebastiani, 1995; Freitas, 2004).

Ainda segundo Sebastiani, a distorção ocorrida em sua imagem, que fora amplamente difundida pela tradição católica, não está literalmente expressa na Bíblia, mas advém de conexões errôneas entre trechos distintos e da ausência de certas informações, tais como:

1. A ausência de associação com nomes masculinos – Maria não é identificada por sua relação com alguma figura masculina, seja pai ou marido, sejam filhos ou irmãos. É a sua cidade natal que a identifica, a cidade de Mágdala, na Galiléia. Essa identificação denota a independência dessa mulher, possuidora, portanto, de uma condição privilegiada para sua época. Na cultura judaica, no início da Era Comum (E.C.), as mulheres eram sempre mantidas sob a tutela de algum ente masculino. Como Maria vivia sozinha, era vista como alguém que não seguia a Tora, os preceitos religiosos, que até então norteavam toda a vida das pessoas.

  1. O significado atribuído aos sete demônios – A palavra demônio, do latim “diábolos” ou do grego “daimon”, não possuía, a época de Jesus, o significado que possui na atualidade. Para alguns teólogos, quando o evangelista fala que Jesus expulsou sete demônios quer dizer, na realidade, que Madalena possuía problemas sociais. No entanto, a explicação predominante no período foi o da associação dos sete demônios aos sete pecados capitais, a saber: a soberba, a avareza, a luxúria (de onde vem à ligação imediata de Madalena a prostituição), a ira, a gula, a inveja e a preguiça.

3. A fusão de várias mulheres retratadas no Segundo Testamento como uma só: Madalena – A partir do século três, a tradição católica unifica as histórias de Maria de Betânia, a irmã de Lázaro e que é aquela que ungiu os pés de Jesus, e a da pecadora salva de apedrejamento com a história de Madalena, ocasionando um decréscimo em sua popularidade. Madalena passou, então, a ser taxada de prostituta redimida. Tanto é verdade que a grande maioria dos católicos faz uma associação instantânea de Madalena com a pecadora redimida e não com a primeira pessoa a anunciar a ressurreição do Salvador, fato emblemático para a criação do cristianismo, sem o qual nem haveria essa religião. Foi no final da Idade Média que, de fato, se estabeleceu à visão vigente entre a maioria dos leigos católicos: a de Maria Madalena como uma prostituta arrependida.

Embora já existam obras de exegese bíblica no seio da Igreja que coadunam com a construção aqui explicitada, ela ainda não se reflete no dia-a-dia das celebrações e demais atividades pastorais, onde permanece a versão pejorativa de Maria Madalena. Mas é importante frisar que não há uma verdade absoluta e irrefutável, uma vez que os evangelhos apócrifos, principal fonte para a reconfiguração da imagem de Maria Madalena, não são reconhecidos pela Cúria Romana. Ambas as visões sobre essa importante personagem do cristianismo são construções e narrativas, a partir de textos considerados sagrados pelos cristãos. Segundo o Frei Jacir de Freitas,

“Mais do que revelar uma oposição e repulsa entre dois personagens importantíssimos do cristianismo emergente, seus atos, verdadeiros ou não, revelam a disputa política do poder eclesial das comunidades que ‘criaram’ esses textos e os atribuíram a eles. A atribuição misógina de alguns apócrifos a Pedro deve ser entendida em seu contexto. [...] Esses modelos de mulher, baseados no corpo e sua anulação, não são os mais felizes para os nossos dias, embora a tradição insista em perpetuá-los.[...] A libertação de nossos corpos é beneficiada com o resgate da outra Madalena”. (Freitas, 2004: 157)

Independentemente das questões levantadas pela alta hierarquia da Igreja Romana, os textos apócrifos nos oferecem amplo material para reconstrução da identidade de Maria Madalena, nos revelando-a como discípula predileta de Jesus. O relacionamento especialmente afetuoso entre ambos levanta a suspeita de um envolvimento maior do que apenas mestre-discípula. E por possuir conhecimentos não revelados a mais ninguém, Madalena torna-se alvo dos apóstolos e, no início do cristianismo, disputa a liderança das primeiras comunidades com Pedro, o protagonista da Igreja nascente. Embora não haja dados históricos que comprovem isso, com base nos apócrifos pode-se afirmar a participação ativa de Madalena na difusão e propagação dos ensinamentos de Jesus, chegando possivelmente a ter liderado uma das comunidades cristãs.

“Toda essa carga pejorativa não foi arremessada gratuitamente sobre Madalena. Ao colar o rótulo de prostituta e pecadora em das primeiras referências cristãs até então, a Igreja nascente desestimula a liderança feminina” (Motomura, 2004: 26). A decrescente importância de Madalena se deu concomitantemente à idealização de Maria, mãe de Jesus, como exemplo de mulher a ser seguido, representando a dissociação entre o carnal e o espiritual.

Maria é uma jovem judia, obediente e humilde que, segundo a Bíblia, foi escolhida para ser a mãe do Salvador. Após o anúncio, feito pelo anjo Gabriel, esta concebe e, posteriormente, dá a luz a Jesus, o Cristo. Da mesma forma que ocorre com Madalena e com outras personagens bíblicas, há inúmeras lacunas na história de Nossa Senhora. Vários dogmas envolvem-na. O primeiro que data de 431, do Concílio de Éfeso, afirma ser Maria mãe do filho de Deus feito homem: Jesus Cristo. Em 553, no Concílio de Constantinopla, estipula-se o dogma da virgindade de Maria, tendo ela concebido pela ação do Espírito Santo. Não há consenso entre os cristãos acerca disso. Em 1854, surge o dogma da Imaculada Conceição, que afirma que Maria nasceu sem a mácula do pecado original. Já no século 20, um outro dogma bastante importante é aprovado: o da Assunção.

Embora tenha sido uma mulher decidida e corajosa, a imagem mais freqüente e mais disseminada é a de mãe virginal e serva obediente do Senhor. Após a morte de seu filho, aparece em um dos livros bíblicos, os Atos dos Apóstolos, atribuído a Lucas, no meio das discípulas e dos discípulos de Jesus. Esteve, inclusive, presente em Pentecostes – momento em que os doze apóstolos recebem o Espírito Santo em forma de línguas de fogo (At 2, 1), e considerado o marco da fundação do catolicismo. Alguns pesquisadores afirmam que ela seguiu João a Éfeso e com ele atuou na comunidade nascente, porém não há certeza. É em Maria que a Igreja procura realizar o arquétipo do gênio feminino e da dignidade pessoal da mulher, nas palavras do papa João Paulo II (1988). Justificam-se, dessa forma, as antigas maneiras de conceituar a categoria gênero, como legitimadora do poder masculino, cabendo a mulher, apenas, desempenhar sua função reprodutora. Essa idéia está presente, por exemplo, no discurso de muitos sacerdotes, em suas exaltadas pregações, ainda hoje.

As mulheres teriam, portanto, duas possibilidades na Igreja: a de ser mãe exemplar – como Nossa Senhora – ou celibatária – como a Maria Madalena forjada, a pecadora arrependida – demonstrando a comunidade que a religião controla a sexualidade. Nas palavras do Papa João Paulo II, “a virgindade, como vocação da mulher, é sempre a vocação de uma pessoa, de uma pessoa concreta e única. Portanto, é também profundamente pessoal a maternidade espiritual que se faz sentir nesta vocação” (1988). Verificamos, com isso, a centralidade da maternidade como elemento diferenciador da mulher, uma vez que até mesmo a mulher virgem pode exercer a maternidade, mesmo que num plano simbólico.

Esse controle é demonstrado, dentre outras formas, em analogias criadas e internalizadas inconscientemente. Segundo Bourdieu (1999), a cintura feminina, por exemplo, é signo de proteção para a vagina, sendo vista como uma trincheira sagrada que protege a genitália feminina. Esse órgão, símbolo e objeto sacralizado, só pode ser acessado mediante a observância de regras estritas, que determinam quais são as condições, os agentes e os atos legítimos de violação. A não observação de tais regras torna o acesso profano, passível de punição. Cria-se, portanto, uma forte separação, perpetuada em nosso tempo, ainda que com menor intensidade, entre o espírito e o sexo. O ato sexual continua a ser tratado, principalmente pela Igreja, sob o primado da masculinidade, constituindo-se uma relação de dominação. A questão celibatária, no entanto, perpassa a questão feminina, se estendendo aos homens, em certa medida.

A visão negativa que se tem da honra feminina (que pode apenas ser defendida ou perdida, nunca simplesmente mantida) se encerra na lógica de sua virtude, que se apresenta de maneira sucessória: primeiro, a virgindade; depois, a fidelidade total e irrestrita. Já o homem, cuja honra é um dado irrevogável e ascendente, é o ser dominante e, por isso mesmo, privilegiado. Acaba, no entanto, por encontrar-se encurralado: vive incessantemente numa contraposição entre tensão e contensão, que o impõe a obrigação de afirmar, constantemente, sua virilidade. O problema é que essa glorificação dos valores masculinos vê-se ameaçada pela inglória que a feminilidade proporciona, usando-se de armas próprias à sua “fraqueza”, como a astúcia, a mentira e a magia. Isso torna a virilidade vulnerável, ao invés de permanecer como absoluta (Ibidem).

A mulher-mãe é personificada em Maria, de sobremaneira na recusa em atribuir a ela o papel de esposa. A virgindade mariana assume um forte teor negativo: a carne foi salva por aquela que não é carnal, que é imaculada e que possui na integridade inviolada a feminilidade. Na subserviência é glorificada, como canta no Magnificat, e a dominação masculina absorve do culto a Maria um importante alicerce, pois “não é somente para possuí-lo que o homem sonhe com o outro, é também para ser confirmado por ele.” (Beauvoir, 1980 a: 227). As mulheres nada mais são do que objetos simbólicos, um ser-percebido. É por isso que se observa a ditadura masculina também no modo de ser feminino, por haver uma dependência simbólica, onde a mulher existe pelo e para o outro. Essa dominação masculina, um paradoxo da doxa, resulta de uma violência simbólica que é exercida de forma invisível e silenciosa, através de um princípio percebido pelo dominante e pela dominada.

No entanto, falar em violência simbólica não significa negligenciar a violência física. Ao denominá-la simbólica, Bourdieu não a concebe como espiritual ou irreal; busca apenas realçar o caráter objetivo de uma experiência de dominação como subjetiva. Esse tipo de violência é considerado comum justamente por ser naturalizada. Talvez por isso haja certa complacência para com o homem diante da desobediência dos preceitos divinos e as leis da comunidade. A mulher, ao contrário, retorna ao estado de natureza, ao pecado.

“A Igreja exprime e serve uma civilização patriarcal na qual é conveniente que a mulher permaneça anexada ao homem. É fazendo escrava dócil que ela se torna também uma santa abençoada. Assim, no coração da Idade Média, ergue-se a imagem mais acabada da mulher propícia aos homens: a figura da virgem Maria cerca-se de glória. É a imagem invertida de Eva, a pecadora; esmaga a serpente sob o pé; é a mediadora da salvação como Eva o foi da danação” (Ibidem: 214).

E o marianismo congrega as crenças acerca da posição das mulheres na sociedade, sendo o culto à superioridade espiritual feminina, tornando-se tão presente quanto o machismo em nossa sociedade – até complementando-o. O culto mariano é amplamente difundido pela Igreja Católica. Maria é vista como o protótipo ideal da mulher, por ser despojada de sua sexualidade e “todo o seu valor reside no fato de ser santa, modesta, silenciosa, humilde e, fundamentalmente, de ser mãe sem ter tido o gozo de seu corpo: a mãe ideal” (Concha apud Ary, 2000: 74). É urgente que se faça a distinção entre o eterno feminino, envolto em misticismo e encarado de forma sacralizada, com o lugar ocupado pelas mulheres e o valor real que deve ser atribuído a elas pela Igreja romana. O fato de a mulher ser considerada um ser maculado em sua essência foi determinante, desde o início da Igreja, para que a participação em certos cultos e seu afastamento das funções sacerdotais ocorressem.

A desvalorização feminina na Igreja Católica decorre de algumas interpretações errôneas e propositalmente deturpadas da Bíblia, como por exemplo:

1. A difusão do relato da criação do mundo contido em Gn 2, 4-25, onde Eva é feita da costela de Adão. Daí se dissemina a mentalidade vigente da mulher como um ser secundário, criado para satisfazer o homem.

  1. A culpa atribuída a Eva pela perda do paraíso, ao se deixar seduzir pela serpente (demônio) e incitar o homem a cometer o pecado original. A partir daí os males passam a habitar na terra e a afligi-los – os “castigos” dados por Deus, a saber: o parto doloroso e o trabalho árduo.
  2. O fato de ser considerado o “sexo frágil” pela sociedade justifica a sua vulnerabilidade diante da sedução da serpente, levando as mulheres a tornarem-se “sexualmente perigosas” aos homens, que não deveriam deixar se prejudicar por elas.

A manutenção da virgindade de Maria, mesmo após o parto, levou a Igreja a assemelhar as mulheres, cada vez mais, a seres assexuados que, devendo exercer o papel de esposa-mãe, perdem a virgindade física, mas mantém a castidade espiritual. Isso aprisiona a mulher a um ato sexual sem prazer, pois “no novo espaço de apreensão das ambigüidades cristãs, referentes ao masculino e ao feminino, pode-se perceber que os homens são considerados como sendo uma natureza superior, contudo, maligna (por que sexuada?) e que as mulheres são consideradas como sendo uma natureza inferior, contudo, benigna (por que assexuada?)” (Ary, 2000: 79).

Nos primeiros séculos da colonização portuguesa no Brasil, por exemplo, as mulheres foram constantemente adestradas a serem mães, seguindo a atenta imposição da Igreja Católica de contraírem matrimônio. Por isso, essas mulheres-mães só deveriam gerar após o casamento, legitimado pela autoridade religiosa, devendo abominar o concubinato (prática comum entre as índias). A mulher deveria viver numa espécie de via-crucis doméstica, onde a maternidade era sua tarefa central. A igreja via na mulher a possibilidade de reaver velhas tradições, que estavam sendo menosprezadas nessa “terra de ninguém”. Passa a existir, então, um sincretismo existencial entre religião e sociedade, onde “a vida social e familiar das mulheres traduzia as aspirações do catolicismo tradicional [e] a Igreja ia lentamente tentando impor um padrão, um papel social para a mulher, para a mãe” (Del Priore, 1995: 106-107).

3. O exercício do poder simbólico e a hierarquia católica

A vocação específica natural da mulher, exortada pelo papa João Paulo II em algumas de suas encíclicas (1988; 1994), resume-se no cumprimento de determinados papéis, principalmente a vocação de ser mãe. O posicionamento contrário do Vaticano a mecanismos de controle da natalidade expõe a prioridade, ainda segundo o papa, das leis biológicas da natureza sobre o desenvolvimento da liberdade humana e deixam transparecer, com isso, o temor a uma subversão do que a cúria romana acredita ser “a ordem natural”. A emancipação feminina, ainda hoje, é vista com receio, pois há o temor da “masculinização” da mulher.

O patriarcalismo dominante, no entanto, reprimiu a liderança feminina. Não é exagero dizer que os apóstolos disputaram arduamente a posse da autoridade na comunidade cristã. E nessa disputa as mulheres foram prejudicadas, inclusive pelo momento histórico em que viviam, sendo alijadas do poder – era considerado heresia concedê-lo as mulheres. E a atitude misógina de Pedro, afirmada pelos apócrifos, só fomentou ainda mais essa disputa política pelo poder eclesial.

Ainda segundo Bourdieu, é possível ver o poder em toda parte e que, onde ele é menos perceptível ou totalmente ignorado, é por isso mesmo mais reconhecido. E a esse poder invisível e eficaz, justamente por possuir a cumplicidade de todos e de todas, que não querem ter ciência de que estão sujeitos a ele, que este autor denominou de poder simbólico. O campo religioso possui um sistema simbólico rico e arraigado no consciente coletivo dos indivíduos, em parte devido a sua função integradora (dos seres com o transcendente), mas também devido ao exercício amplo desse poder simbólico. Por ser, simultaneamente, um instrumento estruturado e estruturante, a religião, bem como outros sistemas simbólicos, contribui largamente para a imposição e legitimação da dominação.

Dessa forma, a clara predominância masculina sobre a feminina no seio católico, com a divisão do trabalho religioso, pode ser associada a essa lógica. Com esse poder quase mágico é possível fazer ver e crer, corroborar a visão de mundo que se possui, ou modificá-la. Ele não habita no sistema simbólico propriamente dito, mas na dialética criada entre os que o exercem e os que se submetem a ele, permitindo a reprodução de uma crença através do reconhecimento alcançado, e não da imposição arbitrária.

Numa visão estreita e unilateral do ministério sacerdotal, cabe ao sacerdote fazer as oferendas a Deus, servindo de intermediário entre o Criador e a criatura humana. Acontece que, seguindo essa mesma visão, quando da criação do mundo, Deus alocou o homem num patamar superior ao da mulher. Por isso, apenas o ser masculino possui a capacidade de intermediar os seres humanos com o transcendente, contrariamente a mulher que, devido a sua posição inferior na escala da criação, não pode nem sabe desempenhar qualquer tarefa de mediação.

Já houve um período, no início da história da Igreja, de elaboração da doutrina cristã, denominado de Patrística, onde as mulheres desempenharam funções sacramentais litúrgicas e pastorais, ou seja, tinham a possibilidade de exercer o ministério eclesiástico, como diaconisas, fazendo parte da hierarquia católica (Soberal, 1989: 265-267). É interessante notar que esse ministério feminino não só desapareceu como é pouco falado (para não dizer omitido) nos manuais de história. Após esse período, a participação feminina no ministério eclesial entra em acentuado declínio, culminando num grave distanciamento das mulheres do direcionamento e do pastoreio da Igreja.

Biblicamente, a mulher é habilitada para o exercício pleno e irrestrito do serviço a Deus, no cristianismo, pelo sacramento do Batismo – tanto é verdade que muitas denominações evangélicas reconhecem esse ato de fé. No entanto, “homens de fé”, como D. Estevão Tavares Bittencourt chegam a afirmar tacitamente, segundo citação extraída da Revista Época por Gomes, que as mulheres “não têm habilidade para esse sacramento [o da Ordem]. Elas nasceram para ser esposas, mães e não sacerdotes”. Cabem, diante desse desencontro de percepções, dois questionamentos: “É mesmo vontade de Deus que a mulher participe de tudo ao lado do homem, menos do pastoreio da Igreja de Jesus? [...] A história não provou, em todos os setores, que o poder só foi mal gerenciado devido à exclusão da mulher em participar do seu gerenciamento?” (GOMES, 1998: 17-18).

Alguns teóricos já tiveram a preocupação de observar em que medida os elementos da subjetividade feminina – como a submissão e a abnegação, por exemplo – reforçam e/ou questionam os diversos grupos religiosos. Machado e Mariz, por exemplo, expressaram essa preocupação ao tratar dos pentecostais e dos católicos (carismáticos e das CEB’s): em todos esses grupos é latente a maior presença feminina e, de forma não-intencional, esses grupos produzem uma auto-estima nas mulheres, pois apregoam que, através da conversão, elas tornam-se mais autônomas. Ao assimilar a proposta religiosa dos direitos sociais (considerados incontestáveis) a que cada indivíduo tem direito, as mulheres, especialmente às das CEB’s, adicionam os direitos da mulher as reinvidicações, evocando uma individualidade até então negada. Basta ver o surgimento de movimentos que lutam pela causa feminista no seio religioso, como a ONG ecumênica Católicas pelo direito de decidir.

Para Maria Rosado Nunes, há dois elementos intrínsecos às sociedades modernas que não foram, até o momento, internalizados pela Igreja Católica, a saber, as liberdades democráticas e a autonomia individual. Essa ainda embrionária autonomia de ação põe em xeque o abrangente conceito da natureza feminina ao questionar a existência de uma essência feminina, presente em toda mulher, sem exceção. Isso destrói a idéia da construção social de gênero, nos remetendo a uma lei natural. Lei esta que é o fundamento da reprodução da estratificação de gênero, ao colocar as mulheres num patamar religioso e social de subordinação.

Isso decorre, talvez, da maior visibilidade adquirida perante a comunidade e da legítima liderança exercida. Mas a liderança feminina não existe para dar prestígio e status às mulheres, e sim ocorre pela contingência da falta de homens para ocupar tais lugares. O que nos remete a Max Weber, ao tratar dos três tipos puros de dominação legítima e, em especial, da liderança carismática, “baseada na veneração extracotidiana da santidade, do poder heróico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta reveladas ou criadas” (Weber, v. 1, 2000: 141), ou seja, na crença no sobrenatural, daquilo que é proveniente do divino.

É a presença de carisma que legitima a liderança religiosa, conferindo também as mulheres numa esfera micro, um mandato divino. No entanto, a violência simbólica é mais uma vez evocada, pois seus efeitos tão largamente absorvidos se enraízam no íntimo dos indivíduos, sob a forma de predisposição, fazendo crer numa auto-exclusão e numa espécie de “vocação”, que substitui a tácita exclusão expressa.

É exatamente isso que ocorre no seio da Igreja Católica: mesmo tendo vencido inúmeras formas de preconceito e discriminação, através de sua emancipação, chegando a alcançar, gradativamente, altos postos de trabalho, num lento processo de equiparação de salários e posições, até então masculinas, as mulheres permanecem alijadas do poder na Cúria Romana. É a mulher, detentora de toda carga pejorativa que a instituição do pecado acarretou, responsabilizada por sua própria opressão. E é exatamente por isso que, muitas vezes, elas próprias vêem como herética a ascensão feminina na Igreja Romana e continuam a reproduzir o discurso moralizante dessa instituição. A responsabilidade por essa reprodução é a eficaz violência simbólica, que coloca limites às possibilidades de ação e reflexão do agente dominado por esse tipo de preponderância. Transformar essa realidade de dominação, secular e religiosa depende de mudanças nas estruturas primárias, das quais todas as outras disposições resultam.

O princípio de igualdade cristã camufla, na verdade, a realidade dos grupos religiosos cristãos, pois estes endossam as inúmeras realidades sociais onde a maioria feminina não é sinônimo de eqüidade de gênero, além de esconder um questionamento do papel da mulher na sociedade. O poder, sendo definido por Weber como a probabilidade de fazer valer a vontade particular, em uma dada relação social, ainda que essa imposição encontre resistências, independente de qualquer fator que alicerce essa probabilidade (Weber, v. 1, 2000: 33), nos leva a questionar se a liderança carismática, que porventura possa existir no seio das organizações religiosas e que se baseia na idéia já exposta de mandato divino, sub-existe diante do claro poder hierárquico e sacramental desempenhado exclusivamente por homens, no Catolicismo. “Será que existe de fato uma ação revestida de poder, na prática de ‘comando’ dessas mulheres ou se na verdade isso não passaria de um engodo, uma dissimulação, onde as mulheres seriam agentes de reprodução dos valores tradicionais da Igreja, principalmente no tangente ao universo feminino?” (Nascimento, 2001: 18).

As autoridades eclesiásticas freqüentemente norteiam a construção de teorias e disposições nos documentos oficiais da cúria romana ou nos pronunciamentos papais através de uma estruturação hierárquica, tanto do mundo, quanto do ser humano. Em tal estruturação se fixa a distinção entre os seres, atribuindo ao homem o estrato superior e a mulher o estrato inferior. Esse pensamento hierárquico habita não apenas no meio religioso católico, mas também em diversos setores da sociedade. A costumeira comparação do Estado a um organismo vivo e por este primeiro também ser dotado de uma única cabeça e diversos membros (em tese), é um bom exemplo da ampla influência desse pensamento na humanidade.

No meio religioso cristão, a auto-afirmação de Cristo como sendo a cabeça cujo corpo é a Igreja, expressa no Segundo Testamento, especialmente nas cartas paulinas (Ef 5, 23 e I Cor 11, 3; 7-9) é usado como justificativa para manutenção de uma rígida hierarquia, muito embora poderia ter se tornado um pouco mais fluída e relativa após o Concílio Vaticano II. Eyden chama a atenção para o princípio da intervenção hierárquica, onde

“uma categoria superior só entra em contato com uma inferior através da intervenção das intermediárias e vice-versa(...) Esse princípio de intervenção, que vigora em todo cosmos, rege também a ordem social (...) Também na relação dos homens frente a Deus a intervenção tinha papel importante. Era costume recorrer aos intercessores” (Eyden, 2001).

São Tomás de Aquino, fazendo uso da teoria sobre o homem de Aristóteles, norteou durante séculos a antropologia cristã, afirmando categoricamente à proximidade da mulher com a matéria (em seu sentido mais negativo). Com isso, fez com que o gênero feminino, quando comparado ao masculino, fosse (e quem sabe ainda seja) visto como menos valioso qualitativamente e só capaz de desempenhar funções menos importantes – sem falar, é claro, da debilidade biológica feminina.

Para ele, embora a mulher também seja imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 27), principalmente no tocante a salvação de Cristo, ela encontra-se num estado de sujeição ao homem – status subjectionis – onde necessita de sua liderança. A passividade feminina era explicada pelo fato dela ser um homem fracassado – mas occasionalus (Eyden, 2001: 18-19). Prova disso são os papéis distintos que homens e mulheres assumem na procriação: o homem de modo ativo, ao passo que a mulher é apenas um passivo receptáculo. Crescia, então, a ideologia do ser masculino como o único e verdadeiro indivíduo e do ser feminino como algo diferente.

4. Alguns questionamentos para concluir

Sendo um processo histórico, a construção de gêneros bem como a sua análise, remete a relação hierarquizada que existe entre eles e possibilita a compreensão não só da estruturação do poder político-econômico e histórico-social, mas também do religioso, presente nas sociedades. A exaltação da família divina, fundamentada na imagem do Pater familias, é amplamente propagada como um sinal às famílias terrenas que o alicerce de suas vidas deve ser esse ideal religioso.

É justamente essa hierarquia familiar divinizada que é transposta para estrutura clerical católica, envolvendo o imaginário dos indivíduos e legitimando o organismo da Igreja, onde os sacerdotes são pais, e os fiéis (leigos) são os filhinhos. Quanto a participação feminina nessa homo-estrutura eclesial, ela se restringe aos conventos, em posições subalternas, sob a égide de um bispo, para o qual devem buscar alcançar reconhecimento social e político.

A posição secundária ocupada pela mulher na sociedade – possuidora de um forte patriarcalismo – sempre buscou enquadrá-la num projeto de submissão e passividade, cujos únicos papéis possíveis são os de esposa-mãe/virgem, tem a sua perpetuação originada na doutrina e na prática da Igreja cristã em geral, e da Igreja Católica em particular. Isso porque a forte concepção hierárquica dessa instituição social impediu o rompimento com a ideologia da supremacia masculina. Enquanto a dominação masculina não se impõe mais de forma inquestionável e perde terreno em todas as áreas da sociedade, ela parece permanecer de forma absoluta na Igreja Católica. É verdade também que essa mudança na sociedade ainda oculta à permanência da mulher nas posições relativas, pois a tão falada igualdade de oportunidades mascara tanto a desigualdade doméstica quanto às carreiras possíveis.

É perceptível, em todo esse discurso religioso e na sua confrontação com a realidade, um paradoxo: “de certa forma as mulheres estão excluídas dos lugares de poder e são, portanto, aí desvalorizadas como pessoas; por outro lado, elas constituem o público mais fiel, mais assíduo e, portanto, numericamente superior em presença aos acontecimentos eclesiásticos” (Ary, 2000: 76). Tanto em sua doutrina, através da ética sexual, quanto na sua composição hierarquizada e masculinizante, na qual a mulher não está inserida na instituição eclesial, a Igreja Católica não contou nos últimos anos com modificações reais e abrangentes, seja em seu discurso, seja em sua prática. Não terá chegado o momento das mulheres estenderem suas conquistas políticas, sociais e trabalhistas também a esfera religiosa, com o rompimento de barreiras e a transposição dos ambientes até hoje tidos como exclusividade masculina?


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