quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A Vida de Jesus nas pesquisas de John P. Meier

"Jesus de Nazaré nasceu - mais provavelmente em Nazaré, e não em Belém - por volta de 7 ou 6 a.C., alguns anos antes da morte do Rei Herodes, o Grande (4 a.C.). Após ter sido educado de forma convencional numa família devota de camponeses judeus da Baixa Galiléia, ele foi atraído para o movimento de João Batista, cujo ministério começou na região do Vale do Jordão, entre o final de 27 ou começo de 28 d.C.; batizado por João, logo Jesus seguiu seu próprio caminho, iniciando seu ministério ainda em 28, com a idade de 33 ou 34 anos. Regularmente ele dividiu sua atividade entre a região da Galiléia e Jerusalém (incluindo a área adjacente da Judéia), dirigindo-se para a cidade santa para as grandes festas, quando as grandes multidões de peregrinos lhe proporcionariam um público que, de outra forma, ele não conseguiria atingir. Seu ministério se prolongou por dois anos e alguns meses.

Em 30 A.D., estando em Jerusalém para a festa da Páscoa que se avizinhava, Jesus aparentemente sentiu que a crescente hostilidade entre as autoridades do templo e ele estava prestes a alcançar seu clímax. Jesus celebrou uma solene ceia de despedida com seu círculo mais íntimo de discípulos, ao anoitecer da quinta-feira, 6 de abril (pela nossa contagem atual), quando começava o décimo quarto dia de Nisan, o dia de preparação para a Páscoa (de acordo com a contagem litúrgica judaica). Preso em Getsêmani na noite de 6 para 7 de abril, ele foi primeiro inquirido por alguns funcionários judeus (pouco provavelmente por todo o Sinédrio) e depois entregue a Pilatos na madrugada de sexta-feira, 7 de abril. Pilatos prontamente o condenou à morte na cruz. Depois de flagelado e humilhado, Jesus foi crucificado no mesmo dia, nos arredores de Jerusalém. Morreu na sexta-feira, 7 de abril de 30, com a idade de 36 anos aproximadamente" (MEIER, J. P., Um Judeu Marginal. Repensando o Jesus Histórico. Volume Um: As Raízes do Problema e da Pessoa, Rio de Janeiro, Imago, 1993, pp. 401-402).

Os Magos

Segundo o historiador grego Heródoto (ap. 480-ap. 425 a.C.), os magos eram originariamente uma tribo dos medos que atuavam como sacerdotes e adivinhos sob os reis aquemênidas (séculos VI-IV a.C.). Diz Heródoto: "As tribos dos medos são as seguintes: os busos, os paretacenos, os estrúcatos, os arizantos, os búdios e os magos" (História I,101)... "Astiages relatou a visão que tivera em sonho aos intérpretes magos, e ficou apavorado ao ouvir as suas palavras" (História I,107)... "Astiages (...) para decidir a sorte de Ciros, mandou chamar os mesmos magos que, como dissemos, tinham interpretado seu sonho; quando eles chegaram Astiages lhes perguntou qual havia sido a sua interpretação da visão. Os magos lhe deram a mesma resposta anterior: disseram que o menino teria fatalmente reinado" (História I, 120)... "Dizendo essas palavras ele [Astiages] mandou primeiro empalar os magos intérpretes de sonhos, que o haviam convencido a deixar Ciros viver" (História I, 128)... "Sua maneira de sacrificar aos deuses é a seguinte (...) Depois de a carne ser arrumada dessa maneira um mago se aproxima e canta por cima dela uma teogonia (dizem que esse é o assunto de seu canto); ninguém tem o direito de oferecer um sacrifício sem a presença de um mago" (História I, 132).

O geógrafo grego Estrabão (ap. 64 a.C.-19 d.C.) diz que os magos oferecem libações e sacrifícios diante do altar do fogo: "Na Capadócia (pois ali a seita dos Magos, que são também chamados Pýraithoi ['acendedores de fogo'], é grande e neste país há também muitos templos dos deuses persas) o povo..." (Geografia 15.3.15). O escritor ateniense Xenofonte (ap. 430- ap.355 a.C.), em sua obra Ciropedia 4.5.14, faz a mesma afirmação sobre as libações.

Quando Cambises estava no Egito, lutando para conquistá-lo em 525 a.C., um mago chamado Bardiya/Smerdis, fazendo-se passar por irmão de Cambises, tomou o poder na Pérsia, sendo, em seguida, derrotado por Dario I. Na famosa inscrição no rochedo de Behistun, o impostor, também conhecido como Gaumata, é chamado por Dario, em Persa Antigo, de magush. Aliás, palavra de sentido incerto. Sugeriu-se que possa vir do Proto-Indo-Europeu magh- = "ser capaz de".

Os persas continuaram a usar derivações da palavra magush como uma palavra para "sacerdote" até o fim da era sassânida, por volta de 650 d.C. Um sacerdote comum era chamado mog e o sacerdote chefe era magupat, "senhor dos magos".

A relação dos magos com Zaratustra é controvertida, assim como a religião dos magos sob os aquemênidas. É possível que os magos medos tenham sido substituídos por Dario I pelos magos persas - que aceitavam o zoroastrismo - após a revolta de Gaumata. De qualquer maneira, em muitos escritos antigos, os magos aparecem associados ao zoroastrismo e a Zaratustra. Na época helenística os magos aparecem também cada vez mais associados à astrologia. E Zaratustra com eles.

Três reis magos: Melquior, Baltazar e Gaspar?

Os presentes dos magos em Mt 2,11 - ouro, incenso e mirra - representam para o evangelista as riquezas orientais. É possível que Mateus não visse aqui nenhum simbolismo especial na escolha de cada um deles.

Is 60,6 diz a propósito do esplendor de Jerusalém, glorificada por Iahweh, que recebe as riquezas vindas das nações pelas mãos de seus reis e de seus povos:

"Uma horda de camelos te inundará
os camelinhos de Madiã e Efa;
todos virão de Sabá
trazendo ouro e incenso
e proclamando os louvores de Iahweh".

O Sl 72,10-11 diz:

"Os reis de Társis e das ilhas vão trazer-lhe ofertas.
Os reis de Sabá e Seba vão pagar-lhe tributo;
todos os reis se prostrarão diante dele,
as nações todas o servirão".

Os presentes são, assim, também lidos à luz da Escritura por Mateus, embora indiretamente. O ouro de Ofir (algum ponto no sudoeste da Arábia), o incenso e a mirra do Iêmen (Sabá, na Bíblia) e da Somália eram muito apreciados na época bíblica.

Mas a tradição posterior desenvolveu toda uma estória sobre os magos a partir dos presentes.

Os Padres da Igreja, por exemplo: Tertuliano os chama de reis, Justino Mártir, Tertuliano e Epifânio, sabedores da origem dos presentes, dizem que eles vêm da Arábia... (embora outros Padres achem que eles vêm da Pérsia, como Clemente de Alexandria, Cirilo de Alexandria, São João Crisóstomo, Orígenes...).

Os Evangelhos Apócrifos expandem muito a tradição sobre os magos.

O Proto-evangelho de Tiago, o mais antigo deles (ca. 150) diz em 21,1-4:

1.Em Belém da Judéia houve uma confusão, porque vieram magos, dizendo: 'Onde está o nascido rei dos Judeus? Vimos sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo'.

2. Ouvindo isso, Herodes se perturbou e enviou ministros aos magos; mandou também chamar os sumos sacerdotes e os interrogou, dizendo: "Como está escrito a respeito do Cristo, onde deve ele nascer?" Eles responderam: "Em Belém da Judéia, porque assim está escrito". Depois ele os dispensou. Interrogou também os magos dizendo: "Que sinal vistes a respeito do rei que nasceu?" Os magos responderam: "Vimos uma estrela grandíssima brilhando entre essas estrelas e obscurecendo-as, tanto que as estrelas não apareciam mais. Foi assim que ficamos sabendo que tinha nascido um rei em Israel e viemos adorá-lo". "Ide e procurai", disse Herodes, "e se o encontrardes, fazei-me sabê-lo, para que também eu vá adorá-lo". Em seguida, os magos partiram.

3. E eis, a estrela que tinham visto no Oriente precedia-os até que chegaram à gruta, e parou em cima da gruta. Os magos, vendo o menino com Maria, sua mãe, tiraram presentes de suas sacolas: ouro, incenso e mirra.

4. Tendo sido avisados por um anjo para não entrarem na Judéia, voltaram ao seu país por outro caminho.

Um texto siríaco do século VI, chamado A Caverna dos Tesouros, nomeia os magos como Hormizdah, rei da Pérsia, Yazdegerd, rei de Sabá e Perozadh, rei de Seba.

O Excerpta Latina Barbari, um manuscrito latino traduzido do grego, do século VI, conservado na Biblioteca Nacional de Paris, nomeia os magos como Bithisarea, Meliquior e Gathaspa.

Um tratado atribuído a Beda, O Venerável (monge do mosteiro de Jarrow, Inglaterra, ca. 673-735), chamado Excerpta et Collectanea chama os magos de Melquior, Gaspar e Baltazar. E foram estes os nomes que prevaleceram. Diz o texto:

Melquior, um homem velho com cabelos brancos e longa barba... ofereceu ouro para o Senhor como a um rei. O segundo, de nome Gaspar, jovem, imberbe e de pele avermelhada... honrou-o como Deus com seu presente de incenso, oferenda digna da divindade. O terceiro, de pele negra e de barba cerrada, chamado Baltazar... com o seu presente de mirra testemunhou o Filho do Homem que deveria morrer.

O Evangelho Armênio da Infância diz em V,10:

Um anjo do Senhor foi apressadamente ao país dos persas para avisar os reis magos que fossem adorar o menino recém-nascido. Eles, guiados durante nove meses pela estrela, chegaram no momento em que a Virgem acabava de dar à luz. Porque, nesse tempo, o reino dos persas dominava, por seu poder e suas vitórias, todos os reis que existiam nos países do Oriente. Os reis dos magos eram três irmãos: o primeiro Melquior (Melcon), reinava sobre os persas; o segundo, Baltazar, reinava na Índia; o terceiro, Gaspar, reinava no país dos árabes. Tendo-se reunido, por ordem de Deus, chegaram no momento em que a Virgem se tornava mãe. Eles tinham apressado a viagem e encontram-se lá no momento exato do nascimento de Jesus (...)

O Evangelho Siro-Árabe da Infância diz:

Nesta mesma noite, um anjo da guarda foi mandado à Pérsia e apareceu às pessoas do país na forma de uma estrela muito brilhante, a qual iluminou toda a terra dos persas. Ora, como no dia 25 do primeiro kanun - festa da natividade de Cristo - celebrava-se uma grande festa na casa de todos os persas adoradores do fogo e das estrelas, os magos, com grande pompa, celebravam magnificamente sua solenidade, quando, de repente, uma luz viva brilhou por cima de suas cabeças. Deixando seus reis, suas festas, todos os seus divertimentos e suas casas, saíram para apreciar o espetáculo. Viram no céu uma estrela brilhante em cima da Pérsia. Pelo seu brilho, ela se assemelhava a um grande sol.

E seus reis disseram aos sacerdotes em sua língua: "Que sinal é este que estamos vendo?" E eles, como por adivinhação, disseram: "Nasceu o rei dos reis, o deus dos deuses, a luz emanada da luz. Eis que um dos deuses veio anunciar-nos seu nascimento para irmos oferecer-lhe presentes e adorá-lo".

Levantaram-se então todos, chefes, magistrados, generais, e disseram aos seus sacerdotes: "Que presentes convém levarmos?" E os sacerdotes lhes disseram: "Ouro, mirra e incenso".

Então os três reis, filhos dos reis da Pérsia, tomaram, como que por uma disposição misteriosa, um, três libras de mirra, o outro, três libras de ouro, e o terceiro, três libras de incenso. Estavam revestidos de seus preciosos indumentos, a tiara na cabeça e seu tesouro nas mãos. Ao canto do galo, deixaram seu país, com nove homens que os acompanhavam, e partiram, precedidos da estrela que lhes tinha aparecido.

Nas pinturas, em alguns momentos os magos foram representados pelos cristãos como sendo doze, em outros quatro, em outros ainda dois... Acabaram tornando-se santos, como no famoso mosaico do século VI da igreja de Santo Apolinário Novo em Ravenna, na Itália, onde acima de suas figuras se lê SCS. (=Sanctus) Baltazar, SCS. Melquior, SCS. Gaspar.

Quando o veneziano Marco Polo (ca.1254-ca.1324) viajou para a Pérsia, as tumbas dos magos lhe foram mostradas, com seus corpos perfeitamente conservados...

Competindo com esta tradição, diz outra que o Imperador Zeno recuperou as relíquias dos magos em 490, em Hadramaut, na Arábia do sul. De Constantinopla elas foram para Milão. Quando o Imperador alemão Frederico I Barba-Ruiva (1152-1190) conquistou Milão, seu chanceler Reinald von Dassel, conseguiu levar as relíquias dos magos para sua cidade natal, Colônia. Assim, os magos, depois de tantas andanças, descansam em paz na famosa catedral gótica de Colônia, Alemanha, desde 1164.



segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Uma Breve Investigação Sobre o Jesus Histórico

A “Primeira Investigação”
Antes do XVIII século era opinião comum que os quatro Evangelhos narravam de forma história e quase literal a vida e palavras de Jesus. A cristologia de então partia de uma abordagem “alta, descendente”, da consideração de Jesus como o Cristo, o Filho de Deus, e a partir daí chegar à sua humanidade. Ao final desse século o protestantismo alemão se viu obrigado a responder ao racionalismo liberal iluminista. Os teólogos então começam a aplicar o método da crítica histórica aos textos bíblicos.

O primeiro foi Reimarus, que teve sua obra publicada por seu discípulo Lessing. Faziam uma distinção entre o projeto de Jesus e a intenção dos discípulos. Jesus pregou o reino dos céus e a conversão. Foi um messias político que visava libertar os judeus do jugo romano. Diante do fracasso de Jesus, os seus discípulos inventaram a ressurreição, apresentando-o como um messias apocalíptico que haveria de voltar.

Fazem parte desse “primeiro” racionalismo: Hess, Reinhard, Herder, Bahrdt e Venturini. Para Bahrdt, por exemplo, Jesus não foi mais do que um instrumento nas mãos dos essênios para minar o poder dos sacerdotes e dos fariseus. Seus milagres foram inventos desta seita. Para Venturini, Jesus foi um curandeiro.

Logo surge um período chamado “racionalismo clássico”. Paulus, seu principal expoente, apresenta em 1828 Jesus como um grande mestre de moral. Seus milagres são todos explicados de modo racional.

Scheilermacher faz distinção entre o Jesus da história e o Cristo da fé. Este, se vê no Evangelho de João; aquele, nos três sinóticos. Os milagres que não podem ser explicados racionalmente devem ser negados.

Para David Strauss os evangelhos são relatos míticos. Não são relatos frutos do engano, como dizia Reimarus, mas frutos de imaginação mítica que cria uma narração para transmitir uma idéia. Isso não afeta o núcleo da fé cristã: a humanidade de Deus, segundo ele. Os evangelhos são, portanto, dirigidos para a fé e não possuem fiabilidade histórica; é impossível reconstruir a vida de Jesus de Nazaré.

Surge nos anos seguintes a “questão sinótica”. A investigação passa do âmbito teológico para a crítica literária. Até então Mateus era considerado o evangelho mais antigo. Weisse, discípulo de Strauss, e Wilke propuseram a hipótese das “duas fontes” em 1838. Marcos não seria um resumo mas sim uma fonte, pois Mateus e Lucas coincidem entre si em ordem somente quando coincidem com Marcos. Há ainda uma fonte de ditos comuns (fonte “Q”, Quelle = fonte) a Mateus e Lucas, hoje perdida. Esta teoria determina o estudo dos evangelhos até hoje.

Ao mesmo tempo se desenvolve a escola liberal protestante (“Libertemo-nos do dogma e voltemos ao homem Jesus”, proclamavam) que confiam nos evangelhos como fontes históricas, principalmente as duas fontes, ao contrário da escola racionalista. Sobressaem Weiss, Harnack e Renan. Pretendiam traçar o itinerário psicológico de Jesus e libertar sua imagem dos retoques do kerigma (primeiro anúncio para a conversão). Jesus teria pregado uma religião interna, moralista e espiritualizante; morreu como mártir.Em 1901 Wrede vai contra a historicidade de Marcos dizendo que o segredo messiânico (Jesus proibia os curados de divulgar sua pessoa) era uma construção da comunidade primitiva, não de Jesus, que não tinha consciência messiânica.

Karl Schmidt demonstrou o caráter fragmentário e descontínuo dos evangelhos. Juntos, Wrede e Schmidt desbancam a escola liberal, levando toda a investigação sobre a pessoa de Jesus a um impasse.

Em 1892, Martin Kähler faz a distinção, que marcaria toda a pesquisa posterior, entre o Jesus histórico e o Cristo da fé. Jesus é o homem de Nazaré descrito pela crítica e Cristo é o salvador pregado pela Igreja. Este é o único real, pois do Jesus histórico pouco podemos saber.

Neste mesmo contexto de separação entre história e kerigma, surge Bultmann, teólogo protestante que radicaliza o programa de Strauss, Kähler e Wrede de separar Jesus do Cristo. Surgem também dois fatores importantes: a investigação baseada na história das religiões e a aplicação da história ou crítica das formas aos sinóticos.

Reitzenstein e Bousset traçam paralelos entre o cristianismo e as antigas religiões orientais, considerando que o helenismo e o gnosticismo influenciaram a teologia do Novo Testamento. Wellhausen, pelo mesmo caminho, conclui que os evangelhos tem valor histórico somente enquanto testemunho de fé da comunidade primitiva.

Schmidt havia descoberto a composição em unidades independentes nos evangelhos e que o marco narrativo foi criado secundariamente pelos evangelistas. Passou-se dos estudos das fontes para o estudo das tradições. Para a escola bultmaniana estas unidades de tradição oral não se originaram durante a vida de Jesus. A história das formas então conclui que os evangelhos não são biografias, mas testemunhos de fé; não são devidos a uma pessoa mas são compilações.

A “Nova Investigação”
A posição de Bultmann instiga o estudo do problema por parte de seus alunos e dos teólogos católicos. Käsemann, discípulo direto de Bultmann, dá novo rumo à pesquisa a partir de 1953, afirmando que o Jesus terreno e o Ressuscitado é o mesmo. Constata a continuidade entre a pregação de Jesus e dos Apóstolos.

A partir desta década, vários trabalhos são publicados no sentido de que a pessoa de Jesus é o fundamento do kerigma; não é possível afirmar nada em perspectiva cristológica que não se baseie no Jesus histórico. A cristologia deve se basear nas autênticas palavras e atos de Jesus, segundo J. Jeremias. O começo da fé não está no kerigma, mas na pessoa mesma de Jesus.

Neste momento da investigação, com a ajuda da crítica redacional, se vão fixando os “critérios de autenticidade histórica”. São quatro os fundamentais:
1. Critério de testemunho múltiplo.

2. Critério de descontinuidade ou dessemelhança. Quando não se pode reduzir a concepções do judaísmo ou mesmo da Igreja primitiva. Mostra a originalidade de Jesus.

3. Critério de dificuldade. Considera autêntico um texto que tenha gerado dificuldade de interpretação ou embaraço à Igreja primitiva.

4. Critério de coerência com os demais critérios.A “Nova Investigação” chegou às seguintes conclusões: é impossível e desnecessário fazer uma biografia de Jesus; os evangelhos são as únicas fontes de acesso a Jesus e neles estão unidos história e fé, acontecimento e interpretação; há continuidade entre a história e o kerigma; não se busca mera informação sobre Jesus, mas sua significação existencial para a compreensão do mistério humano.

A “Terceira Investigação”
A partir de 1980 se inicia um novo processo investigativo sobre Jesus marcado pelo deslocamento do mundo alemão, pelo caráter interdisciplinar, interconfessional e interreligioso e pelo grande volume de obras sobre o tema. Se tem chegado a alguns consensos:

- os Evangelhos, sobretudo os sinóticos, são as principais fontes históricas sobre Jesus.

- a importância da fonte “Q” e da literatura apócrifa, e das descobertas de Qumran e Nag Hammadi.

- a colocação de Jesus no ambiente e contexto sócio-histórico judeu de sua época, sobretudo da Galiléia.

As principais questões discutidas nessa investigação:
- a situação sócio-política da Galiléia do tempo de Jesus. Alguns pensam num momento conflitivo em que Jesus se apresenta como reformador social (Borg, Crossan, Horsley). Outros pensam numa situação tranqüila e Jesus como um profeta escatológico (Sanders, Meier).

- a compreensão de Reino de Deus. Muitos pensam os ditos sobre o Reino como criação da comunidade. Parece que a proximidade de tal Reino pertence à pregação de Jesus, mas resta esclarecer se se trata do fim da história (Sanders, Meier) ou uma transformação social do presente (Crossan, Mack).

Conclusão:
É possível reconhecer algo de certo através da evolução da crítica sobre o Jesus histórico. Pode-se dizer que a fé não nasce dela mesma. Por trás da pregação primitiva e da fé pós-pascal está um acontecimento histórico: Jesus de Nazaré.

É inegável a autenticidade do material evangélico. Recorrendo a esse abundante material se pode reconhecer alguns traços da personalidade de Jesus.

Toda a história da investigação sobre Jesus trata, e continuará tratando, de como conciliar fé e história.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Quando Tudo Dá Errado: O Exemplo de Jó


Imagine um dia que começa como qualquer outro. Você se levanta para ir ao serviço e, chegando na firma, encontra as portas lacradas. A firma fechou, sem aviso. Você, inesperadamente, ficou desempregado. Tendo obrigações para cumprir, você decide ir ao banco para sacar dinheiro e pagar algumas contas que estão vencendo. Mas, chegando ao banco, eles dizem que sua conta foi fechada, sem explicação, e que você não tem nenhum centavo. O dia já está piorando. Você resolve voltar para casa, ainda tentando entender o que está acontecendo. Chegando perto de sua rua, você percebe vários bombeiros e ambulâncias correndo por todos os lados. Suas vizinhas estão na rua, chorando inconsolavelmente. Antes de você chegar até sua casa, um dos vizinhos chama você e fala palavras que jamais esquecerá: "Aconteceu tão rápido", ele diz, "que não foi possível salvar ninguém. A casa, de repente, explodiu. Todos que estavam dentro morreram. Eu sinto muito. Todos os seus filhos estão mortos."

Alguns dias passam. Você acorda num lugar estranho. Olhando para seu redor, percebe que está num hospital. Você está sentindo dores terríveis, e uma coceira constante. Depois de algumas horas de sofrimento, a enfermeira avisa que está na hora de visita. No seu caso, várias pessoas serão permitidas entrar para visitá-lo. A primeira pessoa que entra no quarto é sua esposa. Precisando muito de uma palavra de consolo e de explicação, você olha para ela com tanta esperança, nunca imaginando o que ela vai falar. Ela chega perto da sua cama e começa a gritar: "Eu não entendo a sua atitude", ela diz. "Sua fé não vale nada. Você confia num Deus que fez tudo isso? Amaldiçoe o nome de Deus e morra!" Com essas palavras, ela sai do quarto.

Enquanto você procura entender tudo isso, chegam alguns amigos seus. São velhos amigos, sempre prontos para ajudar. Agora será consolado! Mas, eles entram no quarto, vêem seu estado crítico e seu corpo desfigurado pela doença, e não falam nada. Ficam com a boca aberta, olhando, mas não acreditam. Depois de um longo período de silêncio, um deles fala: "Você mereceu isso. Você deve ter feito alguma maldade muito grande, e Deus está te castigando. Ele tirou todos os seu bens e matou seus filhos. Ele causou esta sua doença. Ele fez tudo isso porque você é mau!" Você começa discutir quando um dos outros concorda com o primeiro, e depois outro também concorda com eles. Não adianta discutir. Para eles, você é um detestável pecador que deve sofrer mais ainda.

De repente, algumas crianças passam no corredor. Você se anima, porque crianças sempre trazem alegria e amor. Mas, estas crianças param na porta, vêem a feiura do seu rosto e corpo, e saem correndo. "Nunca vi nada tão feio", uma delas comenta.

Tudo ficção? Jamais aconteceria uma coisa tão terrível? Modifiquei os detalhes para ajudar você, o leitor moderno, sentir na pele o que aconteceu na vida de Jó. O livro de Jó é, possivelmente, o primeiro livro bíblico escrito. Um homem fiel e abençoado por Deus perdeu, num dia só, todas as suas posses e todos os seus filhos. Logo depois, foi atacado por uma terrível enfermidade. A própria esposa foi contra este homem de Deus, e disse: "Amaldiçoa a Deus e morre" (Jó 2:9). Os amigos o condenaram e discutiram com ele para provar a sua culpa (a maior parte do livro relata essas discussões, começando no 2:11 e continuando até 37:24). Todos os conhecidos dele, até as crianças, o desprezaram (19:13-19).

O livro de Jó trata de um dos assuntos mais difíceis na experiência humana: como entender e lidar com o sofrimento. É um livro rico e cativante que todos os servos de Deus precisam estudar. Um dia, mais cedo ou mais tarde, ele será útil na sua vida. Neste artigo, vamos considerar algumas lições claras e importantes desse livro.

Pessoas boas sofrem

Talvez o ponto principal do livro é o simples fato que pessoas fiéis a Deus ainda sofrem nesta vida. O primeiro versículo do livro já define, do ponto de vista de Deus (veja, também, Jó 1:8) o caráter de Jó: "Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal." Enquanto entendemos que o sofrimento entrou no mundo por causa do pecado (Gênesis 3:16-19), aprendemos em vários trechos bíblicos que a dor e a tristeza atingem as pessoas boas e dedicadas. Jó, um homem íntegro, sofreu imensamente. Paulo, um servo dedicado ao Senhor, sofreu muito mais do que a grande maioria dos ímpios (2 Coríntios 11:23-27). Mesmo quando ele pediu a Deus, querendo alívio de algum problema, Deus recusou seu pedido (2 Coríntios 12:7-9). Mas, não devemos estranhar com isso, pois o próprio Filho de Deus sofreu na carne (Hebreus 2:9-10,18). Os que servem a ele sofrem, também.

O diabo quer nos derrubar com nosso sofrimento

O propósito de Satanás fica bem claro nos primeiros dois capítulos de Jó. Ele vê o sofrimento como uma grande oportunidade para derrubar a fé dos servos de Deus. Ele aceitou o desafio de tentar destruir a fé de um dos homens mais idôneos do mundo. Depois, ele foi tão ousado que desafiou o próprio Jesus, usando todas as tentações imagináveis para o vencer (Mateus 4:1-11). O diabo entende muito sobre a natureza humana. Ele sabe que pessoas que servem a Deus fielmente quando tudo vai bem na vida podem ser tentadas por meio de alguma calamidade pessoal. Problemas financeiros, a morte de um ente querido, alguma doença grave -- tais sofrimentos na vida são, freqüentemente, o motivo de abandonar a Cristo. Enquanto a mulher de Jó não prevaleceu na vida do próprio marido, o conselho dela (Jó 2:9) vem derrubando a fé de muitas outras pessoas que enfrentam dificuldades na vida. Jó não sabia a fonte de seu sofrimento (capítulos 1 e 2 contam a história para nós, mas ele não sabia de tudo que estava acontecendo entre Deus e Satanás). Às vezes, nós não temos noção da fonte das nossas dificuldades. Mas, podemos ter certeza que o diabo está torcendo para que tropecemos e afastemos de Deus.

Amigos nem sempre ajudam

Três amigos de Jó ficaram sabendo de seu sofrimento, "e combinaram ir juntamente condoer-se dele e consolá-lo" (Jó 2:11). Mas as palavras deles não ajudaram. Ofereceram explicações baseadas nas opiniões deles, e não na verdade que vem de Deus. Onde Deus não tinha falado, eles ousaram de falar. O resultado não foi consolo e ajuda, e sim perturbação e desânimo. A mesma coisa acontece hoje. Quando alguém sofre de um problema de saúde, outras pessoas tendem falar sobre algum caso triste de alguém que teve a mesma doença e morreu. Quando uma pessoa amada morre, muitas pessoas procuram confortar a família com palavras insensatas e até mentirosas. É melhor falar umas poucas palavras com compaixão do que falar muito e entristecer a pessoa mais ainda. Quando sofremos perda, é melhor procurar conselho na palavra de Deus e da boca de pessoas que a conhecem e que vivem segundo a vontade do Senhor.

Deus não explica tudo

Quando sofremos, é natural perguntar: "Por quê?". Jó fez isso (Jó 3:24). Habacuque fez a mesma coisa (Habacuque 1:3). Milhões de outras pessoas têm feito a mesma pergunta. É interessante e importante observar que Deus não responde a todas as nossas perguntas. Pode ler o livro de Jó do começo ao fim, e não encontrará uma resposta completa de Deus à pergunta do sofredor. Durante a boa parte da história, Deus deixou Jó e seus amigos a ponderar o problema. Quando o Senhor falou no fim do livro, ele não explicou o porquê. A partir do capítulo 38, Deus afrima que o homem, como mera criatura, não é capaz de entender muitas das coisas de Deus, e não é digno de questionar a sabedoria divina. Jó entendeu a correção de Deus, e respondeu humildemente:"Sou indigno; que te responderia eu? Ponho a mão na minha boca. Uma vez falei e não replicarei, aliás, duas vezes, porém não prosseguirei" (Jó 40:4-5). Jó pediu desculpas a Deus por ter duvidado da justiça e da bondade do Criador: "Na verdade, falei do que não entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia....Por isso, me abomino e me arrependo no pó e na cinza" (Jó 42:3,6).

Depois do sofrimento, vêm as bênçãos

O sofrimento desta vida é temporário. O sofrimento de Jó foi intenso, mas não durou para sempre. É bem provável que ele lembrou, durante o resto da vida, daquelas experiências doloridas. Mas a crise passou, e a vida continuou. Deus restaurou as posses dele em porções dobradas. A mesma coisa acontece conosco. Enfrentamos alguns dias muito difíceis, mas as tempestades passam e a vida continua. Vivendo na época da nova aliança de Cristo, nós temos uma grande vantagem. Temos uma esperança bem definida de uma recompensa eterna no céu (Hebreus 11:13-16,39-40; 12:1-3; 13:14). Qualquer sofrimento é pequeno quando o colocamos no contexto da eternidade.

Fiéis no sofrimento

Nós vamos sofrer nesta vida. Pessoas que dizem que os filhos de Deus não sofrem são falsos mestres que ou não conhecem ou não aceitam a palavra do Senhor. Jó perdeu tudo. Jeremias foi preso. João Batista foi decapitado. Jesus foi crucificado. Estêvão foi apedrejado. Paulo sofreu naufrágio e prisões. Você, também, vai sofrer. Os problemas da vida não sugerem falta de fé, e não são provas de algum terrível pecado na sua vida. Às vezes, as provações vêm como disciplina de Deus (Hebreus 12:6-13); às vezes, não. Mas sempre são oportunidades para crescer (Tiago 1:2-4), e convites para adorar a Deus (Tiago 5:13; Jó 1:20).